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(1)1. UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. JÉSSICA DAMETTA CRUZ. IDEOLOGIA, HISTÓRIA E RELAÇÕES DISCURSIVAS: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL DE JAIR BOLSONARO. São Paulo 2020.

(2) 2. JÉSSICA DAMETTA CRUZ. IDEOLOGIA, HISTÓRIA E RELAÇÕES DISCURSIVAS: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL DE JAIR BOLSONARO. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Letras.. Orientador: Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista. São Paulo 2020.

(3) C957i. Cruz, Jéssica Dametta. Ideologia, história e relações discursivas: uma análise do discurso de posse presidencial de Jair Bolsonaro / Jéssica Dametta Cruz. 88 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2020. Orientador: Ronaldo de Oliveira Batista. Referências bibliográficas: f. 86-88. 1. Análise do discurso. 2. Argumentação. 3. Ethos. 4. Discurso político. I. Batista, Ronaldo de Oliveira, orientador. II. Título. CDD 808.859. Bibliotecária Responsável: Silvania W. Martins – CRB 8/7282.

(4) Folha de Identificação da Agência de Financiamento. Autor: Jéssica Dametta Cruz Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras Título do Trabalho: Ideologia, história e relações discursivas: uma análise do discurso de posse presidencial de Jair Bolsonaro O presente trabalho foi realizado com o apoio de 1: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Instituto Presbiteriano Mackenzie/Isenção integral de Mensalidades e Taxas MACKPESQUISA - Fundo Mackenzie de Pesquisa Empresa/Indústria: Outro: 1. Observação: caso tenha usufruído mais de um apoio ou benefício, selecione-os..

(5) JÉSSICA DAMETTA CRUZ. IDEOLOGIA, HISTÓRIA E RELAÇÕES DISCURSIVAS: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE PRESIDENCIAL DE JAIR BOLSONARO. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Letras.. Aprovada em 05 de agosto de 2020.. BANCA EXAMINADORA. _______________________________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista Universidade Presbiteriana Mackenzie. _______________________________________________________________ Profa. Dra. Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos Universidade Presbiteriana Mackenzie. _______________________________________________________________ Profa. Dra. Norma Discini de Campos Universidade de São Paulo.

(6) 6. AGRADECIMENTOS. Agradeço aos familiares e amigos que me acompanharam nesta caminhada e cujos suporte, incentivo e ajuda tornaram possível a conclusão do mestrado. Em especial ao meu marido, Rafael, pela compreensão por todas as horas em que estive ausente para realizar esta pesquisa, e à minha mãe, Solange, por me ouvir e sempre trazer uma palavra de tranquilidade e confiança em mim. Agradeço à Universidade Presbiteriana Mackenzie pela bolsa de estudos concedida para que eu pudesse realizar o mestrado. Agradeço ao meu orientador, professor doutor Ronaldo de Oliveira Batista, por todo o aprendizado e acolhimento desde a graduação até os últimos momentos de escrita desta dissertação. Agradeço às professoras doutoras Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos e Norma Discini de Campos, pela leitura e importantes contribuições que ajudaram no direcionamento deste trabalho..

(7) 7. Muitas vezes, os hábitos linguísticos são sintomas importantes de sentimentos não expressos. Umberto Eco.

(8) 8. RESUMO. Quando falamos em discurso, consideramos o uso da linguagem em situações reais de interação entre sujeitos. No campo da Análise do Discurso, há uma ramificação para os estudos da argumentação, que visam identificar nos discursos marcas e estratégias das quais o sujeito enunciador faz uso com a finalidade de convencer o enunciatário a aderir às suas teses. Essa noção é especialmente verificada no discurso político, proferido por atores políticos que buscam, a todo tempo, convencer os cidadãos de sua legitimidade para alcançar o poder ou se manter nele e, para isso, utilizam diversas estratégias de persuasão e manipulação em seus discursos. Nesse sentido, esta dissertação propõe uma análise do discurso de posse do presidente Jair Bolsonaro, a fim de verificar quais características e mecanismos de elaboração do ethos que estão presentes no referido discurso. A análise, de base argumentativa e retórica, apontou elementos no discurso de posse que reforçam um ideal de homogeneização de determinados aspectos que levam à negação do diferente. Favorece-se, assim, uma polarização discursiva que emerge da elaboração da imagem discursiva de um governante que surge como “salvador da pátria” diante de tudo aquilo que se considera, no discurso de posse, como oposto e, portanto, totalmente negativo. Palavras-chave: Análise do Discurso. Argumentação. Ethos. Discurso político..

(9) 9. ABSTRACT. When we talk about discourse, we consider the use of language in real situations of interaction between speakers. In the field of Discourse Analysis, there is a branch to the studies of argumentation, which aims to identify, in the discourses, marks and strategies that the enunciating subject uses with the purpose of convincing the enunciate to adhere to his/her theses. This notion is especially verified in political discourse, given by political actors who seek at all times to convince citizens of their legitimacy to reach power or to remain in it and, to this end, use various strategies of persuasion and manipulation in their discourses. In this sense, this dissertation proposes an analysis of the inauguration speech of President Jair Bolsonaro, in order to verify which characteristics and mechanisms of elaboration of the ethos are present in his speech. The analysis, based on an argumentative and rhetorical perspective, pointed out elements in Bolsonaro’s inauguration speech that reinforce an ideal of homogenization of certain aspects that lead to the denial of the different. This favors a discursive polarization that emerges from the elaboration of the discursive image of a ruler who appears as a “savior of the nation” in relation to what is considered, in the inauguration speech, as the opposite and, therefore, totally negative. Keywords: Discourse Analysis. Argumentation. Ethos. Political discourse..

(10) 10. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11 CAPÍTULO 1. DISCURSO, ARGUMENTAÇÃO E PODER ........................... 18. 1. Um conceito de discurso ........................................................................... 18 2. Discurso, retórica e argumentação ............................................................ 19. 2.1 Retórica e sua noção de ethos ............................................................ 19. 2.2 Argumentação ..................................................................................... 21. 2.3 A doxa como fundamento da argumentação ...................................... 24 2.4 Ethos: as imagens envolvidas na argumentação ................................ 26. 2.5 Pathos: o uso das emoções na argumentação ................................... 29. 2.6 Logos: esquema argumentativo no discurso ....................................... 31. 3. O primado do interdiscurso ...................................................................... 34. 4. Discurso político: linguagem, ação e poder ............................................... 35. 4.1 Argumentação no discurso político ..................................................... 39 CAPÍTULO 2. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE: O MÉTODO DA PESQUISA .................................................................................................... 43 CAPÍTULO 3. INSTRUMENTOS RETÓRICOS, LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DO PODER: O DISCURSO DE POSSE DE JAIR BOLSONARO ............................................................................................... 52 CONCLUSÃO ................................................................................................ 83. REFERÊNCIAS ............................................................................................. 86.

(11) 11. INTRODUÇÃO. No dia 2 de abril de 2019, em ocasião de sua visita ao Memorial do Holocausto na cidade de Jerusalém, em Israel, o presidente Jair Messias Bolsonaro 1 (n. 1965) afirmou a jornalistas que o nazismo foi um movimento de esquerda. A sua fala foi resultado de um questionamento de um dos jornalistas presentes sobre a concordância ou não do presidente com a afirmação já dada anteriormente por Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores de seu governo. Bolsonaro, na ocasião, disse concordar com o ministro, alegando que “não havia dúvida” sobre isso, uma vez que no nome do partido nazista havia o termo “socialista”: “Não há dúvida, não é? Partido Socialista, como é que é? Da Alemanha. Partido Nacional Socialista da Alemanha” 2 . O nome correto é Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães A declaração de Bolsonaro gerou reações em todo o mundo, por parte de historiadores, jornalistas, políticos e do próprio museu visitado pelo presidente, que emitiu, na sequência, comunicado em que afirmava que o nazismo foi um movimento “antissemita e de direita” 3. Considerado um político de extrema-direita, Bolsonaro nega o fato de o nazismo ser um movimento de direita por duas possíveis razões: 1. ele mesmo contrapõe-se explicitamente aos ideais de esquerda e, portanto, a ideia de relacionar o nazismo, regime totalitário e responsável pelo assassinato de Em 2018, o presidente Jair Messias Bolsonaro (Jair Bolsonaro, como comumente designado) elegeu-se, em um processo marcado por polarizações e mensagens em redes sociais, o 38o. Presidente da República Federativa do Brasil pelo Partido Social Liberal (PSL). Antes teve carreira militar e foi deputado federal pelo Rio de Janeiro por sete mandatos. 2 Citação extraída de entrevista divulgada em 2019 pelo Grupo Globo de Comunicações. Disponível em: g1.globo.com/politica/noticia/2019/04/02/bolsonaro-diz-nao-haver-duvida-de-quenazismo-era-de-esquerda.ghtml. Acesso em: 14 jul. 2019. 3 Ver, por exemplo, matéria publicada no site do jornal Folha de S.Paulo: QUERO, Caio. Nazismo é de direita, define Museu do Holocausto visitado por Bolsonaro em Israel. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 abr. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/04/nazismo-e-de-direita-define-museu-do-holocaustovisitado-por-bolsonaro-em-israel.shtml. Acesso em: 6 fev. 2020. 1.

(12) 12. milhões de pessoas, à esquerda lhe é conveniente; e 2. ao fazer isso, ele afasta a ideologia que orientava esse regime totalitário de seu próprio posicionamento político-ideológico. O fato de entender as características do nazismo como de uma posição política de esquerda está relacionado à maneira como se constitui o enunciador4 diante das posições que toma em relação à ideologia e ao seu papel histórico e social, que o atravessam. O enunciador Jair Bolsonaro procura uma imagem a ser validada diante de um destinatário (uma comunidade de pessoas que aderem ao seu discurso e à imagem que ele projeta discursivamente) que ele considera como ideal. Esse é apenas um dos episódios em que o presidente Jair Bolsonaro se viu envolvido em polêmicas por conta de suas declarações. Retomar esse episódio introduz nossa reflexão sobre o caráter polêmico das manifestações discursivas do Presidente, permitindo a possibilidade de observar que há em seu discurso de posse indícios de muitas das polêmicas discursivas que vêm construindo historicamente a imagem do Presidente e suas falas. A partir dessas considerações, formula-se a seguinte questão de pesquisa: quais características e estratégias de elaboração estão presentes no ethos do presidente Jair Bolsonaro em seu discurso de posse? Essa problematização parte de algumas premissas, seguindo o estabelecido por Amossy (2018, p. 11-12): 1. a prática discursiva relaciona-se a lugares sociais e a quadros institucionais; 2. texto e contexto estão inevitavelmente imbricados; 3. a manifestação discursiva de um enunciador não é individual nem autônoma,. A metalinguagem nos estudos do discurso é bastante variável no que concerne a nomeações ao que, de modo geral, se pode reconhecer como o “falante” e seus “interlocutores”. Nos autores que orientam nosso referencial teórico, a metalinguagem, às vezes em um mesmo parágrafo, varia de “enunciador/enunciatário”, “locutor/destinatário”, “sujeito do discurso”, “orador/auditório”. Tendo em vista uma unidade no texto, vamos acompanhar, na medida do possível, os usos de Amossy (2018) e Maingueneau (2020): sujeito enunciador, enunciador, orador, locutor para a instância discursiva produtora de discursos e que elabora seu ethos nas práticas discursivas; enunciatário, auditório, alocutário, destinatário para as instâncias que se colocam como interlocutoras em uma prática discursiva. O uso do termo sujeito não será feito tendo por base os fundamentos teóricos da primeira fase da Análise de Discurso Francesa na linha de Pêcheux, que concebe esse sujeito discursivo como assujeitado (cf. BRANDÃO, 2012). 4.

(13) 13. mas se situa em rede de atravessamentos discursivos, em permanente relação dialógica. Sendo assim, esta dissertação de mestrado tem como objetivo geral, em um estudo da argumentação em perspectiva discursiva, analisar a elaboração do ethos do presidente Jair Bolsonaro em seu discurso de posse, evidenciando mecanismos discursivos presentes nessa elaboração. Como objetivos específicos, este trabalho focará em: 1. delimitar o discurso de posse de Jair Bolsonaro como uma fala situada em um lugar social e a quadros institucionais; 2. analisar elementos argumentativos e discursivos do discurso do Presidente que sustentam a elaboração do ethos do enunciador; 3. explicitar por inferência a visão de mundo do enunciador inscrito no discurso, apelando para uma trama interdiscursiva e intertextual; 4. interpretar como o discurso do enunciador Jair Bolsonaro produz efeitos de sentido e suas consequências persuasivas. Utilizaremos como base teórica: 1. a Análise do Discurso na linha dos estudos da argumentação, principalmente no que diz respeito ao tratamento do ethos na concepção teórica e nos procedimentos metodológicos definidos por Amossy (2018); 2. a Análise do Discurso na perspectiva adotada por Maingueneau (2002, 2011, 2020) no estudo do ethos. A análise argumentativa empregada nesta dissertação constitui-se em um ramo da Análise do Discurso, uma vez que tem como objetivo esclarecer como os discursos funcionam, levando em conta uma “fala situada” sujeita, ao menos parcialmente, a coerções. A análise argumentativa é considerada, portanto, uma das áreas que compõem as chamadas linguísticas do discurso. O estudo da argumentação sob o viés da Análise do Discurso relaciona a fala de um sujeito enunciador ao seu lugar social e às instâncias institucionais em que está inserido. Essa análise leva em conta: 1. o conjunto de regras de organização e funcionamento da coletividade em que o sujeito enunciador se enquadra; 2. as circunstâncias sociais e históricas em que ele enuncia; 3. as.

(14) 14. características do enunciatário visado; 4. a distribuição prévia dos papéis sociais que a interação aceita ou tenta refutar; e 5. as opiniões e crenças que se propagam na época em que se toma a palavra (AMOSSY, 2018). Ademais, é necessário considerar que o sujeito enunciador estudado na Análise do Discurso não é um sujeito individual, dono de si e de suas falas, mas um enunciador que recebe a todo o tempo interferências do discurso do outro e é influenciado pelas ideias preconcebidas de uma época. É, portanto, um sujeito histórico. Em paralelo, privilegiamos princípios de estudos discursivos de Maingueneau (2002, 2011, 2020), centrados no papel do enunciador, a fim de analisar o ethos não em sua feição clássica aristotélica (ainda que haja confluências), mas em uma perspectiva discursiva que incorpora elementos teóricos dos estudos do discurso. De qualquer modo, permanece a consideração inegável, em qualquer perspectiva teórica, de que o destinatário elabora uma imagem de um sujeito enunciador (uma representação desse locutor) a partir do que e como este produz sua manifestação discursiva em uma prática interacional de linguagem. A noção de ato responsivo elaborada no contexto do Círculo de Bakhtin (Bakhtin e Volóchinov, cf. VOLÓCHINOV, 2017) será acessada, uma vez que o ethos do enunciador se estabelece dialogicamente. Toda prática enunciativa se constitui em uma trama interdiscursiva (às vezes também intertextual), na qual posicionamentos dos interlocutores não só revelam um princípio constitutivo da linguagem como também impõem, de certo modo, reações discursivas diante de práticas interacionais no uso da linguagem. Buscamos trazer reflexões acerca do papel dos sujeitos enunciadores imersos em construções de identidades discursivas em meio aos discursos disseminados pela classe política e, assim, assimilar as ações que deles resultam, a partir dos estudos discursivos de Charaudeau (2018). Essa última inflexão teórica ressalta a importância de que a sociedade seja capaz de interpretar textos, isto é, entender o que é dito pela instância política e.

(15) 15. identificar também as implicaturas do discurso, o não dito, bem como as intenções por trás das estratégias argumentativas adotadas, a fim de, por hipótese, não ser facilmente manipulada. Além disso, ela deve compreender o que os políticos dizem e por que o dizem, para refletir melhor sobre as suas ações, as quais, em última instância, em uma sociedade democrática, devem estar de acordo com as expectativas da população e visar ao bem de todos. O campo político é marcado pelo debate de ideias, por isso a importância da construção de uma relação entre os políticos e a sociedade, bem como da regulação da vida política, as quais só acontecem por meio do discurso, da palavra. Considerar o significado de todo discurso em relação aos seus implícitos, a discursos que vieram antes dele e às condições em que foi enunciado é imprescindível. É no plano da enunciação que se revelam os pensamentos, os valores, as opiniões e as estratégias do enunciador. Essas questões estão no centro da cidadania da qual todos participam, mesmo aqueles que pretendem ser apolíticos, uma vez que as decisões tomadas e as consequências decorrentes delas afetam a todos, politizados ou não. É desejável que estudiosos da dimensão discursiva da linguagem considerem, em meio a tantas outras possibilidades, pesquisas no campo do discurso político e em outros de igual relevância e aplicabilidade, apresentando diferentes pontos de vista, aprofundando as reflexões e incentivando o debate livre de ideias. Principalmente nos dias de hoje, em que cada vez mais se propagam, em todo o mundo, discursos de intolerância, anti-intelectualismo e mascaramento de verdades. Não é mais aceitável que os acadêmicos se fechem em suas pesquisas dentro das universidades alheios ao que acontece extramuros. Concordamos com Fiorin (2007) quando afirma que a linguagem pode servir como instrumento de libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação, cabe a nós decidir como utilizá-la, qual caminho seguir e que tipo de sociedade construir. Optamos por analisar o discurso de posse de Jair Bolsonaro por três razões principais: a primeira está ligada ao fato de que se trata de um governante.

(16) 16. controverso, representante de uma ala da política brasileira, a extrema-direta, que há tempos vinha desempenhando um papel coadjuvante no cenário geral e que agora se vê em lugar de destaque; a segunda diz respeito ao fato de acreditarmos que analisar o conteúdo do discurso desse sujeito enunciador permite entender quais são os ideais do mandatário e as possíveis consequências políticas que podem desencadear no espaço social em que o discurso revela sua potência e implicações; a terceira está relacionada ao nosso entendimento de que o discurso de posse de Bolsonaro retoma os temas-chave que foram abordados ao longo de sua campanha eleitoral e que vão ao encontro de certas ideologias que o presidente viria a negar mais tarde, o que, acreditamos, pode contribuir para o campo dos estudos da persuasão e manipulação na linguagem sob a perspectiva da análise argumentativa. Para atingir nossos objetivos, a dissertação divide-se, além desta Introdução, em quatro capítulos e Conclusão, conforme descrevemos a seguir. No Capítulo 1, apresentamos o conceito de discurso adotado neste trabalho, relacionando-o também ao primado do interdiscurso e mostrando como ele é analisado à luz do referencial teórico adotado nesta pesquisa. A relação entre discurso, retórica e argumentação é revista a partir da teoria da análise argumentativa tendo como base a obra de Amossy (2018), conforme dito anteriormente. Aqui também são retomados os conceitos de ethos, pathos e logos, que fundamentarão nossa análise, considerando as reflexões e análises de Maingueneau (2002, 2011, 2020). Também nesse capítulo, o discurso político é apresentado sob o prisma de Charaudeau (2018). Privilegiamos, portanto, as relações existentes entre linguagem, ideologia e poder. Para isso, retomamos brevemente as ideias de ação política, instâncias e valores envolvidos nesse campo, a fim de relacioná-las à linguagem e, principalmente, à persuasão que se dá por meio dela. Tratamos da importância do estudo do discurso político sob a perspectiva da linguagem, uma vez que não há política sem o uso da língua, e da análise argumentativa, pois são os discursos que possibilitam os espaços de discussão, persuasão e manipulação inerentes ao campo político..

(17) 17. No capítulo 2, é apresentado na íntegra o material de análise: o discurso de posse de Jair Bolsonaro. Além disso, são explicitadas as razões para a escolha desse material, as etapas da pesquisa e os procedimentos de análise adotados. No capítulo 3, o discurso de posse do Presidente é analisado em perspectiva retórico-discursiva, na qual se buscam evidências de posicionamentos discursivos que estão ou não marcados no discurso. Apresentamos a análise do corpus no que diz respeito à elaboração do ethos discursivo pelo enunciador, ao uso das emoções ou de argumentos lógicos/racionais, à indicação de subentendidos e pressupostos, entre outros elementos da enunciação presentes no discurso que estão relacionados à formulação discursiva da imagem de Jair Bolsonaro no seu discurso de posse. Na Conclusão, apresentamos os resultados finais da análise, tendo como base os objetivos estabelecidos nesta Introdução, procurando responder em forma de síntese analítica o problema de pesquisa que orienta esta dissertação..

(18) 18. CAPÍTULO 1 DISCURSO, ARGUMENTAÇÃO E PODER 1. Um conceito de discurso A definição de “discurso” como categoria analítica no campo dos estudos das linguísticas do discurso é sempre pauta de discussões e confrontos. Há diferentes possibilidades de compreender o que se considera como um discurso a partir do referencial teórico adotado. Pode-se considerar como discurso uma instância complexa relacionada à história e à ideologia, pondo em evidência, assim, o discurso em relação à sua historicidade,. como. em. posicionamentos. do. Círculo. de. Bakhtin. (cf.. VOLÓCHINOV, 2017). O discurso, materializado em textos, pode ser concebido como atividade de linguagem interacional, produtora de efeitos de sentido, como em fases da Análise do Discurso de linha francesa (cf. BRANDÃO, 2012). Discurso ainda pode ser considerado para a Semiótica Narrativa e Discursiva como o plano de conteúdo de um texto, resultado de operações empreendidas pelo sujeito da enunciação (cf. BARROS, 1997). Neste trabalho, sem fazer oposição direta a outras concepções (já que muitas se articulam), entende-se com Amossy (2018, p. 11) que esse discurso é um “uso que se faz da linguagem em situações concretas”. Assim, consideramos discurso como um termo que remete a uma produção interacional de linguagem que possui determinadas características (MAINGUENEAU, 2002): 1. unidade linguística transfrástica, é sempre orientado, pois elaborado e enunciado com finalidades interativas, sendo prática comunicativa dialógica e não fechada; 2. forma de ação, o que implica considerar a dimensão discursiva relacionada a formas de ações sobre os interlocutores; 3. de natureza subjetiva, é interativo essencialmente, em forma de confronto ou contrato entre aqueles que participam da enunciação; 4. contextualizado, não no sentido de que ocorre em.

(19) 19. um contexto pré-dado, mas que dele se constitui e é constituinte dele; 5. assumido por um sujeito enunciador, coloca-se sempre inserido em uma trama interdiscursiva.. 2. Discurso, retórica e argumentação Esta dissertação tem como objetivo principal a análise do ethos no discurso de posse do presidente Jair Bolsonaro. Essa delimitação, consequentemente, implica a escolha de referenciais teóricos que levem em consideração noções como ethos, argumentação e prática retórica. Partindo do conceito de discurso assumido anteriormente, baseamo-nos, para a análise de nosso corpus, na confluência teórica de Amossy (2018) entre estudos retóricos, argumentativos e discursivos. Como a noção de ethos é central para nós, fazemos um breve percurso da emergência dessa noção na Retórica Clássica até sua apreensão e utilização pelos estudos do discurso contemporâneos.. 2.1 Retórica e sua noção de ethos A Retórica Clássica nasceu na Grécia Antiga em um momento pós-guerra de muitos conflitos judiciários, no qual os cidadãos que haviam perdido suas terras e seus bens para tiranos precisavam recuperá-los. Para isso, era necessário que dominassem técnicas de persuasão a fim de convencer os juízes de suas causas. Tinha, portanto, um caráter mais pedagógico, no sentido de ensinar a como ser persuasivo. Baseava-se em duas operações principais: o entimema (tipo de silogismo que procede da dedução) e o exemplo (tipo de analogia que procede da indução), conforme veremos mais adiante (REBOUL, 1998). A Retórica, ou Arte Retórica (em algumas edições), escrita por Aristóteles (385323 a.C.) no IV século a.C. 5, pode ser considerada, sob certo prisma (e sem A Retórica de Aristóteles integra os denominados “escritos da maturidade” do filósofo. Aparentemente foi desenvolvida e redigida no período entre 350-335 a.C. Neste trabalho, adotamos como base a edição publicada em 2011 pela Editora Edipro e, a partir dela, faremos. 5.

(20) 20. aproximação anacrônica), uma teoria do discurso, se procurarmos uma aproximação com a metalinguagem contemporânea, uma vez que está centrada no uso da língua pelos falantes e nos efeitos de sentido que pode gerar com vistas à persuasão. Ela trata dos três elementos que compõem qualquer troca comunicativa: o orador, o ouvinte e o discurso, o que antecipa diversas teorias interacionais como a Teoria da Enunciação, a Pragmática, a Análise do Discurso, entre outras. No entanto, não se quer com isso afirmar que a retórica é introdutória a essas disciplinas nem que com elas mantém total equivalência. Na obra de Aristóteles, a retórica é definida como a arte de não apenas persuadir, mas identificar todos os meios de persuasão possíveis em cada situação. Trata-se do poder que é dado a todos os seres humanos de observar e descobrir o que é ou não adequado para persuadir. Por isso, ao longo da obra, Aristóteles foca nos três elementos de todo ato persuasivo: quem busca a adesão, para quem é direcionada a persuasão e como ela é construída no discurso (REBOUL, 1998; AMOSSY, 2018). A comunicação é a mais básica de todas as funções humanas. Como filósofo, Aristóteles preocupava-se em refletir sobre o ser humano e sua inserção no mundo. Ao tratar da retórica, sua atenção não estava voltada exclusivamente ao estudo linguístico, mas sim ao modo como o homem se apropria da língua para se estabelecer no mundo, agir sobre o outro e desempenhar suas ações básicas cotidianas. Aristóteles atribui à retórica três tipos de uso que a legitimam: o pedagógico, o filosófico e o social. Para os objetivos deste trabalho, focaremos apenas o último aspecto. É preciso ressaltar o caráter social da retórica, uma vez que a persuasão só pode ser efetiva mediante a interação entre um orador e seu auditório, na qual o primeiro utiliza-se da linguagem para apresentar seus argumentos. A persuasão acontece quando há, entre as duas instâncias envolvidas no processo comunicativo, um conjunto de princípios, costumes e referências, com a ressalva de que a obra é do IV século a.C. apesar de nas citações aparecer o ano de 2011..

(21) 21. pressupostos em comum. Isso significa que o orador deve trabalhar com um universo discursivo conhecido por seu auditório, de modo que este possa ser livre para julgar e conceder seu assentimento ou não (AMOSSY, 2018). Ligado à retórica, está o conceito de dialética, que, segundo Reboul (1998), se constitui em um jogo no qual um dos participantes tem de defender uma tese enquanto o outro deve refutá-la com todos os argumentos possíveis. O vencedor é aquele que consegue levar o seu adversário a se contradizer ou a esgotar seus argumentos, de modo que fique literalmente sem palavras. Nesse jogo, o autor ressalta, não é permitido trapacear, isto é, os argumentos têm de seguir uma linha lógica. Dessa breve explanação, depreendemos três ideias-chave: 1. é preciso conhecer o adversário situa, de modo que sejam utilizadas as melhores estratégias de argumentação para refutá-lo; 2. não importa se a tese defendida é provável ou não, o que vale é a qualidade e a efetividade dos argumentos expostos; 3. é possível que um participante defenda uma tese sem necessariamente acreditar nela, já que o importante é a validade dos argumentos. Retórica e dialética estão, portanto, relacionadas uma vez que a primeira utiliza a segunda como meio de persuasão, ou seja, a dialética constitui a parte argumentativa da retórica (REBOUL, 1998). Se a base de toda dialética é a demonstração de uma tese e sua refutação, então todo discurso constitui-se como espaço de luta entre vozes sociais, de contradição e, consequentemente, de argumentação (FIORIN, 2018).. 2.2 Argumentação A argumentação, ou análise argumentativa, pode ser considerada sobre diversas perspectivas e teorias. Neste trabalho, ela será abordada segundo o viés da Análise do Discurso, conforme proposta de Amossy (2018). Por meio da.

(22) 22. análise argumentativa, busca-se verificar o funcionamento dos discursos, explorando falas contextualizadas e ao menos minimamente sujeitas a coerções sociais, em que haja uma intenção persuasiva, influenciadora, de um enunciador sobre um enunciatário. Com. o. estabelecimento. da. Nova. Retórica,. proposta. no. Tratado. da. argumentação: a Nova Retórica, de Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no final da década de 1950, passa-se a focar na análise de textos persuasivos e das estratégias argumentativas que neles se apresentam. Para essa teoria, a princípio,. todos. os. textos. possuem. certo. grau. de. retoricidade. e. argumentatividade. Ela estabelece, portanto, as relações entre persuasão e estratégias argumentativas, considerando os falantes e o contexto em que estão inseridos. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1970, p. 5) definem a argumentação como “as técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que são apresentadas ao seu assentimento”. Essa definição reforça o caráter social e comunicacional de todo processo persuasivo. Considerando que a argumentação tem como objetivo obter a adesão daqueles a quem se destina, é imprescindível que o orador (ou o enunciador, ou o locutor) conheça o auditório (ou o enunciatário, ou o alocutário) que procura influenciar. Ele deve ter conhecimento das opiniões e convicções dominantes entre aqueles que procura persuadir e partir desses pontos de acordo para levá-los a aderir às suas teses. O orador deve basear a sua argumentação em lugares comuns que possui com o seu auditório. Diferentemente do que afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca, Amossy (2018) afirma que nem todo discurso é argumentativo. Nenhum discurso é neutro, mas sempre marcado pela posição do sujeito que o enuncia. O fato de sempre haver uma posição ideológica envolvida não significa que necessariamente há o objetivo de convencer o outro daquilo que se diz. Amossy (2018, p. 44) afirma que.

(23) 23. [...] a simples transmissão de um ponto de vista sobre as coisas, que não pretende expressamente modificar as posições do alocutário, não se confunde com uma empreitada de persuasão sustentada por uma intenção consciente e que oferece estratégias programadas para esse objetivo.. Isso significa que a noção de argumentação está diretamente relacionada a uma intenção de fazer o outro a aderir a uma tese, de modificar a sua opinião sobre o que é dito ou de orientar sua maneira de ver e se posicionar sobre algo, utilizando, para isso, diversas estratégias argumentativas (AMOSSY, 2018). No caso deste estudo, seguindo a classificação de Amossy (2018), interessamnos os discursos com visada argumentativa 6 , isto é, que claramente têm a intenção de convencer, influenciar o outro a aderir a uma ideia, e entre os quais está inserido o discurso político. A Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca coloca em evidência o papel fundamental que o tipo de público visado tem na modelação de todo discurso. Isso significa que só haverá uma eficácia discursiva se as opiniões do outro forem consideradas importantes para aquele que enuncia. Nesse sentido, a argumentação deixa o campo do raciocínio puramente lógico para adquirir um caráter interpessoal. Cabe esclarecer que o termo auditório é usado para designar o indivíduo ou grupo de indivíduos diante de quem se argumenta, incluindo os leitores. Ele muda de acordo com a interação, uma vez que é o próprio enunciador que define o seu público: “O auditório constitui uma entidade variável que o locutor determina quando escolhe, por alvo de sua empreitada, a persuasão de um indivíduo, de um grupo ou de um público vasto” (AMOSSY, 2018, p. 52). Isso. O conceito de discurso com visada argumentativa opõe-se ao de discurso com dimensão argumentativa, este último definido como um discurso em que se apresentam teses, opiniões, sem necessariamente a intenção de convencer o público a aderir a elas, por exemplo, artigos científicos, reportagens, entre outros. 6.

(24) 24. significa que o orador considera, consciente ou inconscientemente, o público que deseja persuadir para elaborar suas estratégias argumentativas. Nesse sentido, Amossy (2018) destaca que o público visado pode ou não estar presente no momento da enunciação, o que nos leva a considerar que todo discurso argumentativo é dialógico, mas não necessariamente dialogal. Por um lado, é dialógico porque, segundo Volóchinov (2017), o dialogismo é tido como elemento constitutivo da linguagem, uma vez que todo discurso “responde” a (se estabelece com) discursos anteriores a ele e é retomado por discursos que virão depois. Para o Círculo de Bakhtin, no qual se insere Volóchinov, esta é a condição primordial da linguagem: o discurso nunca é único e irrepetível. Por outro lado, pode ou não ser dialogal, porque durante a troca verbal o auditório pode ou não desempenhar um papel ativo na comunicação. Para esclarecer, retomamos o esquema traçado por Amossy (2018) sobre as quatro classes de receptores:. Quadro 1 Classes de receptores Domínio dialogal Público presente + “loquente” Exemplo: troca verbal cotidiana Público ausente + loquente Exemplo: comunicação telefônica. Domínio dialógico Público presente + não loquente Exemplo: conferência magistral Público ausente + não loquente Exemplo: maior parte das comunicações escritas Fonte: Adaptado de Amossy (2018, p. 53).. 2.3 A doxa como fundamento da argumentação Para alcançar seu objetivo de persuasão, o orador deve partir de pontos de acordo que possui, ou ao menos simula possuir, com o seu auditório. Na Retórica, esses lugares comuns são denominados doxa. Na Antiguidade, a doxa, que hoje pode ser traduzida como as crenças ou opiniões populares, se opunha à ideia de episteme, traduzida como o.

(25) 25. conhecimento científico. Por isso, ela tem um valor de probabilidade e o seu fundamento é a verossimilhança, uma vez que reside no plano do senso comum, ou topoi, de uma determinada sociedade com valores e características próprios. É claro que por não apresentar um caráter comprobatório ela está suscetível a ser contestada. A doxa engloba, para a Retórica, um conjunto de noções sobre as quais a maior parte das pessoas pode ter uma mesma percepção, uma mesma opinião (AMOSSY, 2018). No século XX, quando ganham relevância os estudos sobre ideologia, passa-se a ter uma percepção negativa da doxa. Uma análise ideológica sobre esse conceito defende que o senso comum aliena a consciência individual, tornando o sujeito incapaz de realizar verdadeiras reflexões e prendendo-o a uma ideologia que se esconde por trás das aparências de uma opinião generalizada. Amossy (2018, p. 111) esclarece, porém, que a análise argumentativa, caso seja crítica, “busca compreender como os elementos de um saber compartilhado autorizam um empreendimento de persuasão”, isto é, como a identificação do uso de um ponto de acordo entre orador e auditório auxilia no entendimento das estratégias argumentativas daquele que enuncia. No caso específico deste trabalho, a noção de doxa é importante para a compreensão do modo como o uso do senso comum possibilita o debate de ideias no campo político, que leva à deliberação e à ação social. A análise da argumentação, portanto, defende que sejam extraídos os elementos dóxicos com base nos quais um enunciado é construído, sem julgar se eles são bons ou prejudiciais. Seu objetivo, conforme afirma Amossy (2018, p. 112), é. [...] descrever um funcionamento discursivo de maneira tão precisa quanto possível, estudar as modalidades segundo as quais o discurso busca construir um consenso, polemizar contra um adversário, verificar um impacto em uma dada situação de comunicação..

(26) 26. Por trás de um enunciador que participa de uma interação persuasiva e expõe o seu ponto de vista, há um “espaço dóxico”, utilizando a expressão de Amossy (2018), que determina a situação do discurso em que ele argumenta e que o conduz, pelo uso da linguagem, até o centro de sua intencionalidade e planejamento. Para além do conceito da doxa, conforme afirma Reboul (1998), a retórica aristotélica possui três tipos de provas como meio de persuasão: o ethos e o pathos, ligados à parte afetiva, e o logos, ligado ao raciocínio, dos quais passaremos a tratar a seguir.. 2.4 Ethos: as imagens envolvidas na argumentação Para os objetivos deste trabalho, também interessa identificar de que maneira o discurso persuasivo se torna eficaz. Um dos recursos mais importantes que contribuem para essa eficácia é a construção de imagens no discurso, denominadas ethos. Reboul (1998, p. 48), ao retomar o ethos da tradição aristotélica, apresenta a seguinte definição: “o ethos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança”. O ethos está ligado, portanto, ao que o orador demonstra ser em seu discurso. Ele não diz que é, mas mostra o que é com o intuito de causar uma boa impressão em seu público (EGGS, 2019). Segundo Amossy (2019), toda vez que um sujeito enunciador toma a palavra, esse ato implica a construção de uma imagem de si. Essa construção está presente em todos os tipos de interações, seja em uma entrevista de emprego, seja em um diálogo entre professor e alunos, seja na campanha de um político, seja nas relações afetivas e familiares etc. Na perspectiva dos estudos discursivos (cf. AMOSSY, 2018; MAINGUENEAU, 2002, 2011, 2020), a elaboração dessas imagens está vinculada ao exercício da.

(27) 27. palavra em si, ou seja, ao papel que o orador assume em seu discurso, e não ao indivíduo real. O ethos é o responsável por produzir efeitos de sentido no discurso, efeitos de credibilidade, de honestidade, de sensatez etc., e se manifesta, portanto, a partir das escolhas feitas pelo enunciador. O modo de dizer autoriza a construção de uma imagem do orador, a qual o auditório tem de depreender. Estabelece-se, portanto, uma inter-relação entre os sujeitos da enunciação. O orador imprime marcas sutis em seu enunciado a partir das quais é possível identificar a imagem que constrói de si (AMOSSY, 2019). Trata-se de uma instância variável, uma vez que as expectativas dos auditórios mudam de acordo com a sua idade, classe social, nível intelectual etc. e cabe ao orador identificar essas nuances para adequar sua imagem a cada tipo de público (REBOUL, 1998). O ethos, portanto, varia de acordo com a situação de enunciação e os sujeitos envolvidos nela. Em todas as situações, porém, há imagens de padrões que o orador deve passar ao seu auditório, a saber: credibilidade, sensatez, sinceridade e simpatia (REBOUL, 1998), uma vez que a imagem busca causar impacto positivo e suscitar adesão. Ainda na perspectiva da análise do discurso, Maingueneau (2019) afirma que o ethos está ligado à enunciação, e não a um conhecimento extralinguístico sobre o enunciador, portanto a credibilidade, por exemplo, deve ser o efeito que um discurso causa, e não o resultado de um juízo prévio que o público faz do orador. “A eficácia do ethos tem a ver com o fato de que ele envolve de alguma forma a enunciação, sem estar explicitado no enunciado” (MAINGUENEAU, 2019, p. 59). Retomamos aqui a diferenciação entre o ethos discursivo e o ethos prévio apresentada por Amossy (caracterização também explorada por Maingueneau em diversos trabalhos, por exemplo, em MAINGUENEAU, 2002, 2011, 2020), segundo a qual é inegável que o público possa ter uma ideia preestabelecida de quem seja o orador, antes mesmo que ele tome a palavra (AMOSSY, 2018)..

(28) 28. Nesse sentido, é preciso considerar, para a eficácia de uma troca persuasiva, tanto a imagem de si que o orador projeta no discurso quanto a imagem que deriva de um conhecimento prévio que se tem de sua pessoa 7. Essa dualidade tem origem na Antiguidade: para Aristóteles, o ethos é a maneira como o orador se apresenta em sua fala; para o orador e retórico ateniense Isócrates (436-338/336? a.C.), por sua vez, o ethos refere-se à reputação prévia do orador (AMOSSY, 2018). Mais detalhadamente, ele está ligado ao prestígio que o orador possui considerando sua função social, suas qualidades próprias e o exemplo que passa através de seu comportamento e modo de viver. Ressaltamos aqui, porém, que mesmo o ethos prévio é uma construção de imagem que o auditório faz do orador, pois, na perspectiva do público a quem se dirige, não é possível ter certeza da veracidade das qualidades daquele que enuncia. Ademais, mesmo as ideais que se faz do sujeito fora do discurso estão embasadas em elementos intradiscursivos, já que estão relacionadas ao que ele diz e ao modo como diz. É preciso, portanto, não confundir essas duas instâncias, ou seja, o sujeito no discurso e o sujeito falante real. Neste trabalho, seguindo a orientação de Amossy (2018), nosso interesse não está em solucionar a questão se o ethos deve se restringir apenas ao nível discursivo, mas sim verificar de que maneira as ideias preexistentes sobre o orador, elaboradas com base em discursos anteriores, ajudam-no a elaborar a imagem de si dentro de seu discurso. Desse modo, o enunciador não deve apenas conhecer o seu público ou formular uma ideia de quem ele seja, conforme afirmamos anteriormente, para tornar sua argumentação eficaz, mas também antecipar a ideia que o público faz dele, isto é, qual é a imagem que o auditório tem do orador.. 7 Embora cientes de que haja uma polêmica entre os estudiosos do discurso sobre uma distinção entre ethos discursivo e ethos prévio, ao nos basearmos em Amossy (2018), tomamos como verdadeira essa diferenciação. É necessário ressaltar, porém, que a ideia do “juízo prévio” que o auditório faz do orador é também baseada nos discursos anteriores desse orador, relacionada à interdiscursividade da qual tratamos anteriormente, e não somente à sua pessoa física..

(29) 29. Essa imagem é alimentada pelos estereótipos sociais de uma determinada época, sendo necessário considerar, conforme aponta Amossy (2018, p. 92), • • •. a imagem que se faz da categoria social, profissional, étnica, nacional etc. do locutor; a imagem singular de um indivíduo que circula no momento da troca argumentativa; a possibilidade de imagens diferentes, até mesmo antagônicas, do mesmo locutor, segundo o auditório visado.. A eficácia da argumentação depende, portanto, do modo como o ethos prévio é considerado diante da construção do ethos discursivo. Isso significa que se a imagem preexistente que se tem do orador for positiva, esse ethos prévio deve ser reforçado no discurso e o orador pode se apoiar nele. Se, no entanto, a imagem prévia for negativa, é necessário reconstruí-la no discurso, por meio da formulação de imagens que desconstruam a anterior (AMOSSY, 2018).. 2.5 Pathos: o uso das emoções na argumentação Além da construção das imagens de si e do auditório, muitas vezes o orador utiliza-se das emoções para levar o público a aderir a uma tese. Reboul (1998, p. 48) define o pathos como o “conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador deve suscitar no auditório com seu discurso”. Do mesmo modo como ocorre com o ethos, para ser bem-sucedido na sua empreitada de argumentação, o orador deve ser um profundo conhecedor de seu auditório, a fim de provocar as emoções exatas para cada tipo de público, de acordo com a idade, a condição social etc. (REBOUL, 1998). Ao examinar as características do auditório, o orador é capaz, seguindo as ideias de Aristóteles, de definir quais marcas em seu discurso podem provocar emoções. Para isso, é necessário que ele conheça a natureza dessas emoções e saiba o que cada uma delas pode suscitar. Entre esses sentimentos estão a cólera, a indignação, a piedade etc. (AMOSSY, 2018)..

(30) 30. Em Retórica, Aristóteles dedica um livro inteiro (Livro II) a esse tema para chegar às conclusões que dizem respeito especialmente aos seguintes aspectos: • • •. em que estado de espírito se encontram aqueles em que serão provocados os sentimentos; a qual categoria de público esses sentimentos se destinam; e por quais motivos.. Pode-se pensar que, ao suscitar emoções em seu público, o orador deixa de seguir uma argumentação clara, que, a princípio, deveria ser isenta e se restringir apenas à lógica ou à racionalidade. No entanto, para Aristóteles, é importante “preparar” o público emocionalmente para determinada persuasão, pois essa predisposição auxilia na tomada de decisões, uma vez que as paixões nos modificam e produzem diferenças em nossos julgamentos (AMOSSY, 2018). Sobre isso, Plantin (2008) faz uma diferenciação entre convencer e persuadir: o primeiro ato está ligado ao intelecto, já o segundo, às paixões. No ato da argumentação, ora é a racionalidade que predomina, ora, em contrapartida, é o fazer agir pelas emoções que é preferível 8. Pascal (1914), conforme retoma Amossy (2018), afirma que somente o uso do entendimento lógico não é suficiente para a argumentação, mas é preciso também levar em conta o que é agradável aos olhos do auditório, o que, segundo o autor, tem influência direta em seu comportamento.. Qualquer que seja o objetivo de persuadir, é necessário considerar a pessoa que é visada, da qual se deve conhecer o espírito e o coração, quais princípios ela aceita, quais as coisas de que ela gosta [...], pois a arte de persuadir consiste tanto em agradar quanto em convencer, pelo fato de que os homens se governam mais por capricho do que pela razão (PASCAL, 1914, p. 356).. 8. Cabe esclarecer que essa é uma diferenciação que nem todos os teóricos do discurso aceitam..

(31) 31. É importante destacar que o sucesso do uso do pathos em um processo argumentativo não está ligado às emoções expressas pelo orador, que, nesse caso, têm quase nenhuma relevância, tampouco depende da menção, no enunciado, dos sentimentos que procura despertar. Está ligado sim às emoções que são suscitadas no auditório. Em nossa análise, procuraremos demonstrar de que maneira o despertar de sentimentos no auditório se manifesta nos discursos.. 2.6 Logos: esquema argumentativo no discurso Como vimos, se o ethos diz respeito ao orador, e o pathos, ao auditório, o logos está relacionado ao discurso em si e à argumentação que nele é construída. Essa argumentação, no nível do logos, está ligada ao fator dialético da Retórica, isto é, fundamenta-se nos raciocínios lógicos (REBOUL, 1998). Considerando os objetivos deste trabalho, não nos deteremos profundamente sobre o conceito e os exemplos dos diversos tipos de raciocínios lógicos que compõem o logos (cf. AMOSSY, 2018). No entanto, apresentamos a seguir uma breve explanação dos dois tipos principais de argumentos, a saber: o silogismo/entimema e o exemplo/analogia.. A) Silogismo e entimema O silogismo é baseado na apresentação de premissas prováveis maiores e menores a partir das quais é possível chegar a uma conclusão, portanto, possui caráter dedutivo. As premissas prováveis são definidas como opiniões admitidas por todos os homens, ou ao menos pela maior parte deles, e partem de um lugar comum, de pontos de acordo. Exemplo: Todos os homens são mortais. (Premissa maior) Sócrates é um homem. (Premissa menor).

(32) 32. Logo, Sócrates é mortal. (Conclusão) 9 O entimema, por sua vez, é uma espécie de silogismo no qual nem todos os elementos precisam estar presentes para que haja uma compreensão global daquilo que se quis afirmar. É possível, retomando o exemplo anterior, ocultar a premissa maior e a conclusão, por exemplo, sem que haja comprometimento no entendimento do interlocutor. Nesse caso, a premissa maior e a conclusão podem ser depreendidas do contexto comunicacional. Exemplo: Um locutor A acredita na infalibilidade de um candidato à presidência. O interlocutor B afirma que o candidato é um homem. (Premissa menor) Logo, entendemos que estão ocultas a premissa maior (Todos os homens são falíveis) e a conclusão (Se o candidato é um homem, então ele é falível). O entimema, portanto, é usado nos discursos argumentativos com mais frequência, uma vez que trabalha com implícitos, o que, ao mesmo tempo, reforça a sua argumentação junto ao auditório e pode isentar o orador de quaisquer consequências que o uso do explícito poderia acarretar. Além disso, ao ocultar certas premissas ou conclusões, o orador sugere que essas ideias sejam óbvias demais para serem mencionadas explicitamente, já fazem parte do senso comum, o que pode contribuir para suas intenções persuasivas sobre o interlocutor.. B) Exemplo e analogia O uso do exemplo está centrado em relacionar uma questão problemática atual com uma questão já esclarecida no passado, tomando como base algo familiar. 9. Todos os exemplos deste tópico foram extraídos de Amossy (2018)..

(33) 33. ou antigo na perspectiva do enunciatário (AMOSSY, 2018). O exemplo pode ser extraído de uma situação concreta do passado ou ser inventado. O uso do exemplo na argumentação pressupõe “a existência de certas regularidades, cujos exemplos forneceriam uma concretização” (AMOSSY, 2018, p. 152). Isso significa que o orador se baseia em fatos passados para levar à conclusão do que é provável que aconteça no futuro. É claro que o exemplo não garante o sucesso posterior, mas induz o auditório a supor que há grandes chances de que a situação se repita. Nesse sentido, para aumentar o poder de argumentação, é preciso que esse exemplo seja bastante provável em si mesmo ou que tenha se repetido com certa regularidade no passado. Esse tipo de argumento pode gerar insegurança se o orador estiver diante de um auditório heterogêneo, que tenha diferentes perspectivas sobre um fato passado. Nesse caso, se não houver um acordo entre aquilo que o orador argumenta e a visão ou interpretação que o público faz, o processo persuasivo inevitavelmente falhará. A analogia, por sua vez, baseia-se em uma comparação, isto é, são levantados os pontos de similaridades e de diferenças entre duas situações colocadas em relação. Esse tipo de argumento torna mais didática a compreensão, por exemplo, dos efeitos que uma decisão pode gerar. Para ilustrar, Amossy (2018) traz a seguinte frase de Marine Le Pen sobre os imigrantes na França: “Você não convida para a sua mesa nem para a sua cama o encanador que veio consertar a sua banheira”. Ou seja, os trabalhadores imigrantes são para os franceses o que o encanador é para a família, numa clara demonstração de sua oposição à permanência dos imigrantes no país..

(34) 34. 3. O primado do interdiscurso A obra de Bakhtin e seu Círculo antecipa a relação entre o conceito de dialogismo, considerado elemento constitutivo da linguagem, e o que viria a ser o campo dos estudos do discurso – os conceitos bakhtinianos seriam retomados pelos estudiosos da linguagem na década de 1960 em diante. O termo dialogismo vem da concepção de que todo discurso dialoga, se estabelece, com outros discursos, e essa é a condição primordial da linguagem. Por isso, o discurso nunca é único e irrepetível.. [...] nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que semiotizam o mundo. Essa relação entre os discursos é o dialogismo. Como se vê, se não temos relação com as coisas, mas com os discursos que lhes dão sentido, o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem (FIORIN, 2006, p. 167).. Dessa passagem, depreendemos uma noção básica do dialogismo: qualquer relação dialógica entre discursos se dá no nível do sentido. Fiorin (2006), ao tratar dos postulados de Bakhtin, afirma que qualquer discurso se estabelece em uma relação dialógica com outros discursos que vieram antes dele, uma vez que, como dito anteriormente, todo sujeito está inserido em uma formação discursiva, composta por diversos discursos que ele assimila e reproduz. Essas relações ocorrem no meio social, entre os indivíduos, e podem ser contratuais ou polêmicas, de concordância ou de oposição, mas sempre se manifestarão nos discursos. Isso significa que o discurso não funciona com base na realidade das coisas, mas sim no “já-dito” em outros discursos (FIORIN, 2018). Para o Círculo de Bakhtin (principalmente na obra que se atribui atualmente a Volóchinov, Marxismo e filosofia da linguagem, de 1929), a presença do outro é imprescindível na construção dos sentidos, uma vez que é impossível pensar o homem isolado das suas relações interacionais. Por isso, na composição dos.

(35) 35. sentidos, novas construções interagem, ou dialogam, com as anteriores, marcadas pelo contexto sócio-histórico-ideológico. Tradicionalmente, divide-se o dialogismo proposto pelo Círculo de Bakhtin em dois tipos principais: a interdiscursividade e a intertextualidade, embora essas duas nomenclaturas não tenham sido postuladas nem por Bakhtin nem por Volóchinov. A intertextualidade sempre pressupõe a interdiscursividade, porém o contrário não é necessariamente verdadeiro. Qualquer relação dialógica, ou seja, de sentido, é interdiscursiva, e, quando essa relação se manifesta nos textos, por meio de citações ou alusões, ela passa a ser também intertextual. É possível, porém, que haja interdiscursividade sem que esse diálogo esteja estampado claramente nos textos por meio de citações diretas, então teremos somente interdiscursos. Isso ocorre porque o mesmo discurso pode aparecer em diferentes textos, produzidos de modos distintos, mas que, ao estabelecer implícitos, indicar pré-construídos, geram efeitos de sentido semelhantes. Por isso, para a análise de textos, segundo a perspectiva da Análise do Discurso, é necessário recuperar toda uma cadeia discursiva que os precede.. 4. Discurso político: linguagem, ação e poder A produção acadêmica e científica tem se voltado às temáticas que ganham relevância na sociedade. Diversas áreas, como a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia e a Linguística, têm adotado (desde a década de 1960, pelo menos) o fenômeno político como objeto de estudo e procurado, cada qual seguindo uma orientação específica, elaborar reflexões sobre os seus modos de manifestação. No caso desta pesquisa, enquadrada sobre a perspectiva da Análise do Discurso, interessa-nos trazer à luz as relações existentes entre política, ideologia, linguagem e poder, tendo como base principalmente os estudos de Charaudeau (2018)..

(36) 36. A princípio, o autor estabelece que o discurso político é o lugar em que ocorre um “jogo de máscaras”, visto que se trata de um processo resultante de uma estratégia de manipulação. Isso significa que tudo que é pronunciado dentro desse campo deve ser levado em conta não apenas pelo que é propriamente dito, mas também por aquilo que fica oculto, o não dito (CHARAUDEAU, 2018). Nesse sentido, todo ato de linguagem pressupõe a existência de dois sujeitos enunciadores que, em interação, procuram influenciar um ao outro. Como essa influência não se restringe à linguagem, mas procura fazer o outro agir de certa maneira, tomar determinada decisão, temos que linguagem e ação estão estritamente relacionadas. O sujeito que enuncia, portanto, assume uma posição de domínio, de autoridade, diante do outro, que se submete ao primeiro e é colocado em uma posição de dominado, constituindo-se, assim, uma relação de poder. Embora essa relação esteja presente em todas as manifestações da língua, em maior ou menor medida, no discurso político ela se torna mais explícita do que em outros tipos de discurso. Nessa perspectiva, seguindo a afirmação de Osakabe (1999), salientamos que a posição de domínio do enunciador não está ligada a um caráter psíquico ou social, mas sim discursivo, na medida em que é ele que tem a posse do discurso e determina os seus rumos. Por isso, o enunciador será sempre o dominador, coincidindo ou não essa dominação com algum caráter extradiscursivo. Charaudeau (2018), ao refletir sobre o discurso político e a questão do poder, apresenta três conceitos preliminares para a sua compreensão: a ação política, as instâncias e os valores, conforme se verá a seguir. Em uma sociedade democrática, a ação política organiza e determina a vida social em nome de um bem coletivo. As decisões, portanto, são tomadas de modo que beneficiem a todos, o que exige um espaço de discussão em que seja elaborado um projeto em comum. O responsável por esse projeto tem a atribuição de prezar pela concretização e eficácia dele, bem como pela avaliação das vantagens e desvantagens dos meios que levarão à sua.

(37) 37. conclusão. Linguagem e ação política estão estritamente ligadas uma vez que é por meio da primeira que a segunda se realiza. Sem linguagem, não há discussão; sem discussão, não há ação política. Isso nos leva ao conceito das instâncias envolvidas na ação política: a instância política e a instância cidadã. A primeira é a responsável pela realização da ação política, e a segunda, pela escolha de quem serão os representantes do poder. Nessa relação, estabelece-se um espaço de persuasão, conforme Charaudeau (2018), uma vez que o tempo todo a instância política procura manipular, mediante argumentos racionais ou subjetivos, a instância cidadã, persuadindo-a a aderir às suas teses ou ações. Por fim, os valores dizem respeito aos ideais defendidos nesses espaços de discussão. São eles que garantem os deveres e direitos dos indivíduos dentro de uma comunidade. No entanto, Charaudeau (2018) ressalta que é possível haver divergências em relação a esses valores, uma vez que a sociedade é composta por indivíduos e grupos heterogêneos, com opiniões distintas. Caberia, então, à ação política considerar esses diferentes posicionamentos e administrar os conflitos resultantes do confronto de ideias. Segundo Charaudeau (2018), o poder político é resultado de dois componentes da atividade humana. O primeiro é o debate de ideias, em que predomina a linguagem e há a formação e a troca de opiniões. Trata-se, segundo o autor, de um lugar de luta discursiva, em que tudo é possível (manipulação, promessas, ameaças etc.) para se conquistar a legitimidade. O segundo é o fazer político, em que há um predomínio da ação, como a tomada de decisões e a instituição de atos, de modo que a instância política, conforme dito anteriormente, exerce seu poder sobre a instância cidadã, mediante o uso de sua autoridade. Neste estudo, embora seja analisado, por uma questão de delimitação, apenas o discurso de um sujeito participante direto da vida pública dentro do campo social político, neste caso, o Presidente da República, entendemos que discurso político, conforme o que vem sendo apresentado até aqui, constitui-se em toda.

(38) 38. manifestação linguística proferida por sujeitos envolvidos em uma ação política, em que estejam estabelecidas relações de poder. Nesse sentido, a fala de qualquer cidadão pode adquirir caráter político se as condições de produção assim o permitirem, como esclarece Charaudeau (2018, p. 40), “não é, portanto, o discurso que é político, mas a situação de comunicação que assim o torna”. Em suma, o discurso é constitutivo da política, uma vez que é por meio da linguagem que se constituem espaços de discussão, de manipulação e de persuasão, nos quais estão pautados o pensamento e a ação política. “A linguagem é o que motiva a ação, a orienta e lhe dá sentido” (CHARAUDEAU, 2018, p. 39). Considerando a função da política de regulamentação social, existem ainda o que Charaudeau (2018) denomina setores de ação social, sendo os principais: o jurídico, o econômico, o midiático e o político. Esses setores – embora cada qual tenha seu desafio específico na manutenção da organização social – estão em constante interação. Apenas para citar alguns exemplos trazidos por Charaudeau: o setor jurídico depende do político para execução das sentenças que profere; o setor econômico depende do político quando se trata, por exemplo, da regulação das operações na bolsa ou do combate à inflação/deflação; por fim, o setor midiático, embora procure se distanciar do político para passar maior credibilidade, depende deste para ter acesso a certas informações oficiais. Diante desse quadro, vemos que o setor político intervém constantemente em todos os outros, mas também é influenciado por eles. Cabe ressaltar, neste ponto, uma divisão entre duas formas distintas de ver e estudar as questões que envolvem a política. Por um lado, a Filosofia Política focaliza, dentro de um plano mais reflexivo, como o próprio nome sugere, as formas de governo, os modelos de organização da sociedade, a ética que conduz ao bom convívio, os papéis de cada um dentro dessa organização, que é dividida entre um poder governante (o Estado) e o restante da sociedade (a.

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