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3.1 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

3.1.3 Do atendimento pela autoridade policial

3.1.3.2 Procedimentos a serem adotados pela polícia

Consoante já salientado, enquanto o art. 11 da Lei Maria da Penha dedica-se às providências a serem tomadas de imediato pela polícia, o art. 12 da mesma Lei refere-se aos procedimentos imediatos e formais a serem prestados pela autoridade policial:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. [...] (BRASIL, 2006).

Da análise do artigo supracitado, é possível constatar que as providências dos incisos I, II, IV, V, VI e VII não trazem muita novidade, já que tais medidas são consagradas

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no Código de Processo Penal (CPP) e há muito praticadas pela autoridades policiais. Assim, somente a determinação de remessa do expediente no prazo de 48 horas para o juiz, contendo pedido da ofendida para a concessão das medidas protetivas de urgência, constitui uma inovação positiva. (NUCCI, 2008, p. 1136).

Dessa forma, percebe-se que dentre os procedimentos atribuídos à autoridade policial, relacionam-se, em seu conjunto, dois aspectos preponderantes: a conclusão do inquérito policial e a elaboração do pedido da ofendida, encaminhado ao juízo, para o deferimento das medidas protetivas de urgência. (PORTO, 2008, p. 76).

3.1.3.2.1 Elaboração do Inquérito Policial

A princípio, o art. 12, inciso I, da Lei Maria da Penha estabelece que cabe à autoridade policial ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar sua representação a termo. (BRASIL, 2006).

Ao comparar referido inciso com o caput do próprio art. 12, percebe-se que o procedimento de ouvir a ofendida não se confunde com o registro de ocorrência. Trata-se, na verdade, de tomar a termo as declarações da vítima a fim de que se possa averiguar se haverá representação ou não. (PORTO, 2008, p. 76-77).

A representação trata de condição para o desencadeamento da ação penal. Aliás, tal regra encontra-se consubstanciada no art. 5º, § 4º do CPP: “o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.” (BRASIL, 1941).

Tendo em vista o que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a representação somente é exigível quando se tratar de delito de ação privada ou pública condicionada à representação. Se o crime for de lesão corporal leve, não há necessidade de representação, pois, em sede de violência doméstica, está afastada a Lei 9.099/95, de acordo com o art. 41 da Lei Maria da Penha.8 (DIAS, 2012, p. 175).

Importante frisar que a remessa do expediente de solicitação de medida protetiva não está condicionada à oferta da representação, pois esta constitui condição para a ação e não para o pedido de proteção. (DIAS, 2012, p. 175).

Ademais, destaca-se que não se pode negar à vítima o direito de exercer seu direito de representação no semestre legal, sendo-lhe viável registrar o fato e solicitar a suspensão das investigações enquanto corre o prazo decadencial. (PORTO, 2008, p. 78).

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Consoante a decisão do STF, ADC 19-3/610 e ADI 4.424, j. 08.02.2012, rel. Min. Marco Aurélio, a lesão corporal leve é de natureza pública incondicionada.

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Dada a já mencionada impossibilidade de aplicação da Lei dos Juizados Especiais em casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, resta, consequentemente, afastada a apuração policial através de termo circunstanciado, impondo doravante investigações via inquérito policial. (PORTO, 2008, p. 78).

Oportunamente, convém acentuar que, embora silente a lei, nos casos de ação penal privada, também deve a autoridade policial realizar inquérito policial, desde que o crime tenha sido praticado com violência moral, sexual ou psicológica contra a vítima, caracterizando algum ilícito processável por meio de queixa-crime. (PORTO, 2008, p. 79).

Outro tema relevante inserido no contexto da elaboração do inquérito policial diz respeito ao exame de corpo de delito. Ao passo que o art. 158 do CPP afirma que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” (BRASIL, 1941), o art. 12, §3º da Lei Maria da Penha estabelece que “serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.” (BRASIL, 2006).

Assim, resta a indagação se laudos ou prontuários fornecidos por hospitais e postos de saúde podem suprir o exame de corpo de delito formal de que trata o regimento processual penal, para os efeitos de embasarem uma condenação, visto que, segundo os doutrinadores Cunha e Pinto, os laudos ou prontuários médicos servirão ao oferecimento da inicial – denúncia ou queixa –, porém não à condenação, que exigirá prova segura da materialidade, alcançada apenas com o exame de corpo de delito. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 96-97).

Porto filia-se a esse entendimento ao afirmar que:

[...] concorda-se que a regra do art. 12, §3º, da Lei 11.340/06 deva ser interpretada como concessão legal provisória, admitindo-se laudos e prontuários médicos apenas para os seguintes efeitos: a) instrução de pedidos de medidas de proteção urgentes originários da ofendida ou do Ministério Público; b) instrução de representações da autoridade policial ou requerimentos do Ministério Público pela prisão preventiva do agressor (art. 20 da LMP); c) justa causa para o recebimento da denúncia. Para fins de condenação criminal, indispensável será o exame de corpo de delito elaborado nos moldes dos arts. 158 e seguintes do CPP, por ser instrumento probatório formal, imprescindível quando a infração deixar vestígios. [...] (PORTO, 2007, p. 81).

Com efeito, o art. 77, § 1º, da Lei 9.099/95 afirma que, para o oferecimento da denúncia, é prescindível o exame de corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. (BRASIL, 1995). A jurisprudência, interpretando este dispositivo, entende que o boletim médico é apto para embasar uma

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denúncia, mas, para a efetiva condenação, é obrigatória a presença do exame de corpo de delito.9 (CUNHA; PINTO, 2008, p. 97).

Sendo assim, pode-se entender que, para o deferimento das medidas protetivas de urgência ou, então, para a instauração do inquérito policial, os laudos ou prontuários médicos são, por si só, suficientes. Para justificar uma condenação, no entanto, deve-se atender o disposto no art. 158 do CPP, que proclama a elaboração do respectivo exame de corpo de delito.

3.1.3.2.2 O pedido da ofendida para obtenção das medidas protetivas de urgência

Dentre os procedimentos a serem adotados pela polícia elencados no art. 12 da Lei 11.340/06, sobressai-se a determinação contida no inciso III, no qual consta que compete à autoridade policial remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão das medidas protetivas de urgência. (BRASIL, 2006).

Trata-se de relevante atribuição à polícia, pois consiste na elaboração do material do pedido da ofendida, que deverá contar com a supervisão de um delegado de polícia e cumprir as exigências contidas no art. 12, §§ 1º e 2º da Lei Maria da Penha.10

Por se tratar de um pedido a ser apresentado à decisão judicial, torna-se necessário que seja instruído com cópia do boletim de ocorrência e outros documentos obtidos pela vítima ou pela investigação policial e deverá ser encaminhado ao juízo competente no prazo de 48 horas a contar do registro da ocorrência por parte da vítima. (PORTO, 2008, p. 83).

O dispositivo em estudo ainda deixa claro que a concessão das medidas protetivas de urgência, previstas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei, dependem do pedido da ofendida. Assim, nada impede que a vítima, apesar de ter sofrido uma infração penal, não busque a adoção de nenhuma medida. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 95).

9 Nesse sentido, já proferiu o TJRS: APELAÇÃO- CRIME. LESÕES CORPORAIS LEVES. VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. O atestado médico, apoiado pela prova oral, não é suficiente para comprovar a materialidade delitiva da espécie, pois se trata de delito que deixa vestígios, necessitando, por isso, segundo exigência legal, do exame competente para atestar sua existência. Exegese do artigo 158 do Código de Processo Penal e do parágrafo 3º do artigo 12 da Lei 11.340/2006. Absolvição que se impõe, por ausência de materialidade. RECURSO PROVIDO. POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL. 2014b).

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Assim dispõe: [...]§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. [...] (BRASIL, 2006).

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Desta forma, num primeiro momento, cumpre à ofendida manifestar sua vontade de postular as medidas protetivas perante a autoridade policial. Nada impede, contudo, que, mais adiante, possa o Ministério Público, já em juízo, agir ex officio, pleiteando a adoção de medidas cabíveis, sobretudo quando em defesa de eventuais incapazes que convivam em meio ao conflituoso relacionamento. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 95).

Vale ressaltar que as medidas protetivas de urgência ainda serão objeto de estudo mais aprofundado no presente trabalho. No mais, tendo em vista que tanto a formação do inquérito policial como a postulação das medidas protetivas de urgência tramitam, em regra, perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, refere-se necessário sua análise, além de outros aspectos que envolvem os procedimentos da Lei.