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P.º R. P. 48/2006 DSJ-CT-

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P.º R. P. 48/2006 DSJ-CT- Duplicação total ou parcial de descrições – Poderes do conservador – Esclarecimentos quanto à identidade e génese dos prédios omissos – Usucapião – Posse não titulada – Composse e sucessão na posse - Casamento no regime da comunhão de adquiridos - Conteúdo da escritura pública de justificação - Matriz.

PARECER

Relatório

Pela ap.4/20051229 foi requerido na Conservatória do Registo Predial d … o registo de aquisição de prédio omisso a favor da apresentante, ora recorrente, e outros, indicados na requisição e nos documentos juntos.

O pedido, instruído com fotocópias certificadas de alvará de loteamento e posteriores alterações, de escrituras públicas de justificação, de rectificação da justificação, e de habilitações de herdeiros, de dez procurações e de caderneta predial urbana, veio a ser recusado pelo Sr. conservador que, em face dos documentos juntos e das declarações produzidas no verso da requisição, entendeu haver sólida prova documental em como a parcela de terreno de que se pretende o registo faz parte de um prédio já descrito na conservatória sob o nº1814, objecto de loteamento urbano.

Constituiu também motivo de recusa o facto da requerente não ter indicado qual a causa que pretende invocar como a da pretensa aquisição: se a usucapião, se a dissolução das comunhões conjugais e sucessões hereditárias dos autores da herança, apontando-se, ainda, no despacho de qualificação, a contradição que dos documentos apresentados resulta quanto à data do início da posse invocada para efeitos de usucapião.

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Foi desta recusa interposto o presente recurso hierárquico1, nos termos e com os

fundamentos que aqui se dão por reproduzidos, com os quais, em síntese, se procura rebater os argumentos aduzidos pelo Sr. conservador, suscitando-se, essencialmente, para o efeito o conteúdo da escritura pública de justificação, em que se invoca a aquisição de um prédio urbano por usucapião fundada em posse, iniciada em 1972 por partilha verbal por óbito de Adelino … e José …, e rejeitando-se liminarmente qualquer ligação com o loteamento a que rejeitando-se refere o despacho de recusa.

No despacho de sustentação foram, em suma, desenvolvidas as razões que haviam motivado a recusa tomando agora também por base os argumentos aduzidos pela recorrente.

Vistas sumariamente as posições em confronto, como não há questões prejudiciais que obstem à apreciação do mérito do recurso2, cumpre emitir parecer.

Fundamentação

1. Considerando ser a identidade do prédio trazido a registo a questão essencial deste processo, vejamos, em primeiro lugar, o que de relevante nos oferecem os autos a este propósito.

1 Tendo em conta o enquadramento legal do recurso efectuado pela recorrente ao invocar preceitos do direito

administrativo, cumpre salientar que, como correntemente se tem defendido em recursos anteriores, a impugnação das decisões dos conservadores que contendam com a qualificação de registos não segue os trâmites do processo administrativo pois, apesar de estar em causa uma actividade exercida por um serviço público, o seu núcleo de efeitos directos e imediatos circunscreve-se à esfera jurídico-privada. Não serão, por isso, ponderadas as disposições do Código do Procedimento Administrativo invocadas.

2

Faz-se notar que na apreciação de mérito não se atenderá à certidão junta ao requerimento de recurso porquanto não é admitida na fase de impugnação a apresentação de quaisquer documentos que não tenham instruído o processo de registo e que, por isso, não tenham constituído objecto da qualificação do conservador.

Propõe-se, em conformidade, que a referida certidão seja desentranhada dos autos e restituída aos interessados (cfr. a este propósito o Proc. nº R.P. 120/2000 DSJ-CT, publicado no BRN 11/2000, II caderno, pág. 23).

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1.1. Por escritura pública de 9 de Abril de 2001, procedeu-se ao suprimento da falta de título comprovativo da aquisição de um prédio urbano, que se identificou ser composto por parcela de terreno para construção, com a área de 1 211m2, sito na Rua …, Casal do …, freguesia e concelho do …, a confinar do norte com Rua …, do sul com B…, do nascente com Rua dos … e do poente com Rua …, inscrito na matriz sob o artigo 8937 e omisso na competente Conservatória, e se declarou nada ter a ver com o prédio descrito sob o nº 1812, da freguesia do … posto ser parte sobrante de uma parcela de terreno encravada que só agora foi considerada para efeitos fiscais por iniciativa particular.

1.1.1. Ainda de acordo com a referida escritura pública, o prédio veio à posse dos justificantes, representados da primeira outorgante, por partilha verbal por óbito de Adelino … e José …, feita por volta do ano de 1970, e que desde essa altura, por isso, há mais de 20 anos, exercem aqueles uma posse contínua, pública, pacífica e de boa fé, conducente à aquisição por usucapião, que expressamente invocam.

1.1.2. A mesma escritura pública veio a ser rectificada por escritura pública de 11 de Março de 2003 como o intuito de ampliar o núcleo dos justificantes, reforçando-se ainda a declaração aposta na escritura pública inicial no reforçando-sentido da parcela de terreno objecto de justificação nada ter a haver com o já referido prédio nº 1812.

1.2. Em 29 de Dezembro de 2005 vem a ser pedido o registo de aquisição a favor das pessoas que nas escrituras públicas figuram como justificantes, declarando-se no verso da requisição os elementos de identificação do prédio já mencionados no título e, bem assim, que o mesmo é parte sobrante do referido alvará e está omisso na conservatória.

1.2.1. Ao pedido de registo foram juntas fotocópias do alvará de loteamento nº 5/79 e respectivos anexos de alteração, passado a Adelino …, José … e Francisco … e tendo por objecto os prédios descritos na Conservatória do … sob os números 20 683, a fls. … do livro B-.., e 19 074, a fls. .. do livro B-…, inscritos na matriz sob os

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artigos 1 da secção C1 e 35 da secção C do cadastro, respectivamente, e caderneta predial urbana do artigo 8937, onde se estabelece correspondência entre o novo artigo e o artigo 1-C1.

1.3. Confrontando agora o que se acha em arquivo na Conservatória, verificamos que, efectivamente, o prédio descrito sob o n.º 20 683, fls. … do livro B-.., extractado para a ficha nº01814/291178, da freguesia do …, sito no Casal … e inscrito na matriz sob parte do artigo 1, secção CC-1, se encontra registado a favor de Adelino … e José …, por compra, e vem sendo fraccionado ao abrigo do alvará de loteamento junto aos autos que, todavia, não chegou a ser registado após a entrada em vigor do Código do Registo Predial aprovado pelo Decreto-Lei nº224/84, de 6 de Julho, diploma que veio a integrar a emissão de alvará de loteamento no elenco dos factos sujeitos a registo.

1.3.1. Verifica-se, por outro lado, que este prédio, desanexado do prédio descrito sob o nº 14 399, a fls. … do livro B-… (actualmente extractado na ficha nº02420/170745, …), foi descrito com a área de 60 515 m2, dos quais, aparentemente, apenas cerca de 35 055 m2 correspondem à área loteada3,

sobrando, por isso, cerca de 25 460 m2, nos quais poderão estar incluídos os 1 211m2 respeitantes ao prédio objecto da justificação notarial, que expressamente se declara para efeitos de registo como parte sobrante do referido loteamento.

3 De acordo com o alvará de loteamento nº 5/79, no prédio pertencente a Adelino … e José … são criados os lotes 3 a

22 e 25 a 71, com a área total de 34 134 m2.

Este alvará veio a ser alterado em Janeiro de 1981 mediante a eliminação do lote 67, com 600 m2, distribuindo-se a sua área pelos lotes 66 e 68, cada um com 480 m2, que passam a ter a área de 780 m2 cada um, e a criação de um novo lote com o nº72 e área de 921m2 que se presume acrescer à área inicial loteada e que passa a totalizar 35 055 m2.

Em Outubro de 1981 volta a ser alterado o alvará de loteamento nº5/79 por reformulação da área dos lotes 3 a 22, 25 a 30 e 32 a 38, implicando uma redução final de 189 m2 que se presume destinar-se à abertura de acesso referida no anexo respectivo.

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1.4. Da análise articulada de todos os factos que antecedem, designadamente, das declarações dos interessados, que, ora em sede de registo, ora nas procurações outorgadas, associam ao loteamento nº5/79 o objecto dos contratos e registos a realizar pela mandatária, do teor da caderneta predial que atribui ao prédio uma proveniência no mesmo artigo matricial4 e da circunstância de se ter adquirido o

prédio, dado como omisso, por partilha verbal da herança daqueles que são também os titulares inscritos, resultam, com efeito, indícios de que a génese do prédio trazido a registo pode estar naquela descrição nº01814/291178, o que, quanto a nós, constituiria, desde logo, motivo de dúvidas, nos termos do disposto nos artigos 68º e 70º do Código do Registo Predial.

1.4.1. Por outro lado, impedem uma completa e precisa averiguação da situação registral do prédio justificado a falta do cumprimento do disposto no artigo 42º, nº6, do Código do Registo Predial, dado não ter sido declarada complementarmente a identificação dos proprietários imediatamente anteriores aos autores das heranças referidos no título5, a omissão de quaisquer referências de identificação

da parcela sobrante mencionada na justificação notarial, da qual o prédio trazido a registo alegadamente constitui parte, e o facto da descrição nº 01814/291178 indicar o prédio como sito no Casal …6, pese embora se diga expressamente nas

procurações juntas que o loteamento se situa no Casal … e igualmente se declare o prédio a registar como localizado no Casal do ….

4Apesar do prédio descrito sob o nº20 683 (ficha nº 01814/291178) ter sido desanexado do prédio nº14 399 (ficha

nº02420/170745) e a este ter correspondido a totalidade do artigo 1 secção CC -1, os restantes elementos do processo de registo tornam pouco provável que a parcela de terreno a registar tenha tido origem nesta descrição mais antiga que, aliás, foi loteada ao abrigo de um outro alvará.

5Não se afigura útil equacionar aqui um eventual suprimento de deficiências com base no duplicado da requisição da

certidão que serviu de base à escritura pública de justificação posto inexistirem no título elementos que permitam identificar o original.

6 Considerando que também ao prédio descrito sob o nº 02420/170745 (anterior descrição nº14 399 do livro B-36), se

veio a atribuir localização no Casal … – ap.04/140193 - parece de equacionar a possibilidade de serem contíguos os locais Casal … e Casal … ou tratar-se de um mesmo local mas com denominações diferentes.

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1.5. Dada a importância que a descrição assume no nosso sistema de registo enquanto suporte de todas as inscrições e, desse modo, referência essencial à publicitação das situações jurídicas com vista à segurança do comércio jurídico imobiliário, será este escopo essencial da actividade registral, definido no artigo 1º do Código do Registo Predial, tanto mais alcançado quanto correcta e fidedigna for a informação que o sustenta.

1.5.1. Donde, caberá ao conservador suscitar, em sede de qualificação, e aos interessados prestar, todos os esclarecimentos que permitam afastar uma eventual duplicação de descrições, dadas as consequências negativas que da mesma podem advir, nomeadamente, em sede de presunções de titularidades e de direitos conflituantes.

1.5.2. Assim cremos dever ser também no caso em apreço, cumprindo aos justificantes esclarecer todas as contradições do processo de registo, suprir as omissões apontadas e, bem assim, demonstrar de que modo pode o prédio corresponder a parte sobrante do alvará de loteamento nº5/79 sem, ao mesmo tempo, ser parte a desanexar do prédio descrito sob o nº01814/2911787,

anteriormente descrito sob o nº20 683, fls. 152 do livro B-52, e que, em face do referido alvará, constituiu um dos objectos da transformação fundiária autorizada.

7

Não obstante o disposto no artigo 42º, nº5, do Código do Registo Predial, supõe-se indispensável à correcta publicitação da situação registral de cada prédio, designadamente em sede de emissão de meios de prova, que da anotação da apresentação no livro-diário fique a constar expressa referência ao prédio fraccionado ou a fraccionar, quando descrito, devendo este dado ser colhido do título apresentado ou da requisição de registo.

Ora, se, no caso em apreço, os interessados não estabelecem no título ou na requisição de registo qualquer ligação entre o prédio a registar e um outro prédio já descrito, repudiando-a mesmo expressamente quando ao prédio nº01814/291178, mal se compreende que a Conservatória tenha procedido à abertura da descrição nos termos do disposto no artigo 80º, nº2, 2ª parte, do Código do Registo Predial, anotando no referido prédio nº01814/291178 a desanexação do prédio trazido a registo.

Depreende-se da actuação da Conservatória a necessidade de acautelar a duplicação das descrições, contudo, esta só se consumaria se a descrição entretanto aberta não viesse a ser inutilizada, como deveria, na sequência da eventual improcedência da impugnação da recusa.

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1.5.3. Ainda com referência à identidade do prédio impõe-se uma última nota para dar conta de que a apresentação de prova matricial, nos termos do artigo 31º do Código do Registo Predial, destina-se não só a permitir a identificação fiscal do prédio, por indicação do respectivo valor, mas essencialmente, a verificar da harmonização da matriz com a descrição prevista no artigo 28º do Código do Registo Predial, não servindo, por isso, essa finalidade a caderneta predial que omita a área do prédio, como ocorre no caso em apreço.

2. Visto isto, importa dar resposta à outra questão levantada nos autos, agora relacionada com o próprio facto a inscrever.

2.1. Atento o modo como foi formulado o pedido, invoca o recorrido dificuldade em identificar o facto trazido a registo; se a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito fundada em sucessão por óbito e dissolução da comunhão conjugal, se a aquisição por usucapião.

2.2. Com efeito, a apresentante não indicou na requisição de registo a causa da aquisição mas, pedindo, como pediu, a aquisição a favor daqueles que se encontram indicados como justificantes - sem qualquer referência à integração do prédio em herança indivisa pois não se requereu o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito nem se apôs no verso da requisição a declaração a que se refere o artigo 49º do Código do Registo Predial 8- e juntando

escritura pública de justificação notarial na qual se invoca expressamente a aquisição por usucapião fundada em posse decorrente de partilha verbal das heranças a que se reportam as habilitações de herdeiros também apresentadas,

8Ainda que tivesse sido esse o pedido, ou seja, a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, face

ao disposto na alínea a) do artigo 99º do Código do Registo Predial não se compreende a exigência de apresentação e feitura de duas inscrições, como sugere o recorrido.

Não deixaria de estar em causa o pedido na mesma requisição do registo de aquisição de quotas-partes a favor de sujeitos activos diversos, porém, integradas, cada uma delas, em heranças indivisas diversas.

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não descortinamos a necessidade de o ter feito quando dos documentos juntos se retira directa e inequivocamente tratar-se da usucapião.

2.3. A questão fundamental que se coloca não é, pois, quanto a nós, a da identificação do título mas sim a da validade e suficiência do seu conteúdo.

2.4. Na realidade, detectamos na escritura pública de justificação notarial e respectiva rectificação omissões e imprecisões de diversa natureza, umas impeditivas do registo definitivo e outras determinantes da própria insuficiência do título para a prova legal do facto, a saber:

2.5. Refere-se na escritura pública de justificação, outorgada em 9 de Abril de 2001, que o prédio veio à posse dos justificantes por partilha verbal por óbito de Adelino … e José … feita por volta do ano de 1970, quando nas escrituras públicas de habilitação de herdeiros juntas ao pedido de registo se menciona que o referido Adelino faleceu em 12 de Dezembro de 1984 e o José … faleceu em 8 de Fevereiro de 1982.

2.5.1. Dando como exactas as datas dos óbitos mencionadas nas escrituras públicas de habilitação de herdeiros, de resto, comprovadas por certidões do registo civil, e admitindo haver um lapso de declaração na justificação notarial, as partilhas verbais das heranças, por óbito de José … e de Adelino …, não teriam, obviamente, ocorrido antes de 1982 e 1984, respectivamente, pelo que à data da justificação notarial poderiam não estar, sequer, reunidos todos os pressupostos legais de invocação da usucapião por este meio.

2.5.2. Com efeito, a lei confere ao possuidor a faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação – artigo 1287º do Código Civil – após o decurso do prazo legalmente fixado, que pode ser mais ou menos longo consoante as características da própria posse.

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2.5.3. Sendo que, se a posse é pacífica e pública mas não titulada, a usucapião só poderá ter lugar no termo de quinze anos, se houver boa fé, e de vinte anos, se a posse for de má fé - artigo 1296º do Código Civil -, sem embargo da presunção legal de má fé da posse não titulada estabelecida no artigo 1260º do Código Civil, que sempre se terá de ilidir para benefício do prazo mais curto9.

2.5.4. Na situação dos autos, como a posse foi caracterizada na escritura pública como não titulada10, só decorridos vinte anos a contar do seu início poderia ter sido

9Se o possuidor não tiver justo título, não está impedido de invocar e fazer prova da sua boa fé, no momento da aquisição da posse. Se o não fizer a posse é de má fé. Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª

edição, pág. 286.

10 Como salienta Luís A. Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 284, para a posse se ter como titulada não basta a existência de título, que em boa verdade, sempre tem de existir, mesmo na não titulada; torna-se necessário que o título seja justo. O mesmo autor faz notar que, como qualquer situação jurídica, a posse não pode existir sem título e é neste sentido que o legislador usa a expressão, designadamente no artigo 1265º do Código Civil a propósito da

inversão do título da posse.

Ora, no caso em apreciação, poderá ter havido entre José … e Adelino … uma compropriedade, em quotas que apenas se podem assumir como quantitativamente iguais se este direito for o que se acha inscrito sob a cota G-1 do prédio nº01814/291178, ou ter havido simplesmente uma composse formal, de caracteres que se desconhecem, a que, em qualquer caso, terão sucedido os justificantes, adquirindo a posse na modalidade derivada e nos termos previstos no artigo 1255º do Código Civil, cada grupo em comum e sem determinação de parte ou direito.

Subsequentemente, ter-se-á operado uma inversão do título da posse, passando cada um dos sujeitos, de cada grupo, a comportar-se por forma correspondente ao exercício da compropriedade – artigos 1265º, 1404º e 1406º, todos do Código Civil – com oposição ao exercício do direito dos restantes contitulares sobre a mesma quota-parte, ou seja, dentro de cada grupo de justificantes, onde antes existia uma posse in solidum passou a existir uma composse, relevando, a partir desse momento, os prazos para a usucapião – cfr. os artigos 1288º e 1290º do Código Civil. Com efeito, tem-se admitido que a partilha de facto, apesar de juridicamente irrelevante, é susceptível de inverter o título da posse, passando cada herdeiro a ter uma posse exclusiva sobre parte determinada da herança, sendo então possível a usucapião. Há aqui uma mudança de animus concretizada numa efectiva oposição ao exercício do direito dos restantes contitulares. (cfr. Acórdão da RP, de 02-10-2006, proc. 0556195, e Acórdão do STJ, de 02-12-2004, proc. 04B3817, disponíveis em www.itij.mj.pt).

Também no caso em apreço, se teria verificado uma alteração do animus domini - a posse passa a exercer-se em termos de uma compropriedade – mediante contraditio, ou seja, por actos – factos ou palavras - praticados na

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efectuada a justificação notarial posto que o exercício da faculdade de adquirir por usucapião em data anterior dependeria sempre de prova, insusceptível de ser apresentada perante notário ou de ser por este valorada, que contrariasse a presunção legal de má fé.

2.5.5. É consabido que a escritura pública de justificação notarial não constitui o próprio título aquisitivo e que apenas opera um mecanismo de acesso ao registo, suprindo para esse efeito a falta de título, pelo que, tratando-se do estabelecimento de trato sucessivo em que se invoque a usucapião, há-de esta reportar-se a posse de caracteres que nesta sede se bastem com a simples declaração e não impliquem, por isso, qualquer esforço probatório, designadamente, de prova que contrarie quaisquer presunções legais.

2.5.6. Na verdade, em face do disposto no artigo 371º do Código Civil, a escritura pública é um documento autêntico cuja força probatória material assenta essencialmente nas percepções da entidade documentadora, valendo apenas como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador os meros juízos pessoais do

Civil Português, Coimbra, 1981, edição revista, anotada e prefaciada por Fernando Luso Soares), pese embora a dificuldade de distinção entre os actos de uso e de administração dos contitulares do direito comum e aqueles que são exercidos pelos comproprietários mas tendo, no entanto, em conta a possibilidade de nem sequer ter havido exercício anterior desses actos dado ser a sucessão na posse caracterizada na sua estrutura pela dispensa do corpus.

Mas, mesmo que se defenda que a partilha não consubstancia a figura da inversão do título da posse ( por não serem terceiros os demais co-herdeiros nem existir oposição do encabeçado, unilateral e usurpatória, contra aqueles, que intervêm voluntariamente na partilha) e que apenas modifica a situação preexistente, representando o abandono da

posse, relativo e direccionado a favor dos encabeçados, por parte dos restantes consortes e a possibilidade do

possuidor uti dominus após a partilha poder invocar a seu favor a posse antes exercida pelos demais co-herdeiros – Durval Ferreira, Posse e Usucapião, Coimbra, pág.218) –, para efeitos de usucapião importaria sempre conhecer as características da posse dos autores da herança, apurando, nomeadamente, a data do seu início e a existência ou não de justo título, isto se não vingar a perspectiva de que com a aceitação da herança se converte em titulada uma posse que não o seja - Durval Ferreira, ob. cit. págs. 216 e ss. - e, ao invés, considerarmos que a posse dos sucessores continua a ser a antiga, com todos os seus caracteres – Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil anotado, Volume III, 2ª edição, pág. 13 – e que, por isso, a posse dos herdeiros é a posse do autor da sucessão, com as mesmas qualidades e os seus mesmos defeitos. Titulada se aquela foi titulada; de boa fé, se aquela foi de boa-fé – Manuel Rodrigues, ob. cit. págs. 248 e 249.

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documentador, ou seja, os documentos em que o documentador (v.g., o notário) atesta determinados factos, só provam plenamente o que neles é atestado com base naquilo de que o documentador se certificou com os seus sentidos. Assim, o documento não prova plenamente a sinceridade dos factos atestados pelo documentador ou a sua validade e eficácia jurídica, dado que disso não podia o documentador aperceber-se. Daí que o documento, provando plenamente terem sido feitas ao notário as declarações nele atestadas, não prova plenamente que essas declarações sejam válidas e eficazes (Vaz Serra, RLJ, 111º - 302)11.

2.6. Ainda a propósito da posse, importaria também que da escritura pública resultasse especificada, e não resulta, a quota-parte de cada um dos titulares e bem assim, a situação de comunhão de mão comum12 em que se encontra o direito

dos novos sujeitos activos referidos na escritura pública de rectificação que, sendo herdeiros de Adelino …, sucessor de José … e interveniente necessário na partilha verbal referida, vieram a suceder na sua posse, conforme o disposto no artigo 1255º do Código Civil.

2.6.1. De facto, tratar-se-á aqui, em primeira linha, de uma composse, em que o exercício do poder de facto corresponde a uma compropriedade - o animus de cada um dos compossuidores sobre uma quota-parte ideal da coisa13 deixa imperturbado o exercício do direito de cada um dos restantes consortes – onde, a menos que haja inversão do título, não havendo posse exclusiva por parte de um dos

11 A força probatória material dos documentos autênticos só vai até onde alcançam as percepções do notário, sendo

que, à zona do foro interno dos outorgantes ou de factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do

cartório notarial, não chegam as percepções do documentador: Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e

Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra.

12 No título e no registo de aquisição por usucapião fundada em sucessão na posse deve ficar patenteado que a coisa

ou direito se acha integrada num património colectivo, não obstante a causa aquisitiva continuar a ser a usucapião, de modo a que não haja obstáculos a um ulterior registo de aquisição decorrente da liquidação e partilha deste património. (cfr. neste sentido o Proc. Nº88/96 R.P. 4, publicado no BRN 6/97, II caderno)

13Cfr. a propósito da natureza jurídica da composse e da compropriedade as posições doutrinais enunciadas por Luís

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compossuidores, mesmo que seja o único a praticar os actos materiais constitutivos do corpus, não pode haver também usucapião em seu benefício, mas só em benefício de todos14.

2.6.2. Sendo que, por sucessão por óbito, vêm os herdeiros do de cuius encabeçar a posição que a este cabia na dita composse; a sua posse forma um todo uno com a do autor da herança, de modo que, para todos os efeitos, dependam ou não da duração, há-de ter-se em conta a posse do autor da herança (Manuel Rodrigues, A posse, Estudo de Direito Civil Português, Coimbra, 1981).

2.7. Outra deficiência do título insuperável em sede de registo, constitui também, a nosso ver, a falta de indicação do património a que pertence o direito usucapido por cada um dos justificantes casados no regime da comunhão de adquiridos, não obstante o consentimento prestado pelos cônjuges nas procurações juntas à escritura pública de justificação15.

2.7.1. É que, atento o disposto no artigo 1722º, nº1, al. c), e nº2, al. b) do Código Civil, são considerados próprios os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha início antes do casamento, o que, naturalmente, determina que se conheçam e confrontem a data do casamento e a do início da posse.

2.8. Esta omissão e, bem assim, a falta de especificação da quota-parte de cada um dos usucapientes prendem-se, ainda que indirectamente, com a discrepância existente entre os titulares inscritos na matriz e os justificantes, a qual não podemos deixar de notar, atenta a irregularidade que introduz no acto jurídico de justificação notarial.

2.8.1. É que em face do disposto no nº2 do artigo 92º do Código do Notariado, na redacção vigente ao tempo da realização da escritura pública de justificação, tinha

14Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., a propósito do artigo 1291º do Código Civil e seguindo a anotação de

Vaz Serra ao acórdão do STJ, de 27 de Julho de 1971 na RLJ, ano 105, págs. 207 e seguintes.

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legitimidade para outorgar neste acto como justificante a pessoa a favor de quem o prédio estava inscrito na matriz ou aquele que validamente o tivesse adquirido, por sucessão ou por actos entre vivos, do titular dessa inscrição.

2.8.2. Ora, no caso em apreciação, a propriedade figura na matriz distribuída em quotas-partes de 1/13 avos que se fazem corresponder, cada uma, à titularidade dos justificantes mencionados na escritura pública inicial e ainda a Maria …, Saúl … e Maria Leonilde, cônjuges dos justificantes Francisco …, Aurora … e José…, respectivamente, os quais totalizariam, assim, por casal 2/13 cada um, omitindo-se, todavia, como comproprietário Adelino … ou os seus herdeiros, estes apenas mais tarde considerados em sede de rectificação da justificação notarial.

2.8.3. Não obstante a alteração do artigo 92º do Código do Notariado, introduzida pelo Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de Outubro, ao tempo do acto notarial não estava efectivamente cumprida a norma imperativa então contida no referido preceito legal, deficiência a que também caberia atender em sede de qualificação16.

3. Posto isto, podemos, finalmente, destacar a data do início da posse como elemento preponderante e comum a todas as questões suscitadas nos autos, residindo na sua fixação exacta o conhecimento preciso do momento da autonomização do prédio, quer se trate de parcela sobrante do prédio descrito ou de prédio omisso, e do seu enquadramento jurídico17, a ponderação dos

16Cfr. a este propósito os pareceres proferidos no Proc. R.P. 59/2000 DSJ-CT, publicado no BRN 1/2001 e no Proc.

253/2002 DSJ-CT, publicado no BRN 11/2003. Tendo em conta a alteração introduzida pelo DL 273/2001, de 13 de Outubro, veio a firmar-se posição actualizada no Proc. C.N. 107/2003 DSJ-CT e no Proc. R.P. 59/2003 DSJ-CT, ambos publicados no BRN 10/2004.

17 A comprovar-se a origem da parcela de terreno no prédio descrito sob o nº01814/291178, da freguesia …, com

inscrição em vigor a favor de José … e Adelino …, parece-nos que o disposto no artigo 99º do Código do Notariado demandará que, pelo menos, figure expressa no título notarial a circunstância dos justificantes serem os únicos herdeiros dos titulares inscritos.

No caso de fraccionamento ocorrido após a entrada em vigor do DL 289/73, de 6 de Junho, dever-se-á também comprovar a autorização administrativa respectiva ou a sua dispensa, em face da disciplina legal do loteamento urbano em vigor ao tempo – cfr. a este propósito o Proc. Nº R.P. 239/2000 DSJ-CT, publicado no BRN 9/2001.

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pressupostos de invocação da aquisição por usucapião em face dos prazos legalmente fixados e a determinação do património a que pertence o bem possuído tendo em conta o estado civil e o regime de bens do casamento do possuidor à data do início da posse.

Por tudo quanto vem sendo dito, somos, pois, de parecer que o recurso não merece provimento, formulando-se, em consonância, as seguintes conclusões:

I- A realização do escopo essencial do registo predial de dar publicidade às situações jurídicas dos prédios tendo em vista a segurança do comércio jurídico tem como pressuposto essencial que a cada prédio corresponda uma única descrição, pelo que, na qualificação dos registos, deve o conservador suscitar os necessários esclarecimentos quanto à identidade e à génese do prédio que possam obstar à duplicação total ou parcial de descrições, potenciadora de tratos sucessivos paralelos e muitas vezes entre si conflituantes, como é o caso do prédio trazido a registo como omisso e que pode fazer parte de outro já descrito e com inscrição em vigor.

II- A aquisição por usucapião fundada em posse não titulada só pode ser invocada em escritura pública de justificação notarial se a posse tiver durado vinte anos – artigo 1296º do Código Civil – uma vez que o benefício de prazo mais curto depende de ser ilidida a presunção legal de má fé estabelecida no artigo 1260º do Código Civil mediante prova em contrário que, atento o disposto no artigo 371º do mesmo Código, não pode ser feita perante notário.

III- Na escritura pública de justificação notarial em que se invoque a usucapião fundada em composse, devem ser quantificados os direitos de

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cada um dos consortes, dando-se, assim expressão do animus possidendi de cada um, assim como deverá ser mencionada a situação de comunhão de mão comum em que, por sucessão na posse, se encontrem alguns dos justificantes, designadamente, de modo a permitir um ulterior registo de aquisição por liquidação e partilha do património colectivo.

IV- Em face do disposto no artigo 1722º, nº1, c), e nº2, b) do Código Civil, tratando-se de aquisição por usucapião a favor de sujeito casado no regime da comunhão de adquiridos, deverá figurar na escritura pública de justificação e no correspondente registo, a qual das esferas patrimoniais – própria ou comum - pertence o bem usucapido, o que, naturalmente, importa que se apure a data do casamento e, bem assim, se obtenha declaração de ambos os cônjuges quanto à data do início da posse.

V- Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de Outubro, que alterou, entre outros, a redacção do nº2 do artigo 92º do Código do Notariado, a escritura de justificação notarial apenas podia ser outorgada por quem figurasse como proprietário na matriz ou quem deste tivesse validamente adquirido por sucessão ou por acto entre vivos, constituindo o incumprimento desta regra uma irregularidade susceptível de determinar a provisoriedade por dúvidas do registo do facto.

Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Director-Geral em 26.03.2007.

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