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(Im) possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/06 como uma medida cautelar cível

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LAÍS BITTENCOURT RAHIM

(IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI 11.340/06 COMO UMA MEDIDA CAUTELAR CÍVEL

Tubarão 2015

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LAÍS BITTENCOURT RAHIM

(IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI 11.340/06 COMO UMA MEDIDA CAUTELAR CÍVEL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade.

Orientador: Mauricio Fabiano Mortari, Esp.

Tubarão 2015

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Dedico este trabalho monográfico à memória de minha avó Ilse, que simplesmente me ensinou a sonhar. A ela, meu eterno amor e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não restaria completo sem gratificar a todos que colaboraram para a sua concretização.

Inicialmente a Deus, por guiar-me e ter me proporcionado a graça de chegar neste momento marcante da minha vida.

Aos meus familiares, em especial meus pais e meu irmão, pelo amor, paciência e por estarem presentes durante toda minha jornada universitária, apoiando-me de forma incondicional.

Aos meus amigos de longa data, cuja amizade levo desde os tempos de Ensino Fundamental, outros do Ensino Médio, e àqueles que tive oportunidade de conhecer na faculdade.

Ao meu professor orientador, Mauricio Fabiano Mortari, por sua orientação singular, paciência e atenção durante a confecção deste trabalho monográfico.

Aos demais professores, por todos os ensinamentos e contribuições para a minha formação acadêmica.

Em suma, agradeço a todas as pessoas que fizeram parte da minha vida e que contribuíram de alguma forma na minha trajetória universitária.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como tema a (im) possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06 como uma medida cautelar cível, especificamente de caráter satisfativo. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, pois analisaram-se premissas gerais referentes aos conceitos de violência doméstica e de gênero, as formas de violência insculpidas no texto legal em comento, bem como os principais aspectos processuais da Lei Maria da Penha, para se alcançar uma conclusão específica acerca da perspectiva das medidas protetivas de urgência a serem aplicadas na seara cível, de natureza cautelar satisfativa. No que tange os tipos de pesquisa, destaca-se que, quanto ao nível, tem-se uma pesquisa de cunho exploratório; quanto à abordagem, a pesquisa é qualitativa; e, por fim, quanto ao procedimento, caracteriza-se como uma pesquisa do tipo bibliográfica e documental. A partir pesquisa, constatou-se que as medidas protetivas de urgência comportam-se como espécie de medidas cautelares, ora de natureza cível, ora penal. Ademais, concluiu-se que é possível a postulação das medidas previstas na Lei Maria da Penha como uma medida cautelar cível de caráter satisfativo. Todavia, as imprecisões correlacionadas ao seu comportamento no âmbito civil revelam que a esfera penal representa o caminho mais adequado para coibição e prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, especificada no gênero.

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ABSTRACT

This monograph has as theme the (im) possibility of implementation of urgent protective measures provided in Law 11.340/06 as a civil restraining order, specifically satisfactory character. The approach method used was deductive, because was analyzed general assumptions regarding the concepts of domestic and gender violence, the forms of violence listed in the legal text under discussion as well as the main procedural aspects of the Maria da Penha Law, to reach a specific conclusion about the prospect of urgent protective measures are applied in the civil harvest of satisfativa precautionary nature. With respect to the types of research, it is emphasized that: about the level, it's a exploratory research; regarding the approach, the research is qualitative; and finally, as the procedure is characterized as a survey of bibliographical and documentary type. For the research, it was found that the urgent protective measures behave as sort of precautionary measures, sometimes civil, or criminal. Moreover, it is concluded that the postulation of measures in Maria da Penha Law as a civil injunction of satisfactory character is possible. However, inaccuracies correlated with their behavior in the civil context reveal that the criminal sphere is the most appropriate way to deterrence and prevention of domestic violence against women, specified in the genre.

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LISTA DE ABREVIATURAS

art. – artigo arts. – artigos CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJGO – Tribunal de Justiça de Goiás

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA ... 10

1.2 JUSTIFICATIVA ... 11

1.3 OBJETIVOS ... 12

1.3.1 Geral ... 12

1.3.2 Específicos ... 12

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 13

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ... 14

2 A LEI MARIA DA PENHA ... 15

2.1 BREVE HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA ... 15

2.2 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ... 16

2.2.1 Conceito de violência doméstica ... 16

2.2.2 Conceito de violência de gênero ... 18

2.3 DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA ... 21

2.3.1 Violência física ... 21

2.3.2 Violência psicológica ... 22

2.3.3 Violência sexual ... 23

2.3.4 Violência patrimonial ... 24

2.3.5 Violência moral ... 26

3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI MARIA DA PENHA ... 27

3.1 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ... 27

3.1.1 Das medidas integradas de proteção ... 28

3.1.2 Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar ... 30

3.1.3 Do atendimento pela autoridade policial ... 34

3.1.3.1 Providências conferidas à autoridade policial ... 35

3.1.3.2 Procedimentos a serem adotados pela polícia ... 36

3.1.3.2.1 Elaboração do Inquérito Policial ... 37

3.1.3.2.2 O pedido da ofendida para obtenção das medidas protetivas de urgência ... 39

3.2 DOS PROCEDIMENTOS ... 40

3.2.1 Normas aplicáveis ... 40

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3.3 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ... 45

3.3.1 Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor ... 46

3.3.2 Das medidas protetivas de urgência à ofendida ... 51

3.4 DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ... 54

3.5 DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ... 56

3.6 DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR ... 57

4 A NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI 11.340/06 ... 59

4.1 ASPECTOS PROCESSUAIS DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ... 59

4.1.1 Prazo de vigência das medidas protetivas ... 60

4.1.2 A prisão preventiva como espécie de medida protetiva de urgência ... 61

4.1.3 Prova e medidas protetivas de urgência ... 63

4.1.4 Recurso cabível contra a decretação de medidas protetivas de urgência ... 65

4.2 A DIVERGÊNCIA ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI 11.340/06 ... 68

4.2.1 Natureza Satisfativa ... 69

4.2.2 Natureza Cautelar ... 70

4.2.2.1 Natureza jurídica das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor ... 72

4.3 (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA COMO UMA MEDIDA CAUTELAR CÍVEL ... 76

5 CONCLUSÃO ... 84

REFERÊNCIAS ... 87

ANEXO ... 95

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10

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a (im) possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência elencadas na Lei Maria da Penha como uma medida cautelar cível, mais especificamente de cunho satisfativo. Antes de aprofundar-se na apresentação dos resultados da pesquisa, expõe-se a descrição da situação problema, bem como a análise das motivações sociais e jurídicas que incentivaram a realização da pesquisa. A seguir, passa-se à exibição dos objetivos gerais e específicos que se deseja atingir, além dos procedimentos metodológicos que dirigiram a pesquisa para, por fim, destacar a estruturação dos capítulos do presente trabalho monográfico.

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

O processo de criação de um amparo legal que protegesse a mulher da violência doméstica, física e psicológica foi árduo. Até o advento da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, a violência doméstica não chamava atenção da sociedade, do legislador e tampouco do poder judiciário. (DIAS, 2012, p. 26).

Com o objetivo de atender o disposto no art. 226, § 8º da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), a Lei 11.340/2006 busca a coibição e prevenção da violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto contra a mulher. (BIANCHINI, 2014, p. 30).

A Lei Maria da Penha constituiu, portanto, um marco na história brasileira na medida em que instituiu mecanismos que visam coibir a prática de violência familiar contra a mulher, mais especificamente fundada no gênero. Segundo Dias, a referida lei veio para:

[...] assegurar maior proteção a uma parcela da população visivelmente mais frágil quando o assunto é violência doméstica. E mais: por via complementar, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha protege, além da mulher vítima de violência, a família e a sociedade, dado que o sofrimento individual de mulheres ofendidas agride ao equilíbrio de toda a comunidade e a estabilidade das células familiares como um todo. (DIAS, 2012, p. 41).

Com o intuito de assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência, a Lei 11.340/2006 elenca um rol de medidas protetivas para garantir efetividade ao seu propósito, constituindo, assim, a principal inovação da Lei Maria da Penha em conjunto com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (BIANCHINI, 2014, p. 178).

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As medidas protetivas permitiram não só alargar o espectro de proteção da mulher, aumentando o sistema de prevenção e combate à violência, como também dar ao magistrado uma margem de atuação para que possa decidir por uma ou outra medida protetiva, de acordo com a necessidade exigida pela situação. (BIANCHINI, 2014, p. 178).

Desta forma, com a chegada das medidas protetivas de urgência contidas nos artigos 22, 23 e 24 do texto legal em comento, surgiram diretrizes acerca da natureza jurídica que lhe proporcionam maior eficácia e proteção da violência doméstica.

Desse modo, parte da doutrina e da jurisprudência vem defendendo e admitindo a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha nas ações de natureza cível, embasadas na pretensão de evitar um mal maior.

Veja-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que “[...] as medidas de urgência pleiteadas terão natureza cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal.” (BRASIL, 2014b).

A possibilidade de aplicar as medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 como uma medida desvinculada do processo criminal e, como consequência, do inquérito policial, trouxe à tona processualista a busca pela forma que permite a máxima efetivação dos direitos fundamentais das mulheres vitimizadas em casos de violência doméstica contra a mulher.

Diante do exposto, apresenta-se a seguinte pergunta de pesquisa: Seria possível a aplicação das medidas protetivas de urgência elencadas pela Lei 11.340/2006 como uma medida cautelar cível?

1.2 JUSTIFICATIVA

O combate à violência doméstica contra a mulher constitui um compromisso constitucional e é constantemente alvo de debates nacionais e internacionais, dada a relevância do problema e a extensão de seus danos causados ao longo da história.

Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo/SESC, em 2010, a cada 02 (dois) minutos, 05 (cinco) mulheres são espancadas no Brasil.1 (BIANCHINI, 2014, p. 72). Outra pesquisa realizada pelo DataSenado revelou que, num balanço semestral de

1

A pesquisa completa pode ser encontrada em:

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janeiro a junho de 2013, quase a metade (42,3%) das mulheres que sofreram violência eram agredidas todos os dias.2 (BIANCHINI, 2014, p. 78).

Tais resultados não só comprovam que a prática de violência doméstica contra a mulher vem se mostrando cada vez mais corriqueira nos lares brasileiros, mas também a imprescindibilidade de conferir-se eficácia aos mecanismos que visam a coibi-la, como as medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006.

Desta forma, apresentada a relevância do tema selecionado, pode-se concluir que o mesmo não ficará restrito à comunidade jurídica, merecendo, portanto, espaço no meio social.

Academicamente, a pesquisa se justifica pelo fato de que a aplicação das medidas protetivas de urgência, como uma forma autônoma e inserida no âmbito processual civil, constitui inovação no meio jurídico e, por consequência, não há muitos trabalhos acerca do assunto.

De outro tanto, ainda que a pesquisa conclua-se contrária à aplicação das medidas protetivas de urgência na esfera processual civil, o estudo do tema em questão será capaz de construir uma análise crítica da situação problema, que vem ganhando propulsão no âmbito jurídico.

O surgimento de novas formas de proporcionar o acautelamento e cessação da violência doméstica contra a mulher despertou a atenção da pesquisadora no estudo de meios que possam garantir, na prática, a proteção efetiva das vítimas de violência doméstica.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Analisar a (im) possibilidade da aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 como uma medida cautelar cível.

1.3.2 Específicos

Verificar os principais aspectos históricos da Lei 11.340/2006. Conceituar a violência doméstica e a violência de gênero.

2

A pesquisa encontra-se disponível em: <http://www.spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2012/balanco-ligue-180-janeiro-a-junho-2013>.

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Identificar os principais aspectos processuais da Lei Maria da Penha, dando prioridade às medidas protetivas de urgência.

Descrever a discussão acerca da natureza jurídica das medidas protetivas de urgência.

Comparar os aspectos jurídicos das medidas protetivas como espécie de medidas cautelares no âmbito processual penal e civil.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A elaboração de um trabalho acadêmico de conclusão de curso exige o estabelecimento de meios técnicos de investigação, bem como a contextualização do tema a ser abordado com o seu ajuste científico, instrumentalizando o alcance da solução para o problema formulado.

Primeiramente, assevera-se que, em relação à forma de organização do raciocínio, a pesquisa será elaborada com base no método dedutivo, tendo em vista que parte de argumentos universais ou gerais e chega numa conclusão específica. (LEONEL; MOTTA, 2007, p. 66). Serão analisadas premissas gerais referentes aos conceitos de violência doméstica e de gênero, as formas de violência estampadas na Lei 11.340/06, bem como os principais aspectos processuais do texto legal em comento, para, por fim, alcançar-se uma conclusão específica acerca da (im) possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha como uma medida cautelar cível.

Em relação aos tipos de pesquisa, convencionou-se estabelecer três critérios de classificação: quanto ao nível, quanto à abordagem e quanto ao procedimento.

No que tange ao nível, a presente pesquisa classifica-se como exploratória, pois tem como escopo proporcionar uma maior familiaridade com o problema que envolve a possibilidade ou não da aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, como natureza cível, mais especificamente como uma ação cautelar.

No que se refere à abordagem, a pesquisa será qualitativa, uma vez que o estudo do tema selecionado será uma análise subjetiva, apreciando palavras, descrições e narrativas, a fim de que se possa relacioná-las ao problema do trabalho.

Por fim, o procedimento a ser utilizado será bibliográfico, tendo em vista que a pesquisa se desenvolverá mediante teorias publicadas em fontes, como livros, artigos, manuais, meios eletrônicos, entre outros. Importante frisar que a pesquisa poderá basear-se

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ainda em leis e jurisprudências que envolvam o tema abordado, o que caracteriza uma complementação pelo procedimento documental.

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

Com o intuito de auxiliar na compreensão acerca do tema proposto, o presente trabalho monográfico foi estruturado em três capítulos, além deste introdutório.

O primeiro capítulo foi responsável pela breve exposição do histórico da Lei Maria da Penha, contemplando sua origem e os motivos que impulsionaram a promulgação da Lei. Posteriormente, foi realizada a abordagem do conceito de violência doméstica e de violência de gênero, bem como as condutas que o texto legal em comento considera como forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, especificada no gênero.

No segundo capítulo, foram explorados os principais aspectos processuais que norteiam a Lei Maria da Penha. Procedeu-se à abordagem das formas de assistência à mulher em situação de violência doméstica, principalmente as medidas integradas de prevenção e as diretrizes do atendimento pela autoridade policial. Nos procedimentos da Lei, enfatiza-se o estudo acerca da função dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Ainda nesse capítulo, realizou-se a análise das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06, tanto aquelas que obrigam o agressor como aquelas que conferem tutela à ofendida. Por fim, abordaram-se os pontos mais importantes da atuação do Ministério Público, da Assistência Judiciária e da Equipe de Atendimento Multidisciplinar prevista na Lei.

No último capítulo, por sua vez, foram explorados os principais aspectos processuais que envolvem as medidas protetivas de urgência: o prazo de vigência, a possibilidade de decretação da prisão preventiva, os meios de prova para concessão da medida e o recurso cabível contra sua decretação. Ademais, frisou-se na divergência acerca das medidas protetivas, notadamente quanto ao seu caráter cautelar ou satisfativo. Feito isso, passou-se à análise do tema, com a exposição da decisão proferida pelo STJ que admitiu, pela primeira vez, a aplicação das medidas protetivas de urgência como uma medida cautelar cível satisfativa, com o intuito de, finalmente, obter-se uma resposta à problematização que instigou a pesquisa e a elaboração do presente trabalho monográfico.

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2 A LEI MARIA DA PENHA

A Lei 11.340, sancionada em 07 de agosto de 2006 pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, visa à criação de mecanismos que buscam a prevenção e proteção de violência doméstica contra a mulher, especificamente fundada no gênero. (BRASIL, 2006).

Como uma forma de garantir o propósito da Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência elencadas nos artigos 22, 23 e 24, que podem obrigar o agressor ou conferir tutela à vítima, representam algumas das principais características inovadoras da Lei. Contudo, passados mais de oito anos de sua vigência, a norma ainda enfrenta dificuldades para combater esse tipo de violência, além de conter questões não delimitadas pelo legislador, como a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência insculpidas na Lei.

Antes de aprofundar-se nesse tema e nos aspectos processuais da Lei 11.340/06, propaga-se essencial a averiguação de sua origem e de seus conceitos gerais de violência.

2.1 BREVE HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA

Em 22 de setembro de 2006 entrou em vigor a Lei 11.340, batizada de Lei Maria da Penha, em homenagem à Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, cearense e mais uma de tantas vítimas de violência doméstica deste país. (DIAS, 2012, p. 15).

A origem de referida lei é árdua. Durante sua vida conjugal, Maria da Penha suportou inúmeras agressões e torturas, chegando a sofrer duas tentativas de homicídio perpetradas por seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, situação que causou a ela a paraplegia. (PORTO, 2007, p.9).

Lamentavelmente, somente após transcorridos 19 anos dos fatos é que seu marido foi preso. Condenado pelo Tribunal do Júri à pena de dez anos e seis meses de prisão, o réu foi posto em liberdade depois de cumprir dois anos de ergástulo. (DIAS, 2012, p. 16).

O caso gerou tanta repercussão que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL – e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM –, além da própria Maria da Penha, formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão integrante da Organização dos Estados Americanos - OEA. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 23-24).

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Consequentemente, o Brasil foi responsabilizado pela demora injustificável do julgamento do caso, de maneira que o país resolveu dar cumprimento aos tratados e convenções do qual é signatário: a Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção de Belém do Pará. (DIAS, 2012, p. 16).

A emblemática atitude de recorrer a uma corte internacional de justiça contribuiu na criação de uma lei que visa ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei 11.340/06 – merecidamente denominada de Maria da Penha – no sistema jurídico pátrio.

2.2 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A Lei Maria da Penha busca garantir meios de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, inserida no âmbito familiar, doméstico ou em casos de relações íntimas de afeto.

Embora, ao longo do texto, o legislador use a expressão violência doméstica e familiar, é acertado que o objetivo da Lei consiste na violência contra a mulher baseada no gênero. Assim, para que se possa compreender a diferença entre elas, torna-se fundamental o estudo desses tipos de violência de forma individualizada.

2.2.1 Conceito de violência doméstica

A palavra violência significa, em linhas gerais, qualquer forma de constrangimento ou força, seja na condição física ou moral. O sistema penal, por sua vez, modelou o entendimento de que referido termo tem o condão de representar somente a violência física. (NUCCI, 2008, p. 1125).

No entanto, no âmbito da Lei 11.340/06, a violência não guarda relação com qualquer delito tipificado no Código Penal (CP). O legislador, neste caso, preocupou-se em estabelecer o conceito de violência doméstica, além de mencionar o contexto e as formas em que a violência pode ser cometida. (BRASIL, 2006).

Primeiramente, cabe destacar que a violência contra a mulher é definida pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, como aquele ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, seja na esfera pública ou na privada. (DIAS, 2012, p. 43).

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Tal conceito serviu como alicerce à Lei Maria da Penha, uma vez que seu principal objetivo é a criação de mecanismos que visam coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, especificada no gênero. Aliás, esse propósito encontra-se estampado no artigo (art.) 1º da própria Lei:

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8odo art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006).

A Lei 11.340/2006 não deixa de traduzir, portanto, a vitória da mulher – integrante de uma parcela visivelmente mais frágil da população em relação à violência doméstica – contra um persistente meio social discriminatório, pois, até pouco tempo atrás, as mulheres vítimas desse tipo de violência passavam praticamente imperceptíveis perante os olhos da sociedade e do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, leciona Hermann:

[...] O escopo instrumentalizador da Lei Maria da Penha revela-se já no primeiro artigo, que expressamente refere como objeto do texto legal a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher... Tais mecanismos consistem, como esclarece a parte final do artigo 1º, na especialização da prestação jurisdicional, através da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e no estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, implicando a implementação de sistema organizado e multidisciplinar voltado à prevenção deste tipo de violência e ao atendimento integral à mulher vitimada, vislumbrando-se aí mais que proteção jurídico-legal, mas também social, assistencial e humana. (HERMANN, 2012, p. 87).

Cumpre destacar que a violência doméstica, citada no art. 1º do texto legal em comento, é conceituada pelo art. 5º da própria Lei, ao preceituar que, “para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero.” (BRASIL, 2006).

O termo “violência doméstica” exprime a mesma ideia que “violência familiar” ou ainda de “violência intrafamiliar”, na medida em que trata de atos de maltrato desenvolvidos no âmbito domiciliar, residencial ou em algum lugar onde habite um grupo familiar. (SOUZA, 2008, p. 35).

Sábias as palavras de Souza ao caracterizar a violência doméstica como “[...] um conceito que não se ocupa do sujeito submetido à violência, entrando no seu âmbito não só a mulher mas também qualquer outra pessoa integrante do núcleo familiar que venham a sofrer agressões [...].” (SOUZA, 2008, p. 35).

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Nesse sentido, verifica-se que, além dos crimes praticados contra a mulher, os crimes cometidos contra a criança e adolescente, bem como aqueles cometidos contra os idosos também caracterizam esse tipo de violência. (BIANCHINI, 2014, p. 34).

Assim sendo, a fim de que se possa arquitetar o conceito de violência doméstica inserido na Lei Maria da Penha, deve-se considerar a união dos artigos 5º e 7º da Lei: as ações de violência descritas no artigo 7º, quando praticadas dentro do âmbito das relações domésticas, familiares ou afetivas (artigo 5º). (DIAS, 2012, p. 46).

Compreendido o conceito de violência doméstica, torna-se fundamental a definição da violência de gênero, como se fará a seguir, já que esse tipo de violência integra o contexto da Lei Maria da Penha.

2.2.2 Conceito de violência de gênero

Inicialmente, torna-se significativo estabelecer a distinção entre sexo e gênero: enquanto o sexo está ligado à condição biológica do homem e da mulher, o gênero baseia-se na distinção dos papéis que lhe são atribuídos. (DIAS, 2012, p. 44).

Tais atribuições decorrem dos diferentes valores culturais impostos às mulheres e aos homens ao longo dos anos pela sociedade, o que caracteriza uma relação de poder desigual entre eles. A violência de gênero insere-se nesse cenário, pois advém da relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. (BIANCHINI, 2014, p. 32).

Nesse sentido, Souza destaca que:

A violência de gênero se apresenta como uma forma mais extensa e se generalizou como uma expressão utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra as mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças, não só no âmbito intrafamiliar, mas também abrangendo a sua participação social em geral, com ênfase para as suas relações de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou pretensão de imposição de uma subordinação e controle do gênero masculino sobre o feminino. (SOUZA, 2008, p. 35, grifo nosso).

Não obstante o homem ser, geralmente, o sujeito ativo da violência praticada não impede que a mulher também possa ser a agressora. Na verdade, para a configuração da violência introduzida pela Lei Maria da Penha, não se exige a diferença de sexos entre os envolvidos, já que o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra mulher. (DIAS, 2012, p. 59).

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Vale ressaltar que, no que diz respeito ao sujeito passivo – a vítima da violência –, há a exigência de uma qualidade especial: ser mulher.1 Consequentemente, lésbicas, transexuais, travestis, que tenham identidade social com o sexo feminino estão sob a égide da lei em estudo. (DIAS, 2012, p. 61-62).

Assim, com base no conceito de violência de gênero, englobando a caracterização dos sujeitos envolvidos nesse tipo violência, bem como na delimitação contida na redação do art. 5º da Lei, é possível verificar que a Lei Maria da Penha não trata de toda a violência praticada contra a mulher, mas somente daquela baseada no gênero. Por conseguinte, a violência de gênero é uma espécie de violência contra a mulher que, por sua vez, é uma espécie de violência doméstica. (BIANCHINI, 2014, p. 33).

Além de a violência ter por base a questão de gênero, o legislador ainda preocupou-se em delimitar o campo de abrangência da Lei, especificando três situações de incidência de suas normas, conforme preconiza o art. 5º da Lei 11.340/06.2 O contexto doméstico ou familiar da ação ou a existência de uma relação íntima de afeto integra outro requisito essencial para o enquadramento na Lei Maria da Penha.

Inicialmente, destaca-se que o conceito de unidade doméstica é definido pela própria Lei, que a interpreta como um local de convívio permanente de pessoas, em típico ambiente familiar, ainda que esporadicamente agregadas e sem vínculo afetivo ou familiar entre si. (BRASIL, 2006). Esse é, na essência, o conceito da expressão relações domésticas constante no art. 61, II, f, do CP:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...]

II - ter o agente cometido o crime:

1

Reforçando tal regra, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC): APELAÇÃO CRIMINAL.CRIMES DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO, LESÃO CORPORAL, AMEAÇA E INJÚRIA PRATICADO CONTRA HOMEM NO ÂMBITO DOMÉSTICO/FAMILIAR. INAPLICABILIDADE DA

LEI MARIA DA PENHA. LEI ESPECIAL QUE AMPARA EXCLUSIVAMENTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA/FAMILIAR PRATICADA CONTRA MULHER. RECURSO CONHECIDO E

DESPROVIDO. "Se os autos versam sobre crime praticado com violência doméstica, todavia, contra uma vítima do sexo masculino, a Lei Maria da Penha não pode ser aplicada, eis que a legislação especial trata exclusivamente dos crimes cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar [...]" (TJMG, Conflito de Jurisdição n. 1.0000.07.465785-9/000(1), de Ribeirão das Neves, rel. Des. Fernando Starling, j. 13-5-2008). (SANTA CATARINA, 2014a, grifo nosso).

2

Com efeito, dispõe o art. 5º da Lei 11.340/06: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006).

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20

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; [...]. (BRASIL, 1940).

Torna-se essencial interpretar referido conceito a fim de evitar reflexos indevidos no campo penal. A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Isso porque não seria lógico que qualquer mulher, bastando estar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha. (NUCCI, 2008, p. 1129).

No que concerne ao âmbito familiar, imperioso salientar que, para efeito de sua aplicação, a Lei Maria da Penha definiu o termo família como “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa.” (BRASIL, 2006).

Desta forma, configura-se essencial para a incidência da Lei Maria da Penha que a vítima pertença à família, ou seja, possua estreita ligação com os demais membros da unidade doméstica. Para isso, não se exige que a ligação decorra apenas de laços naturais, sendo possível, outrossim, que seja por afinidade ou vontade expressa.

Por fim, de acordo com o inciso III do art. 5º da Lei 11.340/06, qualquer relação íntima de afeto3 caracteriza outra hipótese de aplicação de mencionada Lei. Por relação íntima de afeto entende-se, segundo Nucci, “o relacionamento estreito entre duas pessoas, fundamentado em amizade, amor, simpatia, dentre outros sentimentos de aproximação.” (NUCCI, 2008, p. 1130).

Nesta modalidade, dispensa-se tanto a coabitação sob o mesmo teto, quanto o parentesco familiar. Assim, ainda que não vivam sob o mesmo teto, havendo violência e sendo a relação íntima de afeto a causa dessa violência, a mulher torna-se merecedora da proteção conferida pela Lei Maria da Penha. (DIAS, 2012, p. 49).

Portanto, é possível afirmar que a Lei Maria da Pena considera violência doméstica, especificada no gênero, quando levadas a efeito no âmbito das relações familiares ou afetivas dispostas no art. 5º da Lei, em conjunto com as ações descritas no art. 7º do mesmo texto legal. Afigura-se, assim, fundamental o estudo destas ações de violência.

3

Nesse sentido, colhe-se do TJSC: APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DELITO DE LESÃO CORPORAL (ARTIGO 129, § 9°, DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. AVENTADA INAPLICABILIDADE DA LEI N. 11.340/06. RELAÇÃO ÍNTIMA DE

AFETO E CONVIVÊNCIA CARACTERIZADA. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA À HIPÓTESE. [...]. 1. Devidamente caracterizado que a ré e vítima conviveram por um determinado tempo e

que mantiveram, nesse período, relação íntima de afeto, é indiscutível que as lesões proferidas por aquela contra esta e que tenham origem em elementos decorrentes do relacionamento pretérito configurem, efetivamente, violência doméstica e familiar a que alude a Lei n. 11.340/06. [...]. (SANTA CATARINA, 2015a, grifo nosso).

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21

2.3 DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA

A Lei Maria da Penha elenca as condutas que considera como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.4 Embora extensas, não se tratam de numerus clausus, podendo, assim, haver o reconhecimento de outras condutas nesse contexto.

Consoante o texto legal em estudo, cinco são as formas de violência mencionadas expressamente na Lei: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. (BRASIL, 2006). Para uma melhor compreensão delas, torna-se necessário uma abordagem de forma individual.

2.3.1 Violência física

A violência física pode ser entendida como uma lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar. Segundo Bianchini, é o tipo de violência de gênero prevista na Lei Maria da Penha com maior incidência. (BIANCHINI, 2014, p. 49).

Cumpre destacar que a violência doméstica configura uma forma qualificada do delito de lesões corporais5, conforme dispõe o art. 129, §9º do CP:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

4 Sobre o tema, preconiza o art. 7º da Lei Maria da Penha: Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar

contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).

5 Nesse norte, colhe-se do TJSC: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A PESSOA. LESÃO

CORPORAL LEVE MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL). [...] PALAVRAS DA VÍTIMA E DA FILHA DA OFENDIDA EM CONSONÂNCIA COM O

CATEGÓRICO RESULTADO DO LAUDO PERICIAL. AGENTE QUE AGRIDE SUA EX-COMPANHEIRA OCASIONANDO-LHE LESÕES CORPORAIS APARENTES. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PLEITEADA, SUBSIDIARIAMENTE, A APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 129, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS AUSENTES. [...] 2. "Comprovado pelo exame de corpo de delito que houve ofensa física voltada à integridade ou a saúde do corpo humano - bens jurídicos tutelados pelo tipo penal de lesão corporal -, está caracterizada a relevância da conduta do apelante para a sociedade, impondo-se a intervenção penal do Estado". (TJSC - Apelação Criminal n. 2011.012058-8, de Joinville, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. em 14/08/2012). [...]. (SANTA CATARINA, 2014b, grifo nosso).

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Pena - detenção, de três meses a um ano. [...]

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006). (BRASIL, 1940).

A Lei Maria da Penha não alterou o texto do artigo supramencionado, apenas alterou a duração da pena: anteriormente, de seis meses a um ano e, atualmente, três meses a três anos. (DIAS, 2014, p. 75).

Salienta-se ainda que a Lei acrescentou à parte final do dispositivo 61 do CP, que trata das circunstâncias agravantes, a hipótese de violência praticada contra a mulher na forma da lei específica.6

Por fim, insta destacar que, se o crime praticado foi o de lesão corporal, não há o que se falar na incidência da agravante acima mencionada, haja vista que esta circunstância já qualifica o delito (art. 129, §9º do CP), e não pode haver dupla punição pela prática do mesmo fato, conforme regramento penal. (NUCCI, 2008, p. 1131-1132).

2.3.2 Violência psicológica

A violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará. (DIAS, 2012, p. 67).

Tal violência consiste na agressão emocional e encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder. (DIAS, 2012, p. 67). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado7, inferiorizado e diminuído, configurando, assim, a coação moral. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 61).

6 Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...]. II

- ter o agente cometido o crime: [...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006). [...]. (BRASIL, 1940).

7

Nesses moldes, colhe-se do TJSC: APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. CRIME CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL. AMEAÇA (ARTIGO 147 DO CÓDIGO PENAL). LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006). [...]. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO COMPROVADAS PELAS PALAVRAS DA VÍTIMA E TESTEMUNHAS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE

DEMONSTRA QUE O APELANTE ANUNCIOU SUA INTENÇÃO DE CAUSAR MAL INJUSTO E GRAVE À VÍTIMA, CAUSANDO-LHE TEMOR. [...].VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA EX-ESPOSA E MÃE DE SEUS FILHOS. CRIME COMETIDO MEDIANTE A PREVALÊNCIA DAS

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23

Embora seja uma violência frequente, talvez seja a menos denunciada. Isso porque a vítima, muitas vezes, não percebe que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos constituem violência, devendo, assim, serem denunciadas. (DIAS, 2012, p. 67-68).

Vale lembrar que qualquer delito praticado mediante violência psicológica impõe a majoração da pena, nos termos do art. 61, II, f, do CP. Segundo Nucci, a aplicação dessa agravante deve se reservar aos delitos que, realmente, ingressem no contexto da discriminação contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. (NUCCI, 2008, p. 1132).

2.3.3 Violência sexual

O inciso III do art. 7º da Lei 11.340/06 trata a violência sexual de forma ampla, envolvendo constrangimento físico (coação ou uso de força) 8, indução ao comércio da sexualidade, impedimento de usar qualquer método contraceptivo, dentre outros. (BRASIL, 2006).

O CP, por sua vez, é severo com relação aos crimes perpetrados com abuso de autoridade decorrente de relações domésticas, pois é reconhecido como agravante o fato de o crime ser praticado “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge” (art. 61, II, e do CP); ou quando praticado “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica” (art. 61, II, f do CP). (BRASIL, 1940).

A Lei Penal ainda determina que a pena seja aumentada da metade quando: “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.” (art. 226, II do CP). (BRASIL, 1940).

Ocorre que, como o conceito de violência doméstica da Lei Maria da Penha é mais amplo do que o elenco de majorantes dos delitos sexuais, quando for reconhecida a prática de violência sexual, não cabe o aumento de pena prevista no art. 226, II do CP, mas sim o aumento de pena por incidente da agravante genérica prevista no art. 61, II, f do CP.

RELAÇÕES DOMÉSTICAS E FAMILIARES, ASSIM ENTENDIDAS NA LEI 11.340/2006. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (SANTA CATARINA, 2012a, grifo nosso).

8

Nestes termos, colhe-se do TJRS: Atentado violento ao pudor. Incompetência ratione materiae do Juizado da Infância e Juventude para processar e julgar crimes sexuais cometidos contra mulher (criança ou adolescente), com abuso das relações domésticas. Violação dos artigos 145 e 148 do ECA. Nulidade absoluta reconhecida. Competência do Juizado da Violência Doméstica da Capital, por força do disposto nos artigos 5º e 33 da Lei Maria da Penha. Processo anulado ab initio. Unânime. (RIO GRANDE DO SUL, 2012a).

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24

Além de que haveria dupla punição ao agente, o que não se justifica no âmbito penal. (DIAS, 2012, p. 69-70).

É importante ressaltar que, em regra, os delitos sexuais possuem sua iniciativa condicionada à representação da vítima, com exceção de pessoa vulnerável ou de vítima menor de 18 anos, em que a ação será pública incondicionada. (DIAS, 2012, p. 70).

2.3.4 Violência patrimonial

A violência patrimonial encontra definição no Código Penal entre os delitos contra o patrimônio.9 Essa forma de violência é alvo de questionamentos, dadas às imunidades previstas nas disposições gerais do aludido diploma legal.

Nestes termos, assinala Nucci, “não vemos grande utilidade no contexto penal. Lembremos que há as imunidades (absoluta ou relativa), fixadas pelos arts. 181 e 182 do Código Penal, nos casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar.” (NUCCI, 2008, p. 1132-1133).

Pois bem, é cediço que o CP prevê duas espécies de imunidades: as absolutas ou substanciais, previstas em seu art. 181, e as relativas ou processuais, dispostas no art. 182.

Enquanto a imunidade absoluta prevê isenção de pena quando o crime for praticado em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal ou em prejuízo de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural, a imunidade relativa impõe a prévia oferta de representação do ofendido, quando ele for cônjuge desquitado ou judicialmente separado, irmão, legítimo ou ilegítimo, tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. (BRASIL, 1940).

Com o advento da Lei Maria da Penha, há quem entenda que as imunidades supramencionadas não teriam sido recepcionadas nesse diploma. Para Virginia Feix, “é exatamente pelos pressupostos teóricos e conceituais da violência de gênero, que não se pode aceitar que a Lei Maria da Penha tenha recepcionado as imunidades previstas nos arts. 181 e 182 do CP.” (FEIX apud BIANCHINI, 2014, p. 250).

Filiando-se a esse entendimento, Dias assevera que:

A partir da nova definição de violência doméstica, que reconhece também a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra sua esposa ou companheira, ou, ainda, uma parente do sexo feminino.O Estatuto do Idoso, além de

9

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25

dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta causa de isenção de pena quando a vítima tiver mais de 60 anos. [...] (DIAS, 2012, p. 71, grifo da autora).

Acerca da incidência da violência patrimonial como uma forma de violência inserida no âmbito da Lei Maria da Penha, extrai-se do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONFLITO FAMILIAR.

APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA PARA PROCESSAR E JULGAR A CAUSA QUE É A DO JUÍZO COMUM. MEDIDAS PROTETIVAS. CABIMENTO. Caso dos autos em que a vítima e o réu são, respectivamente, mãe e filho, coabitando a mesma residência e em relação fática de poder do réu sobre a vítima, tendo ficado plenamente demonstradas na prova a violência moral, bem

como a violência patrimonial contra a ofendida perpetradas pelo apelado, razão

pela qual incide na espécie a Lei Maria da Penha. [...]. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL, 2014a, grifo nosso).

Por outro lado, há quem defenda a hipótese de que as imunidades previstas no texto penal não foram revogadas pela Lei Maria da Penha. Nas palavras de Cunha e Pinto, “De sorte que parece equivocada a conclusão de que a Lei Maria da Penha teria alterado esse estado de coisas. Somente uma declaração expressa contida na lei teria o condão de revogar os dispositivos do Código Penal.” (CUNHA; PINTO, 2008, p. 65).

Bianchini também corrobora ao dizer que, “Suprimir a possibilidade de aplicação das imunidades ao agressor implica estender a interpretação e o alcance da Lei Maria da Penha, fazendo-se uma (in)autêntica interpretação extensiva, realizada em total arrepio ao princípio da legalidade.” (BIANCHINI, 2014, p. 251).

O art. 183, I do CP ainda apimenta as divergências ao estabelecer que a violência deve ser praticada com ameaça ou violência à pessoa para que não haja aplicação das imunidades previstas nos arts. 181 e 182 do CP. (BRASIL, 1940), já que, enquanto isso, a Lei Maria da Penha estabelece que a violência patrimonial por si só já caracteriza uma forma de violência passível de punição (art. 7º da Lei).

Analisando referida questão sob o prisma da Lei 11.340/06, que dedica especial proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar – especificada no gênero –, pode-se concluir que tal diploma legal afastou, ainda que implicitamente, o disposto nos arts. 181 e 182, ambos do CP.

Assim, a inércia do legislador em relação à violência patrimonial implicou num desequilíbrio entre a ideia de aplicação na íntegra ou não das causas de imunidade previstas no CP. O que se sabe é que a Lei Maria da Penha tem como bandeira a violência física contra a mulher, mas abarca outras formas de violência em seu texto, como a patrimonial, moral, sexual e psicológica. (PORTO, 2007, p. 63).

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2.3.5 Violência moral

A violência moral baseia-se numa afronta à autoestima e ao reconhecimento social. Encontra proteção penal nos delitos contra a honra: a calúnia, prevista no art. 138 do CP, a difamação, no art. 139 do CP e a injúria10, no art. 140 do mesmo diploma legal.

De modo geral, destaca-se que a calúnia é quando um fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; enquanto na difamação ocorre à imputação de um fato que ofende a reputação da vítima e na injúria o fato atribuído é capaz de ofender a dignidade ou o decoro. (DIAS, 2012, p. 72).

Vale lembrar que, quando esses delitos são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena, conforme dispõe o art. 61, II, f do CP. (DIAS, 2012, p. 73).

Com efeito, a apreciação do histórico da Lei Maria da Penha, ainda que de forma breve, em conjunto com o estudo da violência doméstica e familiar contra a mulher, especialmente o conceito deste tipo de violência, da violência de gênero e de suas formas de atuação da Lei, constituem pontos fundamentais para o completo aprendizado do tema em questão, constituindo, desta forma, um essencial ponto de partida para o próximo tema, que abarca os aspectos processuais do texto legal em estudo.

10 Desse modo, já decidiu o TJSC: PROCESSUAL PENAL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA -

INJÚRIA E AMEAÇA (ARTIGOS 140 E 147 DO CÓDIGO PENAL) - DESAVENÇA ENTRE

COMPANHEIROS - COABITAÇÃO - RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO OU DE CONVIVÊNCIA NO ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 5º, I E III, DA LEI MARIA DA PENHA - COMPETÊNCIA DAS VARAS CRIMINAIS PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO (ARTIGO 33 DA LEI N. 11.340/06) [...]. (SANTA CATARINA, 2008, grifo nosso).

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3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI MARIA DA PENHA

Realizada a abordagem do histórico, conceitos e formas de violência que integram a Lei Maria da Penha, passa-se, em primeiro lugar, a uma análise detida dos aspectos processuais da Lei em comento, mormente quanto à assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Além disso, estuda-se, na sequência, os procedimentos que envolvem a Lei, as medidas protetivas de urgência nela contidas, bem como a atuação do Ministério Púbico, da Assistência Judiciária e, por fim, da Equipe de Atendimento Multidisciplinar.

3.1 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR

O objetivo da Lei Maria da Penha, conforme já oportunamente mencionado, consiste na criação de artifícios que visem à coibição de violência de gênero, quando praticada dentro do contexto doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto, sendo tal violência física, psíquica, sexual, patrimonial ou moral.

Com o intuito de alcançar esse objetivo, a Lei delimitou estratégias de cunho penal e extrapenal. Dentre as estratégias extrapenais, verifica-se a adoção de instrumentos que permitem criar condições de igualdade entre os sexos, dando prioridade às ações de violência perpetradas pelo homem em relação à mulher, que são oriundas de uma tradicional sociedade patriarcal. (BIANCHINI, 2014, p. 85).

A Lei 11.340/06 determina que a obrigação de estabelecer medidas que visem à proteção das mulheres contra a violência doméstica é destinada ao poder público. Nessa esteira, preceitua o art. 3º, §1º da Lei:

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] (BRASIL, 2006).

As políticas mencionadas no art. 3º consubstanciam-se por meio de medidas de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, que são: as medidas integradas de proteção (art. 8º); medidas de assistência à mulher (art. 9º) e medidas voltadas ao atendimento pela autoridade policial (arts. 10 a 12).

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3.1.1 Das medidas integradas de proteção

O art. 8º da Lei Maria da Penha dispõe que a política pública dedicada à coibição de violência doméstica e familiar contra a mulher se fará através de um conjunto de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais. (BRASIL, 2006).

Referido artigo contribui de forma significativa para estabelecer articulação entre as várias instituições que desenvolvem trabalho na área de violência doméstica e familiar contra a mulher, já que especifica os parâmetros de atuação de tais entidades. (BIANCHINI, 2014, p. 87).

Nessa esteira, o legislador preocupou-se, primeiramente, com a integração entre os órgãos responsáveis – cada um no seu campo de atribuição – pelo combate à violência doméstica contra a mulher1. A cooperação entre as entidades governamentais e não governamentais mostra-se importante, pois a falta de integração entre os diversos órgãos competentes do aparelho estatal compõe uma das causas pela falência do combate à criminalidade no país. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 68).

Por conseguinte, a parceria Estado-sociedade é essencial para que a coibição de violência doméstica e familiar contra a mulher obtenha êxito, uma vez que a responsabilidade compartilhada entre ambos possibilita uma maior efetividade às políticas implementadas. (BIANCHINI, 2014, p. 87).

A promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher compõem outra forma de política pública que visa coibir este tipo de violência. (BRASIL, 2006).

O levantamento de dados acerca dessa problemática possibilita o estabelecimento ou reordenação de estratégias mais decisivas em relação aos pontos de maior incidência dos crimes previstos na Lei Maria da Penha. (BIANCHINI, 2014, p. 88).

1 Nesse sentido, é o que dispõe o art. 8º, inciso I, da Lei Maria da Penha: Art. 8º A política pública que visa

coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; [...] (BRASIL, 2006).

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29

Como exemplo desta medida, a própria Lei2 determina que, após a realização das estatísticas, estas serão devidamente incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança. (BRASIL, 2006).

O art. 8º da Lei também destaca a importância do respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família com o intuito de “coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3

º

e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal.” (BRASIL, 2006).

Tal determinação procura evitar, em síntese, que os meios de comunicação transmitam a ideia de que as mulheres assumem papéis que demonstrem inferioridade quando comparadas ao homem dentro da sociedade. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 70).

Outra significativa diretriz das políticas públicas que visam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste no atendimento policial especializado para as mulheres, com a implementação das Delegacias de Atendimento à Mulher. (BRASIL, 2006). A fim de que se possa dar à vítima um atendimento especializado dentro do contexto de violência inserido na Lei Maria da Penha, as ações dessas Delegacias tratam de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal. (BIANCHINI, 2014, p. 89).

Dentro desse cenário, na seleção dos integrantes para compor a Delegacia de Atendimento à Mulher, deve ser dada preferência às policiais do sexo feminino, tendo em vista o natural constrangimento da mulher vítima ao relatar os fatos de agressão sofridos. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 73).

O artigo em estudo ainda traz outras importantes diretrizes que devem servir de alicerce à política pública, tais como:

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

2

Com efeito, preceitua o art. 38 da Lei 11.340/06: Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres. Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça. (BRASIL, 2006).

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VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. (BRASIL, 2006).

Possuindo íntima relação com a determinação de criação de Delegacias de Atendimento à Mulher, enfatiza-se o inciso que trata da formação de profissionais públicos capacitados quanto às questões de gênero, raça ou etnia.

A demanda por profissionais habilitados e capazes de compreender a violência doméstica não deixa de representar uma forma de atendimento humanizado às vítimas desse tipo de violência, já que poderiam agir de uma maneira mais qualificada e eficiente nesses casos. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 75).

Averiguadas as principais medidas integradas de proteção e diante do quadro de violência doméstica do país, é possível constatar que, apesar de todos os investimentos e regulamentações tratados no art. 8º da Lei Maria da Penha, o Estado brasileiro ainda clama por melhorias e concretizações de projetos. Nesse sentido, ressaltam Passinato e Santos:

A Política Nacional para o Enfrentamento da Violência Doméstica contra a Mulher, o Plano Nacional de Políticas para Mulheres e o Pacto Nacional preveem metas e recursos para a realização de capacitação. Embora os esforços tenham sempre ocorrido de maneira intensa e diversificada em todo o país, com a realização de cursos, palestras, seminários, incorporação de disciplinas em cursos de formação de policiais em alguns estados, seu alcance ainda é pequeno e seu impacto não foi ainda avaliado de forma satisfatória. (PASSINATO; SANTOS apud BIANCHINI, 2014, p. 96).

Apuradas as diretrizes conferidas ao poder público, a fim de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, passa-se, pois, ao estudo das medidas que objetivam conferir assistência à mulher.

3.1.2 Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

O art. 9º da Lei 11.340/06 trata da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, que deverá ser prestada de forma articulada e segundo os princípios e diretrizes do Serviço de Assistência Social3, do Sistema Único de Saúde (SUS)4,

3 Regido pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) n. 8.742/93.

4 São leis estruturantes do SUS a Constituição Federal 1988, Título VIII “Da ordem Social”, Seção II Da Saúde;

a Lei Orgânica da Saúde n. 8.080, de 19 de setembro de 1990; a Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade e transferências intergovernamentais.

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do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)5, entre outras normas e políticas públicas de proteção. (BRASIL, 2006).

Esse mesmo artigo interpreta a essência interdisciplinar do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher, conjugando áreas médicas, jurídicas e sociais. Esse tipo de violência é tratado, desta forma, como um problema social, não apenas vinculado à segurança pública, mas, igualmente, à saúde pública. (BIANCHINI, 2014, p. 101).

Consoante Castilhos, as disposições do art. 9º podem ser classificadas em três grupos: políticas públicas de proteção, em especial de assistência social, de saúde e de segurança; normas de proteção no trabalho; e políticas públicas especiais de proteção à saúde, relacionadas à violência sexual. (CASTILHOS apud BIANCHINI, 2014, p. 102).

As políticas públicas de proteção, notadamente de assistência social, de saúde e de segurança, abrangem a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais.6 (BRASIL, 2006).

Trata-se de ação protetiva com o propósito de garantir a subsistência da agredida, a fim de que ela possa romper qualquer vínculo financeiro que mantenha com o agressor, já que a dependência financeira da mulher dificulta, por vezes, o enfrentamento da situação de violência que ela vivencia. (BIANCHINI, 2014, p. 102).

Ressalta-se, por oportuno, que a inclusão das vítimas nesse tipo de programa assistencial depende do juiz. Caso o juiz entenda a necessidade do cadastro da mulher como um meio de dirimir sua situação de vulnerabilidade, poderá determinar o cadastro às autoridades responsáveis. Para isso, é necessário que a mulher cumpra certos requisitos para o recebimento do benefício, como fazer parte de família com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou no caso de até três salários mínimos no total. (BIANCHINI, 2014, p. 103).

No que tange às normas de proteção no trabalho, o legislador – com o objetivo de preservar a integridade física e psicológica da vítima – prevê ações em caso de necessidade de afastamento ou remoção da servidora, conforme dispõe o art. 9º, §2º da Lei:

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

5 Ainda não estabelecido em Lei, o SUSP prevê a articulação de ações federais, estaduais e municipais na área de

Segurança Pública. (BIANCHINI, 2014, p. 101).

6 Preconiza o art. 9º, §1º da Lei Maria da Penha: A assistência à mulher em situação de violência doméstica e

familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. [...] (BRASIL, 2006).

Referências

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