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Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

3.1 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

3.1.2 Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

O art. 9º da Lei 11.340/06 trata da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, que deverá ser prestada de forma articulada e segundo os princípios e diretrizes do Serviço de Assistência Social3, do Sistema Único de Saúde (SUS)4,

3 Regido pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) n. 8.742/93.

4 São leis estruturantes do SUS a Constituição Federal 1988, Título VIII “Da ordem Social”, Seção II Da Saúde;

a Lei Orgânica da Saúde n. 8.080, de 19 de setembro de 1990; a Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade e transferências intergovernamentais.

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do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)5, entre outras normas e políticas públicas de proteção. (BRASIL, 2006).

Esse mesmo artigo interpreta a essência interdisciplinar do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher, conjugando áreas médicas, jurídicas e sociais. Esse tipo de violência é tratado, desta forma, como um problema social, não apenas vinculado à segurança pública, mas, igualmente, à saúde pública. (BIANCHINI, 2014, p. 101).

Consoante Castilhos, as disposições do art. 9º podem ser classificadas em três grupos: políticas públicas de proteção, em especial de assistência social, de saúde e de segurança; normas de proteção no trabalho; e políticas públicas especiais de proteção à saúde, relacionadas à violência sexual. (CASTILHOS apud BIANCHINI, 2014, p. 102).

As políticas públicas de proteção, notadamente de assistência social, de saúde e de segurança, abrangem a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais.6 (BRASIL, 2006).

Trata-se de ação protetiva com o propósito de garantir a subsistência da agredida, a fim de que ela possa romper qualquer vínculo financeiro que mantenha com o agressor, já que a dependência financeira da mulher dificulta, por vezes, o enfrentamento da situação de violência que ela vivencia. (BIANCHINI, 2014, p. 102).

Ressalta-se, por oportuno, que a inclusão das vítimas nesse tipo de programa assistencial depende do juiz. Caso o juiz entenda a necessidade do cadastro da mulher como um meio de dirimir sua situação de vulnerabilidade, poderá determinar o cadastro às autoridades responsáveis. Para isso, é necessário que a mulher cumpra certos requisitos para o recebimento do benefício, como fazer parte de família com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou no caso de até três salários mínimos no total. (BIANCHINI, 2014, p. 103).

No que tange às normas de proteção no trabalho, o legislador – com o objetivo de preservar a integridade física e psicológica da vítima – prevê ações em caso de necessidade de afastamento ou remoção da servidora, conforme dispõe o art. 9º, §2º da Lei:

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

5 Ainda não estabelecido em Lei, o SUSP prevê a articulação de ações federais, estaduais e municipais na área de

Segurança Pública. (BIANCHINI, 2014, p. 101).

6 Preconiza o art. 9º, §1º da Lei Maria da Penha: A assistência à mulher em situação de violência doméstica e

familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. [...] (BRASIL, 2006).

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I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. [...]. (BRASIL, 2006).

Inicialmente, depreende-se que o texto legal em estudo garante à servidora pública em situação de violência doméstica e familiar acesso prioritário à remoção. Segundo o art. 36 da Lei 8.112/90, remoção “é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.” (BRASIL, 1990).

A possibilidade de afastar-se do ambiente de trabalho sem que abra mão do cargo ocupado é uma maneira encontrada pelo legislador de proteger a funcionária pública de violência doméstica e familiar. (BIANCHINI, 2014, p. 104).

Contudo, alguns empecilhos foram detectados na implementação dessa norma. Por exemplo, à servidora pública municipal esse dispositivo não tem qualquer aplicação, dada a impossibilidade de obrigar um município a cumprir ordem de juiz cuja competência não o atinja. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 79).

Além disso, verifica-se, neste caso, a não obrigatoriedade de um município em receber servidora vinculada a outro, bem como a possível violação do art. 37, II, da CRFB/88, que prevê a obrigatoriedade de concurso público como única forma de acesso à administração pública. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 80).

Outra questão que enfrentaria dificuldade de implementação diz respeito a qual seria o juízo competente para determinar a remoção de servidora pública federal. Ora, ao mesmo tempo em que não seria possível um juiz estadual determinar a remoção de funcionária pública estadual, por ser competência exclusiva do juiz federal, não cabe ao juiz federal julgar questões envolvendo violência doméstica. (BIANCHINI, 2014, p. 104-105).

A Lei Maria da Penha ainda prevê a possibilidade de manutenção do vínculo trabalhista a funcionárias em situação de violência, caso seja necessário o afastamento da trabalhadora por até 06 (seis) meses. (BRASIL, 2006).

A previsão de estabilidade da empregada em caso de afastamento do emprego deixou algumas dúvidas em relação à natureza jurídica do afastamento do trabalho: se deve ou não haver a manutenção do pagamento de salários nesse período e, havendo, quem arcaria com esse ônus, a previdência social ou o empregador. (BIANCHINI, 2014, p. 105).

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O posicionamento doutrinário não é unânime. No que se refere à natureza jurídica do afastamento da vítima, questiona-se se tal situação caracterizaria a suspensão do contrato de trabalho ou a interrupção7 deste.

Os doutrinadores Martins e Porto defendem a ideia de que se trata de suspensão do contrato de trabalho, período no qual não deverá haver o recebimento de salário por parte da afastada. (MARTINS apud BIANCHINI, 2014, p. 106; PORTO, 2007, p. 105).

Dias, Cunha e Pinto e Bianchini também entendem que se trata de suspensão do contrato de trabalho, entretanto o salário não deve ser uma obrigação do empregador, e sim do órgão previdenciário. Assim, devem ser utilizadas as regras de auxílio-doença para casos de afastamento laboral devido à violência doméstica. (DIAS, 2012, p. 166-167; PINTO, 2008, p. 82-83; BIANCHINI, 2014, p. 107).

Segundo Bianchini, tal entendimento – o qual parece ser o mais viável – é consubstanciado na própria finalidade da Lei Maria da Penha, que, além de buscar a criação de mecanismos para coibir a violência de gênero, dedica-se a atender o compromisso estabelecido no art. 226, §8º da CRFB/88: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (BIANCHINI, 2014, p. 106; BRASIL, 1988).

Há polêmica, igualmente, no juízo competente para lidar com as questões referentes ao afastamento da mulher vítima de violência doméstica, se seria responsabilidade dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher ou da Justiça do Trabalho.

Dias e Porto entendem que a competência para enquadramento na hipótese de violência doméstica cabe ao Juizado, pois o litígio não versa sobre a relação de empregado e empregador. (DIAS, 2012, p. 164-165; PORTO, 2007, p. 104). Porto, por sua vez, reconhece a competência subsidiária da Justiça do Trabalho caso o juiz criminal não cumpra a determinação de reintegração ou restabelecimento trabalhista. (PORTO, 2007, p. 104).

Por outro lado, Cunha e Pinto, Bianchini, Martins defendem que a competência deve ser conferida à Justiça do Trabalho, que aparenta ser a ideia mais coerente, pois a CRFB/88 é clara ao estabelecer, por meio do art. 114, que as ações envolvendo relações de trabalho devem ser processadas e julgadas nesta justiça. (CUNHA; PINTO, 2008, p. 84; BIANCHINI, 2014, p. 107; MARTINS apud DIAS, 2012, p. 165).

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De acordo com Garcia (2011, p. 294), a suspensão e a interrupção do contrato de trabalho apresentam em comum a suspensão da prestação de serviços pelo empregado, de forma temporária. Na suspensão, não são devidos os salários, nem há cômputo do período de paralisação no tempo de serviço do empregado. Diferentemente, na interrupção os salários são devidos e o período de afastamento é considerado como tempo de serviço.

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Após a averiguação das políticas públicas de proteção à vítima de violência doméstica e familiar, bem como das normas de proteção do trabalho, resta aprofundar-se nas políticas públicas de proteção à saúde, em especial à mulher vítima de violência sexual.

Como se sabe, a violência sexual é capaz de causar danos à mulher de ordem psíquica e física, como exemplo deste último dano, o risco de contrair doença sexualmente transmissível ou até mesmo engravidar. Assim, o legislador preocupou-se em inserir medidas de proteção à saúde à mulher através do parágrafo terceiro do art. 9º da Lei:

[...] § 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. (BRASIL, 2006).

Depreende-se do parágrafo supracitado que houve um reforço de medidas que visam a um atendimento especial para as vítimas de violência sexual, previstas em legislações e normas técnicas voltadas à proteção e à promoção da saúde integral dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. (BIANCHINI, 2014, p. 108).

Expostos os principais aspectos da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, resta, por fim, o estudo das medidas voltadas ao atendimento assistencial pela autoridade policial.