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A proteção dos direitos transindividuais frente ao uso nocivo dos agrotóxicos

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

NANCÍ TÂNIA SOARES

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS FRENTE AO USO NOCIVO DOS AGROTÓXICOS

Ijuí (RS) 2015

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NANCÍ TÂNIA SOARES

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS FRENTE AO USO NOCIVO DOS AGROTÓXICOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Dra. Elenise Felzke Schonardie

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes anos da minha caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, a força e a coragem.

À minha orientadora Elenise Felzke Schonardie pela sua dedicação e disponibilidade.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, minha gratidão!

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“Há bastante tempo que o equilíbrio entre crescimento e preservação da natureza foi quebrado em favor do crescimento. O consumo já supera em 40% a capacidade de reposição dos bens e serviços do planeta. Ele está perdendo sua sustentabilidade.”

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RESUMO

O uso abusivo de agrotóxicos afeta diretamente o meio ambiente e a saúde humana, destruindo recursos ambientais que transcendem o indivíduo, atingindo a dignidade da pessoa humana. A presente monografia visa identificar essas garantias transindividuais, e analisar os produtos considerados agrotóxicos e afins, bem como seus riscos para o ambiente como um todo. Para tanto, a presente pesquisa discorre acerca do art. 225 da Constituição Federal que fundamenta a proteção ao meio ambiente e a Lei 7802/89, que dispõe sobre toda a cadeia produtiva de agrotóxicos e produtos afins. Para sua realização utilizou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo, a partir da coleta de dados indiretos em fontes bibliográficas acessíveis em meios físicos e na rede de computadores. Conclui-se que somente com o exercício pleno da cidadania, ocupando o espaço público disponibilizado, se manifestando, exigindo acesso às informações, pesquisar e esclarecer-se acerca dos produtos usados em todas as atividades, inclusive para alimentação, o indivíduo garantirá o seu direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, o qual também é extensivo a todos, inclusive às futuras gerações.

Palavras-Chave: Agrotóxicos. Dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais.

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ABSTRACT

Overuse of pesticides directly affects the environment and human health, destroying environmental resources that transcend the individual, reaching the dignity of the human being. This monograph aims to identify those trans-guarantees, and analyze products considered pesticides and the like, as well as their risk to the environment as a whole. Therefore, this research discusses about the art. 225 of the Federal Constitution which establishes the protection of the environment and the Law 7802/89, which provides for the entire production chain of pesticides and related products. For this research it was used the hypothetical-deductive method of approach, and indirect data in accessible literature sources in the media and on the computer network. We conclude that only with the full exercise of citizenship, occupying the available public space, manifesting, demanding access to information, doing research about the products used in all activities, including food, the individual will guarantee his right to a healthy and balanced environment, which is also extended to all, including future generations.

Keywords: Pesticides. Dignity of the human being. Fundamental rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS ... 11

1.1 Do reconhecimento dos interesses transindividuais ... 11

1.2 Da proteção constitucional dos direitos: à vida, à saúde e ao meio ecologicamente equilibrado ... 22

2 AGROTÓXICOS E SEUS EFEITOS NO AMBIENTE ... 30

2.1 Origem dos agroquímicos (tóxicos) ... 30

2.2 Características e classificação dos agrotóxicos ... 37

2.2.1 Quanto à propriedade intelectual do produto ... 38

2.2.2 Conforme o grau de toxicidade para humanos ... 38

2.2.3 Quanto à ação e grupo químico... 39

2.2.4 Quanto ao potencial de carcinogenicidade em humanos ... 44

2.3 Impactos sociais e ambientais ... 45

3 A PROTEÇÃO DO AMBIENTE PELO DIREITO BRASILEIRO: O CASO ESPECÍFICO DOS AGROTÓXICOS ... 51

3.1 Proteção jurídica do ambiente ... 52

3.2 Princípios de proteção ambiental ... 53

3.3 A previsão da constituição federal para a proteção do ambiente ... 57

3.4 Evolução histórica dos agrotóxicos, seus componentes e produtos afins ... 59

3.5 A lei dos agrotóxicos - nº 7.802/89... 63

3.5.1 O registro do agrotóxico, o fracionamento de agrotóxicos e o receituário agronômico ... 64

3.5.2 Sobre a devolução de embalagens vazias, a propaganda comercial de agrotóxicos e a Pulverização aérea ... 66

3.6 Benefícios tributários ... 71

CONCLUSÃO ... 75

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como finalidade a pesquisa sobre a história da evolução dos direitos fundamentais até à construção dos novos direitos que perpassam os interesses individuais visando encontrar argumentações consistentes frente ao uso nocivo dos agrotóxicos. Este trabalho foi motivado pela consagração do modelo de agricultura de exploração e de esgotamento, cada vez mais dependente dos agroquímicos, ao mesmo tempo em que aumentam as denúncias de contaminações, intoxicações e desenvolvimento de doenças graves, inclusive colocando em risco todo o ecossistema planetário, confrontando diretamente com o ideal de justiça e bem estar humanos, considerando que 98% dos alimentos são oriundos do solo.

Nesse sentido se justifica a preocupação com o estado do planeta que a futura geração herdará dos atuais habitantes, pois não basta prover bens materiais para o conforto e instrução, mas é necessário deixar um lugar onde possam usufruir desses benefícios, com saúde e paz.

O tema foi escolhido por tratar-se de assunto abordado nos recentes encontros do Fórum da Agenda 21, que acontecem no terceiro sábado de cada mês, no auditório da sede acadêmica da Unijuí, quando são convidados especialistas na questão em pauta para falar e debater com os presentes, objetivando informar e juntos construir alternativas viáveis para resolver ou minimizar o impacto ambiental observado.

Verifica-se, também, em determinadas épocas, a aplicação de agrotóxicos pelos agricultores, em diferentes horários do dia, sem cuidar da proteção individual, nas margens de fluxos de água, próximo a residências e animais, chegando a formar neblina mal cheirosa nas áreas de terreno mais baixo.

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Além disso, o crescente número de casos de câncer, tanto que Ijuí conta com um grande centro de tratamento para essa doença, abrangendo setenta municípios da região nos quais predomina a atividade agrícola.

Nas reuniões da ONG Aipan – Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural, são abordados assuntos de relevância ambiental, destacando-se a inquietude ante o descaso com a saúde e alimentação sadia, elementos essenciais para promover a qualidade de vida.

A concretização do trabalho de se desenvolverá pelo método da abordagem hipotético-dedutiva, a partir da investigação indireta de acontecimentos passados e constatando a sua influência na sociedade hodierna, com a obtenção de informações escritas e através da atividade de pesquisa teórica. Para tanto foram utilizadas fontes bibliográficas disponíveis na biblioteca universitária, bem como no meio eletrônico. Também auxiliarão no desenvolvimento do texto a participação nas reuniões do Fórum da Agenda 21 Local e a participação na primeira audiência pública do Estado, realizada em Ijuí no mês de abril do corrente ano, para discutir sobre os efeitos dos agrotóxicos. Por outro lado, frequentemente a semana jurídica conta com palestrantes que abordam sobre o assunto.

Por meio do presente trabalho monográfico busca-se demonstrar o alcance dos direitos transindividuais e sua convergência para a proteção dos direitos humanos e possível inibição ou controle mais intenso ao progressivo avanço instituído pelas organizações que lideram o mercado dos agrotóxicos.

Far-se-á uma análise dos direitos fundamentais, dos princípios ambientais e constitucionais, bem como da legislação específica dos agrotóxicos, em três capítulos. Inicialmente será feito um estudo dirigido referente à construção histórica dos direitos até o reconhecimento dos direitos transindividuais e como se dá a proteção constitucional dos direitos à vida, à saúde e ao meio ecologicamente equilibrado.

A sequência ocupar-se-á dos agrotóxicos e seus efeitos no meio ambiente, a origem dos agroquímicos, suas características e classificações quanto à propriedade intelectual do produto, conforme o seu grau de toxicidade para humanos, quanto à ação e grupo químico e de acordo com o potencial de carcinogenicidade em humanos.

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Finalizando o estudo, o terceiro capítulo abordará os limites legais e ambientais para utilização dos agrotóxicos e produtos afins, com análise de alguns dispositivos legais constantes no ordenamento jurídico e dos princípios que norteiam o Direito Ambiental brasileiro: da prevenção e da precaução, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador e do usuário-pagador, da cooperação, informação, da participação, da equidade intergeracional, da função socioambiental da propriedade, bem como breve apreciação sobre o art. 225 da Constituição Federal de 1988. Quanto à legislação específica dos agrotóxicos, será examinada a evolução histórica normativa, culminando com a Lei nº 7802/89 que trata do seu registro, fracionamento, receituário agronômico, devolução de embalagens vazias e propaganda comercial. Ainda se fará uma breve abordagem sobre a pulverização aérea e a possível concessão de benefícios tributários.

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1 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

No primeiro capítulo do presente trabalho será abordada a construção e a evolução histórica dos direitos fundamentais individuais até àqueles que transcendem o singular. Com o crescimento da população e o desenvolvimento das relações sociais surgem novas necessidades. Além disso, com o incremento tecnológico e a consolidação do capitalismo, marcados pela ditadura do poder econômico, houve necessidade da organização da sociedade e o fortalecimento do Estado para assegurar e garantir os direitos à vida, à saúde e ao meio ecologicamente equilibrado, bem como promover e edificar novos direitos que se fazem necessários diante de novas realidades que se apresentam, possibilitando que o cidadão tenha uma vida digna.

Com relação aos direitos e interesses fundamentais, também será tratado como se dá a sua proteção na legislação brasileira.

1.1. Do reconhecimento dos interesses transindividuais

O desenvolvimento do homem na sociedade está diretamente relacionado à sua própria evolução enquanto indivíduo, e a sua capacidade evolutiva se consagrada pelas peculiaridades inerentes à espécie humana.

O professor Sergio Lessa (2007) ensina que as transformações ocorrem mutuamente entre a natureza e o homem. Inclusive, para a garantia da sua espécie, essa interação é fundamental. Porém, o que diferencia as espécies de animais, entre si, é a capacidade de ter consciência e não a mera determinação genética. Dessa forma, a soma do gênero humano e da consciência resulta na individualidade a qual se concretizará num ser social, que definirá a intensidade e a complexidade das relações sociais. Do mesmo modo, as realidades são construídas em conjunto, de acordo com a parcela contributiva de cada um individualmente, ativa ou passivamente.

Para entender o atual panorama, a gênese e a evolução dos direitos fundamentais, bem como o estabelecimento de seu conteúdo é necessário o entendimento da evolução histórica

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da doutrina do Direito Natural, que teve origem na Grécia Antiga, sendo os primeiros expoentes o filósofo Heráclito de Éfeso (535-470 a. C.) e o escritor Sófocles (494-406 a. C.). (BEDIN, 2014).

Pautado no estudo do seu dinamismo histórico, é possível explicar o Direito Natural como a filosofia que aceita o direito positivo validado a partir da observância de um conteúdo superior e imutável, referente a uma “idéia de justiça” (BEDIN, 2014, p. 246).

Esse ideal de justiça foi construído no decorrer do tempo. Inicialmente, esse conceito se identificava com a natureza e a observação natural dos homens. Posteriormente, os ditames de justiça se relacionaram com as leis divinas. E finalmente sua compreensão apoiada no ser humano “como centro do universo e portador de um conjunto de direitos naturais inatos” (BEDIN, 2014, p. 248).

Portanto, ressalta-se que estes requisitos fundamentais também evoluíram de acordo com o delineamento de novas realidades. (STRECK, 2001).

A concepção da individualidade teve origem com as pregações ocidentais. Segundo o entendimento da vida cristã, “todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus” (BOBBIO, 1992, p.58).

O mesmo também ensina Celso Lafer (1988, p. 118-119):

A Bíblia começa com a história das origens da humanidade e, no Gênesis, está dito que “Deus criou o homem à sua imagem” (1, 26). Ensina, desta maneira, o Velho Testamento, que o homem assinala o ponto culminante da criação, tendo importância suprema na economia do Universo. [...] Na elaboração judaica deste ensinamento isto se traduz numa visão da unidade do gênero humano, apesar da diversidade de nações, que se expressa através do reconhecimento e da afirmação das Leis de Noé. Estas (Gênesis, 9, 6-17) são um direito comum a todos, pois constituem a aliança de Deus com a humanidade e representam um conceito próximo do jus naturae et gentium, inspirador dos ensinamentos do cristianismo e, posteriormente, de Grócio e Selden, que são uma das fontes das Declarações de Direitos das Revoluções Americana e Francesa. [...] O cristianismo retoma e aprofunda o ensinamento judaico e grego, procurando aclimatar no mundo, através da evangelização, a idéia (sic) de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus chamou a todos para a salvação.

A doutrina cristã acende a compreensão da importância absoluta do ser humano, induzindo-o a refletir sobre igualdade, liberdade e a vida sagrada. As relações políticas, até

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então, consistiam na subordinação vertical entre súditos e soberanos. A proteção individual não passava de privilégios que visavam manter a sociedade (cidade) para continuidade do reinado e manutenção do poder concentrado num único governante.

Conforme Gilmar Antonio Bedin (2002), a ideia de que os homens possuem direitos é uma invenção moderna, tendo surgido e se institucionalizado no decorrer do século 18, constituindo-se esse fato, em verdadeira ruptura com o passado já que o fundamento originário é o dever e não o direito. As Leis de Eshunna, o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos e a Lei das XII Tábuas, são exemplos de regras imperativas citadas por Norberto Bobbio (1992), que estabeleciam deveres e não direitos.

O modelo de sociedade reconhecido e aceito até então pode ser denominado de organicista ou holista porque considerava o Estado anterior e superior aos indivíduos, sendo seus primeiros grandes referenciais Aristóteles e Platão. Até então, o fundamento do poder residia em Deus e na tradição. (BEDIN, 2002).

Segundo o professor Darcísio Corrêa (2002), a formação do Estado moderno está vinculada à origem da discussão sobre direitos humanos, e, citando Norberto Bobbio (1992), reafirma que somente existirá paz numa sociedade onde se estabelecem relações democráticas e, para tanto, imprescindível é o reconhecimento e proteção aos direitos do homem. E prossegue:

A característica maior dos séculos XVII e XVIII foi a radical inversão de perspectiva na relação soberano/súditos. A ênfase até então posta no poder absoluto do soberano – perspectiva ex parte principis – passou a ser reivindicada para a sociedade, vista não como um coletivo mas a partir dos indivíduos isoladamente considerados – perspectiva ex parte populi, ou seja, a fonte originária do Estado e do direito foi atribuída ao povo-nação, entendido como um corpo de indivíduos isolados, livres e iguais (CORRÊA, 2002, p. 161).

A emergência deste novo modelo de sociedade contribuiu para o surgimento dos Direitos do Homem, inaugurando uma nova era: a Era dos Direitos, sendo a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) os primeiros registros orientadores dessa transformação histórica: “a emergência de um novo modelo de sociedade – modelo individualista – ou uma nova perspectiva de análise das realizações políticas – perspectiva ex parte populi” (BEDIN, 2002, p. 38). Ou seja, o Estado passa a ser compreendido como resultado de um acordo entre os indivíduos. Portanto, o

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fundamento de poder passa a ser alicerçado no consenso dos indivíduos, sendo legítimo quando oriundo da nação, e não mais a partir do poder absoluto do governante.

Essa passagem aconteceu de forma lenta e gradativa, levando em torno de dezessete séculos. De qualquer maneira, essa mudança nas relações políticas entre indivíduos, estabelece significativas transformações no plano jurídico, haja vista que a partir desse momento, deixa-se “de privilegiar os deveres para declarar os direitos. Daí, portanto, o surgimento das Declarações de Direitos” (BEDIN, 2002, p. 21).

Norberto Bobbio (1992) também explica essa inversão:

Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo (o indivíduo singular, deve-se observar), que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado; ou melhor, para citar o famoso artigo 2º da Declaração de 1789, a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem “é o objetivo de toda associação política”. Nessa relação de inversão da relação entre o indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos indivíduos, doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres; em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos (BOBBIO, 1992, p. 60).

Analisando a referida inversão de perspectivas, se observa o quanto esse momento representa para a história da humanidade. Uma conquista lenta e gradual sobre os conceitos impostos pela hegemonia dos soberanos, onde um indivíduo era o detentor do poder, submetendo todos os demais às suas determinações, sem perspectivas de defesa ou argumentação. Ainda, conforme o mesmo autor, essa inversão se torna irreversível. Principalmente as guerras com motivação religiosa, no início da era moderna assinalam para “o direito de resistência à opressão, o qual pressupõe um direito ainda mais substancial e originário, o direito do indivíduo a não ser oprimido” (BOBBIO, 1992, p. 4):

Portanto, essa transição não é pacífica, e muito marcada pelo campo religioso, sendo a liberdade religiosa um dos primeiros direitos reivindicados. Lafer (1988) explica que o movimento da Reforma, em 1517, resultou na laicização do Direito Natural, implicando num novo modelo de sociedade, fundado na razão dos indivíduos.

A dinâmica social passou a apresentar uma nova realidade: homens com anseios individuais, mas disputando espaços homogêneos. Nesse período começa a se estabelecer o mercado e a competição. Portanto, esse cenário exigia a construção de um campo coletivo.

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Para tanto, houve necessidade de reconhecer limites nos próprios direitos em favor de direitos comuns e, até mesmo do outro indivíduo, refletindo em obrigações e traduzidas na criação do Estado.

No período jusnaturalista os direitos do homem eram tidos como absolutos, porque não dependiam da sua vontade e estavam acima de qualquer norma convencional. Porém, não passava de direito abstrato. Portanto, a partir da proclamação dos direitos do homem, fonte de inspiração do constitucionalismo, o fundamento da lei “passa a ser o homem e não mais o comando de Deus ou os costumes” (LAFER, 1988, p. 123).

O mesmo autor ainda relaciona a doutrina política de Locke e “os princípios que inspiraram a tutela dos direitos fundamentais do homem no constitucionalismo”, porque essa transição do Estado absolutista para o Estado de Direito, passa pelo empenho do individualismo em limitar as arbitrariedades cometidas pelo governante. Essa preocupação resultou na divisão do poder do Estado conforme “lição clássica de Montesquieu – que tem as suas raízes na teoria do governo misto, combinada com uma declaração de direitos, ambas expressas num texto escrito: a constituição” (LAFER, 1988, p. 122).

Montesquieu idealizou sua estrutura, apoiando-se na doutrina já existente, delimitando as funções do Estado em três poderes: executivo, legislativo e judiciário, numa concepção muito semelhante a atualmente conhecida. E a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, passa a ser garantia expressa, conforme o art. 16 do referido texto.

Embora, atualmente, seja considerado um princípio fundamental da ordem jurídica das nações democráticas, porque distribui as funções do Estado, em três órgãos legitimados e autônomos, para garantir decisões justas e imparciais, Corrêa (2002, p.169) alerta:

[...] a regulação jurídica dos direitos humanos veio historicamente acompanhada e influenciada pelas condições materiais da época: o universalmente afirmado veio a ser usufruído apenas por minorias economicamente privilegiadas, detentoras dos meios de produção. Embora historicamente os direitos tenham surgido enquanto luta contra os detentores do poder, de que resultaram pactos entre senhores ou soberanos e seus súditos, num processo dialético de reconstrução ideológica, tais conquistas, proclamadas como universais e definitivas, acabaram por reduzir seus benefícios às minorias economicamente mais fortes e politicamente dominantes.

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Portanto, a descentralização do poder para impedir o cometimento de arbitrariedades e fruição de regalias observadas no período precedente, não alcançou plenamente os objetivos vislumbrados pelos seus idealizadores.

A história propriamente dita dos direitos humanos fundamentais inicia seu desenvolvimento no final da Era Moderna e início da Idade Contemporânea, instaurada numa sociedade revestida de complexidade. Embora houvesse indicativos de tutela ao indivíduo em épocas mais remotas, conforme apontamento de Alberto de Magalhães Franco Filho (2009), citando Moraes (1998):

O autor vislumbra também a influência filosófico-religiosa dos direitos do ser humano com a propagação das idéias de Buda (500 a. C.). Por fim conclui que os direitos humanos fundamentais surgem de forma mais coordenada a partir de estudos sobre a necessidade de igualdade e liberdade do homem, como as previsões de participação política dos cidadãos existentes na Grécia antiga (democracia direta de Péricles) e ainda de forma mais veemente no Direito Romano Clássico, em que, originalmente, estabeleceu-se um complexo mecanismo de interditos com vistas a tutelar direitos individuais em face dos arbítrios estatais (FRANCO FILHO, 2009, p. 31-32).

Como se pode observar, embora a “inserção definitiva da questão dos direitos do homem nas agendas política e jurídica ser recente, não se pode dizer o mesmo da luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos do homem” (BEDIN, 2002, p. 39).

Dessa forma, Bedin (2002) discorda de Bobbio (1992), ao afirmar que a história não possui uma direção, cuja tendência é o progresso do ser humano, mas sim que ela é um eterno enigma. Ao mesmo tempo em que as mutações históricas guardam seus mistérios, são motivadas pela esperança de construir a sociedade ideal.

Bedin (2002, p. 41), com base nas “reflexões de T. H. Marshall (1967), as ideias de Karl Loewenstein (1974), de Germán Bidart de Campos (1991) e C. B. Macpherson (1991), além de obras recentes de Norberto Bobbio (1992), Albert O. Hirschman (1992) e Ralf Dahrendorf (1992)”, destaca ser possível compreender e classificar as várias reivindicações de direitos do homem em fases ou gerações distintas. E propõe a seguinte classificação:

a) direitos civis ou direitos de primeira geração; b) direitos políticos ou direitos de segunda geração;

c) direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração;

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Os direitos de primeira geração surgiram no século 18, e abrangem os chamados direitos negativos, ou seja, aqueles que limitam o poder do Estado, porque a insurgência era justamente contra as arbitrariedades cometidas pelos governantes absolutistas. Conhecidos como direitos civis ou liberdades civis clássicas, destacam-se: as liberdades físicas; as liberdades de expressão; a liberdade de consciência; o direito de propriedade privada; os direitos da pessoa acusada; e as garantias dos direitos. (BEDIN, 2002).

No campo das liberdades físicas, vários autores ressaltam a importância da proteção à vida. Inclusive “John Locke, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, o colocava entre os direitos naturais e invioláveis do homem ao lado da liberdade e da propriedade” (LOCKE, 1983 apud BEDIN, 2002, p. 44).

Dessa forma, destaca ainda:

O direito à vida, é portanto, um direito que transpassa todo o mundo moderno. Além disto, este direito está tão arraigado em nosso cotidiano que qualquer iniciativa em restringi-lo torna-se, de imediato, uma questão polêmica. Com efeito, basta olharmos para as controvérsias estabelecidas diante da pena de morte, da liberação do aborto e da permissão da eutanásia para verificarmos a veracidade da afirmação anterior. (BEDIN, 2002, p.44).

Quanto ao direito de propriedade privada, o sistema capitalista está estruturado a partir desta garantia. Por isso foi, e é, o direito mais polêmico desta geração, sendo que nos últimos anos passou por profunda mutação, adquirindo, com isso um caráter mais social.

Os indivíduos passaram a observar que não bastavam limites à ação do Estado, pois eles próprios passaram a se oprimir. Dessa forma, os direitos de segunda geração despontaram no século 19, considerados direitos positivos, ou seja, direitos de participar no Estado, inclusive, permitindo a organização de grupos representantes de minorias. São os direitos políticos, destacando-se: a)“Direito ao sufrágio universal; b)Direito de constituir partidos políticos; c)Direito de plebiscito, de referendo e de iniciativa popular” (BEDIN, 2002, p. 57).

A terceira geração de direitos surgiu início do século 20 por influência da Revolução Russa, da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1923, e pode ser denominada de direitos econômicos e sociais, ou seja, são direitos garantidos através ou por

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meio do Estado. São direitos relativos ao homem trabalhador – individuais e coletivos, e referentes ao consumidor.

A quarta geração de direitos se desenvolve a partir do final da primeira metade do século 20 e teve com marco de surgimento o ano de 1948, por ocasião da Declaração Universal dos Direitos do Homem, podendo ser denominada de direitos da solidariedade, e compreende os direitos do homem no âmbito internacional. Sua titularidade é coletiva, diversos grupos de humanos, como a família, o povo, a nação, grupos regionais ou étnicos, sendo condição para continuidade da vida humana no planeta.

Pedro Lenza (2008) destaca que a inserção do ser humano numa coletividade, necessariamente demanda direitos de solidariedade. Portanto, não bastam as garantias individuais quando há grupos sofrendo repressão. Além disso, a ameaça também pode aflorar de outras nações. Dessa forma, é necessária a consciência da existência de direitos entre grupos e classes, bem como entre países.

Lafer (1988, p. 131), interpreta os direitos de quarta geração:

No contexto dos direitos de titularidade coletiva que vêm sendo elaborados no sistema da ONU é oportuno, igualmente, mencionar: o direito ao desenvolvimento, reivindicado pelos países subdesenvolvidos nas negociações, no âmbito do diálogo Norte/Sul, sobre uma nova ordem econômica internacional; o direito à paz, pleiteado nas discussões sobre desarmamento; o direito ao meio ambiente argüido no debate ecológico; e o reconhecimento dos fundos oceânicos como patrimônio comum da humanidade, a ser administrado por uma autoridade internacional e em benefício da humanidade em geral, no texto do tratado que resultou das negociações da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Cf. arts 136, 140, 154 e 157).

Percebe-se que a Organização das Nações Unidas1, criada em 1945, desempenha importante papel no âmbito internacional, visando manter a paz e a ordem mundiais.

Bedin (2002) leciona a respeito do reconhecimento do direito ao desenvolvimento incluído nesta geração, considerando-o inalienável porque habilita o ser humano e todos os povos à participação “do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele

1

“Organização internacional cujo objetivo declarado é facilitar a cooperação em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, direitos humanos e a realização da paz mundial” (WIKIPEDIA, 2015). Conta atualmente com 193 países membros.

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contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Mas atribui empecilhos para a sua concretização, apontando para a necessidade de evolução da perspectiva na ordem econômica mundial que está “centrada na ganância, no lucro, na força e na dominação” quando deveria focar na “solidariedade, na justiça e no respeito pelos povos pobres” (BEDIN, 2002, p. 75).

O direito ao meio ambiente sadio é uma preocupação recente. Revelou-se diante do crescimento urbano e o desenvolvimento tecnológico ameaçando o ambiente natural do indivíduo. “Visa a garantir um meio ambiente saudável e equilibrado, e é reivindicado pelos setores da população que estão preocupados com o futuro do planeta e com a qualidade da vida que vamos legar às próximas gerações” (BEDIN, 2002, p 76).

Bobbio (1992) considera o direito de viver num ambiente não poluído, reclamado pelos movimentos ecológicos, o mais importante desta geração. E se manifesta quanto ao momento oportuno para o nascimento de novos direitos:

[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem e podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor (BOBBIO, 1992, p. 6).

De acordo com a dissertação de Franco Filho (2009), com a evolução da sociedade e a crescente complexidade das relações intersubjetivas, decorrentes do pluralismo da sociedade contemporânea, surgem novas exigências, imputadas principalmente à desigualdade entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas através do fenômeno da Globalização.

Diante do caráter massificado2 da sociedade e o consumo desenfreado de produtos e serviços, combinado com os fenômenos do neoliberalismo, a globalização e pluralismo3, espelhados nos aspectos cultural, religioso, econômico, político, social e jurídico,

2

Grupo manipulado pelo poder dos mecanismos de comunicação e da informação, caracterizado pela passividade e indiferença (FRANCO FILHO, 2009, p. 89).

3

Sistema de muitos centros de poder sem que um esteja submisso ao outro. A sociedade torna-se fragmentada em classes e subclasses. Surgimento de corpos intermediários, movimentos sociais e associações voluntárias (FRANCO FILHO, 2009, p. 97-98).

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se sensivelmente os papéis dos indivíduos na sociedade e evidentemente o número de classes ou grupos sociais” deflagrando o “movimento de coletivização do Direito”, inaugurando o desenvolvimento dos interesses transindividuais (FRANCO FILHO, 2009, p. 89-97).

As constantes lutas reivindicatórias de direitos para grupos, e não mais para o indivíduo, isoladamente considerado, resulta no declínio do Estado de Direito Liberal, que ao tutelar direitos liberais ignorava os sociais, conduzindo às desigualdades espantosas. Com a emergência do Estado de Direito Social surge uma nova concepção normativista com a interferência do governo na economia e o mercado. Nesse contexto, o Estado passa a promover o acesso à justiça que é requisito fundamental do sistema jurídico moderno, igualitário e garantista4. (FRANCO FILHO, 2009).

Dessa forma começam a ser implementados os direitos transindividuais, embora a segunda geração de direitos já indicasse nesse sentido ao conceber um novo modelo de titularidade para os direitos humanos fundamentais. Consistem no reconhecimento de novos direitos aos indivíduos, relacionados à igualdade, enquanto grupos sociais. Suas raízes estão no Direito do Trabalho, principalmente na história do sindicalismo, na Inglaterra, no início do século 19, vinculados à luta por melhores condições de trabalho, de vida e pelo direito de se associar às instituições defensoras de direitos.

Franco Filho (2009) observa que a expressão „direitos humanos fundamentais‟ é gênero, que se divide em duas espécies: os direitos fundamentais, e os direitos humanos. Estes se subdividem em várias subespécies. Nesse raciocínio, para considerar determinado direito como subespécie de direito humano fundamental, necessariamente ele precisa situar-se no campo dos direitos humanos, ou seja, no plano internacional; ou constar no rol dos direitos fundamentais, no plano nacional.

A Constituição Brasileira de 1988 foi concebida sob influência da Constituição Portuguesa de 1976, e Espanhola de 1978 que se compõe de um sistema normativo aberto às regras e princípios. Portanto, se conclui que os direitos coletivos são direitos fundamentais, já que o legislador constituinte originário brasileiro elevou os direitos coletivos ao status de

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Teoria publicada por Luigi Ferrajoli, segundo a qual os “ordenamentos jurídicos modernos de todos os Estados democráticos da atualidade estão fundados em parâmetros sólidos de justiça, racionalidade e legitimidade”, visando a tutela das liberdades individuais diante das injustiças cometidas pelo Estado (ASSUNÇÃO, 2006).

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norma de direito fundamental inserindo-os no Capítulo I “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, integrante do Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição Federal (FRANCO FILHO, 2009, p 112).

A promulgação da Constituição Federal, concede “a tutela jurídica integral, irrestrita e ampla dos interesses transindividuais” (FRANCO FILHO, 2009, p. 120). Além disso,

Com a institucionalização dessa novel ordem constitucional coletivizada, várias normas infraconstitucionais foram editadas: Lei n. 7.853/89 (apoio às pessoas portadoras de deficiência); Lei n. 7.913/89 (ação cível pública de responsabilidade por danos causados nos investidores no mercado de valores mobiliários); Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei n. 8.429/92 (sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito); Lei n. 8.884/94 (prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica); Lei n. 10.257/01 (diretrizes gerais da política urbana); Lei n. 10.671/03 (Estatuto do Torcedor); Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso); Lei n. 12.016/2009 (Mandado de Segurança Coletivo), entre ouras (FRANCO FILHO, 2009, p. 120-121).

Conforme a legislação pode-se afirmar que os direitos ou interesses transindividuais se dividem em direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, de acordo com o disposto na Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81 [...]

Parágrafo único. A defesa coletiva está exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base5; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos ou decorrentes de origem comum (BRASIL, 2012).

Bobbio (1992) adverte que existe evidente lacuna entre teoria e prática, quando a questão se refere aos direitos do homem. Sempre há espaço para novos direitos, e perfeitamente justificáveis, porém a dificuldade está na garantia da sua efetividade. Além disso, “à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada vez mais difícil. Os direitos sociais, como se sabe, são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade” (BOBBIO, 1992, p. 63).

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Os titulares desses direitos estão previamente ligados por um liame de ordem jurídica, entre si ou com a parte causadora do evento (FRANCO FILHO, 2009, p. 126).

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Segundo Josué Mastrodi (2008), a divisão em dois tipos distintos de direito, individuais e sociais, se dá em função da estruturação do Estado fundado em direitos formais com base no ideário das revoluções liberais. Num Estado Democrático de Direito, não haveria sentido em validar tal distinção. Direitos sociais são relativos a indivíduos que estão insertos na realidade social (em grupos, classes, ou comunidades dentro da mesma sociedade), são direitos que não se assegurariam individualmente, mas de modo coletivo, pois nem mesmo os direitos individuais podem ser absolutamente garantidos pelo aparato estatal.

Os direitos sociais são as liberdades públicas, na sua dimensão positiva, dependendo do Estado para sua garantia e promoção, ou seja, para lhes atribuir eficácia e efetividade, necessariamente o Estado precisa agir. Seriam direitos a receber prestações e serviços públicos pela sociedade e/ou pelo Estado, no sentido de conferirem igualdade concreta de oportunidades a todos os membros do grupo social (MASTRODI, 2008, p. 82).

Pondera ainda o autor:

[...] a legitimidade democrática, embasada na soberania popular e no respeito aos direitos fundamentais, permite a consolidação de um Estado Democrático de Direito, a proteção aos direitos de todos os membros da sociedade passa a ser um valor de magnitude tal que a Economia não pode mais ser vista como algo que não esteja em função da proteção da dignidade humana (MASTRODI, 2008, p. 97-98).

Nessa perspectiva, O Estado é o mais poderoso mecanismo a serviço das pessoas. No entanto, essa ordem na escala de valores (de matriz liberal, que precisa ser alterada para outra de matriz social), em que eficiência econômica prevalece em prejuízo da proteção dos direitos fundamentais, faz com que todo o aparato estatal esteja a serviço dos mercados ao invés da dignidade humana, estimulando a promoção de consumidores ao invés de cidadãos.

1.2 Da proteção constitucional dos direitos: à vida, à saúde e ao meio ecologicamente equilibrado

Todo Estado deve possuir uma Constituição contendo limitações ao poder autoritário e regras de prevalência dos direitos fundamentais, consagrando um Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, de soberania popular (LENZA, 2008). E “conforme a orientação política e social vigente, irá se apresentar na história, primeiramente como liberal, depois como social e por fim como democrático.” (FRANCO FILHO, 2009, p.52).

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Dessa forma, prescreve o art. 1º da Constituição Brasileira de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”

O professor Jorge Miranda (JORNAL..., 2010, p. 10) conceitua dessa forma o Estado de Direito:

[...] forma da organização do Estado, político, da sociedade, em que há fundamentalmente um determinado conjunto de grandes princípios. Em primeiro lugar a ideia de direitos fundamentais, à pessoa humana, a sua dignidade, à proteção da pessoa humana, a sua liberdade, a sua autonomia, frente ao poder político. A pessoa humana como sujeito e não como objeto do poder político.

Conforme Franco Filho (2009, p. 34), “o estudo da história dos direitos humanos fundamentais deve ser realizado a partir do reconhecimento da dignidade humana, ou seja, o homem como ―valor-fonte.”

A vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais constitui um dos postulados no qual se assenta o direito constitucional contemporâneo, embora por si só não tenha o condão de assegurar o devido respeito e proteção. Porém nas hipóteses de violação dos deveres e direitos decorrentes da dignidade da pessoa restará uma perspectiva de efetivação por meio dos órgãos jurisdicionais (SARLET, 2011).

Mastrodi (2008, p. 31), refere-se aos direitos fundamentais da seguinte forma:

[...] os direitos fundamentais são uma proteção a características da pessoa, que, se violadas, causam danos à condição mesma de ser humano. Tais características são entendidas como fundamentais para que o homem possa atingir sua plenitude [...] que podem ser compreendidas a partir da valorização da dignidade humana. Assim, os direitos fundamentais, considerados como o conjunto de valores caros ao grupo social, relativos à proteção da vida e da dignidade das pessoas, assumem grau máximo de importância social, determinando em função de si a construção das relações sociais e jurídicas.

O atual conceito de dignidade da pessoa humana vem sendo construído desde longa data, incluindo aspectos filosóficos e históricos, como a tradição cristã, a posição social, natureza humana e liberdade pessoal, pensamento greco-romano e, ainda, o valor do indivíduo no contexto do grupo. Franco Filho (2009) atribui aos ideais cristãos a fonte mais remota e

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segura da gênese da idéia de direitos humanos fundamentais, contida no interregno temporal do final da Idade Antiga6.

Conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 52), o conceito de dignidade está “em permanente processo de construção e desenvolvimento”, embora atualmente bastante identificado com a doutrina de Kant. Para balizar sua concretização pode ser definida como “qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável,” ou seja, independe do ordenamento jurídico.

E completa:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana [...] (SARLET, 2011, p. 71).

O direito constitucional brasileiro reconhece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Entendendo-se que “é o Estado que passa a servir como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas” (SARLET, 2011, p. 75).

Em suma, o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos), muito embora – importa repisar – nem todos os direitos fundamentais (pelo menos não no que diz com os direitos expressamente positivados na Constituição Federal de 1988) tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana. [...] a partir de tais premissas, há como investir na diferenciação entre direitos humanos, no sentido de direitos fundados necessariamente na dignidade da pessoa, e direitos fundamentais, estes considerados como direitos que, independentemente de terem, ou não, relação direta com a dignidade da pessoa humana, são assegurados por força da sua previsão pelo ordenamento constitucional positivo [...] (SARLET, 2011, p. 101-102).

Segundo o autor, a dignidade humana abarca, obrigatoriamente, “o respeito e proteção da integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa,” inclusive o direito à

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Antiguidade ou Idade Antiga compreende o período que se estendeu desde a invenção da escrita (4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). (FRANCO FILHO, 2009, p. 33).

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propriedade, haja vista seu teor social constitucionalmente estabelecido (SARLET, 2011, p. 105-107).

Dessa forma, “os direitos sociais, econômicos e culturais, seja na condição de direitos de defesa (negativos), seja na sua dimensão prestacional (atuando como direitos positivos), constituem exigência e concretização da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2011, p. 108). Portanto, todos os órgãos, institutos e ofícios estatais, inclusive relações entre particulares têm o dever de respeitar e proteger o referido princípio.

A dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais são parâmetros da interpretação hermenêutica porque são pilares “de qualquer ordem jurídica verdadeiramente democrática” (SARLET, 2011, p. 100).

Jose Luis Bolzan de Morais (1996), ao referir-se à normatização de novos conteúdos e à necessária adequação da normatividade jurídica, em face das transformações nas interações sociais, aduz que tais mutações devem ser acompanhadas pelo Direito, expandindo seus limites materiais e substanciais

De acordo com o professor Sergio Ricardo Fernandes de Aquino (2010), o Direito é uma criação humana “capaz de integrar os indivíduos, organizar a vida – individual e/ou coletiva” (AQUINO, 2010, p. 11). Entretanto, quando as relações humanas suprimem valores morais e orientadores, o Direito assimila essa imperfeição, contemplando outros pilares que não o ser humano.

Peter Häberle (2010) ilustra que a sociedade se constrói a partir das priorizações do Estado de Direito, com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, e com os direitos de participação cultural e social.

O mesmo autor ao referir-se à importância do cidadão para o desenvolvimento do bem-estar social destaca que sua contribuição é relevante, enquanto eleitor, no processo político de formação de opinião, ou também como voluntário, mesmo que possa, ainda, ser egoísta, no sentido da “mão invisível do mercado” (HÄBERLE, 2010, p. 15).

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Na avaliação de Häberle (2010), a idéia de abertura da interpretação constitucional implica na sensibilidade para novos desenvolvimentos, superação justa de problemas sociais e o entendimento de Constituição como um “processo aberto”, possibilitado por meio da admissibilidade de votos divergentes nos processos judiciais (STF), democracia participativa e ativismo judicial.

Conclui o autor, que “o ponto de partida para tudo é a dignidade da pessoa humana e uma proteção da vida privada mais efetiva, ambas seguidamente ameaçadas pelo desenvolvimento tecnológico,” e que o texto constitucional não se resuma às palavras escritas, mas que seja convertido em realidade (HÄBERLE, 2010, p. 15).

Referente aos princípios, Sarlet (2011, p. 75) observa que a atual Constituição brasileira “foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais”, estrategicamente localizado de acordo com a sua importância, “na parte inaugural do texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais.”

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer (2010), a noção de direitos que garantam um mínimo existencial, inclui dentre outros: moradia digna, saúde, saneamento básico, educação, renda mínima, assistência social, alimentação adequada, bem como a qualidade do ambiente, se expressando dessa forma:

Dessa compreensão, pode-se conceber a exigência de um patamar mínimo de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos, para aquém do qual a dignidade humana estaria sendo violada, no seu núcleo essencial. [...], especialmente em razão da sua imprescindibilidade à manutenção e à existência da vida e de uma vida com qualidade, sendo fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante de complexo bem-estar existencial (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p.13).

Portanto, cabe respeitar o enquadramento atribuído pelo legislador constituinte à República Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito, o que deve ser reproduzido na sua organização e funcionamento, superando o projeto neoliberal que visa a desconstitucionalização do país a partir da flexibilização do conteúdo constitucional.

Outro direito social relevante é a saúde. Sua definição no modelo do individualismo liberal estava atrelado às possibilidades individuais de acessar ao serviço médico. Resumia-se,

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dessa forma, à cura da doença. A partir do desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social, passa a vigorar o direito à prestação indistintamente, reivindicado pelas associações de indivíduos como o direito coletivo de prevenir-se da doença. (MORAIS, 1996, p. 188):

Talvez possamos vê-la como um dos elementos da cidadania, como um direito à promoção da vida das pessoas, um direito de cidadania que projeta a pretensão difusa e legítima a não apenas curar, evitar a doença, mas ter uma vida saudável, expressando uma pretensão de toda(s) a(s) sociedade(s) a um viver saudável, como direito a um conjunto de benefícios que fazem parte da vida urbana, incluídos nesta os referentes à preservação ambiental. [e] A OMS, no Preâmbulo de sua Constituição, de 1946, enuncia a saúde como completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença, relacionando-a com a felicidade, harmonia e segurança dos povos (MORAIS, 1996, p. 189).

Nessa análise, a saúde pode ser apreciada como necessária para promover a qualidade de vida, ou como um interesse difuso, fazendo parte do patrimônio comum da humanidade, não podendo um único indivíduo apropriar-se desse direito, ou como um direito à promoção da vida das pessoas.

Em consonância, Sarlet e Fensterseifer (2010, p. 30):

A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do artigo 225 da CF88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só são possíveis, dentro dos padrões mínimos exigidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personalidade humana, num ambiente natural com qualidade ambiental. O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural. A Organização Mundial da Saúde estabelece como parâmetro para determinar uma vida saudável “um completo bem-estar físico, mental e social” [...] Seguindo tal orientação, a Lei n. 8.080/90 [...] registra o meio ambiente como fator determinante e condicionante à saúde humana (art. 3º, caput).

A consagração do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental resulta no reconhecimento de sua “condição básica para a vida, indispensável à promoção da dignidade e do bem-estar humanos, e para a concretização do conteúdo de outros direitos humanos.” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 31). E explicam a relação existente entre o direito à qualidade ambiental e os direitos sociais:

A proteção ambiental, portanto, está diretamente relacionada à garantia dos direitos sociais, já que o gozo desses últimos é dependente de condições ambientais favoráveis, como, por exemplo, o acesso à água potável (através de saneamento básico, que também é direito fundamental social integrante do conteúdo mínimo existencial), à alimentação sem contaminação química (por exemplo, de agrotóxicos e poluentes orgânicos persistentes), a moradia em área que não apresente poluição atmosférica, hídrica ou contaminação do solo (como, por exemplo, na cercania de

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áreas industriais) ou mesmo riscos de desabamento (como ocorre no topo de morros desmatados e margens de rios assoreados) (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 32-33).

A injustiça ambiental fica evidenciada nos cidadãos desfavorecidos economicamente, os quais já estão prejudicados quanto ao acesso aos direitos sociais essenciais, como à água, saneamento básico, educação, saúde, alimentação, dentre outros. Inclui-se, ainda, o acesso restringido às informações de cunho ambiental, limitando a sua liberdade de opção para evitar determinados riscos ambientais por exclusiva falta de conhecimento.

Klaus Bosselmann (2010) reafirma a interligação dos direitos humanos e a proteção ambiental. Daí uma tendência favorável ao reconhecimento, no direito internacional e europeu, das privações de direitos humanos consagrados a partir da degradação ambiental, porém, ainda insuficientes para promover e assegurar o direito ao meio ambiente saudável. E enfatiza a dificuldade de êxito em processos judiciais que busca indenizações relacionadas com ameaças à saúde ambiental, principalmente quanto à superação do ideário individualista liberal, quando os sistemas jurídicos foram concebidos para a tutela de interesses individualizados, ou seja, a tutela jurisdicional foi planejada para tratar de assuntos convenientes para o Estado:

Entretanto, o cerne individualista dos direitos humanos não conduz a essa espécie de processo. Mesmo onde grupos ambientalistas e outros que defendem interesses públicos sustentam que há violações de direitos de populações inteiras, o critério jurídico é o direito individual à vida ou à propriedade. Isso fomenta uma lógica reducionista, quase absurda: quanto maior é o número de pessoas ameaçadas, tanto menos prováveis são as violações de direitos humanos. Isso indica a existência de um abismo dramático entre a moralidade e a legalidade da mudança climática, sendo a questão a ser discutida a melhor forma de eliminar o abismo (BOSSELMANN, 2010, p. 79).

E, de acordo com Bolzan de Morais (1996), a processualística7 carece de reformulação, na sua substancialidade, ou seja, na essência, nas especificidades normativas, para operar a efetiva proteção das relações transindividuais, haja vista, que a legislação está assentada em bases do Estado liberal, onde o indivíduo, considerado isoladamente, era o titular exclusivo da pretensão. No campo do direito processual, é preciso inserir “atores coletivos, novas respostas compatíveis com tais pretensões, novos procedimentos, etc, frutos mesmo da novidade com que se está lidando” (MORAIS,1996, p. 192).

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A ação popular é um instrumento disposto no Direito para tratar da defesa dos interesses da coletividade, descrito dessa forma por Bolzan de Morais (1996, p. 195):

A ação popular é um mecanismo colocado à disposição da cidadania – só o cidadão, aquele alistado eleitoralmente, terá titularidade ativa para sua propositura (pré– requisito presente em toda a história constitucional republicana) – para a defesa de interesses caracteristicamente próprios á coletividade. Ou seja: ela não se presta para garantir pretensões de caráter individual. Os benefícios porventura produzidos serão gozados pela coletividade como um todo.

Outra ferramenta é a ação cível pública, descrita nesses termos por Morais (1996, p. 196):

A Lei 7.347/85 instituiu uma nova arma processual para a defesa, esta sim, privilegiada dos interesses transindividuais difusos, dando legitimidade ativa não só a entidades públicas, seja o Ministério Público, as pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, bem como as associações civis que objetivem a proteção do meio ambiente ou a defesa do consumidor. (Lei 7.347/85, art. 5º).

Diante do exposto, cabe ressaltar a importância da cidadania, embora na sua origem tenha sido uma conquista da burguesia, marcada pelo ideário positivista-liberal:

[...] direitos de cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria humanidade. [...] pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente (CORREA, 2002, p. 217).

É através do direito de usufruir de seus direitos que o cidadão construirá um ambiente favorável para sua convivência pacífica e em harmonia com os demais membros da comunidade, embora essa construção aconteça lentamente, através de conquistas e superações de conflitos com forças sociais organizadas e com interesses diversos. Portanto, o indivíduo não pode abster-se desse direito à manifestação sob risco de contribuir para a continuidade da discriminação, exclusão, desigualdade social e outras privações essenciais para a promoção da dignidade da pessoa humana.

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2 AGROTÓXICOS E SEUS EFEITOS NO AMBIENTE

Desde sua origem, cuja data precisa não encontra consenso entre cientistas, filósofos e historiadores, o homem sempre dependeu dos recursos naturais para sua existência. Valendo-se de sua capacidade criativa e inteligência, o Valendo-ser humano deValendo-senvolveu tecnologias, que aos poucos estão transformando o ambiente, tornando-o cada vez mais artificial. Não raro, essas alterações violentam e destroem recursos essenciais para as pessoas, produzindo desastres e desequilíbrio ambiental. Nas próximas páginas será analisado um dos vilões, responsável pela contaminação e desequilíbrio ambiental, interferindo diretamente na qualidade de vida humana.

2.1 Origem dos agroquímicos (tóxicos)

A população do planeta cresceu mais de 40 vezes desde o nascimento de Cristo. Presume-se que, mais ou menos, 150 milhões de pessoas existiam no ano 1. Esse número dobrou em 1350, quadruplicou em 1700 e chegou ao primeiro bilhão em 1804. (WIKIPÉDIA, 2015).

Porém, apesar de tragédias humanas, como as guerras, e ambientais como epidemias e contaminações, foi a partir de meados do século 20, mais precisamente 1950, que aconteceu um crescimento mais expressivo, quando a população mundial passou de 1,6 bilhão para 6,2 bilhões de pessoas.

Atualmente, verifica-se um crescimento menor, embora ainda desordenado, haja vista que 75% das pessoas estão em nações subdesenvolvidas, portanto com reduzido poder aquisitivo, baixa escolaridade e limitado acesso aos meios de comunicação atualmente disponíveis.

A capacidade humana de produção de alimentos, qualidade de vida e a sustentabilidade do planeta são circunstâncias determinantes para balizar o crescimento

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populacional global8. Essa necessidade de produzir mais alimentos em menos tempo motivaram os governantes a fomentar o setor industrial, promovendo o surgimento das máquinas agrícolas, as indústrias para produção de vestuário, utensílios domésticos, eletrodomésticos, automóveis, etc.

Percebeu-se que não bastava produzir alimentos: era necessário conservá-los, tanto para evitar deterioração quanto sua destruição pelas pragas. Dessa forma iniciou-se a aplicação de inseticidas nas lavouras e nos armazéns, bem como o uso dos adubos químicos.

Inicialmente, as experiências e estudos para criar produtos tóxicos artificiais baseavam-se no conhecimento dos ancestrais, que utilizavam plantas tóxicas para se proteger. A toxicidade oriunda de plantas agindo por contato ou ingestão acometia aquela espécie determinada e a própria natureza fazia com que desaparecesse. Não havia interferência na cadeia alimentar.

Originalmente, as pesquisas estavam fundadas nas demandas localizadas. Havia a necessidade de combater muitas doenças transmitidas por insetos, dentre elas a malária e a febre amarela. Então, artificialmente, se buscou evoluir para produtos mais eficientes e com efeito prolongado, principalmente valendo-se dos resultados obtidos com o uso de substâncias venenosas durante a 2ª Guerra Mundial.

Aliado ao avanço científico, o homem descobriu que poderia fazer uso dos produtos tóxicos para auferir determinadas vantagens. Dessa forma, por ser considerada uma inovação tecnológica, não houve o devido cuidado com seus efeitos colaterais. Os inventores da proposta não se preocuparam com o fato da inserção de produtos artificiais maléficos no ambiente e o seu uso generalizado, que estes não seriam eliminados naturalmente, portanto, “seriam acumuladas em concentrações cada vez maiores nos solos, nas matas, e nas águas” (BRANCO, 1990, p.12).

Não bastasse o impacto populacional no planeta, verifica-se que a modernização tecnológica, ao criar e industrializar uma nova substância provocou sensíveis e notáveis alterações sociais, econômicas, políticas e culturais na sociedade contemporânea.

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De acordo com Américo Luís Martins da Silva (2005), a aplicação de produtos químicos, principalmente os agrotóxicos e os fertilizantes, é uma das principais razões da poluição do solo, ar, água superficial e subterrânea, e dos seres humanos.

Ainda, segundo o mesmo autor, o consumo de agrotóxicos seus componentes e produtos afins, está crescendo de maneira desproporcional com o conhecimento e informações sobre sua ação no ambiente, acarretando contaminações constatadas através de vestígios na atmosfera, na água, no solo e na cadeia alimentar afetando a saúde dos animais.

Outrossim, quanto a constituição dos fertilizantes e os danos ambientais, Américo Silva (2005, p 295), destaca:

Fertilizantes contêm fosfatos e nitrogênio e podem elevar os níveis normais desses elementos encontrados nas águas de superfície; em excesso, tais elementos são prejudiciais à saúde. Produtos químicos de fertilizantes destroem o equilíbrio natural do solo e poluem as fontes de água. Outrossim, o óxido nitroso dos fertilizantes é um poluente atmosférico e contribui para o efeito estufa.

Portanto, verifica-se que há méritos e prejuízos em decorrência do emprego de fertilizantes no solo, que refletirão em todo o ecossistema. As técnicas primitivas que respeitavam os ciclos do solo, alternando variedades no mesmo local, desfavoreciam o surgimento de doenças e o desenvolvimento de pragas e foram completamente abandonadas porque representavam prejuízos para o desenvolvimento.

Já o uso de pesticidas foi potencializado a partir de 1950, em todo o planeta. Foi nessa época, pós-guerra, que despontou a sociedade de consumo. Os Estados Unidos liderou a reconstrução européia e japonesa, promovendo a integração do mercado internacional. O capitalismo se desenvolveu extraordinariamente, pois as fronteiras se abriam para receber as instalações dos “conglomerados industriais transnacionais”, permitindo o ingresso de países subdesenvolvidos na “economia industrial moderna” (MAGNOLI; ARAUJO, 1998, p. 53).

O período não foi diferente para o Brasil, que passou de agroexportador para o modelo urbano-industrial, num ritmo muito acelerado até meados da década de 1970. A partir de 1980 a indústria química começa a destacar-se, e em 1985 foi responsável por mais de 20% da produção industrial brasileira, embora empregasse apenas 5% do total de operários. (MAGNOLI; ARAUJO, 1998).

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De acordo com os professores Argemiro J. Brum e Vera Lúcia Trennepohl (2005, p. 88), é justamente nessa época que o Brasil inicia sua escalada no consumo de agrotóxicos, incentivado principalmente pelas “linhas de crédito oferecidas pelo governo”, com a implantação do Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA).

Atualmente o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking como o maior consumidor mundial de uso de agrotóxico, embora no período entre 1975 e 2007 sempre se mantivesse entre os seis maiores mercados do planeta. Além disso, é o principal destinatário dos agrotóxicos proibidos no exterior. (LUCENA, 2015).

Segundo Fábio H. B. Terra (2008), esse desenvolvimento foi favorecido pelo processo de industrialização da economia brasileira combinado com a modernização da base técnico-produtiva do setor agrícola, difundindo a mecanização e o uso intensivo de agrotóxico, sementes tratadas e fertilizantes. Associa-se o incremento nas políticas públicas para financiamento agrícola e a internacionalização da produção de agrotóxicos pelas indústrias, em nível mundial.

Quanto ao sucesso no uso dos agrotóxicos, descreve Américo da Silva (2005):

Em muitas partes do planeta, pesticidas químicos têm contribuído para elevar a produtividade agrícola e reduzir as perdas antes e após a colheita. Na Índia, o uso de pesticidas aumentou 40 (quarenta) vezes em meados dos anos 50 e meados dos anos 80, de cerca de 2000 (duas mil) toneladas por ano, para mais de 80.000 (oitenta mil) toneladas por ano. Aproximadamente metade das plantações na Índia é tratada com pesticidas químicos. Na década de 60 esse índice chegava apenas a 5% (cinco por cento). Nos Estados Unidos, o uso de pesticidas na agricultura elevou-se de menos de 453 toneladas por ano durante a década de 50 para mais de 136.000 toneladas por ano em 1965. Entre 1965 e 1982, o uso de pesticidas na agricultura aumentou 2,6 vezes (...) Cerca de 70% das terras de cultivo dos EUA (excluindo as terras usadas para o cultivo de forragem) recebem algum tipo de pesticida, incluindo 95% (noventa e cinco por cento) das plantações de milho soja e algodão. Apesar desse uso maciço de pesticidas, a cada ano cerca de 37% (trinta e sete por cento) das safras dos EUA são perdidas com as pestes. O índice de perdas nas safras com insetos têm praticamente dobrado, desde 1945, apesar do aumento de 10 (dez) vezes no uso de pesticidas (SILVA, Américo, 2005, p 295-296).

Os prejuízos com a saúde, decorrentes do uso abusivo dos agrotóxicos, implicam recursos financeiros elevados para a saúde pública. Em torno de 2 milhões de casos de intoxicação por ano são registrados no planeta, inclusive com alto número de óbitos.

Nos Estados Unidos, cerca de 45.000 (quarenta e cinco mil) envenenamentos acidentais ocorrem anualmente; cerca de 3.000 (três mil) pessoas chegam a ficar

Referências

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