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Crianças selvagens : a expressão das emoções após situação de extrema privação de convívio social

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO EM PSICOLOGIA COGNITIVA. CRIANÇAS SELVAGENS: A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES APÓS SITUAÇÃO DE EXTREMA PRIVAÇÃO DE CONVÍVIO SOCIAL. KARINE PONTES SOUZA. Recife 2008.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO EM PSICOLOGIA COGNITIVA. Crianças Selvagens: a expressão das emoções após situação de extrema privação de convívio social. KARINE PONTES SOUZA. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Pernambuco como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Cognitiva. Orientadora: Profª. Drª. Bompastor Borges Dias. Recife 2008. Maria. da. Graça.

(3) Souza, Karine Pontes Crianças selvagens : a expressão das emoções após situação de extrema privação de convívio social / Karine Pontes Souza. – Recife: O Autor, 2008. 97 folhas : il., fig., tab. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Psicologia, 2008. Inclui: bibliografia, e anexos. 1. Psicologia cognitiva. 2. Crianças selvagens. 3. Expressão – Emoções. 4. Expressão facial. . I. Título. 159.9 150. CDU (2. ed.) CDD (22. ed.). UFPE BCFCH2008/92.

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(5) DEDICATÓRIA. A DEUS, que me deu força para concluir mais uma etapa da minha vida.. À minha mãe, SOCORRO PONTES, pela força e luta constante para ver as filhas estudando. Esse Mestrado é para você.. Ao meu querido avô, MANOEL CÂNDIDO, pelo amor incondicional, pelo incentivo e pela torcida.. Aos meus anjos da guarda e avós, CICI PONTES E CARMINHA SOUZA, pela preocupação, torcida e orações.. A meu pai, FLÁVIO SOUZA, pelo incentivo e exemplo.. A FERNANDA GABRIELLE ANDRADE LIMA, não apenas pelo material cedido para realização desta pesquisa, mas também por ter exigido que me tornasse Mestra e ter me ajudado no que precisei, e ainda por ser a amiga que é.. Às minhas irmãs MARCELLE E FLÁVIA, que unidas estamos mostrando que podemos.. Aos participantes deste estudo, PEDRO E JOÃO, na certeza que Pedro encontra-se em paz.. Aos Tutores dos participantes pela atitude de ter acolhido e cuidado desses dois inocentes, meus parabéns..

(6) AGRADECIMENTO. A todos que fazem parte do meu suporte familiar, do qual muito me orgulho.. A RACINE VIEIRA DE CERQUEIRA pelo incentivo intelectual, pelo apoio, pelo aprendizado profissional e por acreditar ser possível, além da amizade eterna.. A CRISTIANE LOCATELLI e a SHARRYLA SENA pela fundamental ajuda com o inglês.. A LUCIANA FÉLIX pela amizade, companheirismo e pelo material cedido para que pudesse passar na seleção deste Mestrado.. A MARIA ANUNCIADA por cuidar sempre de mim e da minha família.. A ARTURO ESCOBAR pelas valiosas contribuições do material analisado.. A todos professores, alunos e funcionários que fazem parte da Pós-graduação em Psicologia Cognitiva.. A todos que de forma direta ou indireta me ajudaram na conclusão deste estudo que faz parte do meu desenvolvimento intelectual..

(7) AGRADECIMENTOS ESPECIAIS. À minha orientadora Profª. Drª. MARIA DA GRAÇA BOMPASTOR BORGES DIAS, por ter despertado em mim o gosto pela pesquisa científica, pela empolgação no estudo e pelo cuidado com seus alunos além da Universidade.. Ao Prof. Dr. ANTONIO ROAZZI e ao Prof. Dr. BRUNO CAMPELLO DE SOUZA por todas as fundamentais colaborações feitas a este trabalho e também pelo carinho que fui recebida sempre que precisei..

(8) RESUMO PONTES SOUZA, K. Crianças selvagens: a expressão das emoções após situação de extrema privação de convívio social. Dissertação (Mestrado) orientada pela Drª. Maria da Graça Bompastor Borges Dias, Pós-graduação em Psicologia Cognitiva – Universidade Federa de Pernambuco, Recife, 2008. Os estudos sobre emoções são realizados há muito tempo, mas apesar disso não há um consenso sobre um conceito devido às muitas questões envolvidas nesse complexo processo. Um ponto controverso é sobre a existência de emoções básicas e sua universalidade. Alguns autores defendem a idéia de emoções inatas e universais, outros opinam sobre os fatores culturais presentes no desenvolvimento das emoções. Apesar dessa discussão todos concordam que as pessoas expressam externamente suas emoções através de gestos, ações, reações fisiológicas, expressões faciais e vocais. Existem vários relatos sobre crianças que foram privadas de convívio social e passaram a viver com animais ou em isolamento social e foram consideradas selvagens. Estes casos despertam no mínimo a curiosidade da população em geral e dos acadêmicos, pois representam uma forma de se tentar entender o papel da sociedade e do convívio com outros da mesma espécie para o desenvolvimento das funções únicas do ser humano. Os participantes desta pesquisa foram dois jovens descobertos num curral com suínos no interior de Pernambuco. Permaneceram nessa situação por aproximadamente sete anos. A presente pesquisa é um estudo de caso, de caráter exploratório que visou investigar as expressões emocionais nesses sujeitos no sentido de se produzir evidências para o estudo do desenvolvimento das emoções e o debate acerca da sua universalidade e/ou relatividade. Comparando os dois irmãos em relação às emoções esperadas e as observadas para as situações geradoras de emoções encontradas nos vídeos analisados, chegamos ao resultado que a congruência total entre esses tipos de emoção foi semelhante para os dois sujeitos, porém existem diferenças entre os irmãos na congruência de emoções esperadas específicas. A alegria foi a emoção mais observada nos participantes em detrimento das outras. A emoção de tristeza não foi observada nas análises, porém foi relatada pela cuidadora. Pedro demonstrava tristeza, mas João só a demonstrou quando o irmão morreu. Não houve evidências da emoção de nojo nos sujeitos deste estudo, esse fato nos levou a questionar a universalidade das emoções. O tipo de emoção (agradáveis, desagradáveis, neutras ou nenhuma; “mais elaboradas” ou “menos elaboradas”) não interferiu na congruência dos participantes, porém se só considerarmos as emoções agradáveis e as desagradáveis observamos que Pedro demonstra ser mais incongruente nas emoções desagradáveis. João não demonstrou variação da congruência em função da época da observação, mas Pedro apresentou congruência significativamente maior a partir de 2005. Podemos concluir que após quatorze anos de ressocialização, Pedro demonstrou ser mais apático que João apesar de ter sido colocado no cativeiro numa idade maior (6/7 anos de idade). Neste caso a privação do convívio social mais tardia trouxe mais dano ao que diz respeito à expressão emocional.. Palavras-chave: Crianças Selvagens, Emoções, Expressão das Emoções.

(9) ABSTRACT PONTES SOUZA, K. Wild children: the expression of emotions after a situation of extreme deprivation of social familiarity. Dissertation (Magister in Scientia) advised by Dr. Maria da Graça Bompastor Borges Dias, Pós-graduação em Psicologia Cognitiva Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. Studies on emotion have been done for a long time now, but, even so, there is no consensus on the concept of "emotion" per se due to the many questions involved in this complex proccess. A particularly controversial point is the existence of basic emotions and their unival nature. Some authors argue the notion of universal innate emotions, while others are of the opinion that cultural factors have a role in their development. In spite of that discussion, all agree people express their emotions externally by means of gestures, actions, physiological reactions, and facial and expressions. There are rare reports of children that were deprived of all social contacts and came to live with animals or in total social isolation, thereby considered "wild". These cases stirr up at least some minimal curiosity from both the general population and the academic community, for they represent a way of trying to understand the role of society and of familiarity with others of the same species in the development of functions that are unique to humans. The participants in the present research were two young males discovered in a small town in the state of Pernambuco, Brazil, kept in a curral along with swines. They had remained in that situation for approximately seven years. An exploratory case study was performed attempting to investigate the emotional expressions of these subjects in order to produce evidence for the understanding of the development of emotions and the debate about their universal or relative nature. Comparing the two brothers with regards to the emotions that were to be expected and those that were actually expressed in different emotion-generating situations found in video recordings that were analyzed, it was found that the total congruence between both sets was similar for both subjects, however, there were differences between the brothers regarding the congruence for specific emotions. Joy was the most frequently observed emotion in both participants, to the detriment of the others. Pedro demonstrated sadness, but João only demonstrated it when his brother died. Sadness was not observed in the analysis, though it was reported by their caregiver. There was no evidence of disgust in any of the brothers, which leads one to question the universal nature of emotions. The type of emotion that (pleasant, unpleasant, neutral, or none; "more elaborate" or "less elaborate") did not interfere in the congruence of the participants, though, if one considers only the "pleasant" and "unpleasant" emotions, it is observed that Pedro tends to be less congruent when it comes to the unpleasant ones. João did not demonstrate variation in congruence as a function of the time of the observation, but Pedro showed greater congruence from 2005 onwards. One may conclude that, after fourteen years of resocialization, Pedro seemed more apathetic than João, despite being placed in captivity at an older age (6/7 years). In this case, the later deprivation from social interactions seems to have brought about greater damage regarding emotional expression. Keywords: Wild Children, Emotions, Expression of Emotions.

(10) LISTA DE FIGURAS Figura n. 01 – Curral onde Pero e João foram confinados Figura n. 02 – Pedro ao ser retirado do cativeiro em 1994 Figura n. 03 – João ao ser retirado do cativeiro em 1994. . . .. . . .. 47 48 48.

(11) LISTA DE TABELAS Tabela n. 01 - Lista de emoções básicas, os autores que a defendem e a explicação para a inclusão nessa lista . . Tabela n. 02 - Conteúdo dos DVDs analisados . . . Tabela n. 03 – Comparação . . . . Tabela n. 04 – Comparação . . . . . Tabela n. 05 – Comparação . . . . . Tabela n. 06 – Freqüência . . . . . Tabela n. 07 - DVD 1 (sessão 1) João . . . . Tabela n. 08 - DVD 1 (sessão 1) Pedro . . . . Tabela n. 09 - DVD 1 (sessão 2) João . . . . Tabela n. 10 - DVD 1 (sessão 2) Pedro . . . . Tabela n. 11 - DVD 2 (sessão 3) João . . . . Tabela n. 12 - DVD 2 (sessão 3) Pedro . . . . Tabela n. 13 - DVD 3 (sessão 4) João . . . . Tabela n. 14 - DVD 3 (sessão 4) Pedro . . . . Tabela n. 15 - DVD 4 (sessão 5) João . . . . Tabela n. 16 - DVD 4 (sessão 5) Pedro . . . . Tabela n. 17 - DVD 5 (sessão 6) João . . . . Tabela n. 18 - DVD 5 (sessão 6) Pedro . . . . Tabela n. 19 - DVD 6 (sessão 7) João . . . . Tabela n. 20 - DVD 6 (sessão 7) Pedro . . . . Tabela n. 21 - DVD 6 (sessão 8) João . . . . Tabela n. 22 - DVD 6 (sessão 8) Pedro . . . . Tabela n. 23 - DVD 7 (sessão 9) João . . . . Tabela n. 24 - DVD 7 (sessão 9) Pedro . . . . Tabela n. 25 - DVD 8 (sessão 10) João . . . . Tabela n. 26 - DVD 8 (sessão 10)Pedro . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 22 55 59 60 62 64 83 83 84 84 85 85 86 87 88 89 90 90 91 92 93 94 95 95 96 97.

(12) LISTA DE DIAGRAMA. Diagrama n. 01. .. .. .. .. .. .. .. .. 65.

(13) LISTA DE PROTOCOLO. Protocolo n. 01. .. .. .. .. .. .. .. .. 79.

(14) SUMÁRIO INTRODUÇÃO. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 14. 1 EMOÇÕES . . . . . 1.1 Expressão das Emoções . . . . 1.2 Emoções Básicas . . . . 1.3 Universalidade x Relatividade das Emoções . 1.4 Universalidade x Relatividade das Expressões Faciais 1.5 Emoção de Nojo . . . .. . . . . . .. . . . . . .. . . . . . .. . . . . . .. 20 20 21 24 29 37. 2 CRIANÇAS SELVAGENS. .. .. .. .. .. .. .. 40. 3 O CASO DOS “GORILINHAS” .. .. .. .. .. .. .. 46. 4 OBJETIVOS . 4.1 Objetivo Geral . 4.2 Objetivos Específicos. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. 52 52 52. 5. MÉTODO . 5.1 Participantes 5.2 Materiais . 5.3 Procedimentos. . . . .. . . .. . . . .. . . . .. . . . .. . . . .. . . . .. . . . .. . . . .. 53 53 54 54. 6 RESULTADOS. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 58. 7 DISCUSSÃO. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 68. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS. .. .. .. .. .. .. .. 72. REFERÊNCIAS. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 75. ANEXOS. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 78. ..

(15) 14. INTRODUÇÃO. Os estudos sobre emoções são realizados há muito tempo, mas apesar disso não há um consenso sobre um conceito devido às muitas questões envolvidas nesse complexo processo. Delgado (1971) relata que é fácil definir o cérebro ou o coração por serem estruturas anatômicas concretas que podem ser tocadas e analisadas objetivamente, assim como as funções fisiológicas podem ser examinadas. No entanto, um conceito de emoção não foi descrito de modo a satisfazer todos os pesquisadores da área. Ainda assim encontramos alguns conceitos na literatura. Murray (1971, p. 80) refere que emoções são “poderosas reações que exercem efeitos motivadores sobre o comportamento” e completa “são reações fisiológicas e psicológicas que influem na percepção, aprendizagem e desempenho”. Davidoff (1983, p.427) define emoções como “estados internos caracterizados por cognições, sensações, reações fisiológicas e comportamento expressivo específicos”. Sá (2007, p.17) traz uma definição baseada em Cole, Martin e Dennis (2004) concebendo a emoção como “uma capacidade biologicamente determinada de responderem os sujeitos aos estímulos do meio, de forma pronta, rápida, automática ou reflexa, visando a adaptar-se à realidade, com fins de sobrevivência”. Apesar da inconstância nas definições, é certo que todas as pessoas, de diferentes idades, cultura e nível socioeconômico têm emoções e conseguem perceber que os outros também têm emoções (DAMÁSIO, 2004; HARRIS, 1996). Quem já não se sentiu triste ou alegre? Teve raiva ou medo? Vergonha ou ciúmes? Outro aspecto envolvido nas teorias sobre emoção é sua origem. Davidoff (1983) postula que as emoções aparecem logo após o nascimento e apóia sua hipótese no choro e na aflição que os bebês demonstram quando estão com fome e nas reações positivas quando suas.

(16) 15. necessidades são atendidas (por exemplo, quando são alimentadas). Considera um sinal primitivo de medo quando os recém-nascidos se assustam e afirma que no segundo semestre de vida surge à raiva. Relaciona o que chama de reações emocionais primitivas (choro, sorriso) a sobrevivência, propondo que funcionam como mensagens. Damásio (1996, 2000, 2004) considera que os aspectos biológicos ou naturais, os culturais e as experiências individuais estão relacionados com o surgimento e o desenvolvimento das emoções. Os fatores naturais agiriam da mesma forma entre membros de diversas culturas e em outras espécies animais, eventos que causassem ameaça à vida poderiam desencadear medo e fuga em ratos, macacos ou seres humanos, ou sensação agradável ao saciar necessidades fisiológicas, como sede e fome. Os aspectos culturais e pessoais diversificariam dependendo do aprendizado e das situações já vividas pelo indivíduo, dessa forma as pessoas reagem emocionalmente de forma individual e variável. Na busca de entender melhor esses questões, alguns autores como Damásio (1996, 2000, 2004) e Hoeksma, Oosterlaan e Schipper (2004) acham necessário diferenciar sentimentos de emoções, enquanto Harris (1996) não distingue esses aspectos (DIAS; SANTOS; ROAZZI, 2006). Para Damásio (2004) esses dois fenômenos são distintos, porém intimamente ligados. As emoções seriam perceptíveis através das ações e movimentos no rosto, na voz ou em condutas específicas e os não vistos externamente podem ser evidenciados por aparelhos modernos da medicina. Os sentimentos seriam propriedades mais privadas do organismo ocorridas no cérebro, não públicas, inerentes ao próprio individuo que está sentindo. Pondo-se em acordo com a teoria de James (1890 apud DAMÁSIO, 2004), Damásio pontua que a emoção parece preceder o sentimento, nas suas palavras “a emoção e o sentimento eram irmãos gêmeos, mas tudo indicava que a emoção tinha nascido primeiro, seguida pelo sentimento, e o sentimento se seguia à emoção como uma sombra” (DAMÁSIO,.

(17) 16. 2004, p. 14). Considerando a evolução biológica da espécie, a emoção emerge primeiro, formando uma base para os sentimentos. Nesse contexto, emoções e sentimentos fazem parte do processo regulador da vida e são essenciais não só para a sobrevivência física individual, mas também para o êxito da espécie humana. Embora, nessa perspectiva, emoção e sentimento sejam diferenciados, no momento que alguém vivencia esses fenômenos eles não ocorrem de forma distinta, sendo interligados. Apenas portadores de seqüelas neurológicas poderiam separar esses eventos em determinadas situações, por exemplo, uma pessoa seria capaz de demonstrar medo e não sentir medo (DAMÁSIO, 1996, 2000, 2004). Para que possamos compreender melhor esse assunto, alguns autores classificam as emoções de diferentes formas. Para Harris (1996) as emoções podem ser primárias ou sociais, e as diferenciam pela existência de uma expressão facial. As emoções primárias teriam uma expressão facial simples de ser reconhecida, como a raiva, o medo, a tristeza e a alegria. Nas emoções sociais esse reconhecimento das expressões faciais não se daria tão facilmente, estariam relacionadas com valores morais e avaliação interna das causas do desencadeamento dessa emoção, é o caso do orgulho, da vergonha e da culpa. As crianças conseguem apontar situações adequadas para as emoções primárias aos quatro ou cinco anos, e para as sociais só a partir dos sete anos de idade (HARRIS, 1996). Damásio (2004) categoriza em emoções de fundo, emoções primárias e emoções sociais. As emoções de fundo, produzidas por esse estudioso, referem-se à percepção que uma pessoa tem de sentimentos como mal-estar e bem-estar em si mesmo e nos outros e apesar de termos consciência desse processo, ele possuiria um papel secundário em nosso intelecto. As emoções primárias, também chamadas de universais, se referem àquelas que são identificadas com rapidez em humanos e animais nas mais distintas culturas, tais como raiva, nojo, medo, surpresa, tristeza e felicidade. As emoções sociais ou secundárias se reportam ao social e a.

(18) 17. cultura, quando objetos sociais seriam a causa de emoção, tais como vergonha, ciúme, culpa, orgulho, entre outras. Interpretamos “básicas”, “primárias”, “universais” e “fundamentais” como sinônimos quando se referem aos estudos das emoções. Ainda em relação à classificação, Delgado (1971) afirma que atos emocionais envolvem sentimentos pessoais e nesse contexto, diferencia as emoções em agradáveis (como felicidade, alegria e amor) e em desagradáveis (como tristeza, medo e raiva). Refere que essa diferenciação em agradável ou não orienta o comportamento do indivíduo ou de um animal, fazendo com que ele evite ou queira repetir uma situação. Desde a Grécia Antiga, diversos pensadores e filósofos acreditavam em uma dicotomia entre razão e emoção. A psicologia, que sofreu forte influência da filosofia, também estudou por muitos anos os processos cognitivos e afetivos separadamente (ARANTES, 2005). A emoção era vista como secundária na compreensão do desenvolvimento cognitivo do ser humano. Roazzi, Federicci e Wilson (2001, p.59) referem ser possível diferenciar duas grandes categorias de teorias psicológicas sobre emoções, que estariam relacionadas à “ausência ou da presença do fator cognitivo, ou melhor, da independência/dependência das emoções no cognitivo”. Atualmente, por influência de pesquisas neurológicas realizadas por Damásio (1996, 2000 e 2004) e por psicólogos do desenvolvimento como Bell e Wolfe (2004), Bridges, Denham e Ganiban (2004), Cole, Martin e Dennis (2004), Dias, Vikan e Gravas (2000), Harris (1996), Langois (2004) entre outros, indicam a importância da emoção nesse desenvolvimento. Em seu estudo, Damásio (2004) relatou o que chamou da “máquina intrínseca da emoção”, a forma como as funções biológicas participam quando uma emoção é desencadeada no ser humano. Essas seriam as capacidades inatas para termos emoção, sentilas e sermos conscientes delas, pois temos órgãos biológicos e neurológicos para tal..

(19) 18. Entretanto, esse autor refere que a forma como vivenciamos esses fenômenos é particular e depende das nossas experiências pessoais. Considera que os estímulos e objetos envolvidos na emoção podem ser concretos e externos, mas também podem estar presente na memória de forma individual (DAMÁSIO, 2004). Nesse sentido, postula haver uma interação entre emoção e outros aspectos mentais como atenção, memória, pensamento, imaginação. A aprendizagem humana associa emoções e pensamentos em duas rotas, ou seja, “certos pensamentos evocam certas emoções e certas emoções evocam certos pensamentos” (DAMASIO, 2004, p. 79). Harris (1996) concorda que emoção e cognição interagem entre si. Afirma que ao consolar outra pessoa, a criança necessitaria se colocar no lugar do outro e essa capacidade depende da competência cognitiva da criança. Bruner (1998) em consonância com o abandono da dicotomia razão/emoção afirma que “existem algumas ligações simples entre emoção, estímulo, impulso de um lado, e aprendizagem, resolução de problema e pensamento do outro.” (BRUNER, 1998, p 119). Para esse autor emoções, cognições e ações são fenômenos que se interagem apenas dentro de um sistema cultural e completa “a emoção não é proveitosamente isolada de conhecimento da situação que a estimula. A cognição não é uma forma de puro conhecimento ao qual a emoção é acrescentada” (BRUNER, 1998, p.124). Nesse sentido, uma situação de privação de contato social que inexoravelmente afetasse o desenvolvimento cognitivo de uma criança, traria transtornos para sua vida emocional e vice-versa? Existem vários relatos sobre crianças que foram privadas de convívio social e passaram a viver com animais ou em isolamento social e foram consideradas selvagens. Estes casos despertam no mínimo a curiosidade da população em geral e dos acadêmicos, pois.

(20) 19. representam uma forma de se tentar entender o papel da sociedade e do convívio com outros da mesma espécie para o desenvolvimento das funções únicas do ser humano..

(21) 20. 1 EMOÇÕES. 1.1 Expressão das Emoções. As pessoas manifestam externamente suas emoções através de gestos, ações, reações fisiológicas, expressões faciais e vocais. Nesse sentido, Delgado (1971, p. 51) afirma que:. A expressão das emoções abrange inúmeras respostas, que afetam os sistemas somático, autônomo e endócrino e o próprio cérebro, constituindo padrões apropriados para a transmissão de informação emocional, que são identificáveis por outros organismos da mesma espécie e podem ser usados para a descrição objetiva e a investigação de emoções típicas.. Murray (1971, p.96) defende que nos seres humanos “a mais importante expressão muscular ostensiva de uma emoção ocorre no rosto”. Davidoff (1983) considerando a complexidade das emoções comenta sobre o papel do contexto no reconhecimento das expressões faciais. As expressões faciais frequentemente refletem emoções variadas ao mesmo tempo, e informações sobre o contexto em que essa emoção foi produzida é importante para que se possa interpretar sem erro a mensagem manifestada no rosto. Por exemplo, uma pessoa que recebe um convite para trabalhar em uma cidade distante da sua pode sentir um pouco de raiva, medo, tristeza e/ou felicidade. Quando se estuda as expressões das emoções um ponto fundamental é a origem das expressões faciais, autores discutem sobre a universalidade ou não dessas manifestações, e nesse contexto as publicações sobre emoções ditas básicas subsidiam esse debate..

(22) 21. 1.2 Emoções Básicas. O debate sobre a existência e a definição de emoções básicas ainda é muito discutível, pois não há um acordo entre os estudiosos do tema. Desde o título encontramos divergências, pois alguns usam “básico”, outros preferem o termo “fundamental” e ainda os que usam “primária” para o assunto. Nesse trabalho buscaremos usar o termo emoções básicas. Darwin (2004) foi o pioneiro na descrição e teorização das emoções básicas. Conforme a influência darwiniana, os estudiosos que são a favor das emoções básicas as assumem como universalmente presentes nos humanos, como tendo reação homologa em animais, como sendo selecionadas no curso da evolução e como biologicamente primitivas (inatas) constituindo assim, os elementos fundamentais da vida emocional. Ortony e Turner (1990, p. 316) nos fornecem uma lista de teóricos que consideram existir emoções básicas, quais são e de que forma foram incluídas nessa lista (Tabela 1). Essa tabela mostra o quão são controversos os argumentos para classificar as emoções básicas, além de quais são realmente as básicas. Ortony e Turner (1990) ofereceram em seu estudo possíveis explicações para a falta de consenso sobre o papel, a função e a quantidade de emoções básicas. A primeira refere que tais emoções seriam básicas devido a seu valor biológico e psicológico. A próxima diz respeito ao fato dos teóricos se referirem a mesma emoção, mas usando diferentes nomes (exemplo, alegria e felicidade; raiva, fúria, cólera e zanga; desgosto e nojo, entre outras) e também a mesma emoção ser categorizada diferentemente em muitos casos. Finalmente, relatam a dificuldade que algumas línguas apresentam em se referirem a estados psicológicos, usando linguagem vaga para tal..

(23) 22. Referências Arnold (1960) Ekman, Friesen & Ellsworth (1982) Fridja (1968) Gray (1982) Izard (1971) James (1884) McDougall (1926) Mowrer (1960) Oatley & Johnson-Laird (1987) Panksepp (1982). Emoções Básicas Raiva, aversão, coragem, abatimento, desejo, desespero, medo, ódio, esperança, amor, tristeza Raiva, nojo, medo, alegria, tristeza, surpresa Desejo, felicidade, interesse, surpresa, admiração, mágoa Fúria e terror, ansiedade, alegria Raiva, desprezo, nojo, dor, medo, culpa, interesse, alegria, vergonha, surpresa Medo, dor, amor, fúria Raiva, nojo, exultação, medo, submissão, carinho, admiração Dor, prazer. Watson (1930). Raiva, nojo, ansiedade, felicidade, tristeza Expectativa, medo, fúria, pânico Aceitação, raiva, antecipação, nojo, alegria, medo, tristeza, surpresa Raiva, interesse, desprezo, nojo, dor, medo, alegria, vergonha, surpresa Medo, amor, fúria. Weiner & Graham (1984). Felicidade, tristeza. Plutchik (1980) Tomkins (1984). Base para inclusão Relação com tendências de ação Expressões faciais universais Formas de prontidão de ação Forte ligação / Forte apego* Forte ligação / Forte apego* Envolvimento corporal / físico Relação com instintos Estados emocionais não aprendidos Não requer conteúdo proposital Forte ligação / Forte apego* Relação com processos biológicos adaptáveis Densidade de descarga emocional Forte ligação / Forte apego* Atribuição independente. Tabela n. 01 – Lista de emoções básicas, os autores que a defendem e a explicação para a inclusão nessa lista (ORTONY; TURNER, 1990) * Forte ligação / forte apego foi à tradução utilizada para Hardwired. Para Morris e Maisto (2004) existe uma tendência entre estudiosos da área em diferenciar emoções primárias e secundárias. Definem emoções primárias como “aquelas compartilhadas pelas pessoas do mundo inteiro, independente da cultura. Isso inclui, no mínimo, o medo, a raiva e o prazer, mas pode também incluir a tristeza, a repulsa, a surpresa e.

(24) 23. outras” (MORRIS; MAISTO, 2004, p. 282). Para esses autores existem quatro critérios fundamentais que os pesquisadores usam para afirmar que uma emoção é primária. O primeiro relaciona-se a cultura: para uma emoção ser básica ela deve ser óbvia em todas as culturas. O segundo refere que essa emoção deve cooperar com a sobrevivência da espécie humana. O próximo diz respeito às expressões faciais, ou seja, cada emoção deve ter uma expressão no rosto distinta. E, finalmente, essas emoções devem ser observáveis em primatas não-humanos. Para Ekman e Friesen (2003) existem seis emoções básicas que podem ser identificadas na observação das expressões faciais, são elas: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo. Ekman (1999a) defende três perspectivas a favor dessas emoções. A primeira defende que existem emoções que se diferenciam por características específicas, por exemplo, o medo e a tristeza são emoções distintas devido a traços peculiares e particulares. Essa perspectiva é contrária a de que emoções são fundamentalmente as mesmas, diferenciando-se pela intensidade e se são agradáveis ou não. A segunda aborda o valor adaptativo das emoções na prática das tarefas do dia-a-dia. Considera existir situações típicas e universais dos seres humanos (por exemplo, frustração e conquistas); e as emoções desempenhariam um papel de conduzir à melhores resultados diante dessas situações. E finalmente, a terceira considera que as emoções ditas como básicas podem combinar para formar emoções mais complexas. Finalizando, responder a questões como se existe ou não emoções básicas e quais são elas representa uma tarefa bastante difícil devido à complexidade do tema. Ortony e Turner (1990) realizam uma analogia na tentativa de evidenciar o quão complicado são essas indagações; afirmam que é como se perguntássemos quais são as pessoas básicas e esperar conseguir uma resposta que explicasse a diversidade humana..

(25) 24. 1.3 Universalidade x Relatividade das Emoções. Existem duas vertentes extremas na discussão sobre a universalidade das emoções. Uma defende que as emoções são universais e inatas, portanto, tanto a expressão como o reconhecimento das emoções seriam iguais em povos de qualquer cultura. A outra acredita que as emoções são determinadas culturalmente, adaptadas à sociedade. Nessa perspectiva a expressão e o reconhecimento das emoções se dariam diferentemente para cada cultura. Delgado (1971) diferencia aspectos inatos dos aprendidos em relação às emoções humanas. Refere que os inatos “são relativos à estrutura cerebral, canais, conexões sinápticas, reações químicas, sistemas enzimáticos e outros aspectos anatômicos e funcionais que são geneticamente determinados” (DELGADO, 1971, p. 47). Já os aprendidos referem-se a experiências pessoais, ligados a valores e padrões morais que fazem parte da carga cultural transmitida pela educação. Foram realizadas diversas pesquisas transculturais usando o reconhecimento de expressões faciais a favor da universalidade das emoções, como estudos clássicos podemos citar os de Paul Ekman e seus colaboradores. Os resultados desse autor apesar de positivos, atingindo elevados escores de acerto, demonstram existir uma discrepância cultural na identificação das emoções associadas às figuras, tendo como exemplo os europeus dentre os quais os acertos eram de 80% em comparação com os africanos que apresentaram 50%. Esse é um dos pontos para a discussão da universalidade. Outro aspecto criticado nesses estudos é o uso de fotografias de expressões faciais, pois é conhecido que as emoções se expressam por vários outros canais não verbais (ELFENBEIN; AMBADY, 2002). Elfenbein e Ambady (2002) examinaram vários estudos sobre o reconhecimento de emoções em diversas culturas. Essa análise incluiu 87 artigos, descrevendo 97 estudos separados. Foram examinados nesses estudos um total de 182 amostras de diferentes grupos.

(26) 25. culturais, envolvendo aproximadamente 22.500 participantes, com média de 100 participantes por estudo, sendo 42 nações diferentes, 23 grupos étnicos e dois grupos regionais. Essas autoras chegaram a diversas hipóteses para explicar a diversidade cultural encontrada nos estudos clássicos. Uma diz respeito ao contexto social que o individuo está inserido, ou seja, as emoções podem depender das convenções sociais da cultura. Outra questão se refere à linguagem que pode interferir no raciocínio e na representação de emoções pelas dificuldades de tradução e da entonação na expressão vocal, diferentes em várias culturas. E, finalmente, a familiaridade existente com indivíduos do mesmo grupo, geralmente as pessoas reconhecem as emoções mais facilmente quando o material usado no teste é de sujeitos do grupo que elas estão inseridas. Os resultados da investigação realizada por Elfenbein e Ambady (2002) sugerem que existem certas emoções universais que julgam como provável de serem biologicamente determinadas. Porém, os resultados também evidenciam que a expressão emocional pode perder o significado dependendo da cultura. Existem emoções que parecer ser mais facilmente reconhecidas por indivíduos da mesma nacionalidade, etnia ou grupo regional. Nos estudos analisados foram utilizadas sete emoções: raiva, alegria, nojo, medo, surpresa, tristeza e contentamento, e uma categoria de positivas ou negativas. Contentamento foi a menos reconhecida nas culturas exploradas. Medo e nojo também foram pouco reconhecidos, e a alegria foi a mais reconhecida. O julgamento de alegria e raiva foi menos afetado devido a pessoas do mesmo grupo que medo e nojo (ELFENBEIN; AMBADY, 2002). Em relação aos canais não verbais utilizados nos estudos analisados, Elfenbein e Ambady (2002) demonstram que quando são usados estímulos dinâmicos, como vídeo reproduzido, há um decréscimo na concordância de respostas entre pessoas do mesmo grupo, comparados a estímulos estáticos (fotografias de rosto e posturas corporais). Porém, isso não.

(27) 26. representa que os estímulos estáticos são melhores, pois também há uma diferença nas várias culturas para as respostas nesses estímulos. Em geral, os estudos que utilizaram a expressão vocal para o reconhecimento de emoções revelaram menor precisão nesse reconhecimento. A alegria foi mais facilmente reconhecida na expressão facial que na vocal, ao contrário de raiva e tristeza que foram melhores reconhecidas na voz que na face. Os resultados a que chegaram indicam que as emoções não perdem todo o seu significado nas diversas culturas, mas perdem alguns. Relacionam que assim como existem dialetos lingüísticos (variações regionais de uma língua em relação à pronúncia, a gramática, a sintaxe e ao vocabulário) que sofrem influência da localização geográfica, da cultura e da sociedade, também podem existir “dialetos emocionais” que variam de acordo com a cultura no modo de expressão e reconhecimento das emoções. Russel (1991) acredita que existe uma similaridade das emoções mesmo em diferentes linguagens e culturas, mas a forma como se categorizam e nomeiam as emoções variam de acordo com a língua e consequentemente com a cultura. Para esse autor a experiência emocional mais do que ser universal, é variável com a cultura em alguma extensão. Nessa perspectiva, o que varia com a cultura são os eventos que giram em torno das emoções como as atitudes, as crenças, e o que desencadeia determinada emoção. Esse autor levanta pontos contrários à universalidade das emoções. Um diz respeito à definição de emoção, ele questiona o que representa esse termo sozinho sem os eventos que se encontram em torno das emoções nas diferentes culturas. Argumenta que o conceito de emoção não é universal, pois diferentes povos não incluem certas emoções como outros, e oferece vários exemplos. Os japoneses não têm a categoria emoção e nem similar. Na África acontece junção de termos para nomear emoção. Samoas tem uma mesma palavra para nojo e ódio. No Taiti não existe uma palavra para tristeza ou para sentimento de culpa, a palavra que usam também se refere à depressão, cansaço, tristeza, solidão, ou seja, essa palavra está mais.

(28) 27. próxima a doença física de que a emoção. Em inglês nojo (disgust) refere-se a algo estragado, apodrecido ou a sentimentos de indignação moral. Para os Ifalukianos a palavra niyabut refere-se a algo estragado, podre; já para a questão moral existe outra palavra, song. Africanos quando se referem à raiva incluem tristeza e os americanos não. Outro fator desfavorável é que as emoções ditas como básicas em inglês nem sempre têm o equivalente em outras línguas e vice-versa. Só a possibilidade de não haver um equivalente em determinada língua já é um fator importante a considerar. Mesmo quando as palavras são traduzidas por equivalentes, não se pode afirmar com certeza que se referem à mesma coisa, não se pode afirmar que têm o mesmo significado (RUSSELL, 1991). Para que os estudos transculturais sejam confiáveis, o autor desse tipo de pesquisa necessita ter suficiente familiaridade com a língua e com o povo, precisa ter vivência da vida desse povo, descrever as emoções de dentro da cultura estudada para entender suas particularidades, como por exemplo, uma anedota (RUSSELL, 1991). Para essa discussão, Russell (1991) assume a posição de que pessoas de diferentes culturas, que falam diferentes línguas categorizam diferentemente as emoções. Mas ele não chegou a um consenso de como as pessoas categorizam as emoções, apesar dos estudos analisados. O que o leva a questionar a universalidade das emoções é o grande número de artigos escritos por etnógrafos sobre diferenças notadas nas palavras sobre emoção, a extensa variação do número de palavras associadas à emoção nas diferentes línguas, a evidência experimental dos equivalentes para tradução da lista previamente elaborada e a pequena diferença entre a linguagem nos indo-europeus e nos não-indo-europeus na categorização das expressões faciais. Russell comparou vários estudos com método de escolha forçada e analisou, separou em americanos, indo-europeus (França, Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, entre outros) e não-indo-europeus (Japão, Malásia, Turquia, entre outros). Não houve concordância de 100%.

(29) 28. em qualquer grupo apesar dos escores serem altos. Ser de línguas americanas ou de línguas indo-européias não se mostrou ser um diferencial no resultado dos escores. Nas línguas nãoindo-européias houve uma diferença dos outros grupos, a concordância foi mais baixa apesar de ainda ser alta, levando o autor a crer que existe uma diferença cultural maior neste último grupo. Palavras como nojo foram diferentes, os japoneses obtiveram escores mais baixos quando relacionado nojo, raiva e vergonha. Concluindo, a maior crítica de Russell é quanto aos métodos utilizados nas pesquisas sobre emoções. Refere não considerar um método superior ou mais adequado, mas julga necessário haver uma combinação de métodos testados empiricamente para se obter dados mais seguros..

(30) 29. 1.4 Universalidade x Relatividade das Expressões Faciais. Recentemente estudos em psicologia do desenvolvimento têm se preocupado com as origens da compreensão das crianças sobre sentimentos como alegria, tristeza, raiva e medo. O que os seres humanos sentem geralmente são visíveis no rosto através das expressões faciais. Charles Darwin afirmou em seu consagrado livro The Expression of the Emotions in Man and Animals (1872) que existiria uma base inata e universal para as manifestações emocionais e também para reconhecer as expressões faciais ligadas às emoções, ou seja, a criança não seria só capaz de diferenciar uma expressão facial da outra, mas também compreender o seu significado. Essa noção sobre emoção humana permeia até hoje as pesquisas na área. Nos últimos 30 anos, essa discussão reapareceu e desde então diversos estudos vem sendo realizados num esforço de elucidar esse problema. Murray (1971) relata que crianças surdas e cegas tendem a demonstrar a mesma expressão facial para uma situação, aproximadamente nas mesmas idades que as crianças normais, este fato sugere padrões inatos. Porém, não subjuga o papel da aprendizagem na expressão facial, por exemplo, americanos demonstram surpresa erguendo as sobrancelhas e os chineses põem a língua para fora para expressar a mesma emoção, neste caso o social estaria exercendo efeito em como as emoções são representadas no rosto. Os estudos sobre universalidade das expressões faciais têm sido bastante influenciados pelo trabalho de Paul Ekman e seus colaboradores. Ele concorda com Darwin que as expressões faciais têm base biológica e realizou várias pesquisas transculturais procurando mostrar que “a mesma aparência facial expressa à mesma emoção independentemente da cultura e que há mais expressões comuns que a simples distinção entre felicidade e infelicidade” (EKMAN, 1975)..

(31) 30. As pesquisas de Ekman (1975) englobaram comparações entre treze culturas literárias e duas isoladas e pré-literárias. Seus resultados demonstram que mesmo as pessoas que viviam isoladas, tinham as mesmas expressões faciais e reconheciam as mesmas emoções expressas pela face que a população dos centros mais desenvolvidos, não importando a língua por eles falada. Estes resultados representam um argumento importante a favor da universalidade. Outra conclusão a que ele chegou foi que os povos, em geral, demonstram as emoções através das mesmas expressões faciais, mas quando eles as expressam e com quem as expressam é que variam em cada cultura. A resposta para o porquê dessa semelhança transcultural ocorre nas expressões ou porque um determinado movimento facial está associado a uma dada emoção ainda representa uma incógnita. Ekman (1975) supõe que [...] todos os seres humanos partilhem a mesma programação neural, que relaciona músculos faciais com emoções determinadas. Os eventos específicos que ativam uma emoção e as regras para controlar a exibição da emoção são aprendidos e culturalmente variáveis.. Esses primeiros estudos, realizados por Ekman e outros pesquisadores (EKMAN; SORENSON; FRIESEN, 1969; IZARD, 1971; TOMKINS, 1962 apud EKMAN, 1999b), foram denominados de “Estudos de Julgamento” nos quais fotografias com diferentes expressões faciais (nojo, surpresa, medo, tristeza, alegria e raiva) eram mostradas a pessoas de diversos países em várias culturas. Se houvesse uma concordância nas respostas, ou seja, se indivíduos de diferentes culturas reconhecessem as mesmas expressões faciais, chegava-se a conclusão da universalidade. Esses estudos foram realizados com lista de emoções predefinidas. Para Russell (1991) esse tipo de estudo utiliza o método de opção forçada pela existência de uma lista de opções de emoções. Nesse método não se pode precisar a equivalência de conceitos nas diferentes culturas e isso acontece mesmo que 100% estejam.

(32) 31. em concordância com o esperado. Os participantes da pesquisa só poderiam responder entre aquelas emoções que estavam listadas, não poderiam falar sobre uma equivalente na cultura deles. Por esse motivo, esse autor julga esse método insensível para o significado preciso dos termos envolvidos. Por exemplo, se houver substituição de alegre por serena, excitada, agradecida ou triunfante, o participante tenderá a marcar o mesmo rosto para expressar alegria, ou seja, se a melhor palavra para definir a figura não estiver na lista, acaba surgindo um consenso entre os entrevistados por outra que puderam achar, às vezes nem tão adequada. Russell (1989 apud RUSSELL, 1991) realizou um estudo em que o primeiro grupo optou por raiva, o segundo por tristeza e o terceiro por deprimido para a mesma fotografia dependendo das alternativas disponíveis na lista. Outra questão que levanta é que a lista de palavras do método de escolha forçada inicia-se em inglês e depois é traduzida, e questiona: se já fosse montada em outra língua, de outra cultura, teria as mesmas palavras usadas no inglês para determinar tais emoções? Por essas considerações, ele conclui que o máximo que se pode tirar deste tipo estudo é que entre pessoas de diferentes culturas existem interpretações similares para expressões faciais (RUSSELL, 1991). Para rebater essa crítica foram realizados estudos de escolha livre, em que era pedido aos sujeitos investigados que denominassem as emoções expressadas nas fotografias usando suas palavras. Os resultados desses estudos foram semelhantes aos de escolha forçada e mais uma vez sugeria-se a universalidade (EKMAN, 1999b). Na seqüência, surge o argumento de que esses estudos foram realizados em sociedades alfabetizadas e os sujeitos poderiam estar acostumados com expressões faciais de outras culturas através da televisão, por exemplo. Então foram realizados estudos em sociedades não-alfabetizadas, isoladas, onde existia uma grande probabilidade desse povo não ter entrado em contanto com qualquer outra cultura. Como exemplo podemos citar o estudo realizado por Ekman (1967 apud EKMAN, 1999b) na Nova Guiné. A forma como esses nativos.

(33) 32. expressaram as emoções na face e os resultados dos estudos de julgamento neles voltaram a suportar a universalidade das expressões faciais (EKMAN, 1999b). Após esses resultados, ocorre o contra-argumento de que os estudos de julgamento demonstram a universalidade de expressões faciais predefinidas, mas não das espontâneas. Na tentativa de superar essa crítica, estudantes americanos e japoneses foram submetidos a assistir filmes, um neutro e outro que induziam emoções, e as expressões faciais que faziam eram filmadas. Em seguida foi pedido para que estudantes americanos identificassem as expressões faciais produzidas pelos japoneses e vice-versa (EKMAN; FRIESEN, 1969 apud EKMAN, 1999b). Os resultados satisfizeram novamente os defensores da universalidade das expressões faciais. Ainda buscando compreender melhor as expressões faciais das emoções não espontâneas, foram realizadas pesquisas com crianças. As crianças, pelo pouco tempo de vida, são pouco expostas às influências da sociedade e são mais espontâneas na expressão de suas emoções, constituindo assim ótima oportunidade de investigação (EKMAN, 1999b). Vários estudos realizados com bebês (HIATT; CAMPOS; EMDE, 1979; IZARD; HEMBREE; DOUGHERTY; SPIZZIRRI, 1983; IZARD; HUEBNER; RISSER; McGINNES; DOUGHERTY, 1980; GANCHROW; STEINER; DAHER, 1983; STENBERG; CAMPOS; EMDE, 1983 apud HARRIS, 1996) confirmam que desde muito novos eles são capazes de produzir expressões faciais diversas apropriadamente em diferentes situações. Isso por si só não determina a base inata das expressões emocionais, já que a criança pode ser capaz de aprender copiando o código universal para manifestar várias emoções. Informações recentes levam a crer que recém-nascidos são muito bons em reproduzir movimentos faciais. Esse dado levanta a hipótese de que o bebê aprende expressões faciais imitando. É possível que a criança pequena expresse emoção através da face por já terem visto outras pessoas produzindo tais expressões. Porém, não há como a criança imitar.

(34) 33. expressões em determinadas situações, como por exemplo, ela nunca viu um adulto ficar zangado porque lhe tiraram um brinquedo ou um doce. Portanto, é mais aceitável que existam certos “evocadores particulares que, de modo mais ou menos automático, evocam expressões emocionais particulares” (HARRIS, 1996, p. 14). Estudos mostram que bebês agrupam exemplos distintos da mesma expressão (CARON; CARON; MYERS, 1982 apud HARRIS, 1996) e que compreendem qual tom de voz corresponde à determinada expressão facial (WALKER-ANDREWS, 1986 apud HARRIS, 1996). Essas conclusões reforçam a idéia de Darwin, porém não a confirmam devido ao fato de não mostrarem nada em relação ao significado que as manifestações faciais têm para a criança. A forma evidente de pesquisar como o bebê reage a diferentes expressões faciais é observar suas reações espontâneas. A impressão, ao se conviver com crianças, é que elas reagem às alterações de expressão emocionais. Se os pais ou um cuidador sorriem e usam uma voz positiva para falar com o bebê, ele responde de forma positiva também. Mas é possível que a criança se acostume com o fato de que quem cuida dela ser sempre amável e fica difícil interpretar esse tipo de reação. É preciso “interromper o fluxo da interação normal e comparar a reação do bebê a duas expressões distintas” (HARRIS, 1996, p. 17) para o reconhecimento de emoções por parte dele. Há a possibilidade de que bebês novos não compreendam as expressões emocionais, por exemplo, o que significa um sorriso ou uma manifestação de raiva, eles podem apenas imitar a expressão quando se deparam com ela. Mas já há provas que as crianças reconhecem e reagem ao sentido da expressão de quem cuida deles. A partir das dez semanas de idade, eles parecem reagir apropriadamente à emoção manifestada pela mãe (HARRIS, 1996). Existe um tipo mais complexo de comunicação no qual o adulto não interage diretamente com o bebê, ele exprime um comportamento emocional a algum objeto ou.

(35) 34. ocasião do ambiente. Chamado de referencial social foi identificado pela primeira vez por Mary Klinnert e seus colegas (KLINNET; CAMPOS; SORCE; EMDE; SVEJDA, 1983 apud HARRIS, 1996). No fim do primeiro ano de vida a criança com atitude indecisa sobre um objeto procura a mãe para receber aprovação ou não. Ou seja, os bebês aproximam-se ou evitam um objeto de acordo com a mensagem emocional transmitida pelo adulto. Os resultados de estudos com referencial social mostram que as crianças apresentam respostas apropriadas e seletivas a expressões distintas. Em um diálogo social a criança reage adequadamente a uma expressão emocional e também é dirigida pela emoção de um adulto em relação a um objeto ou ocorrências em seu ambiente. Uma interpretação plausível para este tipo de reação é a que o bebê entende a expressão facial do adulto como um comentário sobre o objeto ou a ocorrência. Segundo Harris (1996, p. 23) “a reação emocional de um adulto não tem somente um efeito global sobre o estado do comportamento exploratório de bebê; ela influencia a exploração que o bebê faz de um determinado objeto e exerce sua influência por algum tempo”. Há possibilidades para entendermos de que modo o bebê compreende a expressão emocional de um adulto. Uma seria a que as expressões faciais de um adulto são seguidas de conseqüências distintas, um sorriso segue atitudes positivas e assim por diante. Outra estaria ligada à imitação. Essas hipóteses são contrárias à concepção darwiniana de que o reconhecimento das emoções é inato. Para Harris (1996, p. 24) “é muito possível que o bebê tenha um reconhecimento inato de significado da emoção, mas sem que haja uma excitação correspondente”. A partir dos dois anos de idade, as crianças respondem de forma apropriada à emoção de um adulto mesmo que sem compartilhá-la. Portanto, existem indicações de um reconhecimento do significado das emoções de forma muito precoce, ou até inato. Com um ano de idade a criança é capaz de conceder.

(36) 35. significado a expressões emocionais particulares, mesmo que de forma não especializada. Também é capaz de relacionar essas emoções a objetos (HARRIS, 1996). Para Ekman (1999b) outra evidência da universalidade das expressões faciais é a continuidade das espécies. Nessa área procura-se determinar se nossos antecedentes primatas possuíam expressões faciais semelhantes às dos humanos (CHEVALIER-SKOLNIKOFF, 1973; FOLEY, 1938; KLINEBERG, 1940; REDICAN, 1982 apud EKMAN, 1999b). Foram realizados estudos com chimpanzés, primatas mais próximo do homem, nos quais era pedido a humanos que identificassem em fotografias emoções expressadas por esses animais. Os resultados foram favoráveis a universalidade, pois se as emoções são resultado da seleção natural que resultou na evolução das espécies, a universalidade das expressões faciais é inquestionável (EKMAN, 1999b). Diante do exposto Ekman (1999b) concluiu que o universal nas expressões faciais é a relação entre comportamentos faciais particulares e emoções específicas. Mas nem sempre isso ocorre quando as pessoas sentem emoções, pois as mesmas são capazes de esconder suas emoções, até certo ponto, e também podem “produzir” expressões de emoções que na verdade não estão experenciando. Ainda não são certas quantas expressões faciais diferentes são universais para cada emoção, por exemplo, para a emoção medo existem evidências que a expressão facial correspondente pode ou ter a boca aberta. Observações demonstram que para alegria, raiva, nojo, tristeza e medo/tristeza há uma expressão facial única para cada uma dessas emoções, porém o medo e a tristeza só são diferenciados em sociedades alfabetizadas (EKMAN, 1999b). O autor também admite haver diferenças nas expressões faciais associadas às emoções. Uma primeira seria relacionada à linguagem, mais especificamente as palavras, nem sempre uma língua disponibiliza palavras para expressar determinada emoção. Outra relata que nas diversas culturas deve haver diferenças no significado das pessoas sobre suas próprias.

(37) 36. emoções e sobre as dos outros (chama de “filosofia de meta-emoções”). E por último, pontua que diferentes culturas podem diferir nos eventos que induzem a uma emoção, por exemplo, nem todos humanos sentem nojo ao pensar em comer um gato (EKMAN, 1999b). Sobre esse assunto Russell (1991) assume a posição de que, sob condições de experimento, o mesmo estado emocional é manifestado com as mesmas expressões faciais em qualquer pessoa, de qualquer cultura. Para ele a manifestação é a mesma, mas como as diferentes culturas caracterizam os estados emocionais manifestos é que difere. Existe uma grande similaridade, mas nem sempre uma identidade entre a forma como as emoções comunicadas pelas expressões faciais são categorizadas. No intuito de contribuir para essas discussões destacaremos a emoção de nojo, já que conforme observaremos nos resultados, não seguiu o padrão esperado por diversos autores..

(38) 37. 1.5 Emoção de Nojo (em inglês disgust). Em sua concepção mais simples, nojo refere-se a algo desagradável ao paladar. Se analisarmos a palavra disgust, “gust” significa “gosto” ou “paladar” e o prefixo “dis” realiza nexo no português a “des” com sentido de negação. Nessa perspectiva é explicável que o nojo se manifeste principalmente com movimentos ao redor da boca (DARWIN, 2004). Porém, pode estar relacionado a outros sentidos, como Darwin (2004, p. 237) relata:. Refere-se a algo repulsivo, primariamente relacionado ao sentido da gustação, seja isso realmente sentido ou vividamente imaginado; e secundariamente relacionado a qualquer coisa que cause um sentimento similar por meio do sentido do olfato, do tato e mesmo da visão. Entretanto, o desprezo extremo que se mistura à repugnância, pouco difere do nojo.. Essa descrição de Darwin nos reporta ao que já foi analisado neste trabalho sobre emoção, pois o nojo pode ser desencadeado por algo concreto, por algo que esteja na memória, por questões inatas e por questões transmitidas pela cultura. Ainda engloba a concepção moral de algo que nos repugna. Darwin (2004, p. 242) diferencia a forma como o nojo se expressa, se de forma moderada ou extrema, [...] o nojo moderado é demonstrado de diversas maneiras; abrindo-se a boca, como para deixar cair um pedaço desagradável de comida; cuspindo; soprando com os lábios protraídos; ou pelo som de se limpar a garganta. Esses sons guturais se escrevem agh ou ugh; e são às vezes acompanhados de um arrepio, os braços apertados contra a lateral do tronco, e os ombros levantados como ao ficarmos horrorizados. O nojo extremo é manifestado com movimentos em volta da boca, idênticos àqueles que preparam o ato de vomitar. A boca se abre totalmente, com o lábio superior fortemente retraído, o que enruga as laterais do nariz, e com o lábio inferior protraído e evertido tanto quanto possível..

(39) 38. Em algumas pessoas a simples idéia de comer algo pouco usual induz rapidamente a ânsias e vômitos mesmo que fisiologicamente não haja nada que empeça o organismo de aceitar tal comida, como por exemplo, a carne de um animal que geralmente não se come. Para essa ação reflexa pode-se fazer uma analogia com os animais, pela capacidade de expelir voluntariamente alguma comida que por algum motivo rejeitassem. Considerando a evolução das espécies, essa capacidade de regurgitar, mesmo que atualmente seja involuntária, é evocado por qualquer coisa que deixe o ser humano enojado (DARWIN, 2004). Essas idéias deixam clara a abordagem inata de tal emoção para esse autor, como relata ter observado o nojo no rosto de um bebê de cinco meses de idade demonstrado por movimentos na face e reação fisiológica (estremecimento), além da protrusão da língua. Esse último considerado um sinal universal. Descreve também que o nojo é universal devido aos movimentos da face e outros gestos serem idênticos em vários povos ao redor do mundo (DARWIN, 2004). Fenichel (1981) aborda o nojo sob uma concepção psicanalítica, e afirma que a precursora dessa emoção é uma síndrome arcaica de defesa fisiológica automática quando algo que cause repugnância entre em contato com o trato digestivo. No bebê isso leva ao ato de cuspir, pois o pré-ego faz a criança interpretar como algo que não é comestível. Posteriormente, o ego reforçado usa esse reflexo como mecanismo de defesa. Para Miller (1997) o nojo deve necessariamente repelir e ultrapassa a relação com o paladar envolvendo todos os outros sentidos, sendo a audição o que desperta mais dificilmente o nojo. Esse autor considera que fatores de ordem política, social, moral e cultural também despertam nojo. Nesse sentido o nojo é humanizante por ser uma experiência sensorial que envolve todos os sentidos de forma súbita. Classifica o nojo em dois tipos. Um chama de freudiano, quando o nojo age como um impedimento à realização de desejos inconscientes relacionando à moral e à vergonha para.

(40) 39. conter o instinto sexual, ou seja, o nojo impediria a aproximação ao que repugna mesmo que haja uma vontade. O outro tipo refere-se ao nojo por excesso, ele é desencadeado após se cometer ou pensar em cometer exageros relacionados à comida, a bebida ou a relações sexuais (MILLER, 1997). Torres e Guerra (2003) referem que o nojo pode ser desencadeado como resposta a algo físico ou psicologicamente deteriorado, porém estando mais relacionado ao instinto e processo neuroquímicos. Consideram os alimentos potenciais desencadeadores físicos do nojo e do psicológico, situações ou indivíduos moralmente aversivos. Relatam que essa emoção está ligada ao desprezo, a raiva e a tristeza (TORRES; GUERRA, 2003). Quando discutimos a existência das emoções básicas observamos que muitos autores (DARWIN, 2004; EKMAN; FRIESEN; ELLSWORT, 1982; IZARD, 1971; MCDOUGALL, 1926; OATLEY; JONHSON-LAIRD, 1987; PLUTCHIK, 1980; TOMKINS, 1984 apud ORTONY; TURNER, 1990) consideram o nojo uma emoção inata e universal. Na tentativa de contribuir para os estudos sobre emoções, analisaremos os casos das chamadas “crianças selvagens”, seres humanos privados de convívio social. Esses casos podem nos oferecer subsídios sobre aspectos referentes a emoções como, por exemplo, questões sobre se são inatas, universais, adquiridas através de outros da espécie, entre outros..

(41) 40. 2 CRIANÇAS SELVAGENS. A lenda mais antiga conhecida é a dos gêmeos Rômulo e Remo. Abandonados em um cesto nas águas do Rio Tibre, eles foram salvos por uma loba, que os amamentou e os viu crescer. Adulto, Rômulo matou Remo e, em seguida, fundou Roma oito séculos antes de Cristo. Recentemente a lenda voltou aos noticiários devido ao anúncio de que o arqueólogo italiano Rodolfo Lanciani encontrou a gruta na qual os irmãos foram aleitados pela loba, de acordo com a crença dos antigos romanos. Ela foi localizada a 16 metros de profundidade, debaixo das ruínas do palácio de Otávio Augusto, o primeiro imperador romano, numa das encostas do Palatino, uma das sete colinas de Roma (Revista Veja, edição 2036, 28 de novembro de 2007). O primeiro caso relatado data do ano de 250 quando o historiador Procopius narrou ter visto na Itália uma criança que, deixada por sua mãe, foi cuidada por uma cabra. A criança foi chamada de Aegisthus. É sabido também, da existência de um menino-lobo da Lituânia, encontrado no final do século XVII (www.feralchildren.com). Outro caso conhecido é o de Peter, um menino de 13 anos encontrado em uma floresta perto de Anuir na primavera de 1726. Teve como protetores o Príncipe e a Princesa de Gales obtendo assim, contato com intelectuais. Após, foi entregue aos cuidados de um famoso médico escocês, Dr. John Arbuthnot. Peter não aprendeu a falar, embora pronunciasse monossílabos. Ao contrário da maioria das crianças em situação semelhante, ele viveu bastante depois de ter sido encontrado, vindo a falecer em 1775. Na época, as crianças selvagens eram vistas por muitos com a imagem inversa de fantasmas vistos como “almas sem corpos”, elas seriam “corpos sem almas” (NEWTON, 2002). Outro caso documentado é de Memmie Le Blanc que foi encontrada na região de Champagne em 1731, aos 10 anos de idade, usando um colar, vestida com uma pele de animal.

(42) 41. e não entendia francês. Teve como cuidador o Visconde d´Epinoy e após sua morte, viveu em conventos. Logo desconfiaram que ela não se perdera na floresta em idade muito nova, pois aprendeu a falar francês fluentemente. Vários intelectuais se interessaram por sua história, o mais famoso foi James Burnett. Para ele a linguagem era uma aquisição social, e questionou se Memmie podia ser considerada humana enquanto ficou perdida na floresta, pois chegou a ponto de esquecer sua língua materna (MASSINI-CAGLIARI, 2003). No ano de 1800, em uma floresta no Sul da França, foi encontrado um menino nu, aparentando ter entre 12 e 15 anos de idade, mudo e parecendo ser surdo. Apenas emitia grunhidos e sons estranhos, não interagia, cheirava tudo que levava as mãos e andava de quatro. Antes de ser levado à civilização, já era visto por camponeses e caçadores perambulando pela floresta à procura de alimentos, resistia a qualquer contato fugindo. Ficou conhecido como Victor de Aveyron, seu caso apresenta farta documentação e relatos precisos e detalhados (GONÇALVES; PEIXOTO, 2001). A repercussão deste acontecimento é grande e as autoridades discutem para definir de quem era a responsabilidade do menor. De início vai para o abrigo de Saint Affrique, destinado a doentes e indigentes, onde ficou por um mês sem cuidado especial. Posteriormente, é levado a Escola Central de Rodez sob os cuidados de um renomado professor de História Natural, Bonnaterre. Chega a Paris em agosto do mesmo ano, encaminhado ao Instituto Nacional de Surdos-Mudos onde teve contatos com médicos, filósofos e naturalistas famosos da época, entre eles Philippe Pinel que escreveu o relatório de maior importância. Seu diagnóstico era de que o menino fora abandonado por ser idiota e não haveria condições de educá-lo. Jean-Marc-Gaspard Itard, jovem médico, ex-aluno de Pinel, se interessou pelo garoto e tinha opinião contrária à de seu mestre. No Instituto, o Selvagem de Aveyron passava os dias pelos jardins e as noites trancado em um quarto, foi tentado ensinálo a língua de sinais sem sucesso..

Referências

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