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Núcleo de saberes docentes para o ensino: desenvolvimento e validação da escala SABERES

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

MARCOS GILBERTO DOS-SANTOS

NÚCLEO DE SABERES DOCENTES PARA O ENSINO:

DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES

Salvador

2019

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NÚCLEO DE SABERES DOCENTES PARA O ENSINO:

DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES

Tese apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em Administração, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Adriano Leal Bruni

Salvador

2019

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Escola de Administração - UFBA

D724 Dos-Santos, Marcos Gilberto.

Núcleo de saberes docentes para o ensino: desenvolvimento e validação da escala SABERES / Marcos Gilberto Dos-Santos. – 2019. 165 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Adriano Leal Bruni.

Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Salvador, 2019.

1. Formação de professores – Estudo e ensino. 2. Professores - Avaliação. 3. Formação profissional – Indicadores. 4. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. 5. Conhecimento e

aprendizagem. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração. II. Título. CDD – 371.12 CDU – 371.13

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NÚCLEO DE SABERES DOCENTES PARA O ENSINO: DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Administração no Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia.

Aprovado em 26 de março de 2019.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Adriano Leal Bruni – Orientador ________________________________________ Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo, Brasil.

Universidade Federal da Bahia.

Profa. Dra. Amali de Angelis Mussi _____________________________________________ Doutora em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil.

Universidade Estadual de Feira de Santana.

Profa. Dra. Cristina Maria d´Ávila Teixeira________________________________________ Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.

Universidade Federal da Bahia.

Profa. Dra. Elisabeth Regina Loiola da Cruz Souza __________________________________ Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.

Universidade Federal da Bahia.

Prof. Dr. Miguel Angel Rivera-Castro ____________________________________________ Doutor em Economia pela USC- Espanha.

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Dedico este trabalho à Professora Lúcia Figueredo, a primeira professora da minha família; Edite Maria dos Santos, minha mãe, minha origem e professora da vida inteira; Maria Teresa e Davi Gilberto, meus filhos, minha alegria e perenidade nesse mundo.

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construção, eu contei com o apoio de inúmeras pessoas e instituições que me acompanharam e deram suporte, contribuindo para essa realização.

Inicialmente, agradeço ao meu orientador, o professor Dr. Adriano Leal Bruni, que me acolheu e incentivou em mim muito mais que uma tese, uma carreira. Estendo esse agradecimento a todos os professores do NPGA – Núcleo de Pós-Graduação em Administração – da Universidade Federal da Bahia, e todos os funcionários administrativos e do apoio que contribuíram para a minha formação no doutorado.

Agradeço ao povo brasileiro que, através da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – financiou parte do meu doutorado através da bolsa institucional. No campo acadêmico, agradeço aos avaliadores por suas contribuições e observações sobre o trabalho.

Professora Dra. Elizabeth Loiola, sua generosidade e atenção muito me marcaram desde a qualificação. Sua trajetória é inspiradora e te encontrar é sempre muito encorajador.

Professora Dra. Amali Mussi, agradeço pelas contribuições desde a validação teórica da escala quando, sem nos conhecermos, fez uma avaliação tão cuidadosa e contributiva.

Professora Dra. Cristina d’Ávila, te conhecer mudou o rumo da minha pesquisa e mudou o rumo da minha história docente. Minha trajetória profissional sempre será marcada pelos encontros contigo. Sua pesquisa é envolvente e atraente, um ímã de sensibilidade e afeto. Agradeço ainda a contribuição na validação da escala e por abrir as portas do ENDIPE para a aplicação dos questionários.

Professor Dr. Miguel Angel Rivera-Castro, agradeço sua mentoria desde o mestrado. Sua generosidade é cativante e sou grato por motivos que nem cabem nessa tese. Sou devedor de tantos benefícios que precisarei de mais duas gerações para retribuir. Desde a FAT, o R, os métodos quantitativos, os trabalhos de pesquisa, os conselhos para o doutorado e a tese... Muito obrigado!

Também agradeço aos professores que contribuíram na validação da escala.

Professora Dra. Ivonete Amorim, agradeço muito sua participação e contribuição na validação teórica da escala.

Professor Dr. Jader Souza-Silva, para além da contribuição na validação da escala, muito obrigado pelos ensinamentos desde o mestrado e o incentivo sempre presente para a pesquisa e para uma carreira docente comprometida.

Professora Dra. Selma Daltro, obrigado pelas contribuições na escala e obrigado por sua amizade e genuína torcida no meu desenvolvimento profissional. Aprendi tanto contigo que é como se eu tivesse feito uma disciplina de educação ministrada de forma brilhante por você.

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Professora Dra. Fernanda Almeida, agradeço sua participação na validação da escala, mas também por todo apoio nos momentos em que solicitei uma dica e apoio de alguém tão bem qualificada na área da educação. Bibliografias, trocas de ideias, apoio na pesquisa e discussão dos achados. Sua participação e contribuição abrilhantaram os achados dessa pesquisa.

Aos professores que participaram da validação semântica da escala, representados aqui pela professora Dra. Flávia Damião, meu muito obrigado!

Aos 829 professores de todo o Brasil que responderam à pesquisa, agradeço a cada um e cada uma pelo tempo disponibilizado. Vocês são coautores desse trabalho, pois, com as suas interpretações, construímos conjuntamente os dados dessa pesquisa.

Aos meus colegas do NPGA-UFBA da turma 2015, os de longe e os de perto, muito obrigado por todo apoio, encorajamento e aprendizado compartilhado no nosso processo formativo. Aos meus colegas de trabalho que, com seu apoio e incentivo, contribuíram no meu processo formativo no doutorado. Professor Dr. José Maria Dias Filho, um profissional inspirador; Professora Dra. Ana Rita Sacramento, pelas mãos de quem me fiz professor; Professora Dra. Nildecy de Miranda Nascimento, conselheira de primeira hora; Colegas do Núcleo de Apoio ao Docente da FAT, de onde brotou um belo trabalho colaborativo e as sementes desse doutorado; Dona Miralva, Glaydson e Paula Jardim, obrigado por todo apoio.

Aos meus colegas do IFBA campus Paulo Afonso, obrigado por todo apoio e torcida, especialmente na reta final. Um agradecimento especial às professoras Brunna Vasconcelos, Angélica Reis e Marcio Nicory, amigos de primeira hora.

Agradeço também aos meus familiares por todo apoio e incentivo, em especial minha mãe, sempre presente e sempre disponível. Aos meus filhos, Maria Teresa e Davi Gilberto, minha fonte de inspiração e de coragem, minha alegria e felicidade, minha força e disposição para avançar. Obrigado por fazerem minha existência plena e cheia de esperanças no futuro.

Agradeço também a Vanessa Ribeiro pelo incentivo profissional na minha trajetória de formação docente e pelo suporte aos nossos filhos nas minhas longas ausências no processo de construção dessa tese.

Agradeço aos meus irmãos, representados pelo professor Me. Nélio Gilberto dos Santos, pelo incentivo e momentos de partilha ao longo do doutorado.

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A universidade não tem nenhuma verdade a dar... A não ser a única verdade possível, que é a de buscá-la eternamente. Anísio Teixeira (Educação e Universidade, 1962, p. 17).

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- PPGA, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, 2019.

RESUMO

O trabalho realizou a construção de uma escala de saberes docentes para o ensino e sua consequente validação no Brasil. O saber docente, proveniente de uma variedade de fontes e transformado ao longo da prática, é importante para o trabalho do professor, influenciando a sua própria constituição profissional e o seu fazer docente. Baseado principalmente nas contribuições de Tardif (2014), Gauthier et al. (2006) e Shulman (1986; 1987), e seguindo os protocolos de construção de escala para construtos latentes, o trabalho propõe uma escala com um núcleo de saberes composta de oito dimensões e 32 itens. Estão contemplados os saberes do conteúdo, curriculares, das ciências da educação, didáticos de mediação da matéria, didáticos de mediação da classe, ludo-sensíveis, do contexto e os saberes institucionais. Após validação semântica e análise de especialistas, a escala foi aplicada inserida em um questionário que incluía perguntas sobre a atuação e trajetória formativa dos respondentes. Participaram da pesquisa 829 professores das 27 unidades federativas do Brasil e de todos os níveis de ensino. A partir da análise fatorial confirmatória, a escala apresentou validade convergente, discriminante e confiabilidade. A análise multigrupo indica que a escala apresenta indicadores consistentes para todos os níveis de ensino (infantil, fundamental, médio e superior). Resultados semelhantes também indicam consistência entre licenciados e entre professores da rede pública de ensino. Assim, a escala SABERES torna-se um instrumento de pesquisa que pode ser usado para identificar relações entre os saberes docentes e outros aspectos da formação do professor como tempo de profissão, área de atuação, impacto das condições materiais do trabalho e contribuição das diversas modalidades nas trajetórias formativas.

Palavras-chave: Saberes docentes. Escala de medida. Escala de saberes docentes. Formação docente. Saberes ludo-sensíveis. Saberes institucionais.

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Administração, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, 2019.

ABSTRACT

The work carried out the construction of a scale of wisdom for teaching and its validation in Brazil. Teaching knowledge, coming from a variety of sources and transformed throughout practice, is important for the work of the teacher, influencing his own professional constitution and his teaching. Based mainly on the contributions of Tardif (2014), Gauthier et al. (2006) and Shulman (1986, 1987), and following the scale construction protocols for latent constructs (DE VELLIS, 2016), was proposed a scale with a core of knowledge consisting of eight dimensions and 32 items. The content knowledge, curricular, educational sciences, didactics of mediation of the subject, didactic mediation of the class, ludo-sensitive, the context and the institutional wisdom are contemplated. After semantic validation and expert analysis, the scale was applied and inserted in a questionnaire that included questions about the respondent's performance and formative trajectory. 829 professors from the 27 federative units of Brazil and from all levels of education were in the study. From the confirmatory factor analysis, the scale showed convergente and discriminant validity and reliability. Multi-group analysis indicated that the scale presents consistent indicators for all levels of education (kindergarten, elementary, high school and higher education). Similar results also indicate consistency among graduates and among public school teachers. Then, the SABERES scale becomes a research tool that can be used to identify relationships between teacher knowledge and other aspects of teacher education, such as time of profession, area of work, impact of material conditions of work and contribution of the different modalities in the formative trajectories.

Keywords: Wisdom for teaching. Measurement scale. Wisdom for teaching scale. Teaching training. Ludo-sensitive wisdom. Institutional wisdom.

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Administração, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, 2019.

RÉSUMÉ

Ce travail a réalise la construction et la validation d'une échelle du savoir pédagogique pour l'enseignement au Brésil. Le savoir pédagogique qui provient d'une multiplicité de sources et qui est transformé tout au long de sa pratique, est d'une importance fondamentale pour le travail de l'enseignant, car il est déterminant pour sa constitution entant que professionnel et pour sa pratique pédagogique. Fondée principalement dans les travaux de Tardif (2014), Gauthier et al. (2006) et Shulman (1986;1987), et suivant les protocoles de construction d'échelle pour les constructions latentes (DE VELLIS, 2016), le texte propose une échelle avec un noyau de savoirs composé de huit dimensions et de 32 éléments. En sont envisagés les savoirs du contenu, ceux du curriculum, des sciences de l'éducation, ceux didactique de la médiation du sujet, ceux didactique de la médiation de la classe, ainsi que ceux ludique-sensoriels, et encore ceux du contexte et des savoirs institutionnelles. Après la validation sémantique et l'analyse des spécialistes, l'échelle a été appliquée et insérée dans un questionnaire comprenant des interrogations sur les performances et la trajectoire de formation de la personne interrogée. 829 enseignants des différents niveaux de scolarité, issus des 27 unités fédératives du Brésil, ont pris part à l’enquête. D'après l'analyse factorielle confirmatoire, l'échelle a montrée une validité convergente, discriminante et fiable. L'analyse multi-groupes indique que l'échelle présente des indicateurs cohérents pour tous les niveaux d'éducation (maternel, collège, lycée et université). Des résultats similaires indiquent également une cohérence parmi les diplômés d'une licence et parmi les enseignants des écoles publiques. Ainsi, l’échelle SABERES devient un outil d’enquête qui peut être utilisé pour identifier les relations entre les savoirs des enseignants et d’autres aspects de leur formation, tels que la durée de leur profession, le domaine d’activité, l’impact des conditions matérielles de travail et la contribution des différentes modalités dans les trajectoires formatrices.

Mots-clés: Savoir des enseignants. Échelle de savoirs des enseignants. Formation des enseignants. Savoir ludique-sensoriels. Savoir institutionnelles.

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1.1. APRESENTAÇÃO ... 13 1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO ... 14 1.3. OBJETIVOS ... 16 1.4. PLANO DO TRABALHO ... 17 2. METODOLOGIA DO TRABALHO ... 19 2.1. POSTURA EPISTEMOLÓGICA ... 19

2.2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ASSOCIADOS AO TRABALHO ... 22

2.3. UNIVERSO E AMOSTRA ... 24

2.4. CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA ... 24

3. SABERES DOCENTES: AS CONCEPÇÕES E AS FONTES ... 26

3.1. TRAJETÓRIA QUE GERA SABERES ... 26

3.2. A PROFISSIONALIZAÇÃO AMPARADA NOS SABERES ... 28

3.3. MAS... O QUE SÃO OS SABERES? ... 31

3.4. UMA PROPOSTA DE DEFINIÇÃO PARA SABERES DOCENTES ... 34

3.5. DE ONDE VÊM OS SABERES?AS FONTES ... 38

4. TIPOLOGIA DE SABERES DOCENTES ... 44

4.1. TIPOLOGIAS DOS MESTRES ... 44

4.1.1. A tipologia de Lee Shulman ... 46

4.1.2. A tipologia de Maurice Tardif ... 48

4.1.3. A tipologia de Clermont Gauthier ... 53

4.2. UMA PROPOSTA PARA O NÚCLEO DE SABERES DOCENTES... 57

4.2.1. Saberes da matéria ... 58

4.2.1.1. Saberes do conteúdo ... 59

4.2.1.2. Saberes curriculares... 59

4.2.2. Saberes pedagógicos ... 60

4.2.2.1. Saberes das ciências da educação... 61

4.2.2.2. Saberes didáticos da mediação da matéria ... 62

4.2.2.3. Saberes didáticos de mediação da classe... 63

4.2.2.4. Saberes ludo-sensíveis... 64

4.2.3. Saberes contextuais... 66

4.2.3.1. Saberes do contexto do ensino ... 67

4.2.3.2. Saberes institucionais ... 68

5. CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES ... 69

5.1. DESENVOLVIMENTO DE ESCALAS DE MEDIDA ... 73

5.1.1. Procedimentos teóricos ... 74

5.1.2. Procedimentos empíricos ... 76

5.1.3. Procedimentos analíticos ... 77

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5.2.2. Validade discriminante ... 85

5.2.3. Confiabilidade ... 86

5.3. A BASE TEÓRICA DA ESCALA SABERES ... 87

5.4. OS DOMÍNIOS DO CONSTRUTO NÚCLEO DE SABERES DOCENTES ... 88

5.5. DESENVOLVIMENTO DOS ITENS DA ESCALA SABERES ... 89

5.5.1. Análise Semântica ... 93

5.5.2. Análise dos juízes ... 94

5.6. PROPOSTA DA ESCALA SABERES... 95

5.7. HIPÓTESES DO TRABALHO ... 97

6. RESULTADOS ... 99

6.1. PLANO DE APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ... 99

6.2. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA ... 99

6.3. ANÁLISE DESCRITIVA DAS VARIÁVEIS ... 104

6.4. ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA DA ESCALA SABERES ... 109

6.5. ANÁLISE DA VALIDADE E CONFIABILIDADE DA ESCALA SABERES ... 113

6.6. VERIFICAÇÃO DAS HIPÓTESES ... 116

6.7. ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA MULTIGRUPOS ... 117

6.8. RELAÇÕES DOS SABERES COM A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR ... 126

7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 129

7.1. OS ITENS DA ESCALA SABERES ... 129

7.2. A VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES ... 131

7.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A VALIDADE DA ESCALA SABERES ... 132

7.3.1. Domínio saberes da matéria ... 133

7.3.2. Domínio saberes pedagógicos ... 135

7.3.3. Domínio saberes contextuais ... 140

7.4. AS CORRELAÇÕES ENTRE OS SABERES DOCENTES E A VIDA DO PROFESSOR ... 141

8. CONCLUSÃO ... 147

REFERÊNCIAS ... 152

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE VALIDAÇÃO DA ESCALA SABERES ... 159

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1. INTRODUÇÃO 1.1. Apresentação

Estudar os saberes dos professores utilizados na atividade de ensino é o objetivo do presente trabalho e está intensamente relacionado com a minha carreira docente. Tornei-me professor aos 39 anos, idade em que muitos colegas já contam com vinte anos de experiência e essa defasagem me incentivou a mergulhar de forma consciente em uma trajetória formativa intensa, reflexiva e variada.

Intensa porque ela ocorria em todas as situações da minha vida acadêmica, desde a situação de estudante de mestrado, passando pela atividade de monitor de disciplina, estágio docente, e culminando com o início da atividade de professor assumindo uma turma por um semestre. Reflexiva porque em todas essas situações eu me perguntava dos processos sociais, cognitivos, hierárquicos e afetivos que atuavam no ambiente da educação e como eles interferiam no meu aprendizado. Eu também me perguntava do professor, do seu aprendizado, segurança, premissas e ficava entusiasmado ao perceber mudanças de rota no meio de uma aula, as contingências que se impunham ao processo de ensino e aprendizado e as soluções adotadas. Essa postura reflexiva me acompanhou também no início da minha atuação como professor e, durante e após as aulas, eu me colocava questões sobre as atividades realizadas, respostas dos alunos e desafios vividos.

Por fim, uma trajetória formativa variada porque percebi a multiplicidade de saberes dos professores, suas diversas fontes e as muitas modalidades de aprendizagem. Eu aprendi os assuntos a serem ensinados, a montar um plano de aula, transformar uma ementa em conteúdo. Aprendi a lidar com alunos motivados e desmotivados, regras institucionais, gerir o tempo da aula.

Em relação às fontes, aprendi com meus professores (os bons e os nem tão bons assim), com experiências de desconhecidos escritas em livros e artigos e também aprendi no contexto da prática, refletindo sobre as experiências vividas. Já em relação às modalidades, aprendi vivenciado o estágio docente, aprendi sendo professor, aprendi lendo livros e textos sobre a docência e também interagindo com os colegas. Assim, me fiz e me faço professor em uma trajetória rica, forte em interação e, ao mesmo tempo, particular e com alto grau de autonomia. Bem, se a minha trajetória é assim, intensa, reflexiva e variada, assim também deve ser a trajetória formativa dos meus colegas de profissão. É nesse contexto de aprendizado reflexivo que passei a me interessar pela formação dos professores: O que sabem e como aprendem os professores? Essa questão me acompanha e me conduziu à presente pesquisa.

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1.2. Contextualização

O tema dos saberes dos professores ganha relevância social ao se perceber quão estratégica é a atuação desse profissional na sociedade moderna, chamada de era do conhecimento. Nesse sentido, Gauthier et al. (2006, p. 56) entende que “se o conhecimento é, doravante, colocado entre as matérias primas indispensáveis ao progresso econômico e social, a escola deve, então, assumir um papel preponderante”. Nessa atuação estratégica, cabe aos professores compartilharem com as novas gerações os conhecimentos construídos na sociedade e elegidos ao status de conhecimento relevante e, mesmo em uma sociedade com múltiplas fontes de aprendizado, o professor continua detentor de um importante papel no desenvolvimento humano, profissional e social (LIBÂNEO, 2001).

Desafios também se impõem a esse papel estratégico dos trabalhadores da educação pois, se o surgimento de novos conhecimentos tem relevância crescente (papel do pesquisador), o seu compartilhamento e ensino não gozam da mesma notoriedade (papel do professor). Como observa Tardif (2014), o prestígio do pesquisador e a atratividade dessa carreira ofuscam a atividade de ensino, fragilizando a concepção de atuação conjunta entre ensino e pesquisa. Por uma certa influência do pensamento industrial, também em educação, foi adotado o critério de divisão do trabalho por especialização de funções (LUCK, 1981). Essa separação já se deu no ensino nos níveis fundamental e médio, onde docentes não participam da produção do conhecimento que ensinam, atuando como expositores de um conhecimento desenvolvido, elaborado, consolidado e selecionado por outros grupos, sejam pesquisadores, coordenadores pedagógicos ou planejadores educacionais (PEREIRA, 2017). Tardif (2014, p. 35) indica que “o corpo docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais distintos, destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção dos saberes sem nenhuma relação entre si”. Nesse sentido, Charão e Santos (2016) e Maués e Souza (2016) chamam de trabalho estranhado a atividade docente despida de autoria, cabendo ao professor atuar como mero transmissor de um conhecimento desenvolvido e planejado por outros. No ensino superior, a atividade de pesquisa encontra-se conectada ao ensino, porém trabalhos como o de Mill, Ribeiro e Oliveira (2011) e o de Charão e Santos (2016) indicam que é cada vez maior a separação entre essas duas dimensões, em especial com o crescimento da modalidade de Ensino EAD (Ensino à Distância), que contribui para a fragmentação do trabalho docente em relação às suas funções, etapas e características. “Tal fenômeno parece caracterizar a evolução atual

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das instituições universitárias, que caminham em direção a uma crescente separação das missões de pesquisa e ensino” (TARDIF, 2014, p. 35).

Se o papel estratégico do professor é reconhecido e os efeitos positivos da educação tidos como certos, entender o processo de formação dos professores ganha relevância e pode contribuir para um maior reconhecimento da categoria profissional. De fato, Gauthier et al. (2006) defendem que o status de profissão para os professores também depende de um reconhecido corpo de saberes a eles atribuídos e compartilhados no processo formativo. Saberes esses plurais, contextualizados e diversos (TARDIF, 2000) e às vezes difíceis de caracterizar e, portanto, compartilhar com outros professores. Nesse aspecto, os saberes solitários de professores que, isoladamente, os desenvolveram, não ajudam no reconhecimento da profissão e permanecem como uma ‘jurisprudência privada’ (GAUTHIER et al., 2006). Ou seja, desenvolveram sozinhos num contexto de aprendizado pela prática e permanecerão com seu autor com pouca comunicação com os colegas de profissão. Mas, se os saberes assim permanecessem, no que consistiria o processo formal de formação de professores? O que ensinar se somente a prática ensina e é sozinho que se aprende? Ao contrário, tem sido cada vez maior o esforço de entender, classificar, mapear e teorizar esses saberes, mesmo diante do desafio de tratar-se de um construto complexo e altamente imbricado com o contexto no qual é gerado (TARDIF, 2002).

Nesse sentido, entender esses saberes em suas diversas dimensões pode, não somente ajudar para melhorar a formação docente, como pode contribuir para o avanço do status social da profissão de professor.

Após 35 anos do artigo seminal de Shulman (1986) sobre a base de saberes dos professores (knowledge base), muito já se sabe de suas características, influências e desenvolvimento no tempo. Inúmeras pesquisas de cunho qualitativo com uso de estudos de caso, pesquisa-ação, observação direta, história de vida, etnografias e entrevistas em profundidade contribuíram para a formação de um corpo de conhecimento relativamente estável e amplamente aceito. A partir de tal corpo de conhecimento, começa a ser possível identificar características e dimensões dos saberes que se mostram consistentes em inúmeros contextos de ensino, tal como o saber da matéria e o saber didático do conteúdo (NBPTS, 2016).

Ainda assim, as propostas dos principais autores, como Tardif (2014), Gauthier et al. (2006) e Shulman (1986; 1987), para tipologia de saberes docentes deixam lacunas ao priorizar um tipo de conhecimento em detrimento dos demais. Assim, enquanto Tardif desenvolve os saberes da experiência e pouco desenvolve os saberes contextuais ou didáticos, Gauthier se dedica aos

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didáticos e dá pouca atenção aos saberes da matéria, estes bem desenvolvidos por Shulman, deixando, porém, de citar os saberes institucionais ou pouco referenciando os saberes das ciências da educação. Além disso, os principais autores não tratam dos saberes ligados à ludicidade no ensino, um tema que tem crescido em importância na medida em que o engajamento dos estudantes passa a ser considerado crucial no processo de ensino. A constatação natural é de que existe uma lacuna na literatura no tocante a uma tipologia integrativa que possa cobrir os principais saberes dos professores utilizados no ensino. É nesse contexto que se insere essa pesquisa. Assim, apoiado em três décadas de pesquisas qualitativas, pode-se propor a investigação de características e domínios do saber docente que podem se mostrar estáveis em contextos variados, como diferentes níveis de ensino, e até em contextos mais amplos, como as diferentes regiões do Brasil. A partir dessas contribuições e levando em conta as lacunas identificadas, me proponho a desenvolver uma tipologia integrativa que comporte um núcleo de saberes com as dimensões dos saberes docentes a partir de uma escala de medida. Isso significa desenvolver e validar uma escala de saberes do ensino em uma ampla amostra de professores. Essa proposta tem a vantagem de, a partir dos critérios de validação da escala previstos na literatura, desenvolver a escala com base na tipologia aqui proposta, validar teoricamente e, em seguida, validar estatisticamente o modelo no contexto empírico.

Assim, a pergunta que guia esse trabalho pode ser posta com as seguintes palavras: Uma proposta de núcleo de saberes docentes pode se mostrar consistente e estável em uma escala de medida aplicada a contexto mais amplo com professores de diferentes níveis de ensino?

1.3. Objetivos

A partir dessa pergunta, o objetivo geral dessa pesquisa é propor um núcleo de saberes dos professores para as atividades de ensino e construir e validar uma escala de saberes docentes para todos os níveis de ensino no Brasil.

Para atingir esse objetivo geral, foram traçados os seguintes objetivos específicos:

a) Mapear os saberes docentes na literatura nacional e internacional e propor uma tipologia integrativa baseada na prática dos professores.

b) Desenvolver, a partir da tipologia proposta, uma escala de medida chamada SABERES, que possibilite mensurar a percepção dos próprios professores sobre os seus saberes docentes.

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c) Validar a escala SABERES – escala de saberes docentes para o ensino – teórica e estatisticamente com um público de professores oriundo de todos os níveis de ensino e regiões do Brasil.

A tese que embasa essa pesquisa é de que existe um núcleo de saberes docentes para o ensino que possa ser expresso por meio da escala SABERES e que se mostre válida e confiável em diversos contextos de atuação docente.

1.4. Plano do trabalho

A partir desse plano, essa tese está assim disposta: nesse primeiro capítulo introdutório apresentei as minhas motivações com o tema, uma contextualização da pesquisa em saberes docentes e a justificativa para o presente estudo, seguida dos objetivos gerais e específicos e da tese aqui defendida.

O capítulo 2 apresenta a metodologia da pesquisa partindo da postura epistemológica por mim assumida e seguida dos procedimentos metodológicos utilizados para aplicação dos questionários e validação estatística da escala SABERES.

O capítulo 3 apresenta as concepções e elementos dos saberes docentes, bem como suas fontes. Naquele ponto, faço uma proposta de classificação em dois tipos de fontes para os saberes docentes. Também no capítulo 3 eu apresento as definições dos principais autores e proponho uma definição que acompanha a minha concepção para uma base de saberes docentes.

No quarto capítulo eu apresento as tipologias de saberes propostas ao longo dos últimos 35 anos pelos principais autores da área, bem como as propostas dos principais autores brasileiros. Nesse tópico eu apresento uma proposta de tipologia desenvolvida para esse trabalho que tem a vantagem de estabelecer uma hierarquia e uma rede de relações entre os saberes dos professores.

O capítulo 5 está dedicado à escala de medida, onde eu apresento a concepção e uso das escalas, bem como as etapas para o seu desenvolvimento. Em seguida eu detalho o processo de desenvolvimento da escala SABERES desde a concepção teórica até a composição dos itens e apresentação do formato a ser validado na pesquisa empírica, ou seja, está detalhada a produção qualitativa do instrumento a ser utilizado, seguida da apresentação das hipóteses dessa pesquisa, relacionando-as com a teoria e a escala SABERES.

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O capítulo seis apresenta os resultados quantitativos da pesquisa, incluindo a caracterização da amostra, a análise fatorial confirmatória e a validação da escala na amostra completa e também nos subgrupos.

No capítulo sete eu faço a discussão dos resultados encontrados tanto em relação à validação da escala como em relação ao seu desempenho nos diferentes grupos de professores. Também apresento um estudo adicional com as correlações entre os domínios dos saberes docentes e os principais aspectos da trajetória profissional do professor.

Finalizo a tese com o capítulo oito apresentando as conclusões do trabalho, incluindo as principais contribuições e as possibilidades de pesquisas futuras a partir do trabalho aqui desenvolvido.

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2. METODOLOGIA DO TRABALHO 2.1. Postura epistemológica

É um grande desafio pesquisar os saberes docentes porque a classificação didática e científica que fazemos para os saberes é desconhecida da maioria dos professores. Os docentes, enquanto agem, não separam os saberes e nem percebem que mobilizam diferentes saberes numa mesma ação. Tampouco têm consciência clara de quais saberes estão lançando mão de forma objetiva. Como salienta Tardif (2000, p. 15), os saberes “são fortemente personalizados, ou seja, se trata de saberes raramente formalizados, de saberes objetivados, mas sim de saberes apropriados, incorporados, subjetivados”. Além de que, “para os professores, nem sempre é fácil teorizar sobre a sua prática e formalizar seus saberes que eles veem como pessoais, tácitos e íntimos (TARDIF, 2000, p. 20). Confirmando esse desafio, d’Ávila e Leal (2015), em uma pesquisa com professores licenciados, ou seja, com formação voltada ao ensino, identificaram que os professores apresentam pouca convergência no que entendem como saberes e têm dificuldades em apontar aqueles específicos da profissão docente. Esses achados indicam que eu me proponho a pesquisar saberes docentes junto a professores que pouco sabem sobre as propostas conceituais existentes. Ou seja, essa pesquisa acessa uma realidade que, para os seus portadores, é pouco sistematizada e estruturada.

Esse é um dado da realidade que tem impacto direto na etapa empírica da pesquisa. Entre os autores que investigam os saberes docentes, Tardif (2000; 2014) se destaca por refletir seriamente sobre essa questão e propor o uso de uma abordagem epistemológica que leve em conta as condições e o uso desses saberes o mais próximo possível da prática e do trabalho do professor. Nessa direção, a adesão a uma epistemologia da prática exige do pesquisador uma aproximação com o contexto do trabalho considerando as atividades, os símbolos, os significados e a trajetória formativa do professor. A própria definição proposta pelo autor alega que “chamamos de epistemologia da prática profissional o estudo dos conjuntos dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (TARDIF, 2000, p. 10).

Para o autor, a pesquisa sobre os saberes docentes pode contribuir ao elaborar um repertório de conhecimento para o ensino “baseado no estudo dos saberes profissionais dos professores tais como estes os utilizam e mobilizam nos diversos contextos do seu trabalho cotidiano” (TARDIF, 2000, p. 20). Assim, declaro uma adesão à epistemologia da prática com o objetivo de investigar os saberes em ação, em suas expressões manifestas nas atividades de ensino por professores que trazem distintas trajetórias formativas.

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Outro ponto a ser destacado é a concepção de pesquisa enquanto produção conjunta de conhecimento entre os envolvidos, incluindo o próprio pesquisador, o orientador, os autores de sua linha teórica e, especialmente na construção dos resultados, os respondentes. Nesse caso, a importância do método (ou metodologia) não é tanto a reprodutibilidade, como na ciência positivista, mas uma ‘legitimação social do caminho’ segundo os critérios aceitos em um tempo e em um conjunto social. No desenrolar dessa pesquisa, uma miríade de decisões foi tomada desde a definição do tema, escolha da literatura, definição do modelo de análise, público da amostra, uma série de decisões estatísticas e, por fim, a escolha do que mostrar e do que omitir entre os resultados disponíveis. Esperar a reprodução dessa pesquisa tal qual realizada não é razoável. Assim, a explicitação do caminho metodológico tem mais uma função de compartilhamento da trajetória realizada e as decisões tomadas em seu percurso. Nesse aspecto, me posiciono como um pesquisador coautor do conhecimento aqui desenvolvido.

Como explicado no tópico de procedimentos metodológicos adiante, essa pesquisa usa uma escala de medida com o objetivo de captar a percepção do professor acerca do próprio domínio dos saberes docentes, com respostas analisadas a partir de métodos estatísticos. Porém, o uso da estatística e dos números não é suficiente para trazer à essa pesquisa aqueles critérios previstos pela ciência positivista, a saber, separação entre sujeito e objeto, não interferência do pesquisador e precisão (DOS-SANTOS, PEREIRA, BRUNI, 2017). Não é possível a separação entre sujeito e objeto porque o saber do professor é parte constitutiva de sua identidade e está entrelaçado com sua história e envolvido em uma rede de significados ligadas ao sujeito, o que me inclui, como pesquisador e professor. A não interferência do pesquisador também está descartada, não por um descuido ou intenção, mas por reconhecer que a minha atuação inclui valores pessoais, preferências e limitações que refletem na prática da pesquisa. Isso inclui, por exemplo, a exclusão da literatura em língua germânica. Essa interferência também se revela na composição das frases que integram o questionário aplicado aos professores, nesse caso, uma composição em colaboração com professores especialistas e professores avaliadores e interpretada pelo respondente. Ou seja, estou acessando o que eu acho que é o saber docente, a partir de um texto que eu acho que o representa e lido por um professor que, por sua vez, fará sua própria interpretação, aproximando a sua resposta para uma das alternativas disponíveis. Aqui, um cientista do século XIX estaria tendo calafrios. Não que antes fosse diferente, porém, na atualidade, esses limites estão mais claros na pesquisa.

Por fim, a pretensão de precisão também está ausente porque o conhecimento aqui desenvolvido está sujeito a uma legitimação do campo de estudo que é dinâmico e também temporal. Se tem

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alguma precisão no conhecimento aqui produzido, ela é uma precisão conjuntural e dependente do contexto. E mesmo o uso da estatística corrobora esse argumento. Diferente da matemática pura, a estatística é a matemática da possibilidade, da probabilidade e, portanto, da imprecisão. Isso significa que os achados aqui disponíveis requerem um grande cuidado antes de serem passíveis de generalização. Antes, devem ser tomados pelo campo de estudo como um repositório de saberes a ser levado em conta e utilizado com prudência e parcimônia (GAUTHIER et al., 2006).

O que significa essa postura epistemológica no quadro dessa pesquisa? Primeiramente, significa uma aproximação com o campo ciente da minha própria trajetória. Um professor e pesquisador com cinco anos de experiência (portanto, fechando a primeira etapa da trajetória profissional) e, tendo o bacharelado por formação inicial, consciente de todas as lacunas de se tornar um professor universitário sem a formação profissional que a atividade requer para uma plena atuação. Apesar disso, ou por causa disso, muito interessado nos aspectos formativos da docência na dinâmica do exercício profissional.

Em segundo lugar, significa que a construção desse trabalho leva em conta o exercício do trabalho do professor em ação. Uma epistemologia da prática privilegia não somente a visão do sujeito, mas a visão desse sujeito sobre o seu trabalho. Assim, a operacionalização da pesquisa se dá com frases que representam a atividade do dia a dia do professor, ou seja, o que ele faz enquanto trabalha e o que ele sabe para trabalhar. A premissa que embasa essa decisão é de que o saber do professor, apesar de complexo e multifacetado, se expressa em atividades perceptíveis na sua ação laboral. Pasquali (2017) defende que podemos acessar realidades escondidas ou latentes a partir de comportamento visíveis e manifestos a elas relacionadas. Como terceiro ponto, saliento a importância de considerar os saberes dos professores dentro de uma trajetória profissional e formativa que é, ao mesmo tempo, singular e contingencial (GAUTHIER et al., 2016). Assim, não somente o tempo de profissão influencia os saberes, mas também em quais atividades o professor se envolveu nessa trajetória. Por isso, a caracterização do respondente da pesquisa inclui, além do tempo de profissão, informações sobre os níveis de ensino que já atuou, especializações na área de metodologia, tipo de instituição que atua e formato de vínculo de trabalho no qual opera, entre outras informações sobre os caminhos percorridos.

Por fim, significa permanecer atento às interações presentes na pesquisa que representam uma oportunidade de enriquecimento da participação dos outros atores presentes. Em especial, 18 professoras e professores que opinaram na construção das frases do questionário, os 6 juízes

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especialistas que trouxeram contribuições ao instrumento e, principalmente, os 829 participantes que, com suas respostas, construíram as relações encontradas entre os saberes aqui estudados. Trata-se, portando, de um conhecimento produzido colaborativamente tal qual a prática docente, na qual, contando com o protagonismo e autoria do professor, se faz em interação colaborativa com um sem-número de envolvidos no processo de ensino.

Essas considerações metodológicas não somente atuam como premissa, mas, de forma concreta, influenciam as decisões tomadas e as escolhas realizadas no percurso dessa empreitada. Escolhas essas detalhadas no tópico sobre os procedimentos metodológicos a seguir.

2.2. Procedimentos metodológicos associados ao trabalho

O objetivo principal desse trabalho é desenvolver e validar uma escala de saberes docentes que permita mensurar os saberes dos professores e relacioná-los com outros atributos do seu percurso profissional. Para tanto, três grandes frentes de trabalho devem ser conduzidas: (a) uma revisão de literatura que permita cobrir teoricamente o tema estudado; (b) o desenvolvimento da escala SABERES e a validação teórica a partir dos domínios de saberes mapeados na literatura; (c) aplicação da escala a professores e análise dos dados para validação estatística da escala.

A revisão de literatura empregada nesse trabalho pode ser caracterizada como estado da arte ou revisão narrativa na qual, segundo Vosgerau e Romanowski (2014), são consultados artigos e escritos da área estudada sem uma preocupação sistemática de quantificação de resultados e replicação de achados. Para o tema saberes docentes, foram pesquisados artigos dos últimos cinco anos na base Scielo e Google acadêmico com o termo “saberes docentes”. Como mais de 12mil obras foram encontradas, a busca foi restrita ao título, com cerca de 600 ocorrências. Desse universo, foram lidos os mais relevantes em termos de número de citações com o objetivo de se chegar aos autores seminais da área. Logo se sobressaíram os trabalhos de Tardif (2014), Gauthier et al. (2006) como os mais citados. Continuando as buscas pelos autores com contribuições inéditas, a partir de García (1999) e Gauthier et al. (2006), que apresentam uma extensa revisão de literatura, cheguei a Shulman (1986; 1987) com sua abordagem de base de saberes.

Entre os autores brasileiros, identifiquei Saviani (1996) e Pimenta (2012) entre os mais citados. No processo de refinamento e escolha dos principais autores, as obras que tratavam de revisão

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de literatura em saberes docentes, como Borges (2001), Nunes (2001) e Barbosa Neto e Costa (2016), contribuíram para identificar os principais autores do tema. Assim, montei a base teórica da concepção de saberes docentes. Pesquisas complementares sobre saberes específicos, como saberes didáticos do conteúdo, foram realizados na base internacional ERIC.

Processo semelhante foi realizado para o termo “desenvolvimento e validação de escala”, e “scale development” chegando aos trabalhos seminais de Hair et al. (2009), De Vellis (2016), e no Brasil, Pasquali (1998; 2009; 2017) e Costa (2011). O uso de Software R com interface Rstudio para modelagem de equações estruturais foi feito com base em Finch e French (2015) e Loehlin e Beaujean (2017) e o pacote de funções para modelagem de equações estruturais usado a partir de Rossel (2012).

A partir da revisão da literatura e definição da base teórica, construí uma proposta para um núcleo de saberes docentes que representa teoricamente os domínios de saberes verificados empiricamente pela escala SABERES. O processo de desenvolvimento da escala SABERES, incluindo a sua validação teórica seguiram os princípios propostos por Pasquali (1998; 2017), De Vellis (2016) e os padrões da APA (2014) e inclui composição dos itens, validação teórica, proposição do modelo e posterior validação estatística. Esses passos estão detalhados no capítulo 5.

O terceiro passo foi a aplicação da escala ao público alvo, a saber, professores e professoras em atuação. Duas estratégias de coleta de dados foram utilizadas: (a) a aplicação do questionário impresso para preenchimento manual; (b) envio de um link por correio eletrônico com acesso ao questionário hospedado na plataforma Google Drive. O formulário impresso foi aplicado para professores e professoras participantes do XIX ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, entre os dias 3 e 6 de setembro de 2018 em Salvador, Bahia. O acesso para o questionário em formato eletrônico recebeu respostas entre setembro de 2018 e janeiro de 2019 e o link foi enviado para a minha rede de contatos pessoal e divulgados entre os colegas. Em um segundo momento, a partir dos respondentes que optaram por cadastrar o seu endereço eletrônico na resposta, foi solicitada a colaboração para o acesso ser enviado também para as suas respectivas listas de contato. Na última etapa, foram identificados os estados que estavam sub-representados na amostra e solicitado aos respondentes desses lugares também a colaboração no sentido de enviar o acesso aos seus colegas. O formulário impresso guarda duas diferenças em relação ao questionário eletrônico. No primeiro, em formato frente e verso, por uma questão de diagramação, cada página apresentava uma parte das perguntas de identificação, enquanto no formulário eletrônico as perguntas de identificação estavam

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concentradas ao final. A segunda diferença é que o formulário online não permitia respostas em branco, enquanto no impresso alguns participantes deixaram questões sem resposta.

O último passo do procedimento metodológico é a análise dos dados. Para essa pesquisa, os dados foram tabulados em planilha eletrônica e importados para análise estatística pelo Software R operado na versão 3.5.2 pela interface RStudio. O pacote estatístico utilizado para análise fatorial confirmatória é o Lavaan – Latent Variable Analysis – na versão 0.6-3 (ROSSEEL, 2012). A partir dos dados, é apresentada a caracterização da amostra de respondentes, além da estatística descritiva das variáveis.

Para a validação estatística da escala SABERES, utilizo a análise fatorial confirmatória, uma técnica estatística da família da modelagem de equações estruturais útil para estudar relações entre variáveis latentes que são representadas por variáveis manifestas (HAIR et al., 2009). A descrição da técnica com seus parâmetros está detalhada no capítulo 5.

2.3. Universo e amostra

O presente estudo pretende validar uma escala que retrata o núcleo de saberes utilizados pelos professores em uma classe padrão (GAUTHIER et al., 2006). As categorias de professores que estão incluídas nessa proposta incluem docentes dos níveis de ensino infantil, fundamental I e II, ensino médio e superior. Quanto às áreas, abrange as ciências humanas, sociais, exatas e biológicas. Dados do Ministério da Educação indicam que 2,1 milhões de profissionais se enquadram nessas categorias (BRASIL, 2018), se constituindo o universo da presente pesquisa. A base de respondentes se caracteriza por ser uma amostra não probabilística, escolhida por acessibilidade, quando não há um delineamento estatístico para a sua composição (OLIVEIRA, 2001). Tal flexibilidade permitiu atingir um número maior de respondentes e traz a desvantagem de ter algumas áreas super-representadas, como a Bahia, e outras sub-representadas, como os estados da região norte do Brasil. Uma descrição detalhada da amostra de respondentes se encontra na primeira secção do capítulo de Resultados.

2.4. Classificação da pesquisa

Do ponto de vista da classificação, a presente pesquisa se caracteriza por ser descritiva, quando são acessados os temas estudados sem a preocupação de dar as razões e as causas de sua ocorrência, mas conhecer mais profundamente o fenômeno, suas características e aspectos mais relevantes. Do ponto de vista da produção de dados ela tem dupla entrada. É uma produção teórica e qualitativa no desenvolvimento da escala SABERES, e caracteriza-se como um

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levantamento na aplicação dos questionários a uma amostra da população estudada, com análise quantitativa dos dados (GIL, 2002).

Apresentados os aspectos metodológicos, trago no próximo capítulo as concepções e as fontes dos saberes dos professores.

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3. SABERES DOCENTES: AS CONCEPÇÕES E AS FONTES

3.1. Trajetória que gera saberes

A concepção que norteou a escrita do presente texto sobre os saberes docentes está relacionada ao trabalho do professor e inclui as atividades diretamente ligadas ao ensino. Outras atividades exercidas pelos professores, como pesquisa e extensão, requerem também saberes específicos e complementares, mas não fazem parte do escopo dessa pesquisa. De fato, seja no ensino básico, onde o papel esperado do professor inclui obrigatoriamente atividades de ensino e facultativamente de gestão, seja no ensino superior, no qual, além dessas duas atividades, espera-se que o docente atue com pesquisa e extensão, a atividade de ensino se destaca como sendo o núcleo da ação docente. E se o ensino é a atividade por excelência do professor, investigar e identificar os saberes ligados ao ensino pode contribuir positivamente para a ciência da educação.

Ao traçar o panorama evolutivo das pesquisas sobre o ensino no século XX, Gauthier et al. (2006) relatam um foco inicial em definir o perfil do professor ideal, identificando e realçando características pessoais desejáveis na docência. Já na década de 1950, o campo lamentava a improdutividade dos resultados gerados nesta abordagem até aquele momento e, entre os anos de 1950 e 1960, muitos pesquisadores se concentravam em estudar a eficácia dos métodos de ensino, ou seja, buscava-se entender o efeito na aprendizagem dos alunos dos diferentes sistemas de ensino. Porém, “quando os resultados de 27 projetos envolvendo 187 salas de aula foram analisados, havia pouca diferença entre os métodos no tocante ao desempenho em leitura e em ortografia” (GAUTHIER et al., 2006, p. 47). Ou seja, se reconhecia, nesse momento, que o método sozinho não dava conta de explicar as diferenças nos desempenhos da aprendizagem dos alunos.

Nos anos de 1960, vários estudos na área da psicologia da educação, em especial na perspectiva cognitiva, focavam a aprendizagem do aluno. Mais uma vez, os resultados pouco contribuíram para o conhecimento sobre o ensino, em especial porque essa abordagem estudava prioritariamente cada aluno de forma isolada e não numa dinâmica de uma turma de alunos e, além disso, essa aprendizagem não era relacionada com as ações do professor em sala de aula. Já entre os anos de 1960 e 1970, várias ações governamentais nos Estados Unidos passaram a focar em desenvolvimento de programas de ensino, com destaque para o manual escolar,

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também chamado de livro didático. O objetivo desses programas escolares era oferecer o conteúdo de forma tão acessível que quase prescindisse da atuação do professor (GAUTHIER et al., 2006). Nesse contexto, a atuação governamental em atividades de currículo (seleção e definição de conteúdo, além de transmissão de valores e concepções de sociedade) obedeceu também a uma disposição política e pode minimizar a atuação docente na sua prática pedagógica ao atuar em um elemento importante da mediação didática, que é o manual escolar. Também no Brasil, d`Ávila (2008) identificou uma limitação do professor na adoção e uso do manual escolar como mediador do processo de ensino, ocorrendo o que a autora chama de eclipse didático, com a redução da autoria docente nessa atividade profissional. A difusão dos manuais escolares, amplificado por esses programas a partir de 1970, era feita para suprir uma suposta incapacidade dos professores de atender, a contento, a tarefa de selecionar o conteúdo e o material de apoio às suas aulas. Ou seja, algumas décadas de pesquisa na área do ensino não conseguiram suplantar as lacunas na formação dos professores em todas as suas atividades. Ações institucionais e estruturadas fazem parte das iniciativas de formação dos professores, mas, como os professores aprendem os saberes? Ou seja, quais processos formativos, institucionalizados ou não, favorecem o desenvolvimento dos saberes? Mesmo com longos cursos de formação inicial, “ainda hoje, a maioria dos professores aprendem a trabalhar na prática, às apalpadelas, por tentativa e erro” (TARDIF, 2000, p. 14). Essa percepção dá conta de que a formação inicial para a docência em cursos de licenciatura, quando presentes, não são suficientes para uma formação plena.

Cada vez mais se reconhece que o aprendizado docente se dá em um processo que se desenvolve no tempo, no qual o professor, progressivamente, aumenta o domínio dos saberes que utiliza e utilizará na profissão. Já em sua etapa de estudante, desde a pré-escola até a conclusão do curso universitário, o professor passa cerca de dezoito anos inserido no seu futuro espaço de trabalho, onde adquire concepções, crenças e valores que o acompanharão ao longo da vida. O aprendizado desenvolvido nessa etapa é tão importante, e se coloca tão enraizado, que Tardif (2000) atesta que a formação inicial dos professores (como a graduação em Pedagogia ou uma Licenciatura) pouco transforma essas concepções da vida escolar pregressa. Assim, o aprendizado dos professores ocorre em variadas instâncias, como sua vida escolar, sua formação inicial, as instituições que frequenta e frequentou e nas experiências que viveu. Assim, esse aprendizado ocorreu imerso em relações sociais e interações familiares e laborais, caracterizando um sociointeracionismo tanto na sua prática quanto na construção coletiva e negociada de seus significados (TARDIF, 2014). Por isso, mesmo os saberes desenvolvidos na

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atividade profissional, são profundamente influenciados pela trajetória temporal do docente, incluindo o tempo em que foi aluno. Assim, os saberes são constituídos não de forma isolada ou individual, mas numa dinâmica sociointeracionista (FLORES; OLIVEIRA, 2017).

Porém, se a experiência é um contexto no qual os saberes se desenvolvem, nem sempre a sociedade reconhece que os professores, de fato, fazem bem o seu papel. Ou seja, possivelmente, a formação na experiência abasteça o professor de saberes que ele reconhece como importantes, mas carecem de legitimidade social para além de permanecerem confinados à atuação pessoal (GAUTHIER et al., 2006). Um caminho de profissionalização começa a se descortinar...

3.2. A profissionalização amparada nos saberes

Apesar dos múltiplos caminhos de aprendizado, começaram a surgir, já no início dos anos de 1980 nos Estados Unidos, análises e relatórios de pesquisas que davam conta da necessidade de se rever a formação de professores, com queixas de várias frentes sociais acerca da qualidade do ensino. A percepção presente era de que duas frentes deveriam ser abertas: (a) a atuação docente carecia de profissionalização e essa dimensão deveria ser desenvolvida e (b) os saberes inerentes às atividades de ensino deveriam ser identificados e colocados à disposição dos novos professores já no processo de formação inicial docente (HOLMES, 1986; CARNEGIE, 1986; SHULMAN, 1986; 1987). Apesar de reconhecer que ambos os objetivos, profissionalização e identificação de um núcleo de saberes do ensino, estão intimamente interligados, o foco do presente trabalho recai sobre o segundo, ou seja, os saberes dos professores.

Tais iniciativas começam a suplantar a concepção de que, ao professor, basta saber o conteúdo para se postular à atividade docente, e entra na pauta das pesquisas a partir dos anos de 1980 a identificação de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino. De fato, Tardif (2014, p. 10) identifica que “a partir de 1980, a questão dos saberes dos professores fez surgir dezenas de milhares de pesquisas no mundo anglo-saxão e, mais recentemente, na Europa”. Assim, o campo da pesquisa em educação entende que a profissionalização da docência passa também pela identificação e explicitação de uma base de saberes (SHULMAN, 1987).

O estudo dos saberes docentes e o caminho de profissionalização do trabalho docente, enquanto categoria de trabalhadores, estão altamente relacionados. Isso em contraponto à profissionalização de cada professor em específico, que é mais dependente da trajetória pessoal

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e mais contextualizada. Na primeira abordagem, os autores trazem contribuições da sociologia das profissões e identificam alguns elementos presentes no processo de profissionalização de uma categoria (GAUTHIER et al., 2006; TARDIF, 2014).

Visões que reduzem a complexidade da profissão docente se apoiam em concepções de que basta saber a matéria, ou seja, dominar o seu conteúdo, para poder ensinar. Tal visão é uma herança de um tempo em que especialistas de determinadas áreas podiam se lançar na atividade docente e a falta de conhecimento sobre o processo de ensino não era tido como um problema, em especial se o profissional tem talento com a oratória e faz apresentações expositivas inteligíveis. Além desses (dominar o conteúdo e ter talento), pode-se juntar o uso do bom senso, seguir a própria intuição e ter ampla cultura como elementos tidos como suficientes para o exercício da docência (GAUTHIER et al., 2006). Exercício esse desprovido de saberes da profissão, porém, não raro presente nas instituições de ensino.

No ensino superior, o quadro de atuação sem saberes da profissão é ainda mais frequente não somente no Brasil, mas também em países como Espanha, Canadá, França e Portugal (D`ÁVILA; LEAL, 2015). Nesse contexto, é frequente a atuação de professores sem o devido preparo docente até mesmo dos conhecimentos da ciência da educação (LACERDA, 2015). Apesar de a lei brasileira preconizar que a formação de professores para o nível superior se dará em cursos de mestrado e doutorado (BRASIL, 1996), ela não estabelece os parâmetros mínimos de formação pedagógica que devem figurar nesses cursos. Para cumprir esse papel de formar professores para o ensino superior, a pós-graduação lança mão de estratégias como a oferta de disciplinas de metodologia do ensino, além de estágios de prática docente (VILLARDI; VERGARA, 2011). Porém, na visão de autores como Fischer (2006), Souza-Silva e Davel (2005), D`Ávila (2009), Soares e Cunha (2010) e Patrus e Lima (2014), a pós-graduação não tem conseguido desenvolver a contento as habilidades docentes necessárias aos egressos, privilegiando a formação de pesquisadores, atividade considerada mais nobre, detentora de maior status social e pela qual os cursos são prioritariamente avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, agência governamental e colegiada responsável pelos critérios de avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil (CIRANI; SILVA; CAMPANÁRIO, 2012; PATRUS; LIMA, 2014). Mesmo as pesquisas na área de pós-graduação em educação revelam que a formação do professor universitário é uma atividade secundária nos programas de pós-graduação da área (D`ÁVILA, 2009; SOARES; CUNHA, 2010).

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Esse quadro no ensino superior poderia ser justificado pela ausência, ou insuficiência, de uma formação específica para a profissão docente. Porém, pesquisas que envolvem professores com formação em pedagogia e em licenciaturas indicam que, apesar do longo processo de formação universitária voltado à profissão docente, tais cursos apresentam uma abordagem focada em modelos teóricos e pouco contribuíram para o desenvolvimento dos saberes necessários à atuação docente (D`ÁVILA; LEAL, 2015; PIMENTA; LIMA, 2006, PIMENTA, 2012). Ou seja, mesmo professores com formação inicial voltada para a docência têm apresentado importantes lacunas no desenvolvimento dos saberes docentes na sua trajetória de formação profissional. Esse fato, corroborado por essas pesquisas, revela a diferença entre os conhecimentos universitários e os saberes profissionais. Enquanto os conhecimentos universitários tendem a focar os modelos teóricos e apresentar conteúdos e abordagens mais descontextualizadas, os professores, e todo o sistema de ensino, se ressentem da falta de saberes da profissão. Essa visão é confirmada por Tardif (2000, p.11) ao afirmar que “trinta anos de pesquisa mostram que há uma relação de distância entre os saberes profissionais e os conhecimentos universitários”. Em contraponto, o ocidente tem presenciado um recente movimento de profissionalização dos professores desde os anos de 1980 e, nesse processo de profissionalização recente, os saberes docentes ocupam um papel de destaque (GAUTHIER et al., 2006).

Ora, quais são as características dos saberes profissionais? Esses saberes, que têm se mostrado ausentes, ou insuficientes, na prática dos professores universitários e até mesmo em professores da educação básica, que incluem o ensino infantil, fundamental e médio, devem levar em conta quais elementos para serem caracterizados como conhecimentos profissionais?

Tardif (2000; 2014) destaca algumas características dos saberes profissionais aqui elencadas: Inicialmente, considera-se que os profissionais embasam a sua atuação em conhecimentos especializados e formalizados, como em disciplinas científicas; o ingresso na profissão se dá após uma longa formação de alto nível com diploma que dá acesso ao mercado de trabalho ao seu portador e o nega aos não diplomados; os conhecimentos de uma profissão são voltados para a solução de problemas, numa abordagem pragmática, ou seja, existe uma consolidação de conhecimentos configurados como soluções de situações práticas; a partir dos conhecimentos profissionais e, por causa de sua complexidade, somente os pares têm condições de avaliar e fiscalizar o trabalho de um profissional; a atuação profissional exige autonomia e discernimento, usando os conhecimentos da área não tanto numa postura técnica de aplicação de soluções pré-definidas, como numa resolução instrumental do problema, mas numa postura

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mais reflexiva, a partir da definição e construção do problema como dito por Schön (1983); por fim, os saberes profissionais são evolutivos e dinâmicos, por isso precisam de formação continuada e os profissionais de uma área têm um compromisso com o resultado do seu trabalho, podendo, inclusive, serem responsabilizados por práticas errôneas.

Essas características, presentes em saberes de profissões já há muito estabelecidas, podem contribuir com a proposta de uma base de saberes dos professores. Para Tardif (2014), profissionalizar o trabalho docente significa atribuir essas características do conhecimento profissional aos professores. No mesmo sentido, Gauthier et al. (2006) entendem que definir um núcleo de saberes docentes é a base da profissionalização do ensino. Também Shulman (2004, p. 13) alega que “chamar algo de profissão é atribuir que há uma base de conhecimento construído na academia”. Portanto, o avanço sobre os saberes docentes tende a contribuir para o nível de profissionalização dos trabalhadores do ensino. Nesse caso, pode-se colocar a questão: o que são os saberes docentes?

3.3. Mas... o que são os saberes?

Apesar do enorme interesse pelos saberes docentes, pouco se fala sobre qual a concepção utilizada e as pesquisas na área da educação, sobre os saberes docentes, deixam perceber que diferentes concepções de saberes convivem no campo. Tardif (2014, p. 184) indica que “o mínimo que se pode dizer é que essa noção de saber não é clara, ainda que quase todo mundo a utilize sem acanhamento, inclusive nós”. Assim, torna-se importante esclarecer nossos pontos de partida nesse estudo.

Algumas escolhas conceituais e teóricas marcam as opções abraçadas nesse texto, com consequências em todo o trabalho. Primeiro, parto de uma premissa que enxerga a concepção de saberes dos professores baseada em sua ação docente, sendo saberes que fundamentam, influenciam e formam a própria prática. Ou seja, considero os saberes em relação ao trabalho do professor. É na interação com outros professores, e, principalmente, com os alunos, que os saberes são desenvolvidos e utilizados. E essa interação não se restringe ao trabalho propriamente dito, mas desde a trajetória escolar, formação inicial docente (licenciados) ou de outra profissão (bacharéis) e até interações fortuitas e não planejadas. São saberes mobilizados, direta ou indiretamente, em situações de ensino do professor. Por isso, os autores que embasam nossa concepção de saberes desenvolvem suas propostas a partir do trabalho do professor em

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situações reais de trabalho ligadas ao ensino. Shulman (1987), com sua concepção de base de saberes, Tardif (2014) com os saberes da experiência, e Gauthier et al. (2006), com os saberes da ação pedagógica, partem sempre de contextos de trabalho do professor com abordagens empíricas e, apesar de pequenas diferenças conceituais e até epistemológicas, estão unidos pelo contexto da prática interativa como campo de atuação e desenvolvimento dos saberes docentes. Nesse aspecto, tanto Shulman (1986), quanto Gauthier et al. (2006), vão na esteira de outros pesquisadores que defendem a complementaridade das diferentes abordagens de pesquisa, e não na exclusão dessa ou daquela. Também Tardif (2014) identifica que os saberes usados pelos professores não partem de uma ideia de unidade teórica restritiva, mas de coerência pragmática, e reforça que os saberes “estão a serviço da ação, e é na ação que assumem seu significado e utilidade” (TARDIF, 2000, p. 15). Nesse sentido, Gauthier et al. (2006) ressaltam que um maior cuidado deve haver com a aplicação dos resultados das pesquisas oriundas com diferentes abordagens, que mais deve se assemelhar a um uso prudente de acordo com a situação e não numa aplicação direta e irrestrita.

Uma segunda premissa presente é de que os saberes docentes podem ser identificados e descritos, mas não separados. Para Tardif (2014, p. 36), o saber docente pode ser descrito “como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Ou seja, são diversos não somente em suas características, mas também diversos em suas fontes. Assim, os diferentes saberes presentes na atuação dos professores dão variadas contribuições à ação do professor e até são de naturezas diferentes, sendo alguns mais teóricos e calcados em conhecimentos desenvolvidos, e outros mais relacionados com habilidades executivas, porém, atuam em conjunto, de maneira interligada, sendo impossível isolar a cada um e analisar de forma independente (TARDIF, 2014). Logo, o esforço descritivo que fazem os autores, e me incluo nesse tópico com a mesma preocupação, tem fins apenas didáticos e científicos para melhor caracterizar essa realidade, nunca um fim prático ou aplicacionista de maneira separada. Aliás, de forma isolada, pouco pode um saber docente específico se retirado do conjunto de saberes que domina o professor e do seu contexto, e isso nos leva a terceira premissa, descrita a seguir.

Os saberes dos professores são dependentes do contexto, tanto em relação à sua construção quanto ao uso desses saberes. Essa terceira premissa garante também uma variedade dentro de um mesmo saber, a depender do contexto. Além de estarem interligados entre si, eles estão intrinsecamente relacionados com elementos do seu entorno. Nesse sentido, “sempre me

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