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A NOVA RETÓRICA PERELMIANA Contrapontos Entre Aristóteles e Perelman

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A NOVA RETÓRICA PERELMIANA

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CAPA: http://www.philodroit.be/IMG/jpg/C-Perelman-4.jpg

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Marcio Pedro Cabral

A NOVA RETÓRICA PERELMIANA Contrapontos Entre Aristóteles e Perelman

Primeira Edição

Editora Vivens

O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR

2014

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Copyright 2014 by Marcio Pedro Cabral

EDITORES: Daniela Valentini José Francisco de Assis Dias

CONSELHO EDITORIAL:

Prof. Dr. José Aparecido Pereira [PUCPR] Prof. Dr. José Beluci Caporalini [UEM-Maringá]

Prof. Dra. Lorella Congiunti [PUU-Roma] REVISÃO ORTOGRÁFICA: Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Rogerio Dimas Grejanim

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita da Editora.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida! Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667 http://www.vivens.com.br; e-mail: contato@vivens.com.br Cabral, Marcio Pedro

C117n A nova retórica perelmiana: contrapontos entre Aristóteles e Perelman / Márcio Pedro Cabral. -- 1. ed. Maringá,PR: Vivens, 2014.

138 p.; 14x21 cm. ISBN 978-85-8401-020-2

Disponível em: www.vivens.com.br

1. Argumentação. 2. Retórica. 3. Persuasão. 4. Justiça. 5. Direito - filosofia. I. Perelman, Chaim, 1912. II. Aristóteles.

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Aos meus pais, minha esposa, meu filho e meus amigos, parceiros de todas as lutas.

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A própria natureza da deliberação e da argumentação se opõe à necessidade e à evidência, pois, não se delibera quando a solução é necessária e não se argumenta contra a evidência. O campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa às certezas do cálculo. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 1)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... I - A RETÓRICA DE ARISTÓTELES...

1.1 A definição de retórica aristotélica... 1.2 Os meios de prova... 1.3 Os três meios técnicos de persuasão... 1.4 O exemplo e o entimema... 1.5 Os três gêneros de discurso... 1.6 O uso dos tópicos ou lugares-comuns... 1.7 O problema da justiça... 1.8 Estilo, composição e partes do discurso...

II - A RETÓRICA DE CHAÏM PERELMAN...

2.1 Os âmbitos da argumentação... 2.1.1 A comunidade dos espíritos... 2.1.2 O conceito de auditório... 2.2 O ponto de partida da argumentação... 2.3 O Acordo na argumentação...

2.3.1 Os tipos de objeto de acordo:

o acordo sobre o real... 2.3.2 Os tipos de objeto de acordo:

o acordo sobre o preferível... 2.4 Os lugares na argumentação... 2.5 A escolha, seleção e interpretação dos dados

e sua adequação à argumentação... 11 17 18 21 23 26 29 33 36 40 53 53 55 61 69 70 71 74 77 80

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III - A NOVA RETÓRICA DE PERELMAN...

3.1 O desenvolvimento da Nova Retórica:

uma reabilitação da retórica “antiga” aristotélica... 3.2 A Nova Retórica:

ruptura com o racionalismo cartesiano... 3.3 A retórica de Aristóteles e Perelman:

conceitos retomados por Perelman

da retórica aristotélica... 3.3.1 A questão do auditório... 3.3.2 A questão da justiça... 3.3.3 A prova em direito... 3.3.4 A retórica de Perelman e Aristóteles:

tópicos que explicam as aproximações

e diferenças entre as duas teorias...

CONSIDERAÇÕES FINAIS... REFERÊNCIAS... 87 88 93 96 97 100 111 118 125 133

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INTRODUÇÃO

É notório que o direito atual ainda não opera de forma efetiva no seio da sociedade, transformando-a numa sociedade mais justa e mais humana. No seu atual paradigma, vê-se uma sociedade pautada por regras, com a justiça concreta surgindo tão somente por meio de uma válida aplicação da lei. Esse padrão social tem seus pontos positivos, porém faz com que o homem seja tolhido de sua identidade, pois o direito atual é o pedagógico, ou seja, aquele que é ensinado, mas, por vezes, não é aprendido. Assim, uma investigação acerca de uma nova visão do direito torna-se necessária, à medida que surgem novos desafios no âmbito jurídico, que por isso mesmo encontra-se em constante transformação e evolução.

Conforme Valle (2007, p. 167), “sempre ensinamos, agora, é preciso mais do que nunca aprender. Da Sociedade à Comunidade [...] sobre a palavra na Comunidade precisamos de uma nova retórica como nos ensina Chaïm Perelman [...]”. Seguindo esse pensamento, nesta dissertação a filosofia do direito será vista como uma investigação acerca de um novo paradigma do direito, que procura formular hipóteses de natureza epistemológica, ética e ontológica ao efetuar o resgate da retórica aristotélica, envolvendo-a na prática do campo jurídico.

Para cada item citado, poder-se-ia realizar uma análise específica, mas este estudo terá como delimitação a análise dos elementos epistemológicos que deram à retórica o status de nova, a partir da perspectiva de Chaïm Perelman. Aponta-se em específico o estudo desenvolvido pelo jusfilósofo belga com o objetivo de encontrar em suas reflexões epistemológicas elementos que contribuam para a discussão sobre a teoria da argumentação.

A nova retórica da teoria da argumentação de Perelman rompe a concepção da razão e do raciocínio que nasceu com Descartes e marcou a filosofia nos últimos

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três séculos (XVIII, XIX e XX). Por meio do uso da retórica, o homem não pode ser reduzido arbitrariamente à emoção dos gritos da alma ou, ao contrário, à razão constritiva dos raciocínios dedutivos. A retórica mostra que, ao lado da densidade racional, existe no homem a densidade do razoável; nesse âmbito estão os valores éticos, políticos e religiosos, pois isso é o que conta para o homem. Destarte, seu ponto de partida consiste em arrancá-lo do mundo dos valores, do arbitrário e da pura emotividade, para reconduzi-lo à “razoabilidade” que lhe é própria. Era o que os antigos gregos tinham compreendido.

A escolha pelo estudo das ideias de Perelman deve-se ao fato de acreditar-se que muitas questões referentes a esse objeto podem ser desvendadas por meio de uma análise da construção de sua teoria da argumentação. Como a finalidade desta pesquisa é analisar os elementos que podem estar presentes no pensamento epistemológico desse filósofo, seu objeto de estudo é entender as influências desses pressupostos epistemológicos na construção da teoria da nova retórica, visando a apresentar pontos conceituais para a compreensão desse conceito. Por sua vez, o problema proposto consiste no esclarecimento da nova retórica perelmiana e como ela é apresentada conceitualmente com relação ao pensamento aristotélico. Para tanto, serão contrapostos os conceitos de retórica de Perelman e Aristóteles, identificando suas diferenças e similaridades.

Um pressuposto epistemológico fundamental para compreender as obras de Aristóteles é que a verdade e a justiça são mais fortes que seus contrários. Nesse contexto, os homens são suficientemente dotados para o verdadeiro e alcançam amiúde a verdade. Sendo assim, na segunda seção, serão expostos os fundamentos retóricos desse filósofo, tendo como base tópicos da obra

Retórica (2005), constituída de três livros codificados a

partir de seus princípios, sendo um escrito fundamental que classificou e arranjou os formatos de discursos até o

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século III a.C. e que se mantém, com raras alterações, até o presente.

Ainda nessa seção, buscar-se-á expor a afinidade da retórica com o saber prático, pois, por não ser ciência nem puro empirismo, não se funda no geral, mas no que produz as mais das vezes, não sendo, no entanto, prática, ou seja, não influi no comportamento geral da vida, mas é poética, visto que formula as regras da sua criação. Enfim, sua finalidade não é tanto persuadir quanto descobrir o que há de persuasivo em cada caso. Depois de assentada essa base sólida, Aristóteles aplica-se a discriminar as analogias e diferenças da retórica e da dialética, pois conclui que nenhuma delas é disciplina especial.

A retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão, ou seja, parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir. Dessa forma, pode-se dizer que suas regras não se aplicam a um gênero próprio e determinado. Diante disso, pretende-se resgatar os argumentos sobre as provas, tanto as que dependem da arte quanto as que não dependem. As independentes são todas aquelas que não são fornecidas por nós, mas preexistem, como, por exemplo, os testemunhos, as confissões sob tortura etc.; já as dependentes são todas as que podem ser fornecidas por nossos próprios meios. Com relação às primeiras, basta que nos utilizemos delas, quanto às outras, precisamos encontrá-las.

Também serão apresentados os três meios de persuasão que Aristóteles concebe, decorrentes do caráter do orador, das disposições criadas no ouvinte e do próprio discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar. Portanto, obtém-se a persuasão por efeito do caráter moral, quando o discurso procede de maneira a deixar a impressão de o orador ser digno de confiança, pois as pessoas de bem inspiram confiança mais eficaz e rapidamente em todos os assuntos, de modo geral. Da

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mesma forma, a persuasão acontece quando o discurso leva os ouvintes a sentir uma paixão, porque os juízos proferidos variam, consoante se experimenta aflição ou alegria, amizade ou ódio. Por fim, é pelo discurso que se persuade sempre que é demonstrada a verdade ou o que parece ser a verdade, de acordo com o que é suscetível de persuadir sobre cada assunto.

Para abordar as formas de argumentos, Aristóteles utiliza o exemplo e o entimema, sendo este um silogismo oratório e aquele uma indução oratória. Os discursos baseados em exemplos prestam-se mais que outros para persuadir; de outro modo, os baseados em entimemas impressionam mais. Ademais, serão articulados nessa seção os três gêneros da retórica: deliberativo, epidítico e judiciário. Numa deliberação, aconselha-se ou desaconselha-se, quer se delibere sobre uma questão de interesse particular, quer seja de interesse público; uma ação judiciária comporta a acusação e a defesa; já o gênero epidítico comporta duas partes: o elogio e a censura. Cada um desses gêneros tem por objeto uma parte do tempo que lhes é própria – para o deliberativo, é o futuro; para o judiciário, o passado; e para o epidítico, o presente. Além disso, existe uma necessidade de ter premissas para todos os três gêneros da retórica, pois, uma vez que um silogismo vale-se de premissas e o entimema é um silogismo, este é constituído pelas premissas de que se valem todos os gêneros.

Seguidamente, tratar-se-á do tema da justiça. Nesse sentido, Aristóteles observa que a verdadeira justiça é a equitativa, pois os atos que podem ser perdoados são passíveis da equidade; além disso, não devem ser punidos igualmente os erros e os atos injustos, como também os erros e as inadvertências (todos os atos desprovidos de maldade). Mostrar-se equitativo é mostrar-se indulgente com as fraquezas humanas, é também ter menos consideração pela lei do que pelo legislador.

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Aristóteles, no livro três de Retórica (2005), trata do estilo do discurso e sua composição, afirmando que não basta possuir a matéria do discurso, devendo-se exprimir de forma conveniente, o que é de suma importância para dar ao discurso uma aparência satisfatória. Procura-se o que vem em primeiro lugar, isto é, o que há de convincente nas coisas; em segundo lugar, vem o estilo que permite a ordem; e, em terceiro lugar, a ação retórica. Dessas partes do discurso, verificam-se apenas duas: a indicação do assunto e sua demonstração; assim, são apresentadas como obrigatórias a proposição e a prova, mas o discurso propriamente dito é constituído pelo exórdio, exposição, prova e epílogo.

Na terceira seção, apresentar-se-á a teoria da argumentação de Perelman, expondo conceitos presentes na obra Tratado da argumentação: a nova retórica (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005). Partindo dos âmbitos da argumentação, o filósofo faz críticas aos lógicos formalistas e alerta, assim como Aristóteles, para os cuidados que o orador deve ter ao discutir com certas pessoas, para que não perca a qualidade de sua argumentação; ainda, relaciona o orador e seu auditório, afirmando que, para que uma argumentação se desenvolva, é preciso, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem alguma atenção. Segundo ele, um dos principais objetivos da argumentação é aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento, ou seja, criar uma disposição para a ação. Dessa forma, a função do processo argumentativo é gerar ou intensificar a aderência das mentes às questões que lhes são oferecidas. Para isso, insere em sua teoria a constituição de uma comunidade a quem se destina a argumentação, denominada “comunidade dos espíritos”.

Ainda nessa seção, será tratada a noção de auditório, considerada um dos elementos mais significantes na teoria de Perelman, pois auditório não é tão somente aqueles que ouvem um discurso, mas a

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construção na mente do orador, em que são estruturadas todas as etapas do processo argumentativo. Na sequência, apresentar-se-á o ponto de partida da argumentação, dividido em três partes: o acordo, a escolha dos dados e sua adaptação com vistas à argumentação e a apresentação dos dados e forma do discurso.

O acordo trata das premissas da argumentação do orador, ou seja, suas escolhas referentes à categoria do real: fatos, verdades e presunções, e à categoria preferível: valores e hierarquias. Sobre os lugares, estes podem ser: lugares da quantidade, da qualidade, da ordem, do existente, da essência e da pessoa. O orador deve assegurar para si certos acordos e não certas rejeições; por isso, deve tomar cuidado com a ordem de sua argumentação, para não correr o risco de ser desqualificado. Quanto à seleção de dados e presença, para cada auditório existe um conjunto de coisas admitidas que têm a possibilidade de influenciar as reações; portanto, as escolhas do orador devem ser precisas e sua presença deve agir na sensibilidade do auditório. Já a interpretação dos dados deve proporcionar um só significado e não ser ambígua, a menos que seja a intenção do orador.

Para finalizar, na quarta seção, apresentar-se-á o pensamento retórico de Perelman, denominado por ele mesmo de nova retórica, de modo a explicar tal terminologia, ou seja, a novidade que contém a retórica perelmiana. Portanto, o enfoque desta seção é compreender a nova retórica como uma entidade que não buscou substituir a retórica antiga, mas estendê-la e aumentar sua abrangência. Sendo grande a influência do pensamento aristotélico na retórica de Perelman, buscar-se-á relacionar questões de ambos os filósofos sobre a retórica, de modo a tornar claras as características estruturantes do conceito analisado.

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- I -

A RETÓRICA DE ARISTÓTELES

O pensamento de Aristóteles influenciou todo o crescimento da cultura do Ocidente nas várias áreas, como ciência, metafísica, moral, política, estética e retórica. Uma de suas obras de grande relevância,

Retórica (2005), é um escrito fundamental que qualificou e

dispôs os formatos de discursos até o século III a.C. e que se conservam, com poucas alterações, até hoje. Na atualidade, a retórica é usualmente vista como um agrupamento de regras referentes à eloquência, sendo mais utilizada na prática do direito, da comunicação e da política. Sem o entendimento apropriado de seu emprego próprio, como também com o esquecimento dessa arte, quase se perde uma valiosa ferramenta para a investigação da verdade, visto que a arte retórica apresentada nos textos aristotélicos convida à reflexão sobre a ação social, política e historicamente correta.

A subseção seguinte dará início a um encadeamento de conceitos, cujo objetivo é apresentar o pensamento retórico desse filósofo, iniciando pela definição da retórica e sua afinidade com o saber prático, tipos de prova, noções de paixões, exemplo e entimema, relacionando-os aos gêneros de discurso, utilização dos lugares comuns, justiça, desembocando nas questões de estilo e composição do discurso.

A partir das exposições realizadas nesta seção, sob a luz das contribuições de Aristóteles, encaminhar-se-á a reflexão do presente trabalho sobre a compreensão de questões pertinentes à retórica, para, mais adiante, entender sua influência no pensamento de Perelman.

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1.1 A DEFINIÇÃO DE RETÓRICA ARISTOTÉLICA

A retórica tem sua raiz relacionada às novas relações sociais sucedidas pelo surgimento da polis1.

Desde suas origens, esteve, portanto, indissociavelmente ligada à filosofia e ao direito, tendo se expandido de modo pleno após a concretização da democracia ateniense, segundo a qual todos os cidadãos atenienses tomavam parte diretamente nas assembleias populares, que possuíam funções legislativas, executivas e judiciárias.

Conforme ensinamento de Reale (1997), o Aristóteles jovem (estaria com aproximadamente 25 anos de idade nessa época), em sua primeira obra, chamada

Grilo (em homenagem a Grilo, filho de Xenofonte, morto

em 362 a.C., na batalha de Mantineia), apontava sua polêmica contra a retórica compreendida na forma de instigação irracional das emoções, como Górgias a idealizara e Isócrates e sua escola a tinham voltado a recomendar. Nessa obra, Aristóteles posiciona-se a favor da Paideia platônica e contra a Paideia isocrática que se baseava na retórica. Sua tese defendia a ideia (a mesma de Platão) de que a retórica não é uma tchene, ou seja, não é uma arte, nem uma ciência.

O conteúdo retórico que estabelecia a base dos escritos em honra de Grilo, entre os quais parece ter existido um do próprio Isócrates, era precisamente o tipo de retórica contra a qual polemizara Platão em Górgias e que, como já foi dito, Isócrates novamente reanimava. O assentimento a essa obra pela Academia levou Aristóteles a ser encarregado a dar um curso oficial de retórica. Todo o ensinamento do seu curso era no sentido de desfazer todas as pretensões de tipo gorgiano e isocrático, como

1 Polis significa cidade-estado. Na Grécia Antiga, era um pequeno

território localizado geograficamente no ponto mais alto da região, cujas características eram equivalentes a uma cidade. Seu surgimento foi um dos mais importantes aspectos no desenvolvimento da civilização grega.

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também de defender a dialética e, provavelmente, mostrar, como já Platão fizera no Fedro, que a retórica para poder adquirir valor tinha que se basear na dialética (BERTI, 2002).

Nesse debate entre Aristóteles e Isócrates e, portanto, contra a retórica de tipo georgiano, o que mais é importante é a nova concepção de retórica como a arte da comunicação, não mais do puro encantamento ou da pura sugestão emotiva. Por esse motivo, a retórica aristotélica atraiu o interesse dos filósofos da contemporaneidade, seja como possível lógica do discurso político ou judiciário, seja como ocasião de recuperação da dimensão comunicativa da linguagem, para além daquela dimensão puramente instrumental própria da ciência e da técnica modernas (BERTI, 2002).

Estão presentes na relação de grandes obras de Aristóteles dois tratados diferentes sobre a elaboração do discurso: Retórica (2005) e Arte Poética (1991). O primeiro ocupa-se da arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos, já o segundo trata da arte da evocação imaginária, do discurso arranjado com propósitos fundamentalmente literários e poéticos. No entanto, a novidade do filósofo foi considerar o argumento lógico componente essencial na arte persuasiva. A retórica aristotélica caracteriza-se, então, como uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico, ou seja, uma teoria da argumentação persuasiva, tendo como um de seus maiores atributos a dinamicidade de aplicação dessa técnica a qualquer assunto.

Nesse diapasão, a retórica pode ser comparada à dialética no que se refere à forma argumentativa. Assim, na reflexão sobre a natureza da arte e ao apresentar a retórica como arte pura, Aristóteles afirma a racionalidade de sua teoria, apresentando-a como forma de conhecimento prático, identificando-a, assim, com a arte do diálogo. Sobre o conceito de retórica, diz o filósofo:

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Entendamos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afectam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos que, como arte, as suas regras não se aplicam a nenhum género específico de coisas (ARISTÓTELES, 2005, I, 2, p. 95).2

Somando-se ao que foi citado, pode-se expor uma síntese dos aspectos que caracterizam o esquema retórico em Aristóteles, segundo Alexandre (in Aristóteles [384-322 a. C.], 2005, p. 35):

1) A distinção de duas categorias formais de persuasão: provas técnicas e não técnicas;

2) A identificação de três meios de prova, modos de apelo ou formas de persuasão: a lógica do assunto, o caráter do orador e a emoção dos ouvintes;

3) A distinção de três espécies de retórica: judicial, deliberativa e epidíctica;

4) A formalização de duas categorias de argumentos retóricos: o entimema, como prova dedutiva; o exemplo, usado na argumentação indutiva como forma de argumentação secundária;

2 Não consta, em boa parte dessa edição, a numeração por parágrafos;

dessa forma, optou-se neste trabalho pela citação na seguinte sequência: nome do autor, ano da edição, número do livro; número do capítulo e número da página. Quando a edição trouxer a numeração por parágrafos, a sequência será: ano da edição (ou título da obra), número do livro, número do capítulo e numeração por parágrafo, excluindo, neste caso, o número da página. Em outras ocasiões, poderá constar da seguinte forma: autor original (Aristóteles), data de publicação e página.

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5) A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na construção dos argumentos: tópicos especificamente relacionados com cada género de discurso; tópicos geralmente aplicáveis a todos os géneros; e tópicos que proporcionam estratégias de argumentação, igualmente comuns a todos os géneros de discurso;

6) A concepção de normas básicas de estilo e composição, nomeadamente sobre a necessidade de clareza, a compreensão do efeito de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal, e a explicitação do papel da metáfora;

7) A classificação e ordenação das várias partes do discurso.

Diferentemente da retórica sofística, a verdadeira arte retórica baseia-se em provas, concebendo-as como uma espécie de demonstração, que colabora para a formação de um juízo, ou seja, um raciocínio por meio de entimemas, conceito que será explicado adiante.

1.2 OS MEIOS DE PROVA

A finalidade primeira do discurso retórico é a persuasão. Para alcançá-la, o orador deve oferecer provas que façam a audiência aderir à tese defendida. Aristóteles elenca dois tipos de prova: não técnico ou inartístico e técnico ou artístico. As provas não técnicas são aquelas não inventadas pelo orador, que se valem da evidência de testemunhos ou contratos escritos; por sua vez, as provas técnicas necessitam de meios de persuasão criados pelo orador. Sobre isso, explica Aristóteles (2005, I, 2, p. 96):

Das provas de persuasão, umas são próprias da arte retórica e outras não. Chamo provas inartísticas a todas as que não são produzidas por nós, antes já existem: provas como testemunhos, confissões sob tortura, documentos escritos e outras semelhantes; e provas artísticas, todas as que se podem preparar pelo método

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e por nós próprios. De sorte que é necessário utilizar as primeiras, mas inventar as segundas.

Os meios de provas não técnicas ou inartísticas são dados antecipadamente e não convém buscá-los, pois podem ser utilizados sem ter a necessidade de desvendá-los. Por outro lado, os meios de provas técnicas ou artísticas são o campo da retórica propriamente dito; é nessa área que atuam os retóricos, utilizando-se dos artifícios técnicos para persuadir. O que faz técnicas essas provas e as diferencia das demais é o fato de não preexistirem ao discurso, mas serem elaboradas pelo orador no instante da elocução.

Reboul (2004) apresenta outra terminologia para esses tipos de prova; são as chamadas provas extrínsecas e intrínsecas. Extrínsecas são as exibidas antes da invenção: testemunhas, confissões, leis, contratos etc.; assim, num discurso epidítico, é tudo o que se sabe da personagem cujo elogio se faz. As provas criadas pelo orador são as intrínsecas, que dependem de seu método e de seu talento pessoal, sendo sua maneira própria de impor seu relatório.

As provas consideradas técnicas assim o são por serem estruturadas segundo as regras e os métodos próprios da arte retórica, na medida em que são construídas somente por meios discursivos. O interesse desta pesquisa é centrar sua atenção nesse tipo de prova e, mais precisamente, em duas delas: as provas pelo

ethos3 do orador e pelo pathos4 do ouvinte, a fim de

compreender de que maneira são elas necessárias à arte retórica e como são justificadas na teoria aristotélica acerca dessa arte (FRANCISCO, 2000).

3 Na retórica, o ethos é um dos modos de persuasão ou componentes

de um argumento caracterizados por Aristóteles. É a componente moral, o caráter ou autoridade do orador para influenciar o público.

4 Em retórica, significa o uso da emoção. Tipo de experiência humana,

ou sua representação em arte, que evoca dó, compaixão ou uma simpatia compassiva no espectador ou leitor.

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1.3 OS TRÊS MEIOS TÉCNICOS DE PERSUASÃO

Para Aristóteles, a retórica não era tão somente persuasão, mas distinção e seleção dos meios adequados para persuadir. Para tanto, recorria às provas técnicas, que entendia como sendo de três naturezas distintas:

As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três espécies: umas residem no carácter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar (ARISTÓTELES, 2005, I, 2, p. 96).

Sendo assim, a persuasão que se desenvolve pelo caráter do orador é o discurso proferido de tal maneira que deixa a impressão de ele ser digno de fé e confiança. Observa-se que se acredita com maior rapidez e grau de intensidade elevado em pessoas aparentemente idôneas, em todas as coisas em geral, mas, sobretudo, nas de que não há conhecimento acabado e que deixam margem para suspeita. Sobre isso, afirma Reale (1994, p. 475):

Com relação ao primeiro ponto, o caráter do orador, o Estagirita observa que, para ser digno de fé e persuasivo, um orador deve ser ou mostrar-se dotado dessas três qualidades: sabedoria, honestidade, benevolência. De fato os oradores podem errar ao falar sobre algo e ao aconselhá-lo, ou por falta de sabedoria, ou porque, mesmo sabendo o que seria oportuno aconselhar, não o aconselham por desonestidade, ou, enfim, porque, mesmo sabendo o que deveria ser aconselhado e mesmo sendo honestos, não têm benevolência com aqueles com que falam.

A persuasão baseada na disposição dos ouvintes ocorre quando a argumentação utilizada por meio do discurso interfere diretamente em suas emoções, pois os juízos emitidos transformam-se conforme o sentimento é

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experimentado. Nesse sentido, Reale (1994, p. 475) reafirma:

Conforme o estado de ânimo no qual se encontra o ouvinte, ele julga de modo diferente as mesmas coisas e, por isso, um conhecimento da psicologia das paixões isto é, o conhecimento da alma humana que já no Fedro, Platão punha como um dos fundamentos da verdadeira retórica é indispensável ao orador.

Aristóteles observa a importância do orador em saber provocar em cada auditório a paixão que seja mais conveniente aos interesses de sua fala, pois os mesmos acontecimentos podem ser entendidos de várias maneiras e sentidos distintos, o que está sujeito à situação, como também às variações de emoção do receptor da mensagem. O filósofo trata desse tema já no início do Livro II de Retórica:

Os factos não se apresentam sob o mesmo prisma a quem ama e a quem odeia, nem são iguais para o homem que está indignado ou para o calmo, mas, ou são completamente diferentes ou diferem segundo critérios de grandeza. Por um lado, quem ama acha que o juízo que deve formular sobre quem é julgado é de não culpabilidade ou de pouca culpabilidade; por outro, quem odeia acha o contrário. Quem deseja e espera alguma coisa, se o que estiver para acontecer for à medida dos seus desejos, não só lhe há de parecer que tal coisa acontecerá, como até será uma coisa boa; mas para o insensível e para o mal-humorado passa-se exactamente o contrário (ARISTÓTELES, 2005, II, 1, p. 159).

Nesse sentido, constata-se que os mesmos fatos tomam aparência inteiramente diferente e revestem outra importância, ou seja, quando se ama aquele que é julgado, ele não é considerado culpado. Se o que se deseja ou se

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espera é agradável, tem-se a sensação de que o que virá será algo bom.

Persuade-se por meio do discurso quando se mostra a veracidade, ou o que parece verdade, do que é persuasivo particularmente em cada caso. Reale (1994) expõe que esse ponto refere-se às argumentações lógicas e é aquele, como já informado, que Aristóteles considera mais importante e mais novo. É também o mais técnico e o que leva a retórica a conjugar-se com a dialética.

Com base nessas noções, formam-se os silogismos, ou seja, o raciocínio lógico, a compreensão do caráter humano e suas qualidades, o entendimento de suas paixões e, principalmente, de que forma podem ser instigadas. Os artifícios argumentativos que a retórica fornece, portanto, não deverão surgir das premissas originárias de que parte a ciência, mas das convicções frequentemente acolhidas, nas quais também se baseia a dialética.

Na medida em que a retórica é uma técnica discursiva de verdade, as provas pelo ethos e pelo pathos, tanto quanto a prova lógica, têm por escopo causar no ouvinte uma convicção de verdade, isto é, fazê-lo acolher como verdadeira certa tese defendida pelo orador. Contudo, enquanto esta procura essa finalidade apresentando razões que dirigem o ouvinte à admissão da verdade dessa tese, aquelas o fazem por caminhos inteiramente distintos. Por exemplo, elas atuam sobre o ouvinte, criando nele seja uma imagem do orador como pessoa digna de ser acreditada, seja um estado emocional favorável a esse orador, de maneira a admitir a verdade da mesma tese (FRANCISCO, 2000).

Assim, o que parece estar em questão nessas duas provas é a suscitação no interlocutor de uma convicção de verdade, mas não unicamente por meios puramente argumentativos ou lógicos. Há o uso do entimema e do

exemplo, isto é, a apresentação de premissas que

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meio deles que Aristóteles introduz a lógica em sua teoria retórica.

1.4 O EXEMPLO E O ENTIMEMA

Nos dizeres de Aristóteles (2005), a retórica não ensina, pois isso é tarefa da ciência e a maior parte dos homens não é capaz de seguir o raciocínio científico. Sendo assim, a argumentação que a retórica proporciona não tem seu ponto de partida nas premissas de que vale a demonstração científica, mas, sim, naquelas que são corriqueiramente aceitas e que também se identificam com a dialética. Verifica-se que a retórica não se apresenta de forma que o ouvinte comum não consiga entender, mas de maneira que consiga concluir rapidamente das premissas o que foi falado.

Quem deseja persuadir deve usar o melhor método e este consiste em possuir provas, isto é, na retórica, para se demonstrar, são usados o entimema e o exemplo. Reboul (2004), da mesma forma que Aristóteles, distingue dois tipos de argumento, o entimema ou silogismo, baseado em premissas prováveis, sendo dedutivo, e o exemplo, que a partir dos fatos passados conclui possibilidades futuras, sendo indutivo. Ainda nesse sentido, disserta Aristóteles (2005, I, 2, p. 98) sobre as formas e natureza dos argumentos:

Pois o exemplo é uma indução, o entimema é um silogismo, e o entimema aparente é um silogismo aparente. Chamo entimema ao silogismo retórico e exemplo à indução retórica. E, para demonstrar, todos produzem provas por persuasão, quer recorrendo a exemplos quer a entimemas, pois fora destes nada mais há. De sorte que, se é realmente necessário que toda a demonstração se faça ou pelo silogismo ou pela indução (e isso é para nós claro desde os Analíticos), então importa que estes dois métodos sejam idênticos nas duas artes.

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O entimema é um silogismo cujas premissas têm conteúdo provável e não científico. Silogismo, do grego, significa “ligação” ou “conexão de ideias”, pois, por meio de duas proposições, chamadas premissas, se obtém uma terceira, que é a conclusão. O silogismo é um argumento dedutivo, que seria aquele que parte de assuntos gerais para o contexto particular. Na definição de Aristóteles (apud ABBAGNANO, 2007), é um raciocínio em que, postas algumas coisas, se seguem necessariamente outras, pelo simples fato de aquelas existirem. Isso significa que delas deriva alguma coisa, não sendo preciso acrescentar nada de exterior para que a dedução se siga necessariamente.

A constituição do silogismo e de suas conclusões pode originar-se de premissas que já foram provadas por outros silogismos ou de premissas que ainda não foram demonstradas. No primeiro caso, a demonstração torna-se difícil pela grande quantidade de premissas e, se os ouvintes forem incapazes de compreender por essa via, não se alcançará o objetivo do discurso: a persuasão. No segundo caso, tratando-se de premissas sobre as quais os interlocutores não estão de acordo, não se alcança igualmente o objetivo do discurso, pois elas não são assentidas pela maioria (NASCIMENTO, 2012). Portanto, o entimema é um silogismo que se compõe de poucas proposições, que, em geral, são admitidas pela maior parte das pessoas, facilitando o entendimento dos ouvintes e a persuasão.

Os entimemas são classificados em demonstrativos e refutativos. Os primeiros provam alguma proposição afirmativa ou negativa e os segundos a refutam. Em outras palavras, o demonstrativo é aquele em que se obtém a conclusão a partir de premissas com as quais se está de acordo (proposições compatíveis); o refutativo conduz a conclusões que o adversário não aceita (proposições incompatíveis) (ARISTÓTELES, 2007).

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Além do entimema, o exemplo é utilizado pela retórica, mas não como uma estrutura lógica; por meio desse artifício, torna-se evidente o que se quer confirmar. Na retórica, baseia-se em fatos que aconteceram determinada quantidade de vezes, havendo no presente uma repetição deles. Não existe aí a relação do universal com o particular, nem do particular com o universal, mas, sim, das partes e dos semelhantes.

Da mesma maneira que o entimema corresponde ao silogismo, o exemplo retórico corresponde à indução lógica. Também como o entimema, é uma prova comum a todos os gêneros (ARISTÓTELES, 2007) e se divide em duas espécies: os que provêm de fatos passados e os que são criados pelo próprio orador, como as parábolas e as fábulas esópicas e líbicas (NASCIMENTO, 2012).

Sobre a diferença entre o exemplo e o entimema, esclarece Aristóteles (2005, I, 2, p. 98):

Quanto à diferença entre o exemplo e o entimema, ela está clara nos Tópicos (pois já aí se falou do silogismo e da indução). Demonstrar que algo é assim na base de muitos casos semelhantes é na dialéctica indução e na retórica exemplo; mas demonstrar que, de certas premissas, pode resultar uma proposição nova e diferente só porque elas são sempre ou quase sempre verdadeiras, a isso chama-se em dialéctica silogismo e entimema na retórica.

Ao realizar um discurso, é necessário saber sobre o que ele deve abordar, portanto, sobre a espécie de discurso, ou seja, o gênero conveniente ao assunto. Conforme Aristóteles (2007), a poética e a retórica, ao contrário da filosofia teorética5, não se encontram

enraizadas no ente como substância, mas dirigem-se primordialmente a um auditório. O discurso do orador,

5 Aristóteles divide a filosofia em prática, poética e teorética; esta, por

sua vez, divide-se em física, matemática e filosofia primeira (metafísica e teologia).

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assim como a tragédia6 e a epopeia7, apenas adquire o seu

sentido próprio em relação a um público ao qual se dirige. Para a retórica, é o tipo de auditório perante o qual o discurso é pronunciado que permite classificar os diversos tipos de gênero de discurso.

1.5 OS TRÊS GÊNEROS DE DISCURSO

A retórica, sendo a arte do bem se expressar, tendo a intenção de expor ideias de maneira lógica para outrem com o objetivo de influenciá-lo e persuadi-lo de algo e utilizando-se para isso de argumentos, necessita comover e convencer para poder conduzir o entendimento do ouvinte. Como afirma Reboul (2004, p. 13-14), é

a articulação dos argumentos e do estilo numa mesma função [...] a arte de persuadir pelo discurso [...] por discurso entendemos toda produção verbal, escrita ou oral, constituída por uma frase ou por uma sequência de frases que tenha começo e fim e apresente certa unidade de sentido.

Nesse sentido, cada tipo de discurso tem um auditório, uma intenção, um objeto e um método próprio. A esse respeito, Aristóteles (2005, I, 3, p. 104) disserta:

6 Aristóteles teorizou que a tragédia resulta numa catarse da audiência

e isso explicaria o motivo de os humanos apreciarem assistir ao sofrimento dramatizado. Entretanto, nem todas as peças que são largamente reconhecidas como tragédias resultam nesse tipo de final catártico – algumas têm finais neutros ou mesmo finais dubiamente felizes.

7Epopeia é um conjunto de acontecimentos históricos narrados em

verso e pode não representar os acontecimentos com fidelidade, porém apresenta fatos com relevante conceito moral e atos heroicos, por exemplo, transcorridos durante guerras ou relativo a fenômenos históricos, lendários ou míticos e que são representantes de uma determinada cultura.

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As espécies de retórica são três em número; pois outras tantas são as classes de ouvintes dos discursos. Com efeito, o discurso comporta três elementos: o orador, o assunto de que fala, e o ouvinte; e o fim do discurso refere-se a este último, isto é, ao ouvinte. Ora, é necessário que o ouvinte ou seja espectador ou juiz, e que um juiz se pronuncie ou sobre o passado ou sobre o futuro. O que se pronuncia sobre o futuro é, por exemplo, um membro de uma assembleia; o que se pronuncia sobre o passado é o juiz; o espectador, por seu turno, pronuncia-se sobre o talento do orador. De sorte que é necessário que existam três géneros de discursos retóricos: o deliberativo, o judicial e o epidíctico.

Observa-se que cada gênero citado comporta uma finalidade distinta, ou seja, três fins para três gêneros. Para o que delibera, o fim é o conveniente ou o prejudicial; para o que aconselha, sugere-o como o melhor; e para o que desaconselha, dissuade-o como o pior; todos os demais, como o justo ou o injusto, o belo ou o feio, são suplementos. Aqueles que se pronunciam em um tribunal e buscam o justo e o injusto também fazem parte de outros raciocínios auxiliares. Para os que elogiam e censuram, o fim é o belo e o feio, somando-se a esses outros raciocínios complementares.

Os discursos deliberativos ou são exortações ou dissuasões e tendem a manifestar as vantagens ou desvantagens de alguma atitude. A fala deliberativa é a Assembleia (Senado), que aconselha ou desaconselha sobre as questões da cidade (Reboul, 2004). Sobre a ação do orador deliberativo, afirma Aristóteles (2005, I, 3, p. 106):

Importa primeiramente compreender que coisas, boas ou más, aconselha o orador deliberativo, pois não se ocupa de todas as coisas, mas apenas das que podem vir a acontecer ou não. Sobre tudo o que necessariamente existe ou existirá, ou sobre tudo o que

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é impossível que exista ou venha a existir, sobre isso não há deliberação.

O auditório da fala judiciária é o tribunal, pois é um discurso que serve como acusação ou defesa (REBOUL, 2004), isto é, os discursos judiciais ou são acusações ou defesas sobre coisas feitas no passado e visam a mostrar a justiça ou injustiça do que foi feito. Reale (1994) concorda com as afirmações anteriores dizendo que é próprio da retórica judiciária defender ou acusar, com referência a atos ou circunstâncias passadas, para demonstrar que não acontecem ou aconteceram contra o que foi estabelecido pela lei.

Nota-se que o fator tempo é algo a ser considerado por Aristóteles no que se refere aos gêneros do discurso. Nesse sentido, Reboul (2004, p. 45) explica:

O judiciário refere- se ao passado, pois são fatos passados que cumpre esclarecer, qualificar e julgar. O deliberativo refere-se ao futuro, pois inspira decisões e projetos. Finalmente, o epidíctico refere-se ao presente, pois o orador propõe-se à admiração dos espectadores, ainda que extraia argumentos do passado e do futuro.

A retórica epidítica ou celebrativa tem como fim elogiar ou lastimar, em geral, fatos ou eventos presentes para convencer de que são dignos de louvor ou lástima (ARISTÓTELES apud REALE, 1994). Reboul (2004, p. 45) revela que o discurso “epidíctico censura e, na maioria das vezes, louva um homem ou uma categoria de homens, como os mortos na guerra, ora uma cidade, ora seres lendários, como Helena [...]”. Aristóteles (2005, I, 9, p. 125), por sua vez, expõe que, “para os que elogiam e censuram, o fim é o belo e o feio [...]” e continua:

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Pois bem, o belo é o que, sendo preferível por si mesmo, é digno de louvor; ou o que, sendo bom, é agradável porque é bom. E se isto é belo, então a virtude é necessariamente bela; pois, sendo boa, é digna de louvor. A virtude é, como parece, o poder de produzir e conservar os bens, a faculdade de prestar muitos e relevantes serviços de toda a sorte e em todos os casos. Os elementos da virtude são a justiça, a coragem, a temperança, a magnificência, a magnanimidade, a liberalidade, a mansidão, a prudência e a sabedoria (ARISTÓTELES, 2005, I, 9, p. 125).

Com a utilização desses tipos de discurso, o orador objetiva provocar a aderência do auditório; assim, a relação estabelecida entre ambos representa grande importância. A imagem que o auditório faz do orador resulta na credibilidade que lhe atribui, como também na confiabilidade à argumentação utilizada. Para tanto, os argumentos precisam ser selecionados em função do assunto e do auditório a quem são direcionados; por isso, o orador tem sempre que se adaptar ao seu auditório. Com base nisso, sucede-se que cada gênero apresentado deve contar com argumentações específicas, que partem de premissas de mesma natureza, tanto o discursador político e o judiciário quanto o que busca realizar discursos celebrativos.

Com o intuito de provocar a persuasão, entre os modos de argumentação, é apresentada uma série de tópicos argumentativos. Na subseção seguinte, são apresentados os tipos e a utilidade dos tópicos no discurso, também conhecidos como lugares, que têm a função de tornar mais claro o aspecto formal da retórica, bem como sua estrutura lógica.

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1.6 O USO DOS TÓPICOS OU LUGARES-COMUNS

Os silogismos oratórios e dialéticos têm como premissas, além dos sinais e das verossimilhanças, os tópicos ou os também chamados lugares-comuns. Reboul (2004) realiza a pergunta: como encontrar argumentos? Ao que responde: por lugares. Assim continua completando a resposta:

Esse termo é tão corrente quanto obscuro. Na dúvida, pode-se sempre traduzir ‘lugar’ por argumento. Mas lembremos que esse termo tem pelo menos três sentidos que exporemos por níveis de tecnicidade. No sentido mais antigo e mais simples, o lugar é um argumento pronto que o defensor pode colocar em determinado momento do seu discurso, muitas vezes depois de o ter aprendido de cor. Numa forma menos rígida, esses lugares são encontrados em toda retórica antiga [...] Em sentido mais técnico, o lugar já não é um argumento-tipo, é um tipo de argumento, um esquema que pode ganhar os conteúdos mais diversos (REBOUL, 2004, p. 51).

Aristóteles aconselha o uso dos lugares-comuns em qualquer espécie de discurso. Os lugares do mais e do menos, por exemplo, são mais inclinados ao gênero deliberativo, mas também importantes para o judiciário, pois a partir deles o advogado intenta o aumento ou a diminuição da importância, do valor e do crédito dos meios de prova; assim, tenta alargar as provas e argumentos que lhe forem favoráveis, ao passo que busca reduzir os que lhe forem contrários à tese defendida.

Outro tópico é o do mais e o do menos; por exemplo: ‘se nem os deuses sabem tudo, menos ainda os homens’. O que equivale a dizer: ‘se de facto uma afirmação não se aplica ao que seria mais aplicável, é óbvio que também não se aplica ao que seria menos’. O

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argumento, ‘uma pessoa que bate nos vizinhos, também bate no pai’, assenta no raciocínio seguinte: ‘se há o menos, também há o mais’, visto que se bate sempre menos nos pais do que nos vizinhos. Ou então empregam-se um e outro argumento desta forma: ‘se uma afirmação se aplica ao que é mais, não se aplica’, ‘se ao que é menos, aplica-se’, conforme seja preciso demonstrar o que é e o que não é (ARISTÓTELES, 2005, II, 23, p. 218).

O orador precisa de mostrar que uma coisa é mais ou menos importante, mais ou menos vantajosa, da mesma maneira que precisará de mostrar que ela é possível ou impossível (ALEXANDRE, in Aristóteles [384-322 a. C.], 2005, p. 39).

Reboul (2004, p. 52) esclarece que o lugar do mais e do menos é extremamente verossímil, longe de ser evidente, pois “toda verossimilhança, pode ser contestada”. Assim sendo, seria incontestável se fosse aplicado a realidades homogêneas, como, por exemplo, o dinheiro: quem consegue emprestar mil reais, poderia ter emprestado somente cem. Entretanto, tal definição, ao ser aplicada a casos heterogêneos, deixa de ser evidente. O autor menciona o exemplo dos saberes e dos poderes dizendo: “Afinal, quem sabe menos talvez saiba coisa diferente de quem sabe mais; o mesmo para o poder: uma enfermeira pode coisas que o médico não pode, etc. Quem pode o mais, não pode necessariamente o menos” (p. 52). Classicamente, dá-se a esses lugares o nome de “lugares-comuns”, pois se aplicam a toda espécie de argumentação; no caso atual, não passam de opinião banal expressa de modo estereotipado, enquanto o lugar clássico é um esquema de argumento que se aplica aos dados mais diversos. Tecnicamente, opõem-se ao lugar próprio, sendo um tipo de argumento particular de um gênero do discurso (REBOUL, 2004).

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Reboul (2004, p. 53) afirma a tecnicidade do terceiro “lugar”: “O lugar não é um argumento-tipo nem um tipo de argumento, mas uma questão típica que possibilita encontrar argumentos e contra-argumentos [...]”. Assevera também que esse caso é muito encontrado “num lugar próprio do gênero judiciário, o do estado da causa (stasis, status)” (p. 53). Supondo que alguém seja acionado por um delito,

[...] a acusação e a defesa vão propor-se as mesmas perguntas, que a antiga retórica sintetiza em quatro: 1. Estado de conjectura: ele matou realmente?

2. Estado de definição: trata-se de crime premeditado, não premeditado, de homicídio involuntário?

3. Estado de qualidade: supondo-se que seja admitido o crime voluntário, quais são as circunstâncias que podem acusar ou escusar o réu: motivo patriótico, religioso? 4. Estado de recusa, que consiste em perguntar se o tribunal é realmente competente, se a instrução foi suficiente, etc.

Finalmente, lugar é tudo o que possibilita ou facilita a invenção, mas que, por isso mesmo, a nega, pois uma invenção deixa de sê-lo à medida que se torna fácil! (REBOUL, 2004, p. 54).

Aristóteles, ao verificar que a disposição da conduta e do caráter torna-se fundamental à retórica, busca raciocinar sob quais condições é possível que esta promova a justiça, como também a verdade, uma vez que é justamente para defendê-las que consiste a sua utilidade.

Uma das grandes contribuições de Aristóteles para a filosofia do direito foi a elaboração de uma noção de justiça que, discriminando os sentidos do conceito, traçou linhas mestras que perduram até hoje (REALE, 1997). Da mesma forma que Platão, concebeu a justiça como virtude total ou virtude perfeita e injustiça como um vício absoluto.

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1.7 O PROBLEMA DA JUSTIÇA

O termo ‘justiça’, de modo geral, diz respeito à igualdade de todos os indivíduos em uma sociedade, sendo o princípio fundamental de um acordo que mantém a ordem social por meio da garantia dos direitos em sua forma legal, ou seja, pela constitucionalidade das leis ou seu emprego a casos específicos da sociedade, como, por exemplo, os litígios.

A retórica aristotélica torna-se uma análise das possibilidades de justiça, na medida em que analisa essencialmente as virtudes do discursador e as paixões dos ouvintes, de que o orador precisa ter ciência se almeja que seu discurso seja direcionado à justiça. O filósofo distingue a justiça em duas importantes classes: a universal e a particular. Ele disserta:

Entendamos por cometer injustiça causar dano voluntariamente em violação da lei. Ora a lei ou é particular ou comum. Chamo particular à lei escrita pela qual se rege cada cidade; e comuns, às leis não escritas, sobre as quais parece haver um acordo unânime entre todos. As pessoas agem voluntariamente quando sabem o que fazem, e não são forçadas. Ora os actos voluntários nem sempre se fazem premeditadamente; mas todos os actos premeditados se fazem com conhecimento, pois ninguém ignora o que decide fazer (ARISTÓTELES, 2005, I, 10, p. 130).

O que age com justiça, portanto, é aquele que, como Sócrates, no diálogo platônico Críton, vive conforme a lei. Nesse sentido, abarca as demais virtudes, pois o que a lei determina é o cumprimento de todas as virtudes éticas particulares. Chama-se justiça particular o hábito que realiza a igualdade, a imputação a cada um do que lhe é devido. Dessa maneira, a justiça aproxima-se das demais virtudes, pois admitir a igualdade implica, quando preciso, agir com bravura ou com prudência etc.

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Sobre isso, salienta Aristóteles (2005, I, 13, p. 144):

Distingamos agora todos os actos de injustiça e de justiça, começando por observar que o que é justo e injusto foi já definido de duas maneiras em relação a dois tipos de leis e a duas classes de pessoas. Chamo lei tanto à que é particular como à que é comum. É lei particular a que foi definida por cada povo em relação a si mesmo, quer seja escrita ou não escrita; e comum, a que é segundo a natureza. Pois há na natureza um princípio comum do que é justo e injusto, que todos de algum modo adivinham mesmo que não haja entre si comunicação ou acordo.

A justiça particular divide-se em duas: a justiça distributiva e a justiça corretiva. A justiça distributiva é a mais essencial, pois responsável pela conservação da ordem e da harmonia da pólis grega. Implica conferir a cada um o que lhe é merecido, visando à sua excelência, seu valor para a sociedade, e tem por finalidade fundamental a repartição de bens e honras da comunidade, observando para que cada um do grupo perceba o proveito adequado a seus méritos; por fim, significa a realização da justiça segundo um critério de igualdade geométrica.

Igualdade, distribuição e, consequentemente, o meio-termo, ou seja, o justo, sendo correlato de igualdade, é um equilíbrio entre o mais e o menos, isto é, o justo é, desse modo, um meio-termo. Essa igualdade é o ponto intermediário entre os tipos de ação em que existe o mais e entre os tipos de ação em que há o menos, ou seja, entre as ações díspares. “Se, pois, o injusto é desigual, o justo é igual [...] E, como o igual é um ponto intermediário, o justo será um meio-termo (ARISTÓTELES, 2011, V, 3, 1131a).

Já a justiça corretiva, também designada justiça comutativa, nasce do contato entre um indivíduo e outro, que pode ocorrer voluntária ou involuntariamente, e tem

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como finalidade restaurar o equilíbrio por um meio-termo entre a perda e o ganho. Assim como a justiça distributiva, é igualitária e busca um meio-termo, mas não com a mesma espécie de proporção.

Diferentemente da justiça distributiva, que se caracteriza por uma proporção geométrica, a justiça corretiva realiza-se por uma proporção numérica, ou seja, não trata das relações das pessoas com a comunidade, mas daquelas ocorridas entre os próprios membros do grupo, como, por exemplo, as de troca de coisas ou recursos. “A justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma espécie de igualdade, e a injustiça uma espécie de desigualdade; não de acordo com essa espécie de proporção, todavia, mas de acordo com uma proporção aritmética” (ARISTÓTELES, 2011, V, 4, 1132a).

Em relação às pessoas, a justiça é definida de duas maneiras; pois o que se deve fazer e não deve fazer é definido, querem relação à comunidade quer em relação a um dos seus membros. Por conseguinte, é possível cometer a injustiça e praticar a justiça de duas maneiras, pois ela pratica-se em relação a um determinado indivíduo ou em relação à comunidade; porque o que comete adultério ou fere alguém comete injustiça contra um dos indivíduos, mas o que não cumpre os seus deveres militares comete-o contra a comunidade (ARISTÓTELES, 2011, V, 4, 1132a).

Assim, Aristóteles demonstra o caráter comunitário e individual da justiça, mas, com relação ao sistema de leis, afirma que o “justo” tem dois sentidos: aquele que age conforme a lei age justamente e o injusto seria o que não observa as prescrições legais. Essa significação é mais apropriada ao se tratar uma ação, pois a outra forma diz respeito ao sujeito, quando este consegue ser neutro nas suas ações; neste caso, essa ideia de justiça identifica-se com a ideia de igualdade. Da mesma forma, esses

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conceitos podem ser empregados às autoridades, quando estas são obrigadas a seguir a lei ao realizar um julgamento tratando os iguais como iguais. Sobre isso, completa:

Se, pois, não é possível uma definição exacta, mas a legislação é necessária, a lei deve ser expressa em termos gerais; de modo que se uma pessoa não tem mais que um anel no dedo quando levanta a mão ou fere outra, segundo a lei escrita é culpada e comete injustiça, mas segundo a verdade não a comete, e é isso que é equidade. Ora, se a equidade é o que acabamos de dizer, é fácil de ver quais são os actos equitativos e quais o não são, e quais as pessoas que não são equitativas. Os actos que devem ser perdoados são próprios da equidade, e é equitativo não julgar dignos de igual tratamento os erros e os delitos, nem as desgraças (ARISTÓTELES, 2005, I, 13, p. 146).

Assim, tanto lei justa quanto a injusta seguem sempre uma lei, respeitando o ideal de justiça de forma legal, ou seja, observando a igualdade, eliminam ações discriminatórias, extinguindo privilégios ou tratamentos baixos. Um governante justo segue, então, os fundamentos da “distribuição equitativa” das vantagens e do correto e errado com as pessoas sob seu comando. Nesse diapasão, o indivíduo justo seria o que cumpre as leis e o injusto, o que a descumpre; a justiça fundamenta-se sob o ideal de igualdade e equidade, já a injustiça teria como base a ilegalidade e a desigualdade.

O justo e o injusto também podem ser expressos utilizando os discursos oratórios, mas necessitam de regras e arranjos para que o discurso seja satisfatório. Destarte, o estilo e a composição da fala são fundamentais para uma adequada comunicação, além da sistematização das partes do discurso, resultando na facilitação do entendimento acerca do conteúdo abordado.

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1.8 ESTILO, COMPOSIÇÃO E PARTES DO DISCURSO

A elaboração do discurso e sua apresentação diante de um público requerem a observância de vários aspectos que se complementam. A elocução, por exemplo, encontra-se na terceira parte de Retórica (ARISTÓTELES, 2005) e aborda a língua e o estilo. Em sentido técnico, é a redação do discurso. “A elocução é, pois, o ponto em que a retórica encontra a literatura. Todavia, antes de ser uma questão de estilo, diz respeito à língua como tal. Para os antigos, o primeiro problema da elocução é o da correção linguística” (REBOUL, 2004, p. 61). Nesse sentido, Reboul (2004, p. 61) faz uma retomada do tratamento que era dado aos estilos na filosofia grega:

A retórica foi a primeira prosa literária e durante muito tempo permaneceu como a única; por isso, precisou distinguir-se da poesia e encontrar suas próprias normas. Por quê? Afinal, um discurso poético pode ser perfeitamente convincente. Só que a poesia grega utilizava língua arcaizante, bastante esotérica, e seus ritmos a aproximavam muito do canto. Portanto, era preciso recorrer à prosa, mas uma prosa digna de rivalizar com a poesia. Em suma, entre o hermetismo dos poetas e o desmazelo da prosa cotidiana, a prosa oratória devia encontrar suas próprias regras.

Observa-se que essas normas fazem referência à organização e à capacidade de comunicação que possui o discurso. Sobre esse ponto, Aristóteles (2005) disserta que, se o discurso da prosa não transmitir algo com clareza, não chegará ao seu objetivo. Assim, pensa que tal discurso não precisa ser nem rasteiro, nem acima do seu valor, mas, sim, apropriado:

[...] o afastamento do sentido corrente faz um discurso parecer mais solene. Na verdade, as pessoas sentem perante falantes estrangeiros e concidadãos o mesmo

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que com a expressão enunciativa. É necessário, portanto, produzir uma linguagem não familiar, pois as pessoas admiram o que é afastado, e aquilo que provoca admiração é coisa agradável. Na poesia este efeito é produzido por muitos elementos, e é sobretudo aí que tais palavras são ajustadas, pois esta está mais afastada dos assuntos e das personagens de que o discurso trata. Na prosa, porém, tais recursos são menores, pois o tema é menos elevado, [...] o que é apropriado pode ser obtido igualmente quer concentrando quer ampliando. É por isto que os autores, ao comporem, devem fazer passar despercebido e não mostrar claramente que falam com artificialidade, mas sim com naturalidade, pois este último modo resulta persuasivo, o anterior, o oposto (ARISTÓTELES, 2005, III, 2, p. 245).

As normas na prosa oratória referem-se à escolha

das palavras e à construção de frases, o que produz um

discurso ao mesmo tempo correto e bonito (REBOUL, 2004). Para distinguir a prosa oratória da poesia da prosa vulgar, é necessário realizar uma seleção adequada das palavras, a fim de evitar tanto arcaísmos quanto neologismos; dessa forma, utilizam-se metáforas e outras figuras, desde que sejam claras, ao contrário das figuras empregadas pelos poetas (REBOUL, 2004). Sobre isso, expõe Aristóteles (2005, III, 2, p. 246):

Dos nomes e dos verbos de que o discurso é composto (sendo os tipos de nomes aqueles que foram já examinados na Poética), devem utilizar-se, pouquíssimas vezes e em número reduzido de situações, palavras raras, termos compostos e neologismos [...]. Só o termo ‘próprio’ e ‘apropriado’ e a metáfora são valiosos no estilo da prosa. Sinal disto é que são só estes que todos utilizam. Na verdade, todos falam por meio de metáforas e de palavras no seu sentido ‘próprio’ e ‘apropriado’, o que deste modo demonstra que, se se compõe correctamente, o texto resultará algo de não familiar, mas, ao mesmo tempo,

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será possível dissimulá-lo e resultar claro. Esta, disse, é a maior virtude do discurso retórico. Por seu turno, as palavras úteis para o sofista são as homónimas (pois é por meio destas que ele perfaz a sua má acção), para os poetas, os sinónimos. Por palavras em sentido ‘próprio’ e sinónimas refiro-me, por exemplo, a ‘ir’ e ‘andar’; pois ambas são empregues em sentido ‘próprio’ e são sinónimas uma da outra.

A prosa retórica deve ter ritmo e não ser métrica, pois a fala ritmada é mais agradável, porque organiza as palavras conforme a estrutura; outrossim, cada gênero literário tem seu próprio ritmo e, como afirma Reboul (2004), evitava-se, sobretudo, qualquer frase métrica, como os versos dos poetas. O ritmo era flexível e sempre a serviço do sentido. Também nessa direção, Aristóteles (2005, III, 8, p. 259) afirma:

A forma de expressão não deve ser nem métrica nem desprovida de ritmo. De facto, a primeira não é persuasiva, pois parece artificial, e, ao mesmo tempo, desvia a atenção do ouvinte, pois fá-lo prestar atenção a elemento idêntico, quando a este regressar.

O filósofo aconselha certa prudência no emprego adequado da língua e aponta cinco normas direcionadas à correção gramatical:

emprego correcto das partículas, rigor no uso das palavras, omissão de termos ambíguos, uso correcto do género, uso correcto do número. Todas estas normas visam a clareza da linguagem, a recta observância das regras gramaticais e das convenções da língua (ALEXANDRE, in Aristóteles [384-322 a. C.], 2005, p. 46).

A construção da frase é outra questão pontuada por Aristóteles, tendo sido desenvolvido um conceito de período. Alexandre (In Aristóteles [384-322 a. C.], 2005, p.

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47) explica que período é “um todo estruturado, uma frase com princípio e fim em si mesmos e com uma extensão facilmente adaptável à capacidade respiratória”. Por sua vez, os elementos da frase se “inter-relacionam para tornar o discurso mais inteligível e mais agradável ao ouvido; um todo estruturado em que a tensão gerada no princípio se resolve no fim” (p. 47).

Em relação aos elementos, para Aristóteles (2005, III, 4, p. 252), o símile funciona como um formato ampliado da metáfora:

O símile é também uma metáfora. A diferença, na verdade, é pequena: sempre que se diz ‘lançou- se como um leão’, é um símile; mas quando se diz ‘ele lançou um leão’, é uma metáfora. Pois, devido ao facto de ambos serem valorosos, transferindo-se o sentido, chamou-se ‘leão’ a Aquiles. O símile é útil na prosa, embora poucas vezes, pois é um elemento poético. Além disso, deve ser utilizado como as metáforas, pois no fundo não passa de metáfora, diferenciando-se no que foi dito.

O filósofo, a respeito das formas de metáfora, salienta que são meios eficazes tanto na prosa quanto na poesia. Sucede que no discurso da prosa é preciso ser cauteloso com relação a esses elementos, pois a prosa possui menos recursos que a poesia (ARISTÓTELES, 2005). Segundo ele, a metáfora possui clareza, agradabilidade e exotismo:

Se tu desejares enaltecer o assunto, usa uma metáfora retirada das de maior valor dentro do mesmo género; mas se desejares censurar, uma retirada das de menor valor. Quero dizer, por exemplo, afirmar-se que uma pessoa que mendiga ‘suplica’ e uma que suplica ‘mendiga’, porque são coisas contrárias dentro do mesmo género, visto que ambas são formas de ‘pedir’, perfaz o que foi dito. [...] Do mesmo modo, aqueles que chamamos ‘aduladores de Dionísio’ denominam-se a si

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próprios ‘artistas’ [...]; agora, até os salteadores se chamam a si próprios ‘homens de negócios’, e por isso é que é lícito dizer que aquele que praticou um delito cometeu um erro e que aquele que cometeu um erro praticou um delito, e daquele que roubou afirmar quer que ‘tomou’, quer que ‘arranjou’ (ARISTÓTELES, 2005, III, 2, p. 247).

Para que o emprego da metáfora no discurso tenha êxito, é preciso relacioná-la a sentidos próximos, por meio de bons enigmas, e, também, que decorra de coisas belas. Pode-se constatar sua afirmação na passagem seguinte:

É ainda necessário usar metáforas provindas não de coisas muito afastadas, mas de coisas semelhantes e do mesmo género e da mesma espécie da do termo usado, designando assim algo que não tem designação, de forma que seja evidente que estão relacionadas. Por exemplo, no renomado enigma: eu vi um homem colar a fogo bronze a um homem. Efectivamente, este procedimento não possui designação, mas ambos são um tipo de aplicação (denomina-se ‘colagem’ a aplicação da ventosa. Ora, metáforas implicam enigmas e, por conseguinte, é evidente que são bons métodos de transposição. Por outro lado, devem provir de coisas belas. Beleza verbal, como Licímnio diz, reside no som e no significado; e outro tanto se passa com a fealdade. [...] Daqui é que se devem tirar as metáforas: de coisas belas quer em som, quer em efeito, quer em poder de visualização, quer numa outra qualquer forma de percepção. Não é a mesma coisa dizer, por exemplo, ‘aurora de dedos de rosa’ ou ‘de dedos de púrpura’, ou ainda, de forma mais pobre, ‘de dedos rubros’ (ARISTÓTELES, 2005, III, 2, p. 248, grifo do autor).

Para Reboul (2004), a metáfora em si é um argumento, pois condensa uma analogia. No entanto, continua indagando:

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