Gabriel Eur´ıpedes de Jesus Farias
GEOMETRIA HIPERB ´OLICA PLANA O Modelo Projetivo
Texto referente ao Minicurso de Geometria Hi-perb´olica do III Simp´osio Nacional do PICME. Orientador: Prof. Dr. Heleno da Silva Cunha.
Belo Horizonte 2016
Sum´
ario
Resumo 3
1 Introdu¸c˜ao 3
2 Fundamentos de ´Algebra Linear 4
2.1 R-espa¸cos vetoriais . . . 4
2.2 Mudan¸ca de Base . . . 6
2.3 Formas Bilineares . . . 7
3 Modelos de Geometria Hiperb´olica Plana 10 3.1 O Modelo Projetivo . . . 10
3.1.1 O Plano Projetivo . . . 10
3.1.2 O Plano Hiperb´olico . . . 11
3.2 O Modelo de Klein . . . 13
3.3 O Modelo do Hiperboloide . . . 14
4 Breve Estudo sobre o Plano Hiperb´olico 16 4.1 Geod´esicas do Plano Hiperb´olico . . . 16
4.2 Retas do Plano Hiperb´olico . . . 19
5 Considera¸c˜oes Finais 20
Geometria Hiperb´
olica Plana: O Modelo Projetivo
Gabriel Eur´ıpedes de Jesus Farias1
Heleno da Silva Cunha2
Resumo
No presente trabalho, ser˜ao apresentados espa¸cos m´etricos que s˜ao modelos para a Geometria Hiperb´olica Plana. Fundamentando-se principalmente na ´Algebra Linear, o primeiro modelo que abordaremos ser´a o projetivo e, a partir desse, cons-truiremos os modelos de Klein e do hiperboloide. Inicialmente, faremos uma revis˜ao de ´Algebra Linear, exibindo defini¸c˜oes e alguns de seus resultados, os quais ser˜ao necess´arios para alicer¸car nossas constru¸c˜oes. Em seguida, apresentaremos os trˆes modelos supracitados. Ao final, faremos um sucinto estudo a respeito das geod´esicas e das retas do plano hiperb´olico e concluiremos com a demonstra¸c˜ao da validade do postulado caracter´ıstico da Geometria Hiperb´olica nesse espa¸co m´etrico.
Palavras-chave: Geometria hiperb´olica plana; Modelo projetivo; Retas do plano hiperb´olico.
1
Introdu¸
c˜
ao
A descoberta das geometrias n˜ao euclidianas foi um grande marco na hist´oria da ma-tem´atica. Esse processo iniciou-se no pr´oprio momento que Euclides apresentou a Geo-metria Euclidiana de forma axiom´atica em sua obra Elementos. Durante s´eculos, o quinto postulado gerou discuss˜oes e muitos matem´aticos, acreditando tratar-se de um teorema, tentaram prov´a-lo. Esses esfor¸cos resultaram na descoberta de uma grande quantidade de proposi¸c˜oes equivalentes ao quinto postulado de Euclides. Dentre elas, apresentaremos o Axioma de Playfair:
Postulado V. Por um ponto fora de uma reta pode-se tra¸car uma ´unica reta paralela `
a reta dada.
No s´eculo XIX, iniciou-se o estudo das implica¸c˜oes da nega¸c˜ao desse postulado. Tri-lhado por Gauss, Lobachewsky e Bolyai, esse caminho levou `a descoberta da Geometria Hiperb´olica. Visto que a existˆencia de retas paralelas ´e consequˆencia dos quatro primei-ros grupos de axiomas, essa geometria fundamenta-se na admiss˜ao dos quatro primeiros postulados da Geometria Euclidiana e da seguinte forma negativa do quinto postulado:
Postulado. Por um ponto fora de uma reta, podem ser tra¸cadas pelo menos duas retas que n˜ao interceptam a reta dada.
Visando a atribuir consistˆencia `a Geometria Hiperb´olica, foram propostos modelos para a mesma. Neste trabalho, temos o objetivo de apresentar a constru¸c˜ao de trˆes deles: o projetivo, o de Klein e o do hiperboloide.
1Estudante do Curso de Matem´atica da Universidade Federal de Uberlˆandia.
2O presente trabalho foi desenvolvido tendo como orientador o Prof. Dr. Heleno da Silva Cunha,
2
Fundamentos de ´
Algebra Linear
O papel desta se¸c˜ao ´e reunir defini¸c˜oes e resultados de ´Algebra Linear necess´arios para nossas futuras constru¸c˜oes. Em especial, abordaremos as defini¸c˜oes e algumas proprieda-des de espa¸cos vetoriais sobre R e de formas bilineares.
2.1
R-espa¸
cos vetoriais
Defini¸c˜ao 1. Um conjunto n˜ao vazio V ´e um R-espa¸co vetorial (ou espa¸co vetorial sobre R) se em seus elementos, denominados vetores, estiverem definidas as duas opera¸c˜oes abaixo.
(A) Soma, tal que ∀u, v, w ∈ V tem-se: (i) u + v ∈ V (fechamento da opera¸c˜ao); (ii) u + v = v + u (propriedade comutativa);
(iii) (u + v) + w = u + (v + w) (propriedade associativa);
(iv) ∃ 0 ∈ V tal que 0 + v = v, 0 ´e denomidado vetor nulo de V (existˆencia de elemento neutro);
(v) ∃ − v ∈ V tal que v + (−v) = 0 (existˆencia do elemento oposto para cada v ∈ V ). (M) Produto por escalar, tal que ∀α, β ∈ R e ∀u, v ∈ V tem-se:
(i) α · v ∈ V (fechamento da opera¸c˜ao);
(ii) (αβ) · v = α(β · v) (propriedade associativa); (iii) 1 · v = v;
(iv) α · (u + v) = α · u + α · v; (v) (α + β) · v = α · v + β · v.
Exemplo 1. Consideremos o conjunto Rn = {(x
1, . . . , xn); x1, . . . , xn ∈ R} com as
opera¸c˜oes:
(i) (x1, . . . , xn) + (y1, . . . , yn) = (x1+ y1, . . . , xn+ yn), ∀(x1, . . . , xn), (y1, . . . , yn) ∈ Rn;
(ii) λ · (x1, . . . , xn) = (λx1, . . . , λxn), ∀λ ∈ R e ∀(x1, . . . , xn) ∈ Rn.
Essa estrutura ´e um espa¸co vetorial sobre R que ser´a muito importante para as cons-tru¸c˜oes dos modelos para a Geometria Hiperb´olica Plana que faremos adiante.
Defini¸c˜ao 2. Seja V um R-espa¸co vetorial e S ⊂ V . Dizemos que S ´e um subespa¸co vetorial se, com as opera¸c˜oes definidas em V , S ´e um R-espa¸co vetorial. Isso ´e equivalente a dizer que S satisfaz `as seguintes propriedades:
(i) 0 ∈ S;
(ii) u + v ∈ S, ∀u, v ∈ S;
(iii) α · v ∈ S, ∀α ∈ R e ∀v ∈ V .
Defini¸c˜ao 3. Um vetor v ∈ V ´e uma combina¸c˜ao linear dos vetores v1, . . . , vn ∈ V se
existem escalares α1, . . . , αn ∈ R tais que
v = α1v1+ · · · + αnvn = n
X
i=1
αivi.
(I) O subespa¸co gerado por B ´e o conjunto das combina¸c˜oes lineares dos vetores de B, ou seja, ´e o conjunto {α1v1 + · · · + αnvn; α1, . . . , αn ∈ R}. O qual denotaremos por [B]
ou [v1, . . . , vn].
(II) Dizemos que B ´e um conjunto gerador de V (ou que B gera V ) se [B] = V . (III) Dizemos que B ´e linearmente independente (ou l.i.) se α1v1+ · · · + αnvn = 0,
para vi ∈ B e αi ∈ R, i ∈ {1, . . . , n}, implica que α1 = · · · = αn = 0. Caso contr´ario,
dizemos que B ´e linearmente dependente (ou l.d.).
(IV) Dizemos que B ´e base de V se B ´e um conjunto gerador de V e l.i.
Defini¸c˜ao 5. Um R-espa¸co vetorial ´e finitamente gerado se possui um conjunto gerador finito.
Observa¸c˜ao 1. Todo espa¸co vetorial finitamente gerado possui uma base. A demons-tra¸c˜ao desse resultado pode ser encontrada no texto [CL].
Proposi¸c˜ao 1. Qualquer base de um R-espa¸co vetorial V , finitamente gerado, possui a mesma quantidade de vetores.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos um R-espa¸co vetorial finitamente gerado V e suas bases B = {u1, . . . , un} e B0 = {v1, . . . , vm}. Suponhamos que essas bases n˜ao tenham a
mesma quantidade de vetores; sem perda de generalidade, assumamos que m > n. Es-crevamos os vetores de B0 como combina¸c˜ao linear dos vetores de B, da seguinte forma: vj = α1ju1 + . . . + αnjun, ∀j ∈ {1, . . . , m}. Notemos que m P j=1 βjvj = 0 implica que m P j=1 βj n P i=1 αijui = 0. Equivalentemente, n P i=1 m P j=1 αijβj ! ui = 0.
Como {u1, . . . , un} ´e base de V e, portanto, l.i., temos o sistema
α11β1+ · · · + α1mβm = 0 .. . αn1β1+ · · · + αnmβm = 0
nas inc´ognitas βj e com coeficientes αij ∈ R, com i ∈ {1, . . . , n} e j ∈ {1, . . . , m}. Por
hip´otese, temos que m > n, ou seja, nesse sistema, o n´umero de inc´ognitas ´e estritamente maior que o n´umero de equa¸c˜oes. Desse modo, o sistema ´e poss´ıvel e indeterminado, admitindo pelo menos uma solu¸c˜ao n˜ao nula. Portanto, existem γ1, . . . , γm ∈ R, n˜ao
todos nulos, tais que γ1v1+ · · · + γmvm = 0. Consequentemente, B0 ´e l.d., contradizendo
o fato de ser base. Logo, as bases B e B0 possuem a mesma quantidade de vetores. Defini¸c˜ao 6. Seja V um espa¸co vetorial finitamente gerado. A dimens˜ao de V , dim V , ´e a quantidade de vetores de qualquer base de V .
Observa¸c˜ao 2. Seja C um conjunto finito. Usaremos a nota¸c˜ao #C para a quantidade de elementos de C (cardinalidade).
Proposi¸c˜ao 2. Seja V um R-espa¸co vetorial finitamente gerado. Se U ´e um subespa¸co de V , ent˜ao dim U ≤ dim V .
Demonstra¸c˜ao. Consideremos V um R-espa¸co vetorial finitamente gerado e U um su-bespa¸co de V . Sejam BU e BV bases de U e V , respectivamente. Podemos provar
essa proposi¸c˜ao supondo que #BU > #BV. Empregando argumentos an´alogos aos
uti-lizados na Demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 1, essa suposi¸c˜ao implicar´a que BU ´e um
con-junto linearmente dependente, contradizendo a hip´otese de BU ser uma base. Portanto,
#BU ≤ #BV.
Defini¸c˜ao 7. Consideremos V , um R-espa¸co vetorial, e seus subespa¸cos vetoriais W1 e
W2. Definimos a soma de W1 com W2 como o subespa¸co vetorial
W1 + W2 = {w1+ w2; w1 ∈ W1 e w2 ∈ W2}. Dizemos que a soma W1+ W2 ´e direta se
W1∩ W2 = {0} e, nesse caso, escrevemos W1⊕ W2.
Proposi¸c˜ao 3. Sejam V um R-espa¸co vetorial finitamente gerado, U e W subespa¸cos vetoriais de V tais que U ⊕ W = V . Ent˜ao dim U + dim W = dim V .
Demonstra¸c˜ao. Sejam BU = {u1, . . . , un} e BW = {w1, . . . , wm} bases de U e W ,
respec-tivamente. Queremos mostrar que BU∪ BW ´e base de V .
Tomemos v ∈ V . Como V = U + W , temos que v = u + w, com u ∈ U e w ∈ W . Assim, existem α1, . . . , αn, β1, . . . , βm ∈ R tais que u = α1u1 + · · · + αnun e
w = β1w1 + · · · + βmwm. Por consequˆencia, v ´e uma combina¸c˜ao linear dos vetores de
BU∪ BW, a saber, v = α1u1+ · · · + αnun+ β1w1 + · · · + βmwm. Logo, V = [BU∪ BW].
Agora, suponhamos que existem escalares reais α1, . . . , αn, β1, . . . , βm tais que
α1u1 + · · · + αnun + β1w1 + · · · + βmwm = 0; temos, equivalentemente, que
α1u1+· · ·+αnun= −β1w1−· · ·−βmwm. Logo, α1u1+· · ·+αnune −β1w1−· · ·−βmwm
per-tencem `a U ∩ W . Visto que, por hip´otese, U ∩ W = {0}, segue que α1u1 + · · · + αnun = 0 e β1w1 + · · · + βmwm = 0. Como BU e BW s˜ao l.i.,
α1 = · · · = αn = β1 = · · · = βm = 0. Portanto, BU ∪ BW ´e um conjunto linearmente
independente.
Conclu´ımos que BU ∪ BW = {α1, . . . , αn, β1, . . . , βm} ´e base de V , desse modo,
dim V = n + m. Visto que dim U = #BU = n e dim W = #BW = m, completamos
a demonstra¸c˜ao.
Proposi¸c˜ao 4. Sejam V um R-espa¸co vetorial e B = {v1, . . . , vn} uma base ordenada de
V . Dado v ∈ V , os escalares tais que v ´e uma combina¸c˜ao linear dos vetores de B s˜ao unicamente determinados por v.
Demonstra¸c˜ao. Suponhamos que v = α1v1+ · · · + αnvn e v = β1v1+ · · · + βnvn. Ent˜ao,
(α1− β1)v1+ · · · + (αn− βn)vn = 0. Como, por hip´otese, {v1, . . . , vn} ´e base de V , segue
que αi = βi, ∀i ∈ {1, . . . , n}.
Defini¸c˜ao 8. Consideremos um R-espa¸co vetorial V e B = {v1, . . . , vn} uma base
or-denada de V . Denotamos por [v]B a matriz de coordenadas de v na base B; temos que
[v]B = α1 .. . αn
se, e somente se, v = α1v1+ · · · + αnvn.
2.2
Mudan¸
ca de Base
Consideremos V um R-espa¸co vetorial finitamente gerado e duas de suas bases: B = {u1, . . . , un} e B0 = {v1, . . . , vn}. Tomemos v ∈ V e suas matrizes de
coordena-das [v]B = α1 .. . αn e [v]B0 = β1 .. . βn
. Temos o objetivo de encontrar uma rela¸c˜ao entre essas matrizes.
Escrevamos os vetores de B como combina¸c˜ao linear dos vetores de B0: uj = γ1jv1 + · · · + γnjvn, ∀j ∈ {1, . . . , n}. Pela matriz de coordenadas de v na base
B, sabemos que v = n P j=1 αjuj = n P j=1 αj n P i=1 γijvi = n P j=1 n P i=1 αjγijvi = n P i=1 n P j=1 αjγij ! vi.
Por outro lado, v = β1v1 + · · · + βnvn. Pela Proposi¸c˜ao 4, temos que
βi = α1γi1+ · · · + αnγin, ∀i ∈ {1, . . . , n}. Assim, a matriz
M = γ11 γ12 · · · γ1n γ21 γ22 · · · γ2n .. . ... . .. ... γn1 γn2 · · · γnn
´e tal que M · [v]B = [v]B0. Dizemos que M ´e a matriz de mudan¸ca de base de B para B0.
Notemos que M−1 ´e a matriz de mudan¸ca de base de B0 para B, pois se temos que M · [v]B = [v]B0, multiplicando os dois lados por M−1 `a esquerda, obtemos
M−1· [v]B0 = [v]B.
2.3
Formas Bilineares
Defini¸c˜ao 9. Seja V um R-espa¸co vetorial. A fun¸c˜ao h , i : V × V → R
(u, v) 7→ hu, vi
´e uma forma bilinear sobre V se for linear em cada uma das vari´aveis quando deixarmos a outra fixa, isto ´e:
(i) hαu1+ u2, vi = αhu1, vi + hu2, vi;
(ii) hu, αv1+ v2i = αhu, v1i + hu, v2i.
Se, al´em dessas propriedades, tivermos: (iii) hu, vi = hv, ui,
dizemos que a forma bilinear ´e sim´etrica.
No presente trabalho, as formas bilineares que trataremos ser˜ao as sim´etricas sobre R-espa¸cos vetoriais finitamente gerados.
Exemplo 2. Consideremos o R-espa¸co vetorial Rn+1, os vetores u = (u
1, . . . , un+1) e
v = (v1, . . . , vn+1) em Rn+1 e as fun¸c˜oes h , i1, h , i2, h , i3 : Rn+1× Rn+1 → R, tais
que:
hu, vi1 = u1v1+ u2v2+ · · · + unvn− un+1vn+1;
hu, vi2 = u1vn+1+ u2v2+ · · · + unvn+ un+1v1;
hu, vi3 = u1vn+1+ u2vn+ · · · + unv2+ un+1v1.
Essas fun¸c˜oes s˜ao formas bilineares sim´etricas.
Defini¸c˜ao 10. Consideremos um R-espa¸co vetorial V com uma forma bilinear h , i e sua base B = {b1, . . . , bn}. A matriz da forma bilinear h , i em rela¸c˜ao `a base ordenada B ´e
a matriz J = [hbi, bji]n×n.
Consideremos um R-espa¸co vetorial V com uma forma bilinear h , i, sua base B = {b1, . . . , bn} e u, v ∈ V . Sejam u1 .. . un e v1 .. . vn as matrizes de coordenadas de u e v na base B, respectivamente.
Ao calcularmos hu, vi, obtemos
hu, vi = * n P i=1 uibi, n P j=1 vjbj + = n P i=1 ui * bi, n P j=1 vjbj + = n P i=1 n P j=1 uivj hbi, bji = [v]t B J [u]B,
onde J ´e a matriz da forma bilinear h , i com rela¸c˜ao `a base ordenada B.
Notemos que se a forma bilinear h , i for sim´etrica, ent˜ao a matriz J ´e sim´etrica, pois hbi, bji = hbj, bii, ∀i, j ∈ {1, . . . , n}.
Exemplo 3. Referindo-se `as fun¸c˜oes definidas no Exemplo 1, as matrizes das formas bilineares h , i1, h , i2 e h , i3 com rela¸c˜ao `a base canˆonica do Rn+1 s˜ao, respectivamente,
J1 = 1 0 · · · 0 0 0 1 · · · 0 0 .. . ... . .. ... ... 0 0 · · · 1 0 0 0 · · · 0 −1 , J2 = 0 0 · · · 0 1 0 1 · · · 0 0 .. . ... . .. ... ... 0 0 · · · 1 0 1 0 · · · 0 0 e J3 = 0 0 · · · 0 1 0 0 · · · 1 0 .. . ... . .. ... ... 0 1 · · · 0 0 1 0 · · · 0 0 .
Proposi¸c˜ao 5. Se J e J0 s˜ao matrizes de uma mesma forma bilinear, ent˜ao det J e det J0 possuem o mesmo sinal.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos o R-espa¸co vetorial V com a forma bilinear h , i e suas bases B e B0. Sejam M a matriz de mudan¸ca de base de B0 para B, J e J0 as matrizes da forma bilinear em rela¸c˜ao `as bases B e B0, respectivamente. Tomemos u, v ∈ V , ent˜ao
hu, vi = [v]t
B J [u]B
= (M [v]B0)t J (M [u]B0)
= [v]t
B0 (Mt J M ) [u]B0.
Por outro lado, hu, vi = [v]t
B0 J0 [u]B0. Logo, J0 = MtJ M e, consequentemente,
det J0 = (det M )2· det J. Segue que det J e det J0 tˆem o mesmo sinal.
Defini¸c˜ao 11. Consideremos V um R-espa¸co vetorial com uma forma bilinear h , i e seu subconjunto S. Definimos o complemento ortogonal de S, o qual denotamos por S⊥, como o conjunto {v ∈ V ; hv, si = 0, ∀s ∈ S}.
Proposi¸c˜ao 6. Seja S um subconjunto de um R-espa¸co vetorial V . S⊥ ´e um subespa¸co vetorial.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos V um R-espa¸co vetorial e S ⊂ V . Notemos que o vetor nulo 0 = 0 · v, ∀v ∈ V . Assim, ∀s ∈ S, h0, si = h0 · v, si = 0 · hv, si = 0; ou seja, 0 ∈ S⊥. Sejam u, v ∈ S⊥, ent˜ao hu + v, si = hu, si + hv, si = 0; segue que u + v ∈ S⊥. Tomemos α ∈ R e v ∈ S⊥, ent˜ao hα · v, si = α · hv, si = α · 0 = 0; desse modo, α · v ∈ S⊥. Logo, S⊥ ´e um subespa¸co vetorial.
Defini¸c˜ao 12. Seja V um R-espa¸co vetorial munido da forma bilinear h , i. Uma base B = {b1, . . . , bn} de V ´e dita ortonormal se hbi, bii ∈ {−1, 0, 1} e hbi, bji = 0,
com i 6= j, ∀i, j ∈ {1, . . . , n}. Desse modo, a matriz de uma forma bilinear em rela¸c˜ao `a uma base ortonormal ´e diagonal e seus termos s˜ao -1, 0 ou 1.
Proposi¸c˜ao 7. Todo R-espa¸co vetorial munido de uma forma bilinear h , i possui uma base ortonormal.
Demonstra¸c˜ao. Seja V um R-espa¸co vetorial, de dimens˜ao n, dotado de uma forma bili-near h , i. Se hv1, v2i = 0, ∀v1, v2 ∈ V , ent˜ao qualquer base de V ´e ortonormal. Agora,
avaliaremos o caso em que existe v ∈ V tal que hv, vi 6= 0. Assim, podemos escrever hv, vi = λ2, com ∈ {−1, 1} e λ ∈ R \ {0}. Tomemos o vetor v
1 = λ−1v em V ;
note-mos que v1 ´e tal que hv1, v1i = ±1. De maneira indutiva, repetimos esse processo para
encontrar uma base ortonormal {v2, . . . , vn} do subespa¸co vetorial [v1]⊥. Claramente, o
conjunto {v1, . . . , vn} ´e base ortonormal de V .
Defini¸c˜ao 13. Um subespa¸co euclidiano de um R-espa¸co vetorial V dotado de uma forma bilinear h , i ´e um subespa¸co E de V tal que he, ei > 0, ∀e ∈ E \ {0}.
Teorema 1 (Teorema de Sylvester). Seja V um R-espa¸co vetorial com a forma bi-linear h , i. Em qualquer base ortonormal B = {b1, . . . , bn} de V , as quantidades
p = #{bi ∈ B; hbi, bii > 0}, q = #{bi ∈ B; hbi, bii < 0} e r = #{bi ∈ B; hbi, bii = 0} n˜ao
se alteram.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos V um R-espa¸co vetorial munido de uma forma bilinear h , i e B = {b1, . . . , bn} uma base ortonormal de V . Seja U o subespa¸co vetorial
de V gerado pelo conjunto linearmente independente {b ∈ B; hb, bi = −1 ou hb, bi = 0}, cuja cardinalidade ´e n − p. Notemos que se u ∈ U , ent˜ao hu, ui ≤ 0. Assim, temos que U ∩ E = {0}, para qualquer subespa¸co euclidiano E de V . Al´em disso, sabemos que a soma U + E ´e um subespa¸co vetorial de V . Pelas Proposi¸c˜oes 2 e 3, temos que dim U + dim E ≤ dim V = n. Como dim U = n − p, segue que dim E ≤ p; portanto, sup {dim E; E ´e um subespa¸co euclidiano de V } = p. Desse modo, o n´umero p inde-pende da base. Similarmente, prova-se que o n´umero q tamb´em ´e independente da base ortonormal. Assim, fixa-se a quantidade r pela rela¸c˜ao r = n − p − q.
Defini¸c˜ao 14. A assinatura de uma forma bilinear ´e a tripla (p, q, r), onde p, q e r s˜ao as quantidades definidas no enunciado do Teorema de Sylvester.
Defini¸c˜ao 15. Consideremos V um R-espa¸co vetorial com uma forma bilinear h , i. Dize-mos que essa forma bilinear ´e degenerada se V⊥ 6= {0} ou, equivalentemente, se existe u ∈ V \ {0} tal que hu, vi = 0, para todo v ∈ V .
Proposi¸c˜ao 8. A forma bilinear ´e degenerada se, e somente se, r > 0.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos V , um R-espa¸co vetorial, com a forma bilinear h , i e B = {b1, . . . , bn}, uma base ortonormal de V .
Suponhamos que a forma bilinear h , i ´e degenerada. Assim, existe um vetor u ∈ V \{0} tal que hu, vi = 0, ∀v ∈ V . Sejam α1, . . . , αn∈ R tais que u = α1b1+ · · · + αnbn. Como
u 6= 0, existe i ∈ {1, . . . , n} tal que αi 6= 0. Pela propriedade do vetor u, temos que
hu, bii = n
P
j=1
αjhbj, bii = 0. Visto que B ´e base ortonormal, hbj, bii = 0, ∀i 6= j; logo,
αihbi, bii = 0. Por tomarmos i ∈ {1, . . . , n} tal que αi 6= 0, temos que hbi, bii = 0; isto ´e,
r ≥ 1.
Reciprocamente, suponhamos que r > 0. Assim, existe bi ∈ B tal que hbi, bii = 0.
Observemos que bi 6= 0, pois B ´e um conjunto linearmente independente. Seja v ∈ V ,
desse modo, existem escalares reais β1, . . . , βn tais que v = β1b1+ · · · + βnbn. Notemos
que hbi, vi = n
P
j=1
βjhbi, bji. Por B ser uma base ortonormal e pela propriedade do vetor bi,
temos que hbi, bji = 0, ∀j ∈ {1, . . . , n}. Consequentemente, hbi, vi = 0, ∀v ∈ V ; ou seja,
a forma bilinear h , i ´e degenerada.
3
Modelos de Geometria Hiperb´
olica Plana
Nesta se¸c˜ao, abordaremos alguns modelos para a geometria hiperb´olica. O primeiro modelo que trataremos ser´a o projetivo, o qual fundamentar´a a constru¸c˜ao dos demais. Primeiramente, como teremos contato com espa¸cos m´etricos, introduziremos esse conceito. Defini¸c˜ao 16. Seja M um conjunto. Uma m´etrica em M ´e uma fun¸c˜ao
d : M × M → R
(x, y) 7→ d(x, y) que satisfaz `as seguintes propriedades para todo x, y, z ∈ M : (i) d(x, x) = 0;
(ii) se x 6= y, ent˜ao d(x, y) > 0; (iii) d(x, y) = d(y, x) (simetria);
(iv) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z) (desigualdade triangular).
Um espa¸co m´etrico ´e o par (M, d), onde M ´e um conjunto e d ´e uma m´etrica em M .
3.1
O Modelo Projetivo
3.1.1 O Plano Projetivo
Em R3 \ {0}, consideremos a seguinte rela¸c˜ao de equivalˆencia:
A classe de equivalˆencia do vetor v ´e o conjunto v = {u ∈ R3 \ {0}; u ∼ v}, isto ´e,
o subespa¸co unidimensional gerado por {v} subtra´ıdo do conjunto unit´ario que cont´em o vetor nulo. Definimos o plano projetivo, denotado por P2
R, como o espa¸co das classes de
equivalˆencia, a saber, {v; v ∈ R3\ {0}}.
Consideremos a proje¸c˜ao natural de R3 \ {0} em P2R: P : R3\ {0} → P2R
v 7→ P(v) = v.
A classe v ´e denominada ponto do plano projetivo e um vetor pertencente a P−1(v), representante ou levantamento de v. Devido `a necessidade futura de utilizar coordenadas, convencionemos denotar P ((x, y, z)) por [x : y : z].
3.1.2 O Plano Hiperb´olico
Denotaremos por R2,1 o R3 dotado da seguinte forma bilinear de assinatura (2, 1, 0):
h , i : R3× R3 →
R
(u, v) 7→ hu, vi = u1v1+ u2v2− u3v3,
onde u = (u1, u2, u3) e v = (v1, v2, v3). Essa forma decomp˜oe o R3 nos conjuntos dos
vetores negativos, isotr´opicos e positivos, definidos, respectivamente, por: V−= {v ∈ R3; hv, vi < 0};
V0 = {v ∈ R3; hv, vi = 0};
V+= {v ∈ R3; hv, vi > 0}.
Quando analisamos a igualdade h(x, y, z), (x, y, z)i = 0, notamos que se trata do cone de equa¸c˜ao x2+y2−z2 = 0. Portanto, geometricamente, o conjunto dos vetores isotr´opicos
´e essa superf´ıcie, os vetores negativos s˜ao aqueles que est˜ao no interior do cone e os vetores positivos s˜ao aqueles externos ao cone.
Figura 1: Superf´ıcie cˆonica de equa¸c˜ao x2+ y2− z2 = 0.
Defini¸c˜ao 17. Seja P a proje¸c˜ao natural de R2,1 em P2
R. Definimos:
(I) o plano hiperb´olico, H2 = P(V −);
(II) a fronteira ideal, ∂H2 = P(V0\ {0});
(III) o plano polar, `H2 = P(V +).
Observemos que, geometricamente, o plano hiperb´olico ´e o espa¸co das retas situadas no interior do cone de equa¸c˜ao x2 + y2− z2 = 0.
Agora, dirigiremo-nos `a m´etrica do plano hiperb´olico.
Consideremos u e v pontos distintos de H2 e K o subespa¸co [u, v], onde u ∈ P−1(u)
e v ∈ P−1(v). Notemos que K ´e um plano que passa por dentro do cone, assim, a forma bilinear de R2,1 restrita a K tem assinatura (1, 1, 0). Pela Proposi¸c˜ao 5, temos que
det hu, ui hu, vi hv, ui hv, vi
= hu, uihv, vi − hu, vihv, ui < 0,
ou seja, hu, vihv, ui hu, uihv, vi > 1.
Observemos que se u = v, ent˜ao existe λ ∈ R \ {0} tal que v = λu. Assim, hu, vihv, ui
hu, uihv, vi =
hu, λuihλu, ui hu, uihλu, λui =
λ2hu, uihu, ui
λ2hu, uihu, ui = 1.
Logo, de modo geral, hu, vihv, ui
hu, uihv, vi ≥ 1. Esse fato garante a existˆencia e unicidade de um n´umero real n˜ao negativo d(u, v) tal que
cosh2 d(u, v) = hu, vihv, ui hu, uihv, vi.
Figura 2: Unicidade do n´umero positivo d(u, v).
Seja d a fun¸c˜ao que associa a cada par (u, v) ∈ H2× H2 o n´umero real n˜ao negativo
d(u, v) tal que cosh2d(u, v) = hu, vihv, ui
hu, uihv, vi. Essa fun¸c˜ao ´e a m´etrica do plano hiperb´olico. Uma demonstra¸c˜ao de que d ´e uma m´etrica em P(V−) pode ser encontrada no texto [I].
Observa¸c˜ao 3. Notemos que a fun¸c˜ao d est´a bem definida. De fato. Sejam u e v pontos de H2. Tomemos u
1, u2 ∈ P−1(u) e v1, v2 ∈ P−1(v);
ent˜ao, existem α, β ∈ R \ {0} tais que u1 = αu2 e v1 = βv2. Dessa forma,
hu1, v1ihv1, u1i
hu1, u1ihv1, v1i
= hαu2, βv2ihβv2, αu2i hαu2, αu2ihβv2, βv2i
= α 2β2hu 2, v2ihv2, u2i α2β2hu 2, u2ihv2, v2i = hu2, v2ihv2, u2i hu2, u2ihv2, v2i .
Portanto, a fun¸c˜ao d aplicada no par (u, v) independe dos representantes dos pontos u e v de H2.
Considerando o exposto, o plano hiperb´olico, denotado por H2, ´e o conjunto P(V −)
munido da m´etrica d.
3.2
O Modelo de Klein
Consideremos o disco D = {(x, y) ∈ R2; x2 + y2 < 1}. Aqui, temos o intuito de
estabelecer uma identifica¸c˜ao entre o plano hiperb´olico, H2, e o disco D. Primeiramente,
para isso, obteremos a interse¸c˜ao entre um ponto do plano hiperb´olico e o plano de equa¸c˜ao z = 1.
Sejam π o plano {(x, y, 1) ∈ R2,1; x, y ∈ R} e [v
1 : v2 : v3] um ponto de H2. Assim,
v12+ v22− v2
3 < 0, ou seja, v3 6= 0. Sabemos que
[v1 : v2 : v3] = {(v1λ, v2λ, v3λ) ∈ V−; λ ∈ R \ {0}}.
Tomemos P ∈ [v1 : v2 : v3] ∩ π. Dessa forma, temos λ =
1 v3 e, consequentemente, P = v1 v3 ,v2 v3 , 1 .
Figura 3: Interse¸c˜ao entre um ponto do plano hiperb´olico e o plano π.
Observemos que os n´umeros reais v1, v2 e v3 satizfazem `a rela¸c˜ao v21 + v22 − v32 < 0, a
qual equivale a v 2 1 v2 3 +v 2 2 v2 3
< 1. Dado isso, P pertence ao disco {(x, y, 1) ∈ R3; x2+ y2 < 1}. Com base no obtido, podemos fazer uma identifica¸c˜ao entre H2 e D atrav´es da seguinte
fun¸c˜ao: ϕ : H2 → D [x : y : z] 7→ x z, y z .
Proposi¸c˜ao 9. A fun¸c˜ao ϕ ´e bijetora.
Demonstra¸c˜ao. Primeiramente, mostremos que ϕ est´a bem definida. Seja [x : y : z] um ponto de H2. Tomemos (x1, y1, z1), (x2, y2, z2) ∈ [x : y : z]. Assim, existe λ ∈ R \ {0} tal
que (x1, y1, z1) = (x2λ, y2λ, z2λ). Desse modo,
ϕ([x1 : y1 : z1]) = ϕ([x2λ : y2λ : z2λ]) = x2λ z2λ ,y2λ z2λ = x2 z2 ,y2 z2 = ϕ([x2 : y2 : z2]).
Agora, verifiquemos se ϕ ´e sobrejetora. Seja (x, y) ∈ D, ent˜ao existe [x : y : 1] ∈ H2
tal que ϕ([x : y : 1]) = (x, y).
Por fim, analisaremos se ϕ ´e injetora. Sejam [x1 : y1 : z1], [x2 : y2 : z2] ∈ H2 tais que
ϕ([x1 : y1 : z1]) = ϕ([x2 : y2 : z2]). Assim, x1 z1 ,y1 z1 = x2 z2 ,y2 z2 , ou seja, x1 = z1 z2 · x2 e y1 = z1 z2 · y2; al´em disso, z1 = z1 z2
· z2. Em outras palavras, existe o n´umero real n˜ao nulo
z1 z2 tal que (x1, y1, z1) = z1 z2 · (x2, y2, z2). Logo, [x1 : y1 : z1] = [x2 : y2 : z2].
Portanto, ϕ ´e uma bije¸c˜ao entre H2 e D.
A m´etrica do plano hiperb´olico induz uma m´etrica no disco D por meio da identifica¸c˜ao entre (x, y), pertencente a D, e [x : y : 1], de H2. Dessa forma, uma m´etrica em D ´e a
fun¸c˜ao dD que associa a cada par ((x1, y1), (x2, y2)) ∈ D × D o n´umero real n˜ao negativo
dD((x1, y1), (x2, y2)) tal que cosh2dD((x1, y1), (x2, y2)) = h(x1, y1, 1), (x2, y2, 1)ih(x2, y2, 1), (x1, y1, 1)i h(x1, y1, 1), (x1, y1, 1)ih(x2, y2, 1), (x2, y2, 1)i = (x1x2+ y1y2− 1) 2 (x2 1+ y12− 1)(x22+ y22− 1) .
Considerando essa constru¸c˜ao, o disco de Klein ´e o espa¸co m´etrico (D, dD).
Exemplo 4. Calculemos a distˆancia hiperb´olica entre os pontos −3 4, 0 e 3 4, 0 de D. Notemos que dD − 3 4, 0 , 3 4, 0
´e tal que cosh2dD
−3 4, 0 , 3 4, 0 = 25 2 72 , isto ´e, dD − 3 4, 0 , 3 4, 0 = arccosh 25 7
≈ 1, 946. A t´ıtulo de compara¸c˜ao, a distˆancia euclidiana entre os dois pontos do exemplo ´e igual a 1, 5.
3.3
O Modelo do Hiperboloide
A seguir, construiremos o modelo do hiperboloide por meio de uma identifica¸c˜ao similar `
a anterior, desta vez, por´em, entre o plano hiperb´olico e uma das folhas do hiperboloide de equa¸c˜ao x2+ y2− z2 = −1.
Escolhamos a folha superior desse hiperboloide para fazer tal identifica¸c˜ao. Assim, consideremos o conjunto F = {(x, y, z) ∈ R2,1; x2 + y2 − z2 = −1 e z > 0} e o ponto
[v1 : v2 : v3] de H2. Vejamos que, equivalentemente, podemos definir a folha
superior F como o conjunto {(x, y,px2+ y2+ 1) ∈ V
−}. Al´em disso, lembremo-nos
Tomemos P ∈ [v1 : v2 : v3] ∩ F . Seque que λ = 1 p−(v2 1+ v22− v23) e, portanto, P = 1 p−(v2 1 + v22 − v32) (v1, v2, v3).
Figura 4: Interse¸c˜ao entre um ponto do plano hiperb´olico e a superf´ıcie F .
Desse modo, a fun¸c˜ao seguinte fornece uma identifica¸c˜ao entre H2 e F :
ρ : H2 → F
[x : y : z] 7→ 1
p−(x2+ y2 − z2)(x, y, z)
.
Proposi¸c˜ao 10. A fun¸c˜ao ρ ´e uma bije¸c˜ao.
Demonstra¸c˜ao. A princ´ıpio, provaremos que ρ est´a bem definida. Seja [x : y : z] um ponto de H2. Tomemos (x1, y1, z1) e (x2, y2, z2), representantes de [x : y : z]. Assim,
existe λ ∈ R \ {0} tal que (x1, y1, z1) = (x2λ, y2λ, z2λ). Logo, temos que
ρ([x1 : y1 : z1]) = ρ([x2λ : y2λ : z2λ]) = 1 p−(x2 2λ2+ y22λ2− z22λ2) (x2λ, y2λ, z2λ) = 1 p−(x2 2+ y22− z22) (x2, y2, z2) = ρ([x2 : y2 : z2]).
Agora, verificaremos se a fun¸c˜ao ρ ´e sobrejetora. Seja (x, y, z) ∈ F . Desse modo, os n´umeros reais x, y e z satisfazem `a rela¸c˜ao x2 + y2 − z2 = −1. Dado isso, notemos que
existe [x : y : z] ∈ H2 tal que ρ([x : y : z]) = 1
p−(x2+ y2− z2)(x, y, z) =
1
Para concluir a prova, analisaremos se ρ ´e injetora. Consideremos [x1 : y1 : z1] e
[x2 : y2 : z2] pontos de H2 tais que ρ([x1 : y1 : z1]) = ρ([x2 : y2 : z2]). Equivalentemente,
1 p−(x2 1+ y12− z12) (x1, y1, z1) = 1 p−(x2 2+ y22− z22)
(x2, y2, z2). Isso implica que existe o
n´umero real n˜ao nulo s x2 1+ y12− z12 x2 2+ y22− z22 tal que (x1, y1, z1) = s x2 1 + y21− z21 x2 2 + y22− z22 · (x2, y2, z2). Logo, [x1 : y1 : z1] = [x2 : y2 : z2].
Portanto, a fun¸c˜ao ρ ´e uma bije¸c˜ao entre H2 e F .
Podemos induzir a m´etrica hiperb´olica em F por meio da identifica¸c˜ao entre (x, y, z), pertencente a F , e [x : y : z], de H2. Desse modo, uma m´etrica em F ´e a fun¸c˜ao dF que associa a cada par (u, v) ∈ F × F o n´umero real n˜ao negativo dF(u, v) tal que
cosh2dF(u, v) =
hu, vihv, ui
hu, uihv, vi = hu, vi
2.
Em suma, o modelo do hiperboloide ´e o espa¸co m´etrico (F, dF).
4
Breve Estudo sobre o Plano Hiperb´
olico
4.1
Geod´
esicas do Plano Hiperb´
olico
Defini¸c˜ao 18. Consideremos I um intervalo aberto de R. Uma curva no plano hiperb´olico ´e uma aplica¸c˜ao γ : I → H2. A imagem direta γ(I) ⊂ H2 ´e dita tra¸co da curva γ.
Defini¸c˜ao 19. Consideremos uma curva γ : I → H2. Dizemos que γ ´e uma geod´esica
quando d(γ(a), γ(b)) = |a − b|, ∀a, b ∈ I.
Visto que |a − b| ´e a distˆancia entre os pontos a e b de R em sua m´etrica usual, uma geod´esica no plano projetivo ´e uma aplica¸c˜ao de R em H2 que preserva distˆancias.
Defini¸c˜ao 20. O plano tangente a um ponto v de H2, denotado por T
vH2, ´e o subespa¸co
v⊥, ou seja, {p ∈ R2,1; hp, vi = 0}; sendo v um representante de v. Se p ´e um elemento de
TvH2, dizemos que p ´e um vetor tangente ao ponto v. Se, al´em disso, temos que hp, pi = 1, chamamos p de unit´ario.
Observa¸c˜ao 4. Notemos que o plano tangente a um ponto v, pertencente a H2, independe
do representante de v.
De fato. Sejam v1, v2 ∈ v. Assim, existe λ ∈ R \ {0} tal que v1 = λv2. Ent˜ao,
Tv1H 2 = {p ∈ R2,1; hp, v 1i = 0} = {p ∈ R2,1; hp, λv2i = 0} = {p ∈ R2,1; λhp, v 2i = 0}.
Como λ 6= 0, segue que Tv1H
2
= {p ∈ R2,1; hp, v2i = 0} = Tv2H
2.
Proposi¸c˜ao 11. Seja v ∈ H2. Se p ∈ TvH2\ {0}, ent˜ao hp, pi > 0.
Demonstra¸c˜ao. Consideremos v um ponto de H2. Segue que hv, vi < 0; logo, existe λ ∈ R \ {0} tal que hv, vi = −λ2. Seja v
1 ∈ v tal que v1 = λ−1v. Notemos que v1 satisfaz
hv1, v1i = −1.
Tomemos os vetores p1 e p2 em TvH2 tais que {v1, p1, p2} ´e uma base ortonormal de
{p1, p2} ´e base ortonormal de TvH2. Desse modo, se p ´e vetor de TvH2, existem escalares
α, β ∈ R tais que p = αp1+ βp2. Segue que
hp, pi = hαp1+ βp2, αp1+ βp2i
= α2hp1, p1i + 2αβhp1, p2i + β2hp2, p2i
= α2+ β2.
Logo, hp, pi ≥ 0. Para concluir, mostraremos que hp, pi = 0 se, e somente se, p = 0. Evidentemente, p = 0 implica que hp, pi = 0. A rec´ıproca tamb´em ´e verdadeira. De fato, seja p um vetor de TvH2 tal que hp, pi = 0; assim, α = β = 0 e, consequentemente, p = 0 · p1+ 0 · p2 = 0.
Portanto, TvH2 ´e um subespa¸co euclidiano de R2,1.
Proposi¸c˜ao 12. Consideremos u e v dois pontos distintos de H2 e K = [u, v]. Existe um
vetor unit´ario p ∈ K ∩ TuH2 tal que v = cosh d(u, v) · u + senh d(u, v) · p.
Demonstra¸c˜ao. Sejam u e v pontos distintos de H2. Sem perda de generalidade, tomemos u ∈ u e v ∈ v tais que hu, ui = −1 e hv, vi = −1. Consideremos K o espa¸co gerado pelo conjunto {u, v}. Notemos que a forma bilinear de R2,1 restrita a K possui assinatura
(1, 1, 0). Logo, existe um vetor p em K ∩ TuH2 tal que {u, p} ´e base ortonormal de K.
Figura 5: Representantes u, v e p.
Assim, existem escalares reais x e y tais que v = xu + yp. Dado isso, −1 = hv, vi
= hxu + yp, xu + ypi
= x2hu, ui + 2xyhu, pi + y2hp, pi
= −x2+ y2.
Desse modo, existe um n´umero real positivo z tal que x = cosh z e y = senh z. Agora, queremos mostrar que z = d(u, v). Notemos que
cosh2d(u, v) = hu, vihv, ui hu, uihv, vi
= hu, cosh z · u + senh z · ti2
Portanto, z = d(u, v) e, consequentemente, v = cosh d(u, v) · u + senh d(u, v) · p. Proposi¸c˜ao 13. Consideremos v um ponto de H2 e p, pertencente a TvH2, um vetor tangente unit´ario. Seja v um representante de v tal que hv, vi = −1. Ent˜ao, a curva
γ : R → H2
t 7→ cosh t · v + senh t · p
´e uma geod´esica. Em adi¸c˜ao a isso, γ(R) = P(K \ {0}) ∩ H2; sendo K = [v, p].
Demonstra¸c˜ao. Notemos que para qualquer t ∈ R, o vetor cosh t · v + senh t · p ´e um representante de γ(t) tal que hcosh t · v + senh t · p, cosh t · v + senh t · pi = −1, pois
hcosh t · v + senh t · p, cosh t · v + senh t · pi = cosh2t · hv, vi + senh2 t · hp, pi = senh2 t − cosh2t
= −1.
Sejam a, b ∈ R. Tomemos os representantes cosh a · v + senh a · p e cosh b · v + senh b · p de γ(a) e γ(b), respectivamente. Desse modo,
cosh2d(γ(a), γ(b)) = hcosh a · v + senh a · p, cosh b · v + senh b · pi2
= (cosh a · cosh b · hv, vi + senh a · senh b · hp, pi)2 = (− cosh a · cosh b + senh a · senh b)2
= (cosh a · cosh b − senh a · senh b)2
= cosh2(a − b).
Portanto, d(γ(a), γ(b)) = |a − b|, ou seja, a curva γ ´e uma geod´esica.
Provaremos que os conjuntos γ(R) e P(K \ {0}) ∩ H2 s˜ao iguais. Previamente, perce-bamos que P(K \ {0}) ∩ H2 = {αv + βp; α, β ∈ R e hαv + βp, αv + βpi < 0}.
Consideremos o ponto γ(t) = cosh t · v + senh t · p ∈ γ(R). Analisemos seu repre-sentante cosh t · v + senh t · p. Claramente, cosh t, senh t ∈ R. Al´em disso, pelo in´ıcio desta prova, esse representante satisfaz hcosh t · v + senh t · p, cosh t · v + senh t · pi < 0. Logo, γ(t) ∈ P(K \ {0}) ∩ H2.
Reciprocamente, seja u ∈ P(K \ {0}) ∩ H2. Tomemos um representante u de u tal que hu, ui = −1. Notemos que u ∈ K, isto ´e, existem x, y ∈ R tais que u = xv + yp. A rela¸c˜ao hxv + yp, xv + ypi = −1 implica que x e y satisfazem `a equa¸c˜ao y2 − x2 = −1; ent˜ao,
existe um n´umero real z tal que x = cosh z e y = senh z. Assim, u = cosh z · v + senh z · p ou, equivalentemente, u = γ(z) ∈ γ(R). Portanto, γ(R) = P(K \ {0}) ∩ H2.
Proposi¸c˜ao 14. Dados u e v pontos distintos de H2, existe uma geod´esica γ : R → H2
tal que u, v ∈ γ(R).
Demonstra¸c˜ao. Consideremos u, v ∈ H2, um representante u de u tal que hu, ui = −1 e
K = [u, v]. Pela Proposi¸c˜ao 12, sabemos que existe um vetor unit´ario p ∈ K ∩ TvH2 tal
que v = cosh d(u, v) · u + senh d(u, v) · p. Assim, de acordo com a Proposi¸c˜ao 13, a curva
γ : R → H2
t 7→ cosh t · u + senh t · p ´e uma geod´esica. Observemos que u, v ∈ γ(R), pois γ(0) = u e γ(d(u, v)) = v.
4.2
Retas do Plano Hiperb´
olico
J´a temos a no¸c˜ao de pontos do plano hiperb´olico. Agora, vamos conhecer suas retas. Seja K um subespa¸co de assinatura (1, 1, 0) de R2,1. Chamaremos de reta do plano
hiperb´olico o conjunto P(K \ {0}) ∩ H2.
Proposi¸c˜ao 15. No plano hiperb´olico, existe uma ´unica reta que passa por dois pontos distintos.
Demonstra¸c˜ao. (Existˆencia) Consideremos u e v pontos distintos de H2 e K = [u, v]. Desse modo, K ´e um plano que passa por dentro do cone e possui assinatura (1, 1, 0). Seja r a reta P(K \ {0}) ∩ H2, isto ´e, r = {αu + βv; α, β ∈ R e hαu + βv, αu + βvi < 0}.
Vejamos que u = 1 · u + 0 · v e v = 0 · u + 1 · v, al´em disso, u, v ∈ V−. Logo, u, v ∈ r.
(Unicidade) Suponhamos que existe uma reta r0 que passa pelos dois pontos u e v. Assim, r0 = P(K0\{0})∩H2, sendo K0
um subespa¸co de assinatura (1, 1, 0) de R2,1. Como
u, v ∈ r0, em particular, u e v s˜ao pontos de P(K0 \ {0}). Logo, os representantes u e v s˜ao elementos de K0\ {0}. Como u 6= v, o conjunto {u, v} ´e uma base de K0. Portanto,
K = K0 e, consequentemente, as retas r e r0 s˜ao iguais.
Agora, introduziremos um novo conceito. Seja r a reta P(K \ {0}) ∩ H2, dizemos que
ω ´e um ponto ideal da reta r se ω ∈ P(K \ {0}) ∩ ∂H2.
Proposi¸c˜ao 16. Qualquer reta do plano hiperb´olico possui exatamente dois pontos ideais. Demonstra¸c˜ao. Consideremos a reta r que passa pelos pontos u e v, pertencentes a H2,
e u ∈ u tal que hu, ui = −1. Seja K = [u, v], tomemos p ∈ K ∩ TuH2 tal que o conjunto {u, p} ´e uma base ortonormal de K.
Notemos que P(K \ {0}) ∩ ∂H2 = {αu + βp; α, β ∈ R \ {0} e hαu + βp, αu + βpi = 0}.
A condi¸c˜ao hαu + βp, αu + βpi = 0 implica que β = α ou β = −α; visto que α 6= 0, essas duas possibilidades para o valor de β s˜ao distintas. Ent˜ao, podemos reescrever P(K \ {0}) ∩ ∂H2 = {u + p, u − p}.
Resta mostrarmos que esses dois elementos obtidos s˜ao diferentes. Sejam x, y ∈ R, obsevemos que a suposi¸c˜ao de que x(u + p) + y(u − p) = 0 implica que x = y = 0. Assim, o conjunto {u + p, u − p} ´e l.i. e, consequentemente, u + p 6= u − p. Portanto, #P(K \ {0}) ∩ ∂H2 = 2.
Observa¸c˜ao 5. Notemos que, dados os pontos u ∈ H2 e ω ∈ ∂H2, existe uma ´unica reta
que passa por u e tem ω como ponto ideal. Essa afirma¸c˜ao pode ser demonstrada de forma an´aloga `a Proposi¸c˜ao 15.
Observemos que a interse¸c˜ao entre dois subespa¸cos de dimens˜ao 2 em R3 ´e um
su-bespa¸co de dimens˜ao 1, cuja projetiviza¸c˜ao ´e um ´unico ponto. Por consequˆencia, se r = P(K1\ {0}) ∩ H2 e s = P(K2\ {0}) ∩ H2 s˜ao duas retas distintas do plano hiperb´olico,
ent˜ao #(P(K1 \ {0}) ∩ P(K2 \ {0})) = 1. Dado isso, classificaremos a posi¸c˜ao relativa
entre duas retas no plano hiperb´olico.
Defini¸c˜ao 21. Sejam r = P(K1\ {0}) ∩ H2 e s = P(K2\ {0}) ∩ H2 duas retas distintas
do plano hiperb´olico, dizemos que r e s s˜ao:
(I) concorrentes se P(K1\ {0}) ∩ P(K2\ {0}) ∈ H2;
(II) assint´oticas se P(K1 \ {0}) ∩ P(K2\ {0}) ∈ ∂H2;
Observa¸c˜ao 6. Notemos que as retas r e s n˜ao se interceptam se, e somente se, s˜ao assint´oticas ou ultra-paralelas.
Finalmente, provaremos que o postulado particular da Geometria Hiperb´olica ´e valido no plano hiperb´olico.
Proposi¸c˜ao 17. No plano hiperb´olico, por um ponto fora de uma reta, existem pelo menos duas retas que n˜ao interceptam a reta dada.
Demonstra¸c˜ao. Considermos r uma reta e v um ponto, ambos pertencentes ao plano hiperb´olico. Sejam ω1 e ω2 os dois pontos ideais de r. Tracemos s, a reta que passa por v
e tem ω1 como ponto ideal, e t, a reta que passa por v e tem ω2 como ponto ideal. Desse
modo, o par r e s e o par r e t s˜ao de retas assint´oticas. Logo, encontramos duas retas que n˜ao interceptam r.
Figura 6: Retas s e t, tra¸cadas por v e assint´oticas `a r.
Existem infinitas retas com essa propriedade. De fato, notemos que as retas s e t dividem o plano hiperb´olico em quatro regi˜oes, sendo que r est´a contida em uma delas. Todas as retas que est˜ao contidas no par de regi˜oes que interceptam-se unicamente em v, nenhuma das quais contendo r, tamb´em n˜ao interceptam r.
5
Considera¸
c˜
oes Finais
Como pudemos perceber, o plano hiperb´olico ´e um exemplo de espa¸co m´etrico onde os axiomas de Geometria Hiperb´olica encontram validade. Consequentemente, esse espa¸co m´etrico herda os resultados dessa geometria enquanto fornece interpreta¸c˜oes `a mesma.
Objetivando concluir apresentando uma possibilidade de aprofundamento sobre o as-sunto abordado, deixamos registrado que as constru¸c˜oes feitas neste trabalho para modelos de Geometria Hiperb´olica Plana podem ser adaptadas e, posteriormente, estendidas para a obten¸c˜ao de modelos em dimens˜oes superiores.
Referˆ
encias
[AB] ANDRADE, P.; BARROS, A. Introdu¸c˜ao `a Geometria Projetiva. Rio de Janeiro: SBM, 2010.
[B] BARBOSA, J. L. M. Geometria Hiperb´olica. 1. ed. Goiˆania: Editora da UFG, 2002.
[CL] COELHO, F. U.; LOURENC¸ O, M. L. Um Curso de ´Algebra Linear. 2. ed. S˜ao Paulo: Editora da Universidade de S˜ao Paulo, 2013.
[I] IVERSEN, B. Hyperbolic Geometry. London Mathematical Society Student Texts, 25. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.