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Maternando nos limites do tempo e do sistema prisional

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE ENFERMAGEM

MARIA DO CARMO SILVA FOCHI

MATERNANDO NOS LIMITES DO TEMPO E DO SISTEMA PRISIONAL

CAMPINAS 2018

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MARIA DO CARMO SILVA FOCHI

MATERNANDO NOS LIMITES DO TEMPO E DO SISTEMA PRISIONAL

Tese apresentada à Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ciências da Saúde na Área de Concentração: Enfermagem e Trabalho.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA HELENA BAENA DE MORAES LOPES COORIENTADORA: PROFA. DRA. ANA MÁRCIA CHIARADIA MENDES CASTILLO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA DO CARMO SILVA FOCHI, ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARIA HELENA BAENA DE MORAES LOPES E COORIENTADA PELA PROFA. DRA. ANA MÁRCIA CHIARADIA MENDES CASTILLO

CAMPINAS 2018

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO MARIA DO CARMO SILVA FOCHI

ORIENTADOR(A): PROF(A). DR(A). MARIA HELENA BAENA DE MORAES LOPES

COORIENTADOR(A): PROF(A). DR(A). ANA MÁRCIA CHIARADIA MENDES CASTILLO

MEMBROS:

1. PROF(A). DR(A). MARIA HELENA BAENA DE MORAES LOPES

2. PROF(A) DR(A) REGINA SZYLIT

3. PROF(A) DR(A) CRISTINA MARIA GARCIA DE LIMA PARADA

4. PROF(A) DR(A) LUCILA CASTANHEIRA NASCIMENTO

5. PROF(A) DR(A) LUCIANA DE LIONE MELO

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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Feliz é quem acha a sabedoria; feliz é aquele que alcança o entendimento. Provérbios 3:13. Nova Almeida Atualizada

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AGRADECIMENTOS

Minha gratidão!

A Deus, por ter me sustentado nesta importante trajetória.

À minha linda família, Léo e nossos filhos Alexandre, Allan e André, e à Paloma, minha nora. À princesa Alanna, por ter me inspirado com seu rosto angelical e por ter ficado, neste período, sem os mimos da vovó!

Às mulheres da minha vida: minha querida mãe e minhas cinco irmãs, presentes do céu, nesta terra gigante.

Às outras mulheres da minha vida: minha querida sogra Nona Oliva (in memoriam), que me apoiou e amou como filha, e às minhas cunhadas-irmãs.

À minha irmã Alexandra, pelo exemplo e superação.

Aos meus pais que me ensinaram a não desistir e, acima de tudo, a escolher a vida. Aos meus irmãos e amigos, José Geraldo, Nildete, Ângela, Carmem, Zita e Alexandra.

À Dra. Rosa Emília, exemplo de amor ao próximo e humildade, ao priorizar mulheres em cárcere, em trabalho voluntário.

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Helena Baena de Moraes Lopes, por ter acreditado em mim e, acima de tudo, nos momentos mais difíceis, ter sido paciente e amorosa. Seu afeto me permitiu prosseguir!

À minha coorientadora, Profa. Dra. Ana Márcia Chiaradia Mendes Castillo, por ter me acolhido e me apresentado à TFD e ao IS – seus ensinamentos fizeram toda a diferença! Às diretoras e aos trabalhadores das unidades prisionais, que me acolheram neste estudo. Às mães que participaram do estudo, pois, sem o consentimento delas, esta pesquisa não seria possível.

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RESUMO Introdução: Mulheres grávidas em situação de cárcere experimentam alta vulnerabilidade de saúde, considerando as dificuldades e limitações vividas nesta condição, podendo resultar em tragédias ao final do processo de gestação, com mortes maternoinfantis consideradas evitáveis. Os filhos podem ser separados precocemente da mãe, exacerbando sua condição de sofrimento e privação do contato com o recém-nascido. Outros permanecerão com a mãe e experienciarão a condição de prisão e as limitações por ela impostas. Objetivos: Compreender as vivências do parto e da maternagem de mulheres detidas em unidades prisionais no interior do estado de São Paulo. Pretende-se, ainda, conhecer as interações sociais presentes na experiência de ser mãe no sistema prisional e as estratégias para lidar com as condições oferecidas para a maternagem nesse sistema. Método: Tratou-se de estudo qualitativo, fundamentado nos referenciais teóricos e metodológicos do Interacionismo Simbólico e da Teoria Fundamentada nos Dados, respectivamente. Para o levantamento e a análise comparativa dos dados, foram definidos dois grupos amostrais, no total de 17 mulheres que deram à luz e maternaram na prisão. Os dados foram coletados por entrevistas e observação não participante e ocorreram em duas penitenciárias. Os dados foram validados por duas mulheres. Resultados: As mulheres vivenciam o processo em duas vertentes: maternar na prisão e separar-se do filho na prisão. Do processo de análise emergiram seis categorias: Incorporando a identidade materna e a maternagem no Sistema Prisional; Desvelando a maternagem diferente na prisão; Adaptando-se aos limites da maternagem na prisão; Expectando o amor e a identidade materna pelo filho; Refletindo o ser mãe na prisão, para si e para o filho; e Vivenciando a separação do filho. A categoria central foi definida pela integração das categorias e nomeada como Maternando nos limites do tempo e do sistema prisional. O modelo teórico defende a tese de que mulheres que dão a luz e maternam na prisão constroem significados que orientam a maternagem a partir das interações que constituem essa experiência; isso as leva a continuar maternando após a separação, por meio do cuidado possibilitado por avó materna, visitas, cartas e presentes, e a refletir e a sofrer com a separação, desde a gestação. Considerações finais: Considera-se que mulheres em estabelecimento prisional vivenciam uma maternagem diferente, visto que ela ocorre nos limites do tempo e do sistema prisional. Para interagir com esses limites, as mulheres se utilizam de estratégias como entregar o filho para a avó materna e continuar maternando à distância. O modelo teórico desenvolvido poderá contribuir para o manejo da maternagem no

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interior das prisões pelos profissionais de saúde, em especial para a enfermagem. Do mesmo modo, poderá subsidiar propostas de políticas públicas em atendimento a essa demanda.

Linha de Pesquisa: Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem.

Palavras-chave: Saúde da Mulher. Parto. Relações Mãe-Filho. Aleitamento Materno. Prisões. Enfermagem. Direitos Humanos

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ABSTRACT Introduction: Pregnant women in jail experience high health vulnerability, considering the difficulties and limitations experienced in this condition, which can result in great tragedies at the end of the gestation process with maternal and infant death considered to be preventable. Children can be separated early from the mother, exacerbating their condition of suffering and deprivation of contact with the newborn. In others, they will remain with the mother and experience the prison condition and the limitations it imposes. Objectives: To understand the experiences of childbirth and maternity of women in prison, held in prisons in the interior of the state of São Paulo. It is also intended to know the social interactions present in the experience of being a mother in the prison system and what are the strategies to deal with the conditions offered for mothering in the prison system. Method: This was a qualitative study, based on the theoretical framework of the Symbolic Interactionism and methodological of the Grounded Theory. For the data collection and analysis, two sample groups were defined in a total of 17 women who gave birth and had mothering in prison. Data were collected through interviews and non-participant observation and occurred in two penitentiaries located in the interior of the state of São Paulo. The data were validated by two women. Results: Women experience the process in two ways: mothering in prison and separation from the child in prison. From the analysis process emerged six categories: Incorporating maternity and mothering into the Prison System; Unveiling the different maternity in prison; Adapting to the limits of mothering in prison; Expecting love and motherhood for the child; Reflecting being a mother in prison for herself and the child, and Experiencing the separation of the child. The central category was defined by the integration of the categories and named as Mothering within the limits of time and the prison system. The theoretical model defends the thesis that women who give birth and mothering in prison construct meanings that guide the mothering from the interactions that constitute this experience, this leads them to continue to be mothering after the separation through the care of the maternal grandmother, visits, letters and gifts and to reflect and suffer with separation, since the gestation. Final considerations: Women in prisons are considered to be experiencing a different motherhood, since it occurs within the limits of time and the prison system. In order to interact with these limits, they use strategies such as delivering the child to the maternal grandmother and continuing to be mothering the distance. The developed theoretical can contribute to the knowledge and management of mothering in prisons

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for health professionals, especially for nursing. Likewise, it might subsidize public policy proposals in response to this demand.

Keywords: Women's Health. Parturition. Mother-Child Relations. Breast Feeding. Prisons. Nursing. Human Rights

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura1 – Quadro de exemplo de codificação aberta. Campinas, SP, 2018. ... 54

Figura 2- Quadro de exemplo de agrupamento de códigos e atribuição de conceitos. Campinas, SP, 2018. ... 54

Figura 3- Quadro de exemplo de codificação axial. Campinas, SP, 2018. ... 55

Figura 4- Quadro do exemplo de memorando ... 56

Figura 5- Diagrama Entrevista 14. Campinas, SP, 2018. ... 57

Figura 6-Quadro das categorias e subcategorias do Fenômeno um. Campinas, SP, 2018 ... 61

Figura 7- Diagrama Fenômeno 1 – Maternar na Prisão. Campinas, SP, 2018. ... 76

Figura 8- Quadro das categorias e subcategorias do Fenômeno 2 - Separar-se do filho na prisão. Campinas, SP, 2018 ... 77

Figura 9- Diagrama Fenômeno 2- Separar-se do filho na prisão. Campinas, SP, 2018 ... 89

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LISTA DE TABELAS Tabela 1- Grupos amostrais, número e tipo de participantes e locais de coleta de dados.

Campinas, SP, fevereiro de 2017 a março de 2018. 50

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BVS Biblioteca Virtual de Saúde BDEN Base de Dados de Enfermagem CNS Conselho Nacional de Saúde CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CPB Código Penal Brasileiro

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional ESP Equipes de Saúde no Sistema Prisional HIV Vírus da Imunodeficiência Humana

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IST Infecções Sexualmente Transmissíveis LEP Lei de Execução Penal

MS Ministério da Saúde MJ Ministério da Justiça

PNAB Plano Nacional da Atenção Básica

PNAMPE Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional

PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher PNH Política Nacional de Humanização

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PNAISP Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade

PNSSP SAP

Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário Secretaria de Administração Penitenciária

SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade

SCNES Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde SUS Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 18

1.1 Distintas e relacionadas: Identidade Materna e Maternagem ... 20

1.1.1 A Identidade Materna: ser mãe/ser filho ... 20

1.1.2 O papel do ambiente, segundo Winnicott ... 22

1.1.3 A Maternagem ... 24

1.2 O Sistema Prisional Feminino ... 27

1.3 A maternagem no sistema prisional... 30

1.3.1 As implicações da prisão para as internas ... 30

1.3.2 O “primeiro lar”: a penitenciária feminina ... 31

1.3.3 Ser mãe e ser presa: particularidades desta concorrência ... 33

2. OBJETIVOS ... 36

2.1. Geral ... 36

2.2. Específicos ... 36

3. MÉTODOS... 37

3.1 Equipe de pesquisa e reflexividade ... 37

3.2 Desenho do estudo ... 38

3.2.1 Referencial Teórico – Interacionismo Simbólico ... 39

3.2.1.1 Pressupostos do Interacionismo Simbólico ... 40

3.2.1.2 Conceitos ... 41 3.2.1.2.1 Sociedade ... 41 3.2.1.2.2 Self ... 42 3.2.1.2.3 Mente ... 42 3.2.1.2.4 Ação Humana ... 43 3.2.1.2.5 Interação Social ... 44

3.2.1.2.6 Assumir o papel do outro... 44

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3.2.1.2.8 Ser humano ... 45

3.2.2 Referencial metodológico – Teoria Fundamentada nos Dados ... 45

3.2.2.1 Cenário... 47

3.2.2.1.1 Penitenciária A ... 47

3.2.2.1.2 Penitenciária B ... 48

3.2.2.2 Seleção dos participantes ... 48

3.2.2.3 Coleta de Dados ... 51

3.2.2.4 Análise de dados e achados ... 53

3.2.2.4.1 Análise dos dados ... 53

3.2.2.4.1.1 Codificação aberta ... 53

3.2.2.4.1.2 Codificação axial ... 54

3.2.2.4.1.3 Sistematizando o material empírico para a análise ... 55

3.2.2.4.1.4 Desenvolvendo memorandos e construindo diagramas... 55

3.2.2.4.1.5 Codificação seletiva ... 57

3.2.2.5 Validando o modelo teórico ... 58

3.2.2.6 Apresentação dos dados... 58

3.3 O rigor da pesquisa ... 59

3.4 Aspectos éticos ... 59

4. RESULTADOS ... 60

4.1 Fenômeno 1- Maternar na Prisão... 60

4.2 Fenômeno 2- Separar-se do filho na prisão ... 76

4.3 Apresentando a Categoria Central ... 89

4.3.1 Modelo teórico ... 90

4.3.1.1 Contexto... 91

4.3.1.2 Condição Causal ... 94

4.3.1.3 Condição interveniente ... 97

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4.3.1.5 Consequências ... 102

4.3.2 Síntese da categoria central ... 104

5 DISCUSSÃO ... 109

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 121

7 REFERÊNCIAS ... 127

8. APÊNDICES ... 136

APÊNDICE 1- ROTEIRO DE PESQUISA ... 136

APÊNDICE 2- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO . 138 9. ANEXOS ... 142

ANEXO 1- FORMULÁRIO DE OBTENÇÃO DE ANUÊNCIA PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA NAS UNIDADES PRISIONAIS DE SÃO PAULO ... 142

ANEXO 2- PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP- UNICAMP ... 144

ANEXO 3- PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP- SECRETARIA DEADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO ... 153

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1. INTRODUÇÃO

Apresentação: escolha e desafio!

Em meu percurso profissional, minha experiência se consolidou pela assistência direta ao paciente, que exerci no ambiente hospitalar na área da saúde da mulher e da criança e também em pronto-socorro. Todavia, foi na atenção primária à saúde que a experiência com a díade mãe-bebê se tornou mais profunda e intensa.

Nos últimos quinze anos, vivenciei a gestão de serviços de saúde, na atenção primária. E foi na gestão de uma unidade básica de saúde (UBS) que tive contato com a população carcerária, pois, no território da UBS, havia uma penitenciária feminina.

Logo, me deparei com uma demanda de mais de mil mulheres, que recebiam uma assistência muito restrita à época e, entre elas, uma parcela de gestantes que, por não haver uma equipe de saúde sólida e suficiente na penitenciária, não recebiam assistência pré-natal. Ao me apropriar da condição de saúde e da grande vulnerabilidade a que estavam expostas, aproximei-me daquele serviço e, em algum tempo, sistematizamos a assistência pré-natal, que passou a ser oferecida às internas.

Tive, então, a oportunidade de vivenciar a organização do serviço, assim como a assistência a essas mulheres, através de acompanhamento pré-natal, campanhas de vacinação, grupo para gestantes e outras atividades. Esta vivência permitiu observar o comportamento de desesperança e o sofrimento demonstrados pelas gestantes, assim como atitudes de medo frente à condição de ser gestante e, posteriormente, mãe no sistema prisional – o que me estimulou a aprofundar o conhecimento da vivência da gestação dessas mulheres na condição de presidiárias (por ocasião da minha dissertação de mestrado).

A pesquisa realizada durante o mestrado elucidou vários questionamentos e permitiu compreender as formas de adaptação vivenciadas por essas mulheres diante da condição de esvaziamento do sujeito, de sua própria história e de suas singularidades. Ainda assim, nesse processo, houve muitas discussões (sem respostas) com a equipe multiprofissional, muitos pedidos que não realizei e, mais ainda, que não foram atendidos, com respeito àquela população, visto que a aproximação na pesquisa contribuiu para

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visualizar as limitações dentro do sistema carcerário, a escassez de recursos e o ambiente altamente vulnerável.

Ao finalizar a pesquisa de mestrado, surgiu uma nova inquietação: como se daria a permanência do bebê junto à sua mãe, após o nascimento na prisão? Percebi que seria necessário retornar ao campo de pesquisa, à realidade intramuros, para buscar respostas a partir da compreensão e da vivência das mães que convivem com seus filhos na prisão.

Nasceu, assim, a pesquisa de doutorado – com o desafio de retornar ao interior da prisão, fazer novamente a travessia dos diversos portões e o encontro com um universo pouco acessível, temeroso, com uma comunidade de linguajar próprio, incompreensível. E, em meio a este cenário, a presença de bebês!

O retorno a campo tratou-se de um desejo desafiador, pois estar com mães e bebês, em um ambiente hostil e cerceado, colocou-me em uma condição de enfrentamento pessoal de tudo aquilo que aprendi e defendi em minha trajetória de trabalho e que envolve conceitos múltiplos, como a humanização, o acolhimento, a assistência à saúde e outros.

O ingresso no doutorado permitiu integrar meus interesses diversos ao propor um estudo que contemplaria tanto a vivência da mãe que materna quanto do bebê maternado, interagindo dentro da especificidade da prisão feminina, uma instituição que, ao mesmo tempo em que garante a constituição de relações da díade mãe-bebê nos limites possíveis da vivência comum, anuncia também a sua separação, para cumprir o rigor jurídico.

Assim, era imprescindível conhecer como se dava a relação mãe-bebê, cuja vivência ocorre com a repetição dos cuidados maternos que incluem a amamentação, assim como a apropriação de sentidos maternos nessa relação, considerando que os significados são construídos pelas mães – em uma condição de separação prevista, previamente informada – e influenciados pela rede de ajuda que a assiste.

Compreender a vivência do parto e da maternagem no sistema prisional poderia trazer subsídios a um conhecimento ainda pouco explorado dentro da área de pesquisa sobre a saúde da mulher, reafirmando que mulheres são ao mesmo tempo plurais e singulares, mães e filhas na prisão!

Passados três anos de estudo, defendo aqui a tese de que de que as mães que maternam na prisão constroem, a partir das interações que estabelecem durante esta experiência, significados que orientam suas ações de maternagem ao filho. Com elas, podemos aprender e ensinar sobre humanização do cuidado e sobre solidariedade, porque elas

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são capazes de cuidar e de se adaptarem em ambientes adversos e, ao maternarem, ressignificarem-se como mães, como mulheres e como filhas!

1.1 Distintas e relacionadas: Identidade Materna e Maternagem

1.1.1 A Identidade Materna: ser mãe/ser filho

A identidade materna traz à tona aspectos sociais, que impactam a construção do papel materno socialmente construído e conferido à mãe, evidenciados no amor idealizado e irrestrito e na devoção materna. Ao longo da história moderna e contemporânea, houve uma construção social da família segundo a qual a mãe assume o papel de principal cuidadora dos filhos, movida pelo sentimento de família e sua dinâmica, sendo a atividade mais invejável, doce e exclusiva da mulher1.

Durante a gestação, a mãe, em meio às transformações do período, experiencia o relacionamento emocional com o bebê. É este relacionamento que configura o seu papel de mãe2. Ao incorporar o papel de mãe, ela também revive o papel de filha, pois, no papel materno idealizado, ela identifica-se com padrões de comportamento das mulheres de sua família e de sua comunidade, reproduzindo-os2.

É no período gestacional, com as muitas modificações e interações com o feto, que surgem as expectativas quanto ao filho, oriundas da mãe e da família. Junto às expectativas e transformações físicas e emocionais, surgem também as fantasias – que podem gerar sentimentos agradáveis e, também, estranhamentos, ao perceber a movimentação do feto, pois percebe-se a presença de outro ser consigo3.

Em meio a este contexto, ocorre o processo da construção da subjetividade materna, ou seja, a gestante, gradativamente, vai se apropriando do imaginário de ser mãe, de possuir o corpo de grávida, de relacionar-se com si mesma e com o outro, constelada por esse imaginário e significando a identidade materna para si2.

De acordo com Winnicott2, a sensibilidade materna, que a predispõe a maternagem, representa o estado psicológico da preocupação materna primária. Este estado é compreendido como instintivo e ocorre algumas semanas antes do nascimento do bebê, podendo perdurar até semanas após o parto.

O ideal da mãe perfeita construído em cada sociedade, em geral, e em cada unidade familiar, em particular, tem influências que podem ser positivas ou negativas para

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mulher e para a criança, assim como para todos de seu convívio íntimo, devido à vivência e aos significados internalizados que podem divergir daqueles socialmente instituídos2.

Enquanto, no século passado, acreditava-se que a mãe tinha uma função mais biológica do que afetiva, atualmente, a identidade materna é vista pelos especialistas e pelas mulheres como socialmente construída, sendo um elemento importante para o seu reconhecimento como indivíduo – e não apenas decorrente da ação instintiva, como concebido nas gerações passadas. Nota-se que, nos dias atuais, as mulheres escolhem a identidade materna e, portanto, participam de sua construção social4.

Ainda assim, identificam-se sentimentos de dúvida e ambivalência no discurso feminino sobre as questões da identidade materna, como a culpa de não acatar os modelos sociais, com normas reproduzidas através das gerações, que integram a subjetividade feminina e modelam o papel materno4.

Acredita-se que uma mulher pode gestar e conceber sem necessariamente amar uma criança, assim como outras necessidades podem provocá-la a cuidar de seu bebê. Valores morais e sociais são determinantes sobre o desejo e o dever de ser mãe5. Seja genético, instintivo ou uma construção psíquica em determinado contexto social ou, ainda, o resultado da interação de fatores biológicos e sociais, o lugar materno tem importância indiscutível. Considerando que o tornar-se mãe nasce da disponibilidade interna, assim como no envolvimento com o bebê, é necessário valorizar a rede de ajuda e os recursos desta rede, visto que ela poderá facilitar ou dificultar a efetivação do papel materno5.

Quando nos reportamos à identidade materna, refletimos sobre a família; trata-se de uma organização necessária, que nasce e se perpetua com a identidade materna, visto que a família é uma unidade que cuida de seus membros e que a mãe representa a família no cuidado ao filho1. A família, representada pela mãe, permanece sendo o principal agente socializador da criança, assim como responsável pelo provimento de suas necessidades básicas e pela formação dos referenciais de vida. Esses referenciais facilitarão que a criança habite no mundo dinâmico e em constante mudança e que, concomitantemente à sua construção, tem como competência a constituição do próprio ser humano6.

Neste sentido, é a mãe, designada pela família, a responsável pela introdução do filho ao mundo social; portanto, ao seu mundo significado e, nesta condição, este filho significará a própria identidade materna, de acordo com as interações estabelecidas na unidade familiar, podendo estabelecer novos significados para a identidade materna1.

Compreende-se que mães que têm filhos e os maternam na prisão poderão ser desfavorecidas em alguns aspectos, visto que, neste ambiente, elas têm comprometida a

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própria identidade e há cerceamento da convivência familiar. Além disso, seus filhos não terão o auxílio materno no processo de estabelecer relações com a sociedade. Como o ser mãe e o ser filho ancoram-se no relacionamento mãe-filho, o contexto prisional poderá influenciar o papel socializador da mãe para com seu filho.

1.1.2 O papel do ambiente, segundo Winnicott

Para compreendermos e nos aproximarmos da maternagem na prisão, considerando o ser mãe, o ser filho e o papel socializador da mãe, buscamos, nos trabalhos de Winnicott, a condição de maternagem com resultados benéficos para a díade.

Para Winnicott, a condição para a boa maternagem depende da mulher – ao adaptar, desde as primeiras semanas após o nascimento, o que se compreende como uma continuidade da relação intrauterina experimentada na gestação2. Segundo Winnicott, para alcançar a maturidade, o sujeito, em todas as fases da sua vida; deve estar inserido em um ambiente suficientemente bom e favorecedor de saúde mental, para esse autor, a relação mãe e bebê, eixo norteador da sua teoria, é responsável por iniciar o processo propiciador de maturidade e boa saúde mental2.

Winnicott considera a relação mãe-bebê e as interações com o meio como guias dos processos de maturação e desenvolvimento psíquico do indivíduo e, para essa dependência, considera duas categorias. A primeira, desde a gestação até os seis meses, aproximadamente, caracterizada como dependência inicial absoluta, à qual é continuada por uma condição de dependência relativa, entre os seis meses e os dois anos, aproximadamente7.

O pediatra e psicanalista inglês avultou o papel do ambiente no desenvolvimento emocional e destacou três funções maternas exercidas nesse momento: a sustentação (ao segurar o bebê para alimentá-lo), o manejo e a apresentação dos objetos (seio ou mamadeira)7.

A criança, do nascer à adolescência, vivencia um desenvolvimento progressivo e isso, habitualmente, se dá em meio à família, inserida em uma determinada cultura e sociedade e, portanto, sendo sua principal provedora de cuidado2.

De acordo com a idade, a criança apresenta necessidades diferentes para o seu pleno desenvolvimento: físicas, psíquicas, emocionais, de conforto, de estímulos. Necessidades que permitem seu desenvolvimento adequado, quando suficientemente atendidas. Winnicott ressalta que o atendimento a essa demanda poderá ser feito pela mãe, logo após o nascimento, até por volta de dois anos de idade7.

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Assim, a função materna carece de um ambiente propício no exercício da maternagem, visto que se orienta, nas relações primárias, para estabelecer uma mutualidade entre a mãe e seu bebê, para que ocorra o desenvolvimento psíquico adequado e, desse modo, o estabelecimento de relações sociais. Assim, o bebê se aparelha e se prepara emocionalmente com o relacionamento materno, partilhando, depois com o outro, dos frutos desta relação8.

De acordo com Winnicott9, a criança necessita de uma gama de cuidados para se desenvolver e, nesta fase em que é totalmente dependente do cuidado materno, o meio ambiente é relevante, para garantia do seu desenvolvimento saudável.

No pensamento de Winnicott9, a elaboração da confiança ocorre em função da mãe, por constituir um ambiente facilitador para o bebê, permitindo que, a partir da relação de confiança com ela, o bebê desenvolva a confiança no ambiente9.

Quanto à mãe, ao refletir-se sobre as relações estabelecidas na sociedade ocidental contemporânea individualista, percebe-se que encontra-se sozinha, no exercício da identidade materna, e desprovida da cooperação de outras pessoas voltadas à função ambiental. Por outro lado, ao contar com uma rede de sustentação mais solidária, a mulher pode destituir-se, brevemente, da fatigante jornada de ser mãe, beneficiando a criança com o acesso a outros relacionamentos também ingredientes da sua formação psíquica e social1.

A significativa vivência da identidade materna para a díade, portanto, é afeiçoada no ambiente que a sustenta, composto pela estrutura física que a acomoda, pelo contexto sociocultural que lhe pertence e dos sujeitos deste entorno. Para o desenvolvimento da parceria mãe-bebê, é necessário que um ambiente de confiabilidade esteja disponível para a mãe e seja oferecido a holding – sustentação processual e repetitiva de cuidados, que decorre da presença humana em um espaço físico e do modo como este é manejado, como o toque e o olhar7.

O espaço físico que acolhe a mãe e o bebê deve possuir as características semelhantes à função materna, isto é, deve cuidar, acolher e sustentar a díade mãe-bebê. O ambiente, nesse sentido, é tanto a mãe, como o pai, os familiares e o grupo social inserido em um contexto cultural e esses são responsáveis por acolher o bebê e sua mãe, propiciando o desenvolvimento do bebê e de seu sentimento de continuidade de ser e pertencer aquele ambiente social7.

De acordo com o pensamento winnicottiniano, o alicerce emocional da criança se dá nos dois primeiros anos de idade e depende da manutenção do vínculo primário, a mãe9.

Winnicott10 sustenta que os indivíduos que puderam conviver com as mães “suficientemente boas” estão qualificados para contribuir com o ambiente em que vivem, em

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benefício da democracia. Para Winnicott, o indivíduo que não tenha sido acolhido e cuidado com amor não pode ter saúde, uma vez que na tenra idade constrói-se uma área intermediária que é necessária ao início de um relacionamento entre a criança e o mundo e que se concretiza por uma maternagem suficientemente boa9.

De acordo com Winnicott9, a vivência da identidade materna ocorre no ambiente em que a díade vive, pela estrutura física que a acolhe, pelo seu contexto sociocultural e pelas interações com outros; assim, a prisão poderá não atender a essas condições ou atendê-las parcialmente, visto que a unidade familiar no cárcere configura-se apenas na díade.

1.1.3 A Maternagem

Para compreender a maternagem no contexto prisional, buscamos nos apropriar do significado da maternagem e, a partir dele, refletir sobre ser mãe e ser filho no processo da maternagem em ambiente prisional.

Para Badinter4, o amor materno não se tratou de um sentimento inerente à condição da mulher, mas adquirido ao longo da evolução social ocidental. Seus estudos mostram que, na França dos séculos XVII e XVIII, as crianças eram concedidas às amas, por quem eram amamentadas e cuidadas, pois o aleitar não era um ato emérito para uma nobre4.

Àquela época, a ausência da maternagem pela mãe, exercida pelas camponesas pobres, contribuiu para as altas taxas de mortalidade dos nascidos vivos no período, pois estas eram mulheres que viviam em estado de miséria e em condições sub-humanas4. A mãe, por sua vez, justificava a morte do filho pelo não merecimento à vida; os pais eram alheios à perda dos filhos, tratavam-na como um acidente comum, reparado com o nascimento de outro filho. Além dos óbitos infantis, naquela época, também se praticava o infanticídio e se abdicavam da criança como forma de limitar o número de filhos12.

No final do século XVIII, idealiza-se o sucesso de uma família fundamentado no amor e já se observa uma mudança no entendimento das pessoas. A nova família retratada é a exaltação do instinto e do amor maternos, necessários para a sobrevivência das crianças. Cuidar da subsistência da criança torna-se uma prioridade, enquanto o abandono do aleitamento ao filho é considerado uma injustiça11.

Com o desenvolvimento do capitalismo (séculos XVII e XIX) e a divisão entre esferas pública e privada, idealiza-se e investe-se no sucesso da família. Para a família, especificamente aos pais, foi dada a incumbência de prover condições de sobrevivência à

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criança que, até então, era criada em comunidade. Do mesmo modo, ocorre a distinção de papéis sociais, cabendo ao homem o sustento da casa e, à mulher, os cuidados da família, ou seja, dos filhos13. A responsabilidade materna estendia-se a uma atribuição determinante no futuro de seu filho, isto é, aquilo em que ele se tornasse, fosse criminoso ou doente, a culpa seria da mãe14.

O cuidado da mulher com os filhos, tanto no atendimento das necessidades básicas do bebê, como também na disponibilidade emocional, é denominado maternagem14. Neste sentido, a maternagem passa a ser valorizada e os cuidados relativos a essa atividade passam a ser exclusivos da mãe, que deve cuidar, amamentar e amar os filhos15.

No Brasil, no século XIX, o mesmo ocorre com o movimento higienista: médicos e especialistas elegem a identidade materna e o aleitamento como principais focos de atuação. Os pais, por serem os responsáveis pelos filhos, também seriam responsáveis pelas altas taxas de mortalidade infantil no país; portanto, deveriam se colocar nas mãos dos médicos, já que estes tinham conhecimento e propriedade sobre os princípios de higiene e de prevenção de doenças, necessários para manter vivos os seus filhos. Assim, a figura médica é introduzida na família e, com ela, as regras, as normas e as condutas para o cuidado à criança16.

Nesse contexto, foram centrais as campanhas pelo aleitamento materno e das ações médicas, configurando-se como o estreitamento dos laços familiares e de manifestação do amor materno, capaz de garantir o bom desenvolvimento físico e moral das crianças. A amamentação passou a ser uma obrigação materna de grande importância, o que permitia confirmar ao outrem e à sociedade um ato inato, instintivo e biológico envolvendo a díade mãe-bebê; assim, a mãe contraguarda o comprometimento sobre a saúde do filho16.

Sobre o movimento higienista na cidade do Rio de Janeiro, a determinação do aleitamento materno, pelos médicos especialistas, é discutida e criticada, visto que a amamentação se pôs como comprovação de amor materno, incondicional e valorizado, mas também como uma forma de ajustamento da vida da mulher através da culpa16.

Elisabeth Badinter5 questiona a natureza instintiva e universal do amor materno, refletindo a sua imposição; afirma que o amor materno inato é um mito e sustenta, com documentos históricos, a sua assertiva de que o ideal materno, construído ao longo dos séculos, é produto das ideias de especialistas e poderosos. Surge, então, o mito do instinto materno; a identidade materna é considerada uma tendência feminina inata, assim como a maternagem. Uma vez que somente as mulheres poderiam gestar, elas eram as pessoas mais apropriadas para criar os bebês5.

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A própria psique feminina foi sendo transformada para que as mulheres aceitassem as novas concepções de amor pelo filho como instintivo, incondicional e dotado de algo divino – o que tornou inconcebível uma mulher recusar-se a cuidar de seu filho15. O conceito de amor materno foi assimilado, sem questionamentos e por muito tempo, como uma situação definitiva; por ser visto como um dom instintivo e biológico, era considerado uma característica feminina universal e, à época, irrevogável15.

Posteriormente, o amor materno se distanciou um pouco do caráter biológico e tornou-se um dever moral para com a sociedade. Este dever era orientado pela educação dos filhos. Como responsável por esse dever, à mãe não era permitido furtar-se a ele. No Brasil, com a imprensa do século XIX, estas convicções foram rapidamente propagandeadas e absorvidas pela sociedade15.

O exercício da identidade materna e a maternagem eram pré-concebidos, aguardando-se apenas o momento para exercê-lo, independentemente da cultura ou da condição socioeconômica da mulher. Assim, o ideal de mãe formulou-se a partir das ideias higiênicas eternizadas da identidade materna e da custódia à infância5.

Maternar, desde a origem da humanidade, foi considerada uma função feminina; ser mulher significava estar apta a maternar. Porém, especificamente em relação à amamentação, muitas se recusavam a fazê-lo, por razões como pudor, estética ou por considerar ser este um ato indigno5.

Então, ao final do século XX, dentre as recomendações à mãe, atribui-se a responsabilidade pela criação dos filhos e pelo equilíbrio da família, vista por mitos da identidade materna generosa – capaz de fazer todas as concessões em favor dos filhos. Assim, para ser feminina, era preciso passar pela identidade materna e o homem teria que ter tido uma boa mãe para se tornar um homem bom e responsável4.

Compreende-se que, enquanto a maternidade é perpassada pela relação consanguínea entre mãe e filho, a maternagem é determinada pelo vínculo afetivo do cuidado e do acolhimento ao filho por uma mãe, o que ocorre de acordo com os valores socialmente relacionados e o significado do que é ser mulher e ter um filho em um determinado contexto cultural para esta mulher17. Assim, esta vivência pode variar de acordo com a história e com inserção das mulheres em culturas específicas.

Somente a partir dos anos 90 do século XX, com o avanço da medicina reprodutiva e suas tecnologias, houve a separação da reprodução e da sexualidade, rompendo com o determinismo biológico e possibilitando novas formas de procriação, o que permitiu a

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construção da mãe e do pai sociais, com as diferentes formações familiares; a eles cabe exercer a atividade de maternagem com o bebê18.

Por estilos parentais, entende-se o conjunto de práticas compreendidas desde cuidados básicos ao bebê até os estímulos oferecidos pelos pais/cuidadores. Entende-se que representam os valores, as crenças e as suas representações para o grupo cultural e social onde se inserem. Neste sentido, são os cuidadores, em suas representações, que elegem elementos apropriados para dar conta das necessidades, dos limites e dos cuidados aos seus bebês18.

Assim, observa-se que as uniões homoafetivas, no final do século XX, questionam a maternagem com a paternidade participativa e as questões de gênero a ela relacionadas. Para Roudinesco19, essas novas configurações acenam para uma forma mais ajustável e afetuosa de relacionamento, permitindo experimentar um novo processo de maternar cujos efeitos ainda são desconhecidos e precisarão ser investigados para sua maior compreensão19.

Com a evolução dos costumes e papéis sociais, a inserção da mulher no mercado de trabalho e, na atualidade, inclusive como provedora do lar, verificam-se os homens compartilhando ou assumindo os cuidados com os filhos e com a casa. Assim, embora seja um termo pouco utilizado, a paternagem é significada como os cuidados realizados pelo pai ao seu filho, como exercida por esses no compartilhamento com as mães20. Considerar ambos no cuidado e no afeto ao filho, legítimos e com o mesmo valor, não equivale a dizer que as funções maternas e paternas não se diferem, pois elas têm suas singularidades20.

Considera-se que, atualmente, para os mais desfavorecidos, a maternagem é, rotineiramente, compartilhada com os vizinhos da comunidade, os familiares e os filhos mais velhos, enquanto que, em famílias mais abastadas, a maternagem é dividida com creches e diferentes espaços de formação – como escolas de artes, música, idiomas, esporte e outras atividades20.

Neste estudo, consideraremos a maternagem como determinada no vínculo afetivo do cuidado e acolhimento ao filho por uma mãe17. Diante do exposto, compreende-se que há diferentes formas de maternagem, o que nos leva a considerar como mais uma possibilidade desta no interior da prisão.

1.2 O Sistema Prisional Feminino

As regras para a vida em sociedade são antigas, assim como a violação das regras sociais sempre existiu e nunca deixará de existir. Ao longo da história, essas regras evoluíram, de forma a ser prevista a autodefesa, mas, ainda assim, prevaleceu o castigo, cujos

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determinação e anúncio eram feitos por um tribunal, conforme o crime cometido. Contudo, na maioria das sociedades, as punições aplicáveis transitaram da morte e dos castigos corporais para a privação da liberdade21.

A prisão constitui-se num espaço institucional para acolher pessoas sentenciadas a uma pena e uma medida de privação de liberdade preventiva, assim como para evitar possíveis fugas. No século XVIII, as prisões eram, em geral, subterrâneas; nelas, os presos eram deixados ao abandono e muitos morriam. Estas condições foram muito criticadas, como retrata o livro, publicado em 1777, por John Howard, “The State of Prisons in England and Wales” 21. As críticas e os questionamentos possibilitaram o desenvolvimento de estudos que propiciaram a reforma do sistema prisional.

A prisão é considerada um local onde o sujeito perde diferentes direitos – o que pode incluir até mesmo o comprometimento de sua identidade e sua dignidade humana. De acordo com Espinoza22, a mesma instituição que sequestra amplamente o indivíduo, torna invisíveis para a sociedade tanto o sujeito quanto ela própria, por estar protegida pelos muros e fronteiras que a circundam22.

Em 1940, no Brasil, foi publicada a Consolidação das Leis Penais, completada por leis modificadoras, passando a serem chamadas de Código Penal Brasileiro (CPB); separando-se as penas em principais e acessórias, conforme o delito; sendo as principais a reclusão, a detenção e a multa e, as acessórias, a perda da função pública, as interdições de direitos e a publicação da sentença. A reclusão era a mais rigorosa, executando-se de acordo com o sistema progressivo23.

Foi após a II Guerra Mundial que surgiu, em vários países, a Lei de Execução Penal (LEP), como na Polônia, na Argentina, na França, na Espanha, no Brasil e outros estados-membros da ONU. Em 1980, no Brasil, a pena de morte foi substituída pelo regime ressocializador – que mais tarde sofreu alterações23.

O modelo penal de 1940 sofreu modificações e, em 1984, foi estabelecida a lei que cuida da execução das penas, Lei 7.210, visando regulamentar a classificação e a individualização das penas, propondo ideias para o tratamento do apenado, protegendo seus direitos e estabelecendo seus deveres. A redação do artigo 39 do CPB e a do artigo 29 da LEP foram grandes avanços porque possibilitaram ao preso trabalhar e receber salário por esta atividade. O trabalho era visto como uma maneira de transformar as pessoas presas; porém, o trabalho compulsório e remunerado de presos ocasionou insatisfação e greves por parte dos operários – eles viam nessa proposta a desonra do seu trabalho23.

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Foi em 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, que nasceu a preocupação com o princípio da humanidade, ou seja, a dignidade da pessoa humana, e demais fundamentos trazidos pelo art. 5º da Carta Magna, apregoando a proibição da tortura e o respeito à integridade física e moral24. Cabe ao Estado o direito de punir, com a responsabilidade de efetuar a pena de acordo com os princípios constitucionais e garantir que o preso tenha preservados todos os direitos não atingidos pela privação da liberdade (disposição contida tanto no Código Penal, em seu Art. 38, quanto no Art. 3º da Lei de Execução Penal), assim como, vinculada aos princípios constitucionais, deve objetivar a recuperação social do indivíduo23.

Assim, concebeu-se a prisão como uma forma específica de punição, conferindo-lhe um caráter de substituição das penas de mutilações, exílio e morte por outras privativas de liberdade25. Nesta condição, o indivíduo era preso, sofrendo a subtração de sua liberdade através do distanciamento do convívio social. Contudo, a pena, que deveria ser apenas restritiva de liberdade, afeta a dignidade humana, contrariando a LEP, no seu art. 40: “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios” 23

.

Quanto às mulheres, não havia no Brasil uma norma legal e regulamentadora da prisão em instituição própria; então, era de responsabilidade da autoridade judiciária determinar o ambiente separado ou não para o recolhimento das mulheres24.

No Brasil e no mundo, a normatização das práticas do aprisionamento de mulheres ocorreu tardiamente; inicialmente, assumindo características de um lar, protegidas e cuidadas por freiras25. Posteriormente, o aprisionamento passou a ser regido conforme normas dos presídios masculinos25.

Com a instituição do CPB, em 1940, criaram-se a primeira prisão feminina no Brasil, em São Paulo, em 1941, e a segunda, no Rio de Janeiro, em 1942, ambas administradas por freiras. A partir de então, outros estabelecimentos penais foram construídos. No geral, eles obedeciam às mesmas regras das demais penitenciárias masculinas e com eles surgiram os problemas da superpopulação25.

Essa situação despertou críticas da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o desrespeito aos direitos humanos no país, contribuindo para a necessidade do debate sobre o encarceramento feminino26.

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1.3 A maternagem no sistema prisional

1.3.1 As implicações da prisão para as internas

Segundo Foucault27, a modelagem que se dá ao dispositivo prisional busca disciplinar os corpos dos indivíduos, indo além dos muros prisionais e estando presente nas escolas, nos hospitais e nos locais de trabalho27.

São instituições que impactam a subjetividade, ocasionando um fenômeno chamado “mortificação do eu”, que ocorre com a supressão da cultura, assim como da circulação em grupos sociais, e objetivizam aspectos subjetivos dos presos. Essa subtração ocorre através da destituição dos seus bens, costumes, valores e originalidade, impactando na sua identidade28.

Existem algumas estratégias na prisão, presentes na relação preso/prisão, que dominam essas relações, como um modo de se organizarem. Nesse sentido, as relações são permeadas com a utilização de ferramentas que são necessárias para a sobrevivência interna e externa. Dentre essas ferramentas, destacam-se as facções, porque elas legitimam a representação dos presos e criam uma interlocução entre estes e a instituição, para sobreviverem na prisão29, 30.

Mesmo diante deste contexto instalado, a instituição prisional não pode ser questionada baseando-se apenas nos movimentos destrutivos da segregação do eu. Nela, sobrevive uma rede de ajuda entre os que ali transitam; trata-se de uma rede interna de manutenção física e psíquica, de abrangência sociocultural que se estende para outras formações sociais31.

Desse modo, a instituição prisional coloca-se como um estruturador de ações, discursos e modos de fazer que sejam retratos dos processos históricos, culturais e sociais de uma sociedade. Compreende-se que a prisão possui atribuição e serventia social, que lhe outorga uma abordagem ampla e multidimensional26.

O presidiário deve ter os seus direitos fundamentais preservados e receber tratamento humanitário. A LEP, no seu artigo 3º, caput e parágrafo único, dispõe que: “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, e que não haverá nenhuma distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”23

. Entretanto, as condutas rígidas efetivadas nas prisões submetem o indivíduo apenado a efeitos negativos e impactantes que são desconhecidos pela sociedade, visto que

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esta percebe o sofrimento como a simples privação da liberdade, mantendo obscuro o impacto sofrido pela perda social.

A sobrevivência do preso à prisão exige um contínuo de vigilância. Isto ocorre porque, rotineiramente, o preso é testado, devendo defender-se em diversas experiências, sob a pena de, não o fazendo, ser reputado como fraco e, assim, colocar-se sob risco de ter piorada a sua condição. Em decorrência dessa situação, ele se expõe à vivência de uma ansiedade aguda e contínua, que o coloca em constante vigilância32.

Nota-se que a prisão oferece um efeito desestruturador, para o indivíduo, a família e a comunidade, obrigando o condenado a sucumbir dos direitos e aceitar a privação e o sofrimento do cárcere31. Embora em constantes transformações, no decorrer da história, a prisão repercute efeitos psíquicos e sociais para todos os envolvidos, sejam eles presos, familiares, voluntários ou profissionais. O sistema carcerário também modificou seu objetivo, ao longo do tempo, deslocando-o da ressocialização para a exclusão daqueles considerados uma ameaça social, além de aumentar a vulnerabilidade de determinados grupos25.

A prisão tem sido um fator de segregação social, pouco contribuindo para que o condenado retorne a uma vida digna e ocorra sua ressocialização. Especificamente, a insalubridade das prisões potencializa o sofrimento da mulher presa, pois é conhecido que elas sofrem mais com a prisão, por serem cuidadoras natas de sua família33.

1.3.2 O “primeiro lar”: a penitenciária feminina

As mulheres presas tiveram vários direitos refreados, dentre os quais os relativos à sexualidade1, visto que o direito à visita íntima nos presídios femininos foi estabelecido apenas em 2001, de acordo com a Regulamentação da Secretaria de Assistência Penitenciária (2001)34.

Atualmente, algumas prisões não permitem visitas íntimas às presas e, quando incluem esse direito em suas rotinas, verificam-se restrições, como critérios de união estável – os quais não são solicitados aos homens presos35.

Os sentidos percebidos são diferentes, indo da recusa à visita, como garantia de sua liberdade sexual, ao desejo de receber as visitas, no intuito de preservar o vínculo conjugal e de exercer sua sexualidade. Assim, a visita ultrapassa a atividade sexual, abarcando experiências como o compartilhamento de assuntos pessoais, sentimentos, notícias e outros1.

Dentre as vivências estabelecidas no contexto prisional, inclui-se ser mãe, o que pode contribuir para diluir os efeitos da prisão. Trata-se de uma experiência cada vez mais

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presente, visto o aumento avultante de aprisionamento de mulheres e, dentre elas, mulheres grávidas, no Brasil e no mundo36.

Ser mãe na prisão exige ações e condições que atendam a essa especificidade. De acordo com as Diretrizes de Atenção à Mulher Presa (SAP, 2013), 83,7% das mulheres apenadas são mães. Dentre elas, 76% possuem filhos entre 0 e 17 anos e 11 meses, faixa etária que requer proteção, respaldada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente37-39.

Nesse contexto, existem dispositivos que garantem os direitos dessa população (Constituição Federal, de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, Rede Cegonha, Rede de Proteção à Mãe Paulistana), assim como a lei que define a existência de local específico para gestante ou parturiente presa (art. 89 da Lei 7210/84) 40.

Os termos da Resolução nº 04/2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), assegura à díade mãe-bebê uma permanência mínima de 18 meses, enquanto a LEP, nos artigos 83 e 89, alterada pela Lei 11942, de maio de 2009, prevê que as penitenciárias tenham berçários para o período de amamentação, até seis meses, e creches para crianças de seis meses aos sete anos de idade. Contudo, o período de permanência é determinado por cada Unidade da Federação, dependendo dos aspectos da estrutura local. Assim, enquanto alguns estados garantem a permanência até 18 ou 36 meses, na maioria dos estabelecimentos, atende-se apenas ao período de amamentação exclusiva, isto é, até os seis meses de idade40.

Há também dispositivos jurídicos internacionais, como as Regras de Banguecoque41, que fixam condições dignas para gestantes e mães com bebês na prisão. Porém, este aparato jurídico não garante a efetividade da lei42.

O tempo de permanência do bebê com a mãe é uma decisão que envolve esferas legais, culturais e modos de organização de cada instituição. No entanto, as políticas públicas relacionadas a essa temática reproduzem os princípios da vigilância e da “mortificação do eu”, além de não considerarem as especificidades sociais e emocionais – presentes nas instituições prisionais31.

Essa situação ocorre no Brasil e em outros países. Nos Estados Unidos, em alguns estados, políticas insensíveis negligenciam as necessidades da díade mãe-bebê, ocorrendo inclusive a separação compulsória dos bebês após o parto; enquanto, em outros, são disponibilizados estrutura física e programas voltados à díade40. Na Inglaterra, as unidades prisionais asseguram a estadia do bebê, no máximo, até dezoito meses43. Na Itália, na Argentina, na Espanha e em Portugal, a lei garante que as presas fiquem com seus bebês até três anos de idade44.

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Embora exista um mecanismo jurídico que protege essa população, o mecanismo ideológico ainda é atravessado por máculas no contexto das mães presas, carecendo de um olhar integral, oriundo da saúde, com entendimento biopsicossocial da justiça e da cultura44.

O local que acolhe à díade mãe-bebê, o setor de amamentação dentro do espaço prisional feminino, embora seja privativo para as mães e seus bebês, não consegue afastar ou impedir a violência e o estigma frequentes às pessoas em privação de liberdade. Trata-se de uma realidade para além da privação de liberdade, ao se considerar que expõe um grupo muito vulnerável, os bebês, a um ambiente hostil. Portanto, é urgente o debate frente a esses desafios no contexto prisional44.

Ser presa e ser mãe na prisão potencializam a necessidade de se instaurar uma rede de ajuda com outros atores, além dos profissionais que atuam na prisão, tais como organizações não governamentais, instituições religiosas e outras, a fim de suscitar novas propostas que atendam às necessidades de habitação segura para a díade mãe-bebê, na perspectiva de minorar os efeitos do cárcere44.

1.3.3 Ser mãe e ser presa: particularidades desta concorrência

Embora sejam escassos os estudos que se propuseram a olhar a maternidade na prisão, sob aspectos jurídicos, psicossociais e emocionais, sabe-se que o vínculo estabelecido entre a mãe presa e seu bebê, desde o diagnóstico da gestação, acentua-se após o nascimento e se fortalece com a maternagem1,45.

Na prisão, mães relataram angústia por exercerem exclusivamente o papel da maternagem e estarem sob olhar higienista da equipe prisional. No entanto, a maternagem se dá orientada pela vigilância e cuidados com o bebê de acordo com a imagem de mãe ideal, construída socialmente46.

A mãe presa não dispõe da autonomia necessária para a maternagem, que se desenrola de acordo com os recursos disponíveis, em uma estrutura desfavorável. Neste contexto, a maternagem passa pelo impacto das dificuldades institucionais que exigem da mãe repensar e reorganizar os cuidados com o filho, assim como o relacionamento com ele, uma vez que as restrições impostas pela prisão não permitem atividades como levar o filho para um passeio, por exemplo. Assim, o bebê também é influído pelos aspectos corretivos da prisão47.

O aspecto a ser considerado é a obrigatoriedade da maternagem em tempo integral. As mulheres, quando optam por estar com o filho na prisão, são obrigadas ao

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exercício da maternagem em tempo integral e esta condição faz com que algumas delas vivam uma situação de dúvida que as angustia, pois, enquanto algumas mães vivenciam de forma positiva a dedicação exclusiva ao filho, outras prefeririam trabalhar e diminuir sua pena46, 48.

Muitos sentimentos são experimentados pela mãe que tem o filho em situação de prisão, como a fuga da realidade mesmo que de forma simbólica. A companhia do filho, por vezes, a completa: ela está com alguém da família e pode imaginar que está livre. Por outro lado, vive a ambivalência de sentir-se feliz pela presença do filho e triste, culpada, com medo da separação do filho em decorrência da prisão45, 49.

O maior sofrimento relatado pelas mães se refere à separação do bebê. Elas contam esta situação como a que mais lhe causa dor desde a gestação, por terem ciência da separação do filho, mesmo conscientes de que é uma situação dada e irreversível. Estudo revela que a efetivação da separação é o momento mais triste e sofrido, que coloca a mãe inerte, silenciando-a frente a sua condição46. Diante da angústia da separação, não pensar sobre o evento é uma estratégia adotada por muitas mães; elas vivenciam a separação física do filho como uma grande vazio que se instaura, relatado como a falta de uma parte delas próprias45.

O significado da maternagem como liberdade, família e planos para o futuro parece sustentar essas mulheres na prisão e, quando ocorre a separação, ele se configura em apenas planos para o futuro com o filho. Porém, é a separação imediata que pauta a vinculação, estabelecendo a singularidade da maternagem na prisão, repercutindo no significado da maternagem, que é carregada de medos e fantasias45.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que gestantes e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (isto é, que não foram sentenciadas) poderão cumprir prisão domiciliar até o seu julgamento, amparado na Lei 13.257, de 2016. Embora esta lei já esteja em vigor, estima-se que grande número de mães permanecerá presa e, por ser uma decisão recente, será necessário avaliar o real impacto no cotidiano das prisões50.

Em relação aos profissionais de saúde, é premente que desenvolvam o planejamento de atenção à saúde que atenda às necessidades da díade mãe-filho no contexto da prisão e no processo de preparo para a separação; assim como a reflexão de qual seja o espaço ambiental oferecido por esses profissionais, em geral e de saúde, para as mães e seus filhos.

A literatura mostra que maternar na prisão pode ser uma experiência de profundo sofrimento materno50. Desse modo, estudos são imprescindíveis para compreendermos a vida

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intramuros e elencarmos elementos ali presentes, para que possamos instigar o debate sobre a vivência da maternagem na prisão. Quanto ao filho, são necessários estudos longitudinais, para que possamos conhecer os efeitos da prisão no desenrolar de sua vida.

Este estudo, com foco na vivência do parto e da maternagem, pretendeu dar continuidade ao anterior, realizado com gestantes em situação de prisão50. Estudos sobre o tema são escassos, principalmente em nosso país, de modo que a identificação dos aspectos de vulnerabilidade da díade ocorre segundo o olhar dos profissionais de saúde que os assistem, não atendendo, necessariamente, às demandas reais, isto é, aquelas percebidas pela mãe e sinalizadas no processo de desenvolvimento do bebê.

A análise de suas vivências, considerada na assistência de saúde individualizada e integral à díade, poderá produzir intervenções mais específicas e qualificação das ações já existentes.

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2. OBJETIVOS 2.1. Geral

Compreender as vivências do parto e da maternagem de mulheres em situação de prisão, detidas em unidades prisionais no interior do estado de São Paulo.

2.2. Específicos

Conhecer as interações sociais presentes na experiência de ser mãe no sistema prisional.

Conhecer quais são as estratégias para lidar com as condições oferecidas para a maternagem no sistema prisional.

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3. MÉTODOS

Os métodos são descritos de acordo com as recomendações do Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ).

3.1 Equipe de pesquisa e reflexividade

A equipe de pesquisa foi formada por mim, aluna de doutorado, minha orientadora e minha coorientadora.

Sou enfermeira obstetra e mestre em Ciências da Saúde. Em minha dissertação de mestrado, desenvolvi estudo com metodologia qualitativa. Quanto a minha experiência profissional, apresento percurso de trabalho assistencial e em gestão de serviços de saúde na atenção primária. À época do estudo, eu estava inserida na gestão de uma UBS. A unidade ficava em um grande território que abrigava uma penitenciária feminina. Nesse local, fiz contato com a população carcerária feminina e tive oportunidade de desenvolver trabalho assistencial de sistematização da assistência pré-natal a essas mulheres e também um projeto de educação em saúde, ainda em andamento, que trata de temas de saúde demandados pelas internas. Foi neste contexto que realizei minha pesquisa de mestrado, utilizando metodologia qualitativa e entrevistas, com foco na gestação em condição prisional, cujos resultados instigaram o desejo de desvelar a maternagem na prisão, dando origem à presente tese de doutorado. Fui a responsável por realizar todas as entrevistas deste estudo, devido a minha experiência prévia com mulheres em situação prisional; contudo, eu não conhecia nenhuma das mulheres que participaram deste estudo. No entanto, é possível que alguma delaspossa ter me reconhecido pelos trabalhos que tenho desenvolvido na penitenciária ao longo dos anos.

A vivência assistencial e a implementação do projeto de educação em saúde, propiciaram o vínculo com a instituição, com a direção e o lidar com as internas e suas necessidades de saúde. Foi neste convívio, que fui percebendo as especificidades da condição de aprisionamento e as necessidades das mulheres que ali cumpriam suas sentenças. Essas, acenaram para a responsabilização profissional e para a complexidade de um mundo próprio, com regras e linguajar locais, fazendo se perceber a solidão e as doenças físicas e psíquicas presentes naquele contexto, oriundas ou potencializadas pela alta vulnerabilidade local.

Fui instigada, no encontro com esta população, a refletir sobre minha formação, meu papel de cidadã. O convívio fez-me perceber a invisibilidade do sistema prisional para a sociedade, assim como a complexidade da vida intramuros. Então, precisava compreender

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melhor, apreender com profundidade o mundo obscuro da prisão e somente a pesquisa poderia produzir respostas, conhecimento e dar visibilidade a esta temática.

A orientadora é enfermeira obstetra, mestre e doutora em Ciências, com pós-doutorado. Tem experiência de mais de 35 anos em ensino, pesquisa e assistência na área de assistência à saúde da mulher; desenvolveu diversos estudos qualitativos e quantitativos. Foi também minha orientadora durante o mestrado.

A coorientadora é enfermeira, mestre e doutora em Enfermagem, com experiência em pediatria e pesquisa qualitativa com uso da Teoria Fundamentada nos Dados e do Interacionismo Simbólico.

3.2 Desenho do estudo

Para compreender a vivência das pessoas e considerando que esta vivência se dá a partir de significados, optei por desenvolver um estudo de natureza qualitativa, utilizando a Teoria Fundamentada em Dados, como referencial metodológico, e o Interacionismo Simbólico, como referencial teórico. A pesquisa qualitativa, de acordo com Polit52, “consiste em coletar e analisar materiais subjetivos e narrativos”. Já, para Minayo53

, a pesquisa qualitativa vislumbra significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, permitindo que o investigador se envolva diretamente na situação, possibilitando observar os atores no seu cotidiano, convivendo e interagindo socialmente com estes.

Para guiar o estudo, considerei o Interacionismo Simbólico (IS) como o referencial teórico mais oportuno, pois é através da interação que os seres humanos constroem significados e através dos significados, que as coisas e as pessoas têm para si, que elas atuam54. Este referencial foi entremeado com os princípios de autores já citados ou referenciados53-54, relacionados a fundamentos da minha vivência profissional.

Para atingir os objetivos propostos, entendo que compete empregar neste estudo a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), um método qualitativo que se propõe a, sistematicamente, elaborar uma teoria a partir dos dados empíricos provenientes de uma realidade social, opondo-se à forma de teorização lógico-dedutiva. É uma metodologia indutiva que se aproxima do assunto a ser investigado sem uma teoria a ser testada. Usada no desenvolvimento de uma teoria fundada e m dados sistematicamente coletados e analisados, a teoria evolui durante a pesquisa real e o faz devido à contínua interação entre análise e coleta de dados55. O pesquisador analisa os dados de modo a entender determinada situação:

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como e porque seus participantes agem de determinada maneira; como e porque determinado fenômeno ou situação se desdobra deste ou daquele jeito56.

3.2.1 Referencial Teórico – Interacionismo Simbólico

O termo Interacionismo Simbólico (IS) teve sua origem na sociologia e fundamentou-se nas ideias de pensadores como Charles Peirce (1839-1914), William James (1842- 1910), John Dewey (1859-1952), Charles Cooley e George Mead (1863-1931). Com raízes também na psicologia, preocupa-se com o estudo das relações humanas – que considera de suma importância à influência, na interação social, dos significados, bem particulares, trazidos pelo indivíduo à interação, assim como os significados bastante particulares que ele obtém, a partir dessa interação, sob sua interpretação pessoal. O sociólogo George Herbert Mead54 dedicou-se ao estudo das interações sociais, sendo de grande influência para a concepção do IS por meio de seus trabalhos.

No entanto, foi Herbert Blumer57, em 1937, que utilizou o termo pela primeira vez. Estudioso e intérprete de Mead e criador do termo “Interacionismo Simbólico”, em 1969, com a publicação do seu livro Simbolic Interacionism: perspective and method, Blumer expôs suas ideias que aprimoraram e expandiram a concepção interacionista proposta por Mead. Embora coerente com o pensamento de Mead, Blumer apresentou uma versão própria sobre o tema, a partir de seu olhar.

Ele colocou em evidência as principais perspectivas dessa abordagem: as pessoas agem em relação às coisas baseando-se no significado que essas coisas tenham para elas; esses significados são resultantes da sua interação social e modificados por sua interpretação57.

Após a morte de Mead, em 1931, suas ideias foram organizadas e publicadas. Dessas obras, Mind, Self and Society, publicada em 1934, é considerada a bíblia do IS, que criou as ideias de sociedade, self e mente, que formam a base do pensamento interacionista58.

Criadores do IS, Mead e Blumer defendem que o conhecimento ocorre por meio da interação entre os sujeitos e o ambiente; assim, o papel social é fundamental para este processo. O IS é amplamente utilizado como referencial teórico quando o tema da pesquisa é a interação humana, inclusive nos estudos de Enfermagem59.

O IS permite ao pesquisador conhecer os significados da vivência das pessoas, sob a perspectiva delas. Ele se desenha por um conjunto de ideias sobre a natureza das pessoas e da sociedade, centrado na interação humana. É por meio do processo de interação que as

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