• Nenhum resultado encontrado

Concepção da guerra justa em face da evolução histórica do fundamentalismo religioso

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Concepção da guerra justa em face da evolução histórica do fundamentalismo religioso"

Copied!
45
0
0

Texto

(1)

LEONARDO SCHWAB

CONCEPÇÃO DA GUERRA JUSTA EM FACE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

Três Passos (RS) 2019

(2)

LEONARDO SCHWAB

CONCEPÇÃO DA GUERRA JUSTA EM FACE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em direito.

Orientadora: Msc. Anna Paula Bagetti Zeifert

Três Passos (RS) 2019

(3)

Dedico a conclusão deste trabalho a todas as pessoas que de uma forma ou outra me incentivaram na caminhada acadêmica, incrementando novas ideias e ajudando a conquistar os meus objetivos.

(4)

AGRADECIMENTOS

A minha família, em especial aos meus pais e a minha irmã, que são o alicerce da minha vida, me proporcionando todas as coisas boas que uma família pode dar.

A minha orientadora Msc. Anna Paula Bagetti Zeifert, pela dedicação, sabedoria e todo apoio transmitido. Agradeço também pela compreensão, entendendo algumas situações vivenciadas durante este estudo.

(5)

“Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.”

(Friedrich Nietzsche)

“A inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos.”

(6)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do surgimento e da evolução do conceito de Guerra Justa no decorrer da história e de como esse conceito influencia na validação da prática de guerra pelo homem. Majoritariamente ligado ao fundamentalismo religioso, o conceito de Guerra Justa se transforma conforme o período e lugar analisado, passando pela Idade média com o advindo das Cruzadas, com teor puramente teológico, avançando para a modernidade, com um princípio de desvinculação do conceito de Guerra Justa das ideias religiosas, passa a ter um enfoque mais naturalista e também contratualista. Já na contemporaneidade, com os atentados do 11 de setembro, o discurso de Guerra ao Terror cresce e se transforma num novo meio de Guerra Justa, inflamada pelos ideais democráticos e uma ideia de guerra preventiva. Com o surgimento do Estado Islâmico, o discurso de intolerância religiosa é intensificado e as novas interpretações dos textos religiosos passam a determinar a validação da guerra com uma nova onda de Jihads. Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo.

Palavras-Chave: Guerra Justa. Cruzadas. Fundamentalismo religioso. Guerra ao Terror. Jihads.

(7)

ABSTRACT

The present work of monographic research makes an analysis of the emergence and evolution of the concept of Just War throughout history and how this concept influences the validation of the practice of war for man. Mainly linked to religious fundamentalism, the concept of the Just War is transformed according to the period and place analyzed, passing through the Middle Ages and the Crusades, with a purely theological content, moving towards modernity, with a principle of untying the concept of Just War of religious ideas, has a more naturalist and contractualist approach. Already in contemporary times, with the attacks of September 11, the speech of War on Terror grows and becomes a new means of Just War, inflamed by democratic ideals and an idea of preventive war. With the emergence of the Islamic State, the discourse of religious intolerance is intensified and new interpretations of religious texts begin to determine the validation of war, with another wave of Jihads. As for the general objectives, the research will be exploratory. It uses in its design the collection of data in bibliographic sources available in physical media and in the network of computers. In its realization will be used the hypothetico-deductive approach method.

Keywords: Just War. Cruzades. Religious fundamentalism. War on Terror. Jihads.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9 1 GUERRA JUSTA: ASPECTOS HISTÓRICO-CONCEITUAIS E SUAS

CONTROVÉRSIAS...11 1.1O surgimento do conceito de Guerra Justa...11 1.2Guerra Justa e o fundamentalismo religioso nas Cruzadas...15 1.3 A Guerra e o Nascimento do Estado Moderno: o contratualismo e sua

contribuição na teoria das relações entre os homens...19 2 O CONCEITO DE GUERRA JUSTA NA CONTEMPORANIEDADE: A

LEGITIMIDADE DO USO DA FORÇA AINDA É POSSÍVEL?...28 2.1Guerra ao terror: o discurso na construção do conceito de guerra

justa...28 2.2O surgimento do Estado Islâmico e a fundamentação das

Jihads...33 CONCLUSÃO...41 REFERÊNCIAS...43

(9)

INTRODUÇÃO

Sempre buscou-se analisar a prática de conflitos das sociedades e países no decorrer da história. Assim como sempre buscou-se entender o motivo e os fundamentos da prática da guerra, que muitas vezes é pronunciada com motivos de paz, um paradoxo interessante e complexo.

Passando pela idade média, com o ápice do poder exercido pela igreja católica, transcendendo o ocidente, evidenciado pelas Cruzadas, e vindo a um estudo dos contemporâneos conflitos, com foco e ponto inicial nos mais recentes conflitos entre o Oriente Médio e os países ocidentais que vêm atingindo grande parte do globo, podemos perceber claramente o quanto um olhar acerca do conceito de guerra justa, enfatizado como alicerce fundamental nos conflitos, é fortemente aliado ou até mesmo embutido no fundamentalismo religioso presente nas sociedades, sempre em busca da validação do uso da força de um povo em relação ao outro.

Primeiramente será feita a análise de como surge o conceito de Guerra Justa, bem como ele vai se moldando na Europa Ocidental, com o poder predominante da Igreja Católica e o advindo das Cruzadas, fundamentado puramente na teólogos da época, que acreditavam que a Guerra Justa deveria se pautar na palavra divina. Como essa abordagem muda com o nascimento do Estado Modero e o começo da separação do conceito de Guerra Justa e do fundamentalismo religioso, através dos pensadores contratualistas que vão surgindo e sugerindo uma análise da prática de conflitos com princípio em um olhar mais naturalista e como esse pensamento se desenvolve até o contrato social.

Num segundo momento, será analisado como a Guerra ao Terror promovida pela coalizão liderada pelos Estados Unidos contra as organizações e países do Oriente Médio, são justificadas num discurso de necessidade, prevenção e ideais democráticos buscando a validação do uso da força e da prática da guerra. Assim como, com a criação do Estado Islâmico e uma nova onda de fundamentalismo

(10)

religioso, bem como uma interpretação radical do islã, promovem e validam as Jihads.

Por mais que as formas de conflitos e guerras ao longo das fases históricas de nossa sociedade vêm mudando consideravelmente, obviamente afetadas pelo profundo impacto das evoluções tecnológicas e econômicas e das mudanças culturais no planeta, nota-se uma similaridade imensa na fundamentação, na motivação e no conceito de justiça utilizado nas guerras, e como persiste a ideia de uma guerra ser perfeitamente justificável quando “corretamente” fundamentada. Contudo se faz imprescindível a análise de tal prática, observando essas similaridades, para que entendamos os alicerces ideológicos que se fazem presentes, uma vez que engloba tantas pessoas e que possui tamanho potencial lesivo, mantendo em perspectiva uma avaliação das consequências já causadas na população, pelas guerras consideradas justas e fundamentadas na religião.

(11)

1 GUERRA JUSTA: ASPECTOS HISTÓRICO-CONCEITUAIS E SUAS CONTROVÉRSIAS

A história do homem, desde o começo de sua evolução, apresenta-se impregnada de conflitos, tanto daqueles praticados visando os benefícios pessoais, representados principalmente pelos medos e desejos mais instintivos, quanto dos conflitos praticados visando objetivos coletivos, diretamente ligados, na sua complexidade, à evolução das sociedades e dos interesses da nação.

A guerra se fez sempre presente nesses embates entre a vontade dos homens, tendo essa aparência um tanto quanto primitiva, do uso da força para imposição da vontade de um grupo sobre o outro, passou a se buscar os argumentos sob os quais uma quando o uso da força poderia ser validado.

1.1 O surgimento do conceito de Guerra Justa

Guerrear é uma prática historicamente presente nas sociedades humanas, sejam em quais lugares elas estejam. Nos tempos mais longínquos, onde o homem não dotava de uma organização político-social tão complexa, a guerra entre pessoas, em sua maioria nômades, tratava-se de uma espécie de imposição de vontade, de um grupo, em relação ao outro, havendo a disputa por alimento, abrigo e ambiente.

Com o posterior e meteórico desenvolvimento das sociedades, principalmente no que diz respeito à política, à tecnologia e à filosofia – sem contar o evidente crescimento na densidade populacional, agora com grandes países, cidades e impérios - o simples fato de declarar uma guerra, passou a exigir uma maior cautela e estudo, visto que também passou a acarretar consequências em maiores escalas.

Dada a maior valorização da vida humana e um “contrato social” mais elaborado, ao final da idade antiga começou a surgir, através de alguns pensadores da época, um conceito de guerra justa, que foi sendo aprimorado na idade média, sendo definido como uma espécie de linha de pensamento e conjunto de regras não

(12)

formais que visam definir em quais são as condições em que a guerra é uma ação moralmente aceitável.

Com o passar dos anos, cada vez mais adentra-se uma corrente doutrinária filosófica, de cunho largamente teológico, onde pensadores como Agostinho de Hipona (354-430), munidos das ideias que partiram de Cícero (106-43 a.c), desenvolvem o tema de forma a caracterizar a guerra justa.

Nesse sentido destaca Goldin (2003, s.p):

Para Agostinho de Hipona o primeiro critério é a Autoridade Adequada. [...] A ordem natural, que é dirigida para a paz das coisas morais, requer que a autoridade e a deliberação para realizar uma guerra estejam sob o controle de um líder. Para Agostinho o outro critério necessário é a Causa Adequada, que são as razões para ir para a guerra. Estas razões são tão importantes quanto a autoridade de quem ordena ir para a guerra. Ele especificamente retira as justificativas para ir para a guerra que envolvam: o desejo de causar dano, a crueldade da vingança, uma mente implacável e insaciável, a selvageria da revolta e o orgulho da dominação. Agostinho via a guerra como uma trágica necessidade do relacionamento entre os povos [...].

Através deste pensamento, observa-se que há cada vez mais um tom religioso pautando a ideia de guerra, principalmente no advir da Idade Média, onde a igreja católica passa a obter um poder político tremendo na Europa Ocidental, estendendo-se também, com o tempo, à boa parte do oriente. Observando que no texto acima a doutrina traz o conceito de “autoridade adequada”, bem como o de “causa adequada”. Em uma sociedade de poder papal absoluto, por lógico, a autoridade adequada viria a ser a igreja católica, por consequência, a causa adequada viria a ser a religião católica.

Desse modo, a construção agostiniana traça os marcos iniciais de uma doutrina do Estado e fornece os elementos teóricos para a justificação da Igreja ocidental. Não só o Estado apresenta limites que a Igreja não conhece, como só poderá integrar-se à Cidade de Deus subordinando-se à Igreja em todos assuntos e gestões intelectuais. (WOLKMER, 2008, p. 56).

Desta forma, com a sociedade cada vez mais adepta ao catolicismo, o conceito de certo e errado torna-se muito distante de um conceito pessoal, mas sim

(13)

começa a ser entabulado pela igreja, que começa a exercer seu poder em todas as esferas das sociedades europeias.

Como podemos ver no pensamento de Ribeiro e Reis (2012, p. 1),

A igreja cristã teve um posicionamento pacifista, mediante o tema da guerra, ou da agressão, até o século IV. Porém uma mudança significativa na política Imperial Romana eleva o cristianismo à religião oficial do Império, fazendo com que o cristianismo passasse a fazer parte do Império e o Império viesse a ser cristão. Diante dessa nova postura imperial, deveria nascer uma, também nova, postura por parte dos cristãos. O cristianismo passa admitir o uso da força e das armas para a defesa do Império – que é agora também a defesa da própria igreja e da religião cristã – frente às invasões bárbaras e os movimentos heréticos. Uma nova linha de pensamentos irá se formar para a defesa dessa nova apropriação de um cristianismo que assumia o belicismo, não mais apenas espiritual, mas que tomava armas para um combate corporal.

Segue o autor:

Uma nova interpretação dos escritos e das tradições eclesiásticas deve ser tomada e para essa nova teoria que se forma no seio do cristianismo, teremos um dos mais influentes pensadores para o cristianismo medieval: Santo Agostinho de Hipona lançará as bases para a teoria de uma guerra justa – que se resume em uma união da ética cristã com o belicismo do medievo – que estará presente em toda a Idade Média.

Conforme discorrido no trecho supracitado, as ideias dos pensadores da época vão formulando um conceito de Guerra Justa, que serve para adequar a motivação defensiva em relação às invasões bárbaras muito presentes no então atual momento do império romano, passando a admitir-se o uso da força para a defesa e logicamente dotando-se de justiça.

Ainda nesse sentido,

A situação irá mudar a partir do século IV. A razão essencial é que o cristianismo se tornou religião do Estado, os cristãos foram integrados à sociedade pública e não mais puderam opor uma recusa a uma guerra que se impunha ao agora Império Cristão: a sociedade romana estava exposta a múltiplos ataques, em particular por parte daqueles a que chamamos os “bárbaros”. A partir desse

(14)

momento, foi necessário que os cristãos cristianizassem a guerra (LE GOFF, 2008, p. 106).

Dotado de grande poder, acostada em um império ainda de mentalidade bélica, a igreja católica vai ganhando corpo e força política e social para disseminar sua crença para o oriente, entrando em conflito, desta forma, com os povos de outras religiões, com destaque para os muçulmanos.

Desse modo, o conceito de justiça na guerra vai tomando cada vez mais força e formando os pilares das ideias que culminam nas Cruzadas, tomando sua forma mais concreta nas palavras de Santo Augustinho:

Quem quer observe um pouco as questões humanas e a nossa comum natureza reconhecerá comigo que, assim como não há quem não procure a alegria, também não há quem não queira possuir a paz. Realmente, mesmo quando alguém faz a guerra, mais não quer que vencer; portanto, é a uma paz gloriosa que pretende chegar, lutando. Na verdade, que mais é a vitória senão a sujeição dos que resistem? Logo que isto se tenha conseguido, será a paz. As próprias guerras, portanto, são conduzidas tendo em vista a paz, mesmo por aqueles que se dedicam ao exercício da guerra, quer comandando quer combatendo. Donde se evidencia que a paz é o fim desejado da guerra. Efetivamente, todo homem procura a paz, mesmo fazendo a guerra; mas ninguém procura a guerra ao fazer a paz.” (apud RIBEIRO; REIS, 2012, p. 4).

O conceito de paz através da guerra, bem como o senso de justiça trazido junto com tal ideia começa a tomar cada vez mais corpo nas ideias de Santo Augustinho, ficando claro que começa a trazer cada vez mais corpo às ideias de Guerra Justa, como através da guerra se atingiria “uma paz gloriosa”.

Como explicitado:

A formação do conceito de guerra justa passa por vários estágios, mas encontra em Santo Agostinho, reconhecidamente um dos pilares da Igreja cristã, seu ponto chave, a base que influenciará por toda a Idade Média, o pensamento militar diretamente relacionado ao Cristianismo, e que, posteriormente, alcançará o seu clímax com a ideia de guerra santa” (RIBEIRO; REIS, 2012, p.5).

Assim, fica claro que o conceito de Guerra Justa já vinha tomando forma com diversos pensadores anteriores, porém é em Santo Augustinho que o pensamento

(15)

vai se tornando mais concreto, por assim dizer, bem como é nele que as ideias militares encontram maior força e respaldo pela Igreja Católica para fundamentar suas ações que viriam a culminar nas Cruzadas, ou Guerra Santa.

1.2 Guerra Justa e o fundamentalismo religioso nas Cruzadas

Com o aumento do poder da igreja católica, somado a uma mentalidade, ainda de certa forma, expansionista, mesmo que mais brandamente, o conceito de causa adequada para uma guerra justa começa a tomar contornos diferentes, como a busca por terras e sua proteção, bem como a imposição religiosa diante de outras culturas e crenças. Tais práticas acabam culminando nas Cruzadas, também chamada de Guerra Santa.

O advindo das Cruzadas está diretamente ligado à doutrina da Guerra Justa formulada por uma Igreja igualmente instruída em relação à guerra e ao uso da força, que afirmava que a violência, por si só, é um mal, mas que a passividade diante da mesma poderia ser um mal ainda maior. Alguns teólogos acreditavam que a violência era moralmente neutra, mas que a usando para o progresso do “Reino de Cristo”, poderiam transformá-la em algo, de certa forma, positivo. Uma vez que estivessem presentes as condições básicas de causa justa, convocação pela autoridade devida, bem como a intenção correta por parte dos combatentes, a guerra era justa e os cristãos que participassem dela não precisavam temer a represália cristã. Essa ideia, aliada à teoria da guerra justa, ficou conhecida como Guerra Santa, termo este, que foi instituído pelo lado dos cristãos. Guerra Santa promovida pela Igreja contra os infiéis, os muçulmanos, os sarracenos que ocupavam a terra sagrada, situada na região de Jerusalém, a qual, segundo a crença cristã, deveria estar em domínio da igreja católica, estando imaculada, para estar preparada para a segunda vinda do Cristo. (MUNIZ, 2012, s.p)

(16)

Voltando um pouco à análise histórica do início das Cruzadas:

A cidade de Jerusalém estava sob o controle dos muçulmanos desde o ano 636, quando o califa Omar ibn al-Khattab havia conquistado a cidade dos bizantinos. No século XI, os países cristãos da Europa sofriam com a expansão dos reinos muçulmanos, tanto na Península Ibérica (região onde se localizam hoje Portugal e Espanha) quanto nas terras do Império Bizantino, onde os turcos eram a ameaça. Nesse contexto, começa a surgir na Igreja o interesse em reaver o controle da chamada Terra Santa.

Além disso, o controle dos turcos sobre a Palestina representava também uma maneira de repressão sobre os peregrinos cristãos. A peregrinação era algo muito comum naquele momento, pois era vista como uma maneira de perdão aos pecados, entretanto, a viagem para a Palestina (onde o Santo Sepulcro era o lugar mais visitado) era muito cara, uma vez que os peregrinos estavam sujeitos a todo tipo de ameaça, como naufrágios e saques, além de serem obrigados a pagar pedágios, dependendo da região em que estivessem.

Ainda, nesse contexto histórico, segue o mesmo autor:

Naquele contexto, uma série de fatores ajudam a explicar a convocação das Cruzadas. No caso da Igreja, especula-se que o papa Urbano II desejava canalizar a atenção dos cristãos para combater o “infiel” como uma maneira de reduzir os conflitos e disputas internas entre os próprios cristãos. Além disso, o auxílio aos bizantinos, que sofriam com os ataques dos turcos, poderia contribuir para a unificação da Igreja, separada em 1054 entre Igreja Católica

Apostólica Romana e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa.

Outros fatores eram ainda a possibilidade de as Cruzadas motivarem as pessoas por meio da promessa de salvação e remissão dos pecados e também pela chance de obter terras e riquezas a partir dos saques.”(SILVA, Daniel Neves, 2010, s.p) [grifo do autor].

Como podemos ver, as fricções motivadas por cunho religioso, vão se elevando exponencialmente com o passar dos anos, dado às desavenças entre as religiões evidenciadas na Terra Santa, um dos pontos de peregrinações dos católicos, em controle dos muçulmanos.

Ainda, sobre a gênesis do movimento das Cruzadas, Arruda e Piletti (2004, p. 121) ensinam:

Com o fim das invasões no século XI, teve início um período de estabilidade na Europa. Esse fato possibilitou o crescimento da população e o aumento da circulação de mercadorias, com os

(17)

excedentes dos feudos sendo comercializados nas pequenas feiras locais. Em consequência, o pequeno mercado consumidor começou a se fortalecer. A nova situação, entretanto, entraria em conflito com a baixa produtividade do trabalho servil. Muitos servos tiveram que abandonar as terras em que viviam ou chegaram a ser expulsos delas; outros passaram a viver como mendigos ou bandidos. Começavam a se romper assim os laços que sustentavam a economia feudal, fundamental nas relações servis.

Analisando esse contexto, vemos que apesar de um crescimento econômico, os feudos passaram a não sustentar a grande maioria das pessoas que neles viviam, os servos destes feudos começaram a perder seus trabalhos e também as suas moradias, o que inevitavelmente gerou uma grande marginalização da população trabalhadora da época, com crescente aumento nos roubos e também na violência que agora se transportava para a população urbana.

Já em relação à Igreja Católica e seu relacionamento com o oriente vemos que a igreja adotou certas medidas para com essa população empobrecida:

Os problemas causados pelo processo de marginalização social só começaram a ser solucionados quando os marginalizados foram mobilizados para o combate aos muçulmanos, que controlavam o Mediterrâneo, grande parte da península Ibérica e a Terra Santa (lugar onde tinha vivido Jesus Cristo). Surgiram assim as Cruzadas, expedições militares organizadas pela igreja e pelos reis, com o objetivo de recuperar as terras em poder dos árabes[...] Até o século XI, os árabes permitiram que os cristãos realizassem peregrinações à Terra Santa. No fim do século, porém, essa e outras regiões do Oriente Médio caíram em poder dos turcos seldjúcidas, povo proveniente da Ásia central. Convertidos ao islamismo, os seldjúcidas eram, contudo, mais intolerantes do que os árabes em questões religiosas e proibiram o ingresso de cristãos na Terra Santa. (Arruda e Piletti, 2004, p. 121-122)

Dessa forma, podemos observar, que o interesse da igreja católica na Terra Santa, aliado ao contexto populacional da época, evidencia que o combate para recuperar o direito à Terra Santa é uma medida que tem duas finalidades de certa forma bem claras, uma seria a imposição do domínio da Igreja sobre terras que sempre acreditou que lhe pertencia, devido ao maior símbolo da Igreja (Jesus Cristo) ter vivido naquele local, já outro motivo aliado a esse seria uma finalidade criada para essa população marginalizada, seria a chance de dar-lhes um rumo fora da urbanização do império, utilizando-os no combate e consequentemente diminuindo

(18)

grande parte dos problemas urbanos que a marginalização crescente vinha trazendo.

Essa motivação, pautada no contexto histórico e social, acaba formando a união perfeita para as pretensões da Igreja Católica, que alia a necessidade urbana, o fundamentalismo religioso e a crescente movimentação do desejo de guerra para a retomada da Terra Santa.

As Cruzadas, como movimento militar e religioso, tinham a tarefa de conciliar a campanha de conquista da Palestina com os ideais pacifistas da fé cristã, e para isso foi utilizada como base a já difundida teoria da guerra justa. No entanto, mesmo essa doutrina ganharia, no período, um forte aporte teórico para respaldar o novo contexto religioso de guerras. Portanto, era preciso que o conflito armado tivesse uma casus belli adequada para motivar sua deflagração, afinal, a guerra não deveria ser apenas justa, mas também santa. (FONSECA; SILVA, 2014, p.2)

Ainda, prossegue o autor:

A teoria da guerra justa é anterior ao Cristianismo, o homem antigo já tinha a preocupação de encontrar a moralidade nas armas. Autores como Platão, Aristóteles e Cícero previamente definiram suas visões sobre as circunstâncias em que a guerra era permitida, e quiçá necessária. No Medievo essa doutrina ganhou nova roupagem através da escolástica, que utilizava uma abordagem não apenas teológico-política, mas sobretudo jurídica com o robustecimento do direito canônico. No caso das Cruzadas era preciso recorrer às Sagradas Escrituras para encontrar a necessária permissão divina que as legitimariam, ainda mais tendo em vista que a própria religião era o móvel da campanha. (FONSECA; SILVA, 2014, p.2)

Seguindo esta ideia, de forma essencial, o mesmo autor destaca:

A Igreja, em ascensão no final da Alta Idade Média, reformulou o antigo conceito de guerra justa para os moldes cristãos, a fim de legitimar suas pretensões nas Cruzadas. Os discursos de legitimação das Cruzadas acabaram por se encaixar na teoria dos teóricos do clero. As condutas dos islâmicos na Terra Santa foram consideradas uma injustiça que precisava ser corrigida, a Igreja e os monarcas, eram detentores legítimos da autoridade para conduzir os exércitos cristãos para a guerra santa, e os combatentes possuíam a digna intenção de defender a fé cristã. Essa, portanto, foi a combinação ideal dos requisitos da doutrina da guerra santa que permitiram a realização das Cruzadas. (FONSECA; SILVA, 2014, p.12)

(19)

Como podemos extrair da explicação supracitada, fica bem claro o relacionamento de mão dupla entre a formação e desenvolvimento das ideias de Guerra Justa com a Guerra Santa em si, traduzida no movimento das Cruzadas. Podemos observar uma espécie de ciclo entre causa e consequência, pois fica visível que uma vai alimentando a outra, de forma em que a Igreja encontra a doutrina ideal para fundamentar suas ações, bem como as ações tomadas vão se integrando à doutrina.

1.3 A Guerra e o Nascimento do Estado Moderno: o contratualismo e sua contribuição na teoria das relações entre os homens

Com o fim da Idade Média, marcada pela fragmentação do sistema feudal e culminando no início das grandes navegações, vai ganhando cada vez mais força o Estado Moderno, e com ele vai ocorrendo uma gradativa mudança no conceito de Guerra Justa, com relevância maior nos chamados contratualistas, como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. A Igreja Católica vai, aos poucos, perdendo seu poder político na Europa, e os pensadores passam, em sua grande maioria, a dissociar a religião do Estado, trazendo novas ideias que partem de pensadores antigos, porém que vão sendo reconstruídas e adaptando-se ao Estado Moderno.

Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, é um dos primeiros contratualistas a se distanciar das ideias religiosas para a validação da guerra, ele parte de uma análise naturalista do homem para explicar qual a forma pela qual o homem pratica a guerra. No Leviatã, podemos ver como ele relata e avalia o uso da religião combinada à guerra, em diversos povos e momentos:

Portanto os primeiros fundadores e legisladores de Estados entre os gentios, cujo objetivo era apenas manter o povo em obediência e paz, em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados. Primeiro, o de incutir em suas mentes a crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deviam ser considerados como provenientes de sua própria invenção, mas como os ditames de algum deus, ou outro espírito, ou então de que eles próprios eram de

(20)

natureza superior à dos simples mortais, a fim de que suas leis fossem mais facilmente aceites. Assim, Numa Pompílio pretendia ter recebido da ninfa Egéria as cerimônias que instituiu entre os romanos; o primeiro rei e fundador do reino do Peru pretendia que ele e sua esposa eram filhos do Sol; e Maomé, para estabelecer sua nova religião, pretendia falar com o Espírito Santo, sob a forma de uma pomba. Em segundo lugar, tiveram o cuidado de fazer acreditar que aos deuses desagradavam as mesmas coisas que eram proibidas pelas leis. (HOBBES, 2006, pág. 42)

O autor continua, destacando o terceiro cuidado:

Em terceiro lugar, o de prescrever cerimônias, suplicações, sacrifícios e festivais, os quais se devia acreditar capazes de aplacar a ira dos deuses; assim como que da ira dos deuses resultava o insucesso na guerra, grandes doenças contagiosas, terremotos, e a desgraça de cada indivíduo; e que essa ira provinha da falta de cuidado com sua veneração, e do esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias exigidas. E, embora entre os antigos romanos não fosse proibido negar aquilo que nos poetas está escrito sobre os sofrimentos e os prazeres depois desta vida, que foram abertamente satirizados por vários indivíduos de grande autoridade e peso nesse Estado, apesar disso essa crença sempre foi mais aceita do que rejeitada. (HOBBES, 2006, pág. 42)

Conclui Hobbes:

Pois verificando que toda religião estabelecida assenta inicialmente na fé de uma multidão em determinada pessoa, que se acredita não apenas ser um sábio, e esforçar-se por conseguir a felicidade de todos, mas também ser um santo, a quem o próprio Deus decidiu declarar sobrenaturalmente sua vontade, segue-se necessariamente que, quando aqueles que têm o governo da religião se tornam suspeitos quanto a sua sabedoria, sua sinceridade ou seu amor, ou quando se mostram incapazes de apresentar qualquer sinal provável da revelação divina, nesse caso a religião que eles desejam manter se torna igualmente suspeita e (sem o medo da espada civil) contradita e rejeitada. (HOBBES, 2006, p. 42)

Em sua análise, portanto, Hobbes destaca três pontos que ele considera cruciais para aqueles que utilizavam da religião como uma espécie de controladora do estado, o primeiro sendo mexer com a crença do povo, o fazendo acreditar que as regras e preceitos norteadores a serem estabelecidos deveriam ter ascendência divina ou espiritual, jamais devendo serem percebidos como vindo de quem os instituía, que seriam simples mortais; segundo, deveria equivaler as leis às vontades divinas, sendo que como o que era instituído por lei vinha de uma “força maior”, o

(21)

que era ilegal também era de desagrado da divindade; e o terceiro ponto seria a veneração aos deuses, uma vez que todo o mal que o indivíduo temesse que lhe fosse acontecer, e aqui incluindo o insucesso na guerra, proveria da ira dos deuses, sendo que essa estava ligada diretamente com a falta de veneração, ou até mesmo o vício na mesma.

Ainda, no segundo parágrafo do texto supracitado, Hobbes aponta que em toda religião há uma pessoa que, mais do que por sua sabedoria, deve ser vista por sua santidade, como sendo alguém escolhida pelo próprio Deus, tendo o governo da religião. Sendo que, quando esta pessoa começasse a ser percebida pela população como alguém falho em sua sabedoria, sinceridade e amor, bem como transparecesse uma espécie de falta de sua conexão com a divindade, a pessoa pareceria suspeita em relação aos olhos do povo e ainda a mesma suspeita se espalharia para a religião pregada.

Percebe-se claramente uma análise por parte de Hobbes, completamente diferente da apresentada na Idade Média, com os filósofos teológicos. A ideia de guerra hobbesiana vem de uma construção naturalista do homem:

De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome. Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. (HOBBES, 2006, pág. 46)

Seguindo essa análise do mesmo autor:

Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo

(22)

modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz. (HOBBES, 2006, pág. 46)

Finaliza Hobbes:

Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultiva da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta. (HOBBES, 2006, pág. 46)

Nota-se através desta passagem do Leviatã, que a motivação da Guerra, por parte de Hobbes parte de um princípio naturalista, onde o autor acredita que o conflito surge dos anseios e medo dos homens, os quais ele especifica como sendo a competição, a desconfiança e a glória. Hobbes entende que enquanto os homens viverem na ausência de uma espécie de Estado, que em seu livro é equivalente ao Leviatã, eles se manteriam em estado de guerra, o qual ele faz questão de determinar como não sendo apenas o ato de guerrear, mas sim a predisposição ao conflito.

Importante extrair do texto, que o autor vê essa subjugação do homem a um poder comum, a que mantenha todos em respeito, como uma situação imprescindível para o surgimento do Estado Político, que seria condição única e essencial para atingir um estado de paz e permitir o progresso da humanidade nas mais diversas áreas.

Ainda, no capítulo XVII do Leviatã, Thomas Hobbes (2006. p. 59-60) especifica a necessidade do Estado:

(23)

Porque as leis de natureza (como a justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.

Ainda, seguindo o mesmo trecho:

Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as leis da honra, ou seja, evitar a crueldade, isto é, deixar aos outros suas vidas e seus instrumentos de trabalho. Tal como então faziam as pequenas famílias, assim também fazem hoje as cidades e os reinos, que não são mais do que famílias maiores, para sua própria segurança ampliando seus domínios e, sob qualquer pretexto de perigo, de medo de invasão ou assistência que pode ser prestada aos invasores, legitimamente procuram o mais possível subjugar ou enfraquecer seus vizinhos, por meio da força ostensiva e de artifícios secretos, por falta de qualquer outra segurança; e em épocas futuras por tal são recordadas com honra.

Portanto, para Hobbes, os pactos, sem o temor do homem da punição do Estado, de nada valem, pois é da natureza do homem agir parcialmente, nas conformidades de seus interesses, devido às suas ambições e aos seus medos, sendo que sem o esse poder coercitivo os homens acabarão por sucumbir às suas tendências naturais e continuarão a fazer mal uns aos outros, sendo que somente o fim da insegurança e a subjugação dos homens ao poder maior do Estado farão com que o homem saia do estado de guerra e atinja a paz.

Importante ressaltar, que neste mesmo trecho, o autor aborda as similaridades entre os conceitos micro e macro da resposta obtida através dos sentimentos intrínsecos ao homem. Fica claro que o mesmo que vale para o

(24)

indivíduo e sua família, também pode ser aplicado ao reino, sendo que o reino também pode buscar garantir sua segurança, através de invasões e buscando o enfraquecimento de seus vizinhos, e que inevitavelmente tais ações virão a ser recordadas como questões de honra, o que de certa forma traria justiça à causa, vindo a ser uma ação natural.

Corroborando com essa ideia:

Para os politólogos clássicos, dentre eles Hobbes, o Estado é um ator racional, que age na arena internacional visando atingir seu interesse nacional, que são seus objetivos, sendo, dentre eles, o mais básico a sobrevivência e, portanto, a viabilidade do Estado. Para estes, a guerra entre os Estados é recorrente e continuará a ser, pois o Sistema Internacional é anárquico, já que não há instância de enforcement acima dos Estados (não há instituições supraestatais), fazendo com que estes ajam sempre de acordo com seus próprios interesses, egoisticamente, o que recorrentemente resulta em guerras entre os Estados. (SANTOS, 2016, p. 7)

Hobbes provou-se um marco no desvencilho do conceito de Guerra Justa com o fundamentalismo religioso, propôs uma análise naturalista do ser humano para determinar sua propensão ao conflito, e embora suas ideias sejam usadas posteriormente por liberalistas, ele sempre se mostrou um defensor do absolutismo, com um poder forte e centralizado, com o poder de impor respeito e aplicar a justiça da espada, que na sua visão seria a única forma de o homem poder atingir o estado de paz, como fica claramente evidenciado em suas ideias, em especial em sua obra de maior relevância, Leviatã.

Outros contratualistas foram surgindo em um contexto onde a burguesia ansiava o poder político, dentre eles um dos mais notáveis sendo John Locke, um dos precursores do liberalismo, ele também partiu de uma análise naturalista do homem para desenvolver suas ideias acerca dos conflitos e do conceito de Guerra Justa, como podemos observar:

Segundo a lei fundamental da natureza, que o ser humano deve ser preservado na medida do possível, se nem todos podem ser preservados, deve-se dar preferência à segurança do inocente; você pode destruir o homem que lhe faz guerra ou que se revelou inimigo de sua existência, pela mesma razão que se pode matar um lobo ou um leão: porque homens deste tipo escapam aos laços da lei comum da razão, não seguem outra lei senão aquela da força e da violência, e assim podem ser tratados como animais selvagens, criaturas

(25)

perigosas e nocivas que certamente o destruirão sempre que o tiverem em seu poder. (LOCKE, 1994, p. 39)

Em sua obra Locke transparece que o homem seria uma espécie de ser social e racional, capaz de viver em harmonia em seu estado natural, porém há dentre os homens, alguns que promovem a desordem e a violência, sendo que eles escapariam da razão, sendo selvagens, e destes, o homem deveria se defender, uma vez que não haveria outra alternativa, sendo portanto a violência com o intuito de preservação, plenamente justificável.

Na mesma toada, John Locke (1994, p. 39) continua:

Por isso, aquele que tenta colocar outro homem sob seu poder absoluto entra em um estado de guerra com ele; esta atitude pode ser compreendida como a declaração de uma intenção contra sua vida. Assim sendo, tenho razão em concluir que aquele que me colocasse sob seu poder sem meu consentimento me usaria como lhe aprouvesse quando me visse naquela situação e prosseguiria até me destruir; pois ninguém pode desejar ter-me em seu poder absoluto, a não ser para me obrigar à força a algo que vem contra meu direito de liberdade, ou seja, fazer de mim um escravo.

Então, no mesmo trecho, finaliza o autor:

Escapar de tal violência é a única garantia de minha preservação; e a razão me leva a encará-lo como um inimigo à minha preservação, que me privaria daquela liberdade que a protege; de forma que aquele que tenta me escravizar coloca-se por conseguinte em um estado de guerra comigo. Aquele que no estado de natureza retirasse a liberdade que pertence a qualquer um naquele estado, necessariamente se supõe que tem intenção de retirar tudo o mais, pois a liberdade é a base de todo o resto; assim como aquele que no estado de sociedade retirasse a liberdade pertencente aos membros daquela sociedade ou da comunidade política, seria suspeito de tencionar retirar deles tudo o mais, e portanto seria tratado como em estado de guerra.

Ainda nesta análise naturalista, Locke propõe que todo homem que tentar colocar outro homem sob seu poder, contra sua vontade, estaria com intenção de lhe tirar proveito até sua destruição. O direito de liberdade seria algo pertencente a todos os homens em seu estado de natureza, seria o principal direito, a base para todos os demais direitos, devendo ser preservado, e para tal, é justificada a violência para com aquele que tentar lhe despir deste direito.

(26)

Há neste mesmo período, alguns pensadores que fugiram do naturalismo e adentraram no conceito de guerra justa num sentido mais estrito entre nações, deixando de ter como foco o individualismo e as características inerentes ao ser humano de lado para se ater aos conflitos praticados entre Estados. Dentre esses pensadores, em grande destaque está Hugo Grotius, jurista que é um grande marco no desenvolvimento da validação moderna do conceito da guerra, que apesar de adentrar no naturalismo para explicar os conflitos, é um grande inovador nas questões jurídicas do assunto.

Sobre a validade da guerra para Grotius, Gabriel Ribeiro Bernabé (2009, p. 38) destaca:

Grotius aponta três causas como legítimas para a guerra externa: 1. defesa contra uma injúria, atual ou ameaçadora, mas não antecipatória; 2. recuperação do que é legalmente devido para o Estado prejudicado; 3. punição do Estado injuriador. Na primeira causa legítima para a guerra, Grotius deixa claro que o perigo deve ser presente e certo, como que compreendido em um ponto. Contudo, se o agressor demonstra sua intenção hostil, por exemplo, tomando em armas parecendo querer atacar, é lícito fazer-lhe guerra, pois, em questões morais, bem como no âmbito de coisas naturais, não se encontra nenhum ponto que não tenha alguma extensão. Com relação à defesa contra uma injúria ameaçadora, deve-se considerar que em certas ocasiões a demora na defesa é ocasião para o emprego de expedientes ou ardis.

Conclui o autor, no mesmo trecho, sobre a licitude da guerra:

É lícito, portanto, prevenir um ataque que não é atual, mas que parece uma ameaça, ainda que distante. Na guerra preventiva, o perigo dever ser atual, e não se estende a um perigo potencial. Por um lado, deve-se considerar que não é justo atacar uma nação apenas porque é uma potência que se desenvolve, e se ela se desenvolver demasiadamente poderia ser prejudicial. Por outro lado, Grotius lembra que muitos autores consideram esta motivação para guerra não como uma razão de justiça, mas como uma razão de interesse suficiente para empreendê-la. (BARNABÉ, 2009, p. 38)

Nota-se aqui, que a abordagem de Grotius passa a analisar a legitimidade da guerra entre nações, sendo que é importante frisar que defendendo a guerra por motivo de injuria, ele destaca que esta injuria deva ser presente ou eminente, pois em caso de praticar guerra por motivo de uma injuria antecipatória, seriam abertos diversos precedentes para que a guerra fosse declarada e a guerra passaria do

(27)

escopo da justiça para uma guerra puramente voltada aos interesses do Estado que a pratica.

O conceito de Guerra Justa, conforme vai surgindo o Estado Moderno, e com ele seus pensadores, vai se apartando da justiça estritamente divina, sendo que por mais que diversos pensadores da época ainda busquem validação nos termos de justiça divina, suas ideias transcendem, e em alguns casos se opõem totalmente à justiça praticada pela Igreja na Idade Média. Passam a analisar o que leva o homem a praticar guerra contra outro homem, definem um processo de validação a esses conflitos, estendendo essa validação ao conflito entre nações, para cada vez mais avaliar e definir o conceito de Guerra Justa.

(28)

2 O CONCEITO DE GUERRA JUSTA NA CONTEMPORANEIDADE: A LEGITIMIDADE DO USO DA FORÇA AINDA É POSSÍVEL?

Sabidamente, as Cruzadas terminaram com a Terra Santa ainda em posse dos muçulmanos, sendo que alguns dos territórios conquistados pelos católicos, rapidamente foram reconquistado pelos muçulmanos, porém as suas ideias e ideologias formadas neste período evoluíram e se adaptaram a uma nova realidade, perdurando e atravessando a Idade Moderna e alcançando inclusive a idade contemporânea.

Os ataques do onze de setembro, trouxeram à tona uma violência antiga e recorrente, porém um tanto quanto esquecida no ocidente. Novamente ataques de fundamentação religiosa voltaram a ser tema de guerra e não apenas eventos isolados, o que acaba culminando na chamada Guerra ao Terror e uma nova onda de Jihads, a Guerra Santa Islâmica.

2.1 Guerra ao Terror: o discurso na construção do conceito de guerra justa

Nessa linha, se observarmos bem, a Cruzada contra o Terror, empreendida pela coalizão liderada pelos Estados Unidos e Inglaterra, se assemelha muito aos requisitos da Guerra Santa. De certa forma a causa justa, seria o combate ao terrorismo, a autoridade devida, seria nas figuras dos presidentes, principalmente o americano, e no aspecto da intenção correta, todos estariam bem intencionados, afinal estariam combatendo o terror.

Interessante perceber a reflexão proposta por alguns estudiosos contemporâneos, analisando essa ideia do terror que tem como alvo o Estado e do terror que tem como polo ativo o próprio Estado. De forma geral, o terror dirigido ao Estado é associado à noção de monstro, por outro lado o terror realizado pelo Estado seria legítimo, uma vez que significaria um combate ao “real terror”.

(29)

Essa ideia fica clara nas palavras de André Raichelis Degenszajn (2006, p. 115-116):

Esse monstro revolucionário que rompe o contrato social a partir de baixo e incorpora a imagem do perigoso, encontra uma continuidade na figura de Osama bin Laden. O terrorismo é reconhecido como o discurso monstruoso a ser combatido, atravessado por uma moral que identifica o terrorista como o monstro contemporâneo. Esse monstro não é mais a ameaça que vem de dentro, a partir do próprio corpo social, mas de fora; é o estrangeiro monstruoso, quase invisível, um vírus. Ele é mais um outro diante do qual a sociedade precisa se proteger. E esse monstro está agora atravessado também pela religião, pela defesa incondicional de uma outra moral religiosa, um outro mouro e como mouro, quase preto, um atentado simultâneo ao discurso de verdade dominante fundado no relativismo cultural e no politicamente correto.

Na mesma toada, continua o autor:

O rompimento do contrato deixa de se dar no interior de um Estado, mas ameaça a tentativa de contrato a ser firmado pelos Estados em âmbito internacional. Sua ilegalidade (criminoso) a partir do direito internacional, associa-se ao rompimento da moral democrática iluminista, afirmando uma outra moral, ao mesmo tempo religiosa universalizante, anti-iluminista e pós-iluminismo. A relação entre o crime e o castigo, apesar da transformação que ocorreu a partir do século XVIII, repercute atualmente na guerra travada contra o terrorismo. Se analisarmos aos atentados de 11 de setembro de 2001, é possível afirmar que se tratou de um crime monstruoso [...] Os atentados contra o World Trade Center em Nova York e ao Pentágono em Washington D.C. não poderiam reunir de forma mais direta essas duas dimensões – o impossível e o proibido.

Portanto, conclui o autor:

A resposta a essa violência cometida contra, respectivamente, a sociedade e o Estado dos Estados Unidos, não poderia – a partir da própria lógica desse conflito – manifestar-se por uma medida. Diante dessa monstruosidade imediatamente identificada se tornava imperativa uma resposta que fosse a um só tempo exemplar e vingativa. Ela precisaria afirmar o poder do soberano – dos Estados Unidos ou de sua coalizão – como celebração de sua força. Não bastava uma destruição correspondente empreendida ao inimigo, mas o que se impôs foi uma guerra ao terrorismo onde quer que ele se manifeste. E mais do que isso, tornou-se uma guerra em que todos são obrigados a tomar parte. O ataque aos Estados Unidos tornou-se um problema de todos, que contou com a excessiva comunicação de notícias e com depoimentos, debates e entrevistas com especialistas veiculados pela mídia (escrita e televisiva).

(30)

É possível averiguar, que surge esse dualismo em relação à ideia de Combate ao Terror como sendo amparado na guerra justa, uma vez que tal dualidade reside na percepção de que tais práticas por parte dos chamados combatentes, não só serve puramente como meio de erradicar o terror, uma vez que nas ideias de Degenszajn, como podemos deduzir do texto supracitado, essa prática serve como propulsão da prática que o Estado visa combater, de maneira igualmente, ou até mesmo mais fatal à sociedade.

Porém, mais do que o dualismo supracitado, a característica marcante encontrada no discurso dos representantes estadunidenses, principalmente na figura de George W. Bush, é mais uma espécie de maniqueísmo, onde as palavras do presidente, veiculadas pelas mídias expõe essa proposta de antagonismo, que busca tratar da luta do bem contra o mal.

Segundo esta ideia, destaca Venâncio (2014, s.p):

O maniqueísmo entre o bem/mal estava presente nos discursos de Bush como forma de afirmação da contraposição americana. O americano era representado como um povo dotado de compaixão, possuindo a capacidade de ter piedade dos demais por não serem livres e incapazes de seguirem sozinhos. Já os terroristas seriam a representação da maldade no mundo, incluindo Estados e seus líderes, ou seja, terrorista era todo aquele capaz de atacar os Estados Unidos e seus aliados.

Ainda sobre o discurso de Bush, segue o autor, no mesmo trecho:

O presidente Bush, em 2003 vincula a guerra ao terror a existência de Estados fora da lei. Tal comparação pode ter a intenção de propagar a imagem de bandido/mocinho em um contraponto direto dos Estados Unidos e seus inimigos. Essa construção procurava demonstrar os padrões de justiça pelo mocinho em detrimento do bandido irracional. A partir daí pode-se distinguir a ameaça no cenário internacional, de forma que os líderes desses países sejam tidos como “encarnação do mal”.

Nesse contexto, podemos dizer que determinas representações poderiam ser colocadas como antônimos diretos, de maneira que

uma característica norte-americana teria o seu oposto

(31)

Sobre o maniqueísmo presente no discurso estadunidense, conclui no mesmo trecho o autor:

No caso dos Estados Unidos a civilização, a democracia e a liberdade se oporiam a crueldade, tirania e opressão dos seus inimigos. Em seu discurso no ano de 2007, Bush retomar o debate entre o eu e o outro, marcando bem a necessidade de combater o inimigo, focando mais nas suas características como a vontade deles de matar os norte-americanos.

Essa diferenciação foi essencial para convencer a população de que os objetivos por ele propostos eram necessárias para a segurança dos Estados Unidos. Bush não apenas faz uma construção do inimigo, como também faz uma comparação as características que ele considerava positivas no seu povo. Visando construir a imagem negativa de Estados ao associá-los ao terrorismo, deve-se considerar portanto que o maniqueísmo em seus discursos foram essenciais para entender como as ideias constroem e buscam elevar determinados conceitos em detrimento de outros.

Para que os Estados Unidos da América validassem a guerra que estavam propondo, não bastava apenas a proposta de revide aos ataques sofridos no 11 de setembro, por isso buscaram esse maniqueísmo propondo que eles representavam o bem no mundo, enquanto os países a quem eles propunham guerra representavam o mal no mundo. Os EUA como “mocinhos” tinham o dever de proteger o mundo e de evitar que os “bandidos” prosperassem. Desta forma conseguiram uma validação com maior apelo em relação à população estadunidense, uma vez que não era mais um discurso baseado em vingança em relação aos ataques, mas sim um discurso de busca de segurança nessa luta entre o bem e o mal.

Ainda nesse sentido leciona Leite (2009, p. 43-44):

Nesse contexto, o bem/mal é caracterizado também como amigo/inimigo, de forma que os aliados são todos aqueles que compartilham dos valores norte-americanos e compreendem a necessidade de intervenção para garantir um mundo melhor e mais pacífico – esses valores seriam compartilhados por todos os homens, e por isso, seriam “certos”. Outra característica recorrente e que remete muito especificamente aos discursos do presidente norte-americano é a adoção da compaixão como atributo intrínseco do povo norte-americano. A presença da compaixão é importante para destacar o caráter bondoso dos Estados Unidos, mesmo quando se traduz em intervenções militares.

(32)

No mesmo trecho, o autor deixa sua visão no discurso de antagonismo de Bush:

O maniqueísmo bem/mal está presente nos discursos do presidente

Bush como forma de afirmação da contraposição

americana/terrorista. O americano seria o povo dotado de compaixão, aquele que tem piedade dos demais por não serem livres nem capazes de se guiarem sozinhos. Os terroristas representariam a maldade no mundo, o que é construído numa abrangência capaz de incluir Estados e seus líderes, ou seja, terrorista é todo aquele considerado inimigo e capaz de ameaçar os Estados Unidos e seus amigos/aliados. Essa seria a diferença fundamental entre o mundo “amigo” dos americanos, no qual se incluem seus aliados e os países considerados “democráticos”, e o mundo “opressor”, marcado por outros valores, como a “tirania” e a “barbárie”.

Além do discurso do presidente George W. Bush promover o antagonismo entre o bem e o mal, ele visa frisar um aspecto muito importante para contribuir na validação da Guerra ao Terror, sendo este a luta pela democracia, e que todos aqueles que prezavam pela democracia e se considerassem amigos da democracia, bem como dos valores que os Estados Unidos da América buscavam propagar, deveriam apoiar a ação proposta. Desta forma os EUA buscam validar a Guerra ao Terror também externamente.

E esse discurso de validação acabou por surtir a resposta desejada, uma vez que somado a tudo isso, os EUA tinham o preceito de que apenas estariam respondendo a uma ação proposta previamente contra eles.

A aprovação da operação no Afeganistão contou com um amplo apoio da comunidade internacional. [...] Dado o caráter do 11 de setembro, essa guerra era tida como ‘justa’, sendo um movimento de resposta a um inimigo que atingira e continuava ameaçando os norte-americanos. (PECEQUILO, 2005, p. 384)

A Guerra ao Terror ganhou grande apoio internacional, sendo considerada como uma guerra que além de propagar os valores democráticos contra a tirania e a barbárie, foi uma guerra que tinha o objetivo de resposta aos ataques ocorridos, bem como o de prevenção a possíveis novos ataques, o que traria o senso de justiça a esta guerra.

(33)

A expectativa dos países simpáticos à causa estadunidense diante do “perigo eminente” vai escalonando quando começa ser difundida a informação de que os países do “eixo do mal” estariam em posse de armas de destruição em massa. Esta informação faz o mundo lembrar da Segunda Grande Guerra, bem como de toda a tensão vivida na Guerra Fria, época de extrema tensão entre o mundo socialista e capitalista, onde a qualquer momento alguém poderia ser alvo de armas de destruição em massa.

Sobre esse senso de ameaça, elabora Leite (2009, p. 49):

Por isso, a guerra ao terror é comparada aos grandes conflitos pelos quais passaram os EUA no século anterior, das Guerras Mundiais à Guerra Fria. Essa construção busca criar elementos similares na percepção do perigo e da ameaça, uma vez que não é possível num primeiro plano indicar o inimigo como seria feito por meio de um Estado. Essa construção discursiva procura ainda estabelecer justificativas para a guerra ao terror além dos terroristas, especialmente com a inclusão da ameaça de determinados países à segurança internacional. A possibilidade de atuação desses regimes implicará a afirmação de que os Estados Unidos agirão independentemente da opinião dos demais países pela iminência da ameaça.

Após os atentados de 11 de setembro, vem formando-se um contexto muito dinâmico em relação ao conceito de guerra justa, majoritariamente no que diz respeito à Guerra ao Terror, que seria uma espécie de guerra preventiva visando a validação do uso do poder, na visão da coalizão liderada pelos Estados Unidos, e por outro lado no que diz respeito à Guerra aos Infiéis, fundamentada no Islã e suas diversas interpretações. Esses conflitos vêm ocasionando diversos ataques em inúmeros locais, tensões politicas entre países, culturas e religiões, além de resultarem em incontáveis fatalidades ao redor do globo.

2.2 O surgimento do Estado Islâmico e a fundamentação das Jihads.

A Guerra ao terror, promovida pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, acabou gerando grandes consequências nos países do Oriente Médio, como Afeganistão, Irã e principalmente no Iraque. Governos foram destituídos, novos

(34)

governos implantados e a destruição gerada deixou a situação da população ainda mais agravada. Além da destruição estrutural deixada, houve uma revolta de diversos grupos nestes países em relação aos países do ocidente, organizações antiocidentais cada vez mais fervorosas foram surgindo, junto com um pensamento de violência dos grupos mais radicais muçulmanos.

Em 2011, com a retirada das tropas americanas do Iraque, havia a esperança de que nove anos de intervenção, guerra, neutralização dos grupos sunitas insurgentes e a implantação de um governo xiita pró-ocidente pudesse finalmente trazer alguma estabilidade política e social ao Iraque. O impulso democratizante norte-americano, no entanto, seria acompanhado de perto pelo seu fracasso quando o que se observou foi uma dura política de marginalização dos árabes-sunitas e uma consequente reação do movimento jihadista. (DE OLIVEIRA, 2016, p. 9)

Apesar de instaurar um governo pró ocidente no Iraque, para neutralizar os rebeldes radicais sunitas da região, a tentativa de domar a região, velada no preceito de expandir a democratização, não surtiu os efeitos desejados, apenas fez com que os rebeldes sunitas os quais deveriam ser controlados, fossem cada vez mais marginalizados e ouve uma crescente no movimento jihadista.

Sobre a consequência desta marginalização dos povos derrotados e marginalizados, Alex Melo de Oliveira (2016, p. 21) explica:

Desestabilizados pelas tropas de coalização lideradas pelos EUA, boa parte dos combatentes derrotados passaram, anos mais tarde, a compor o novo modelo de organização jihadista liderado por um iraquiano que não só nutria um profundo ódio pelos povos e cultura ocidentais, como também traçava objetivos pragmáticos de organização política e militar para o islamismo que professava. Abu Bakr Al-Baghdadi, líder desde 2010 do insurgente Estado Islâmico no Iraque, como antes era conhecido, declarou, em 29 junho de 2014, o califado através do qual ele se destinava a levar a jihad (luta islâmica) sobre todos os povos do mundo.

Percebe-se que os derrotados acabaram por se agrupar em uma nova organização Jihadista, sob a liderança de um novo líder, Abu Bakr Al-Baghdadi, que utilizava do islamismo para ordem política e bélica, organização essa sendo o Estado Islâmico.

(35)

Sobre o Estado Islâmico e o conceito de Jihad, leciona Alex Melo de Oliveira (2016, p. 10):

O Estado Islâmico se caracteriza como um grupo sunita jihadista. O conceito de jihad, como veremos, é essencial à vida mulçumana, porém, permite diferentes compreensões em termos do que pode

significar interna ou externamente para vida mulçumana.

Etimologicamente, o conceito refere-se à noção de “luta” ou “guerra santa”, e é essa expressão de jihad a mais difundida, pois é a que é levada a cabo pelos grupos jihadistas insurgentes tanto no Iraque quanto na Síria. Quanto a essa última, cenário de uma guerra civil entre governo e forças rebeldes desde 2011, foi um excelente pano de fundo para a evolução do Estado Islâmico.

Ainda sobre o Estado Islâmico, Alex Melo de Oliveira (2016, p. 17), continua:

A implantação de um Estado religioso que pudesse servir de base política e militar para a comunidade mulçumana havia deixado o plano ideológico dos grupos jihadistas para tornar-se o objetivo imediato da mais nova liderança do Estado Islâmico. Foi na cidade iraquiana de Mossul que al-Baghdadi, em 29 de junho de 2014, declarou ao mundo o califado e seu claro propósito de expandi-lo às proporções do antigo Império Islâmico.

O conceito de Jihad sempre foi presente na vida dos muçulmanos, sendo que pode significar esforço, empenho, luta e Guerra Santa, porém dentre seus diversos significados, o mais propagado, pela mídia ocidental e os radicais islâmicos, sempre foi o de luta, no sentido de combate, e principalmente o de Guerra Santa, que seria a guerra pelo Islã, usada para denominar um conceito de Guerra Justa pela religião, contra os infiéis, conceito este que vem a ser muito utilizado nas pretensões do Estado Islâmico e os demais jihadistas.

Não mais satisfeitos com o antigo sistema de organizações, agora esse grupo jihadista buscava dominar um território e expandi-lo para ser configurado como Estado, apesar de não ter o reconhecimento externo, O Estado Islâmico passou a possuir, território, através de domínios de diversas cidades da Síria e Iraque, controlava a população local e possuía uma espécie de governo, com seu líder na figura de al-Baghdadi.

(36)

Al-Baghdadi é dono de um passado bem diferente das origens humildes de seu antecessor. Nascido em 1971, em Samarra, Iraque, alBaghdadi alega ser um descendente direto do profeta Maomé. De acordo com uma biografia citada em muitas fontes por jihaditas, 'ele é procedente de uma família de religiosos. De seu grupo de irmãos e tios, fazem parte imãs e professores universitários do idioma árabe, bem como de retórica e de lógica'. Al-Baghdadi em si tem diploma de estudos islâmicos pela Universidade de Bagdá e trabalhou como imã na capital e em Falluja antes de sua captura. Sua formação acadêmica dá credibilidade à sua interpretação do Islã e serviu para promover sua imagem como uma versão moderna do Profeta (NAPOLLEONI, 2015, p. 12).

Al-Baghdadi, como diversos líderes na história se coloca num patamar de uma espécie de divindade, alegando ser descendente do profeta Maomé, construindo essa imagem de autoridade absoluta, quase como um predestinado, que daria a ele a devida autoridade para praticar a Guerra Justa em nome de sua religião, sendo que seu lado acadêmico lhe daria a competência para a correta interpretação do Islã.

Voltando à análise do Estado Islâmico e sua estrutura:

O Daesh, como é chamado o Estado Islâmico pelos mulçumanos nas áreas sob seu controle, possui uma forma de organização que pressupõe os critérios de formação de um Estado, o que ele afirma ser e se consolidar a cada dia. Diferentemente do que podemos pensar, num primeiro instante, diante do caos presente nas imagens e vídeos que circulam na grande mídia e redes sociais, o grupo jihadista se organiza, de certa forma, em um burocrático sistema com “instituições”, um sistema hierárquico de distribuição de poderes, além de um aparato jurídico próprio composto pela já conhecida lei islâmica (sharia). (DE OLIVEIRA, 2016, p. 23-24)

Sobre o recrutamento de jovens ao Estado Islâmico:

Jovens desassistidos e marginalizados, principalmente de origem árabe mulçumana, encontraram sentido para suas vidas na proposta ideológica do Daesh, em certo sentido revolucionária e edificante de um islamismo integrador do povo mulçumano. As guerras e humilhações sobre o povo mulçumano, pode-se dizer, contribuíram demasiadamente para o crescimento de jihadistas não somente sírio-iraquianos, como nos países ocidentais.

Referências

Documentos relacionados

A proposta também revela que os docentes do programa são muito ativos em diversas outras atividades, incluindo organização de eventos, atividades na graduação e programas de

Piso: Placa cimentícia, Porcelanato, cerâmica, basaltite ou granito; Rodapé: Porcelanato, Poliestireno, canaleta de alumínio ou MDF; Parede: Textura cimentícia ou Pintura

Para alcançar o objetivo deste trabalho foram estabelecidos objetivos específicos que consistiram na identificação dos principais processos que constituem o setor em

Quanto ao modelo de três fatores aplicado em sua forma completa (fator mercado, valor e tamanho) para o mercado brasileiro, Málaga e Securato (2004), Mussa,

Para isso, eles deverão observar o conjunto de obras de cada fase e descobrir o que elas têm em comum: a temática, a maneira como fo- ram pintadas, as cores e suas combinações, os

Analisar e buscar novas soluções auxilia a organização a garantir a produção de produtos com qualidade e segurança O presente estudo analisou o processo produtivo de uma

[r]

Sabemos que o mito não surge da ‘natureza das coisas’ (BARTHES, 1972, p. Não há como falar sobre ele, sem se referir indiretamente a concepção de Alagoas e