• Nenhum resultado encontrado

ECLI:PT:TRE:2006:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "ECLI:PT:TRE:2006:"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

ECLI:PT:TRE:2006:464.06.1.05

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2006:464.06.1.05

Relator Nº do Documento

Alberto Borges

Apenso Data do Acordão

30/05/2006

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público

Meio Processual Decisão

Recurso Penal não provido

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais

Jurisprudência Nacional

Legislação Comunitária

Legislação Estrangeira

Descritores

acidente de viação; requerimento para abertura da instrução; competência do juiz de instrução; indeferimento do requerimento de abertura da instrução;

(2)

Sumário:

I – Quando, em caso estradal de atropelamento, o Ministério Público se tenha abstido de deduzir acusação, do requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente inconformado deve, sob pena de rejeição liminar, constar:

- Quais os factos concretos que imputa ao arguido;

- Qual o tipo de ilícito que a conduta do arguido integra e, consequentemente, qual a norma ou normas que proíbem e punem tal conduta, sendo incongruente a referência, nos termos em que é feita, a dois tipos de crime;

- Quais as circunstâncias do embate (atropelamento), as condições (“específicas”) local e as lesões (concretas) sofridas pela vítima, que permitam imputar ao arguido a responsabilidade pelo evento.

II - Não compete ao juiz de instrução perscrutar os autos para fazer valer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois se assim fosse estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes, como não lhe compete escolher qual o crime pelo qual o arguido deve ser pronunciado, quando o assistente se limita a pedir que seja proferido “despacho de pronúncia”, sem esclarecer qual o crime pelo qual pretende que o arguido seja submetido a julgamento.

III - Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso

relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.

Decisão Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora:

1.No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. n.º … (autos de instrução), no qual, na sequência da instrução requerida pelo assistente … (melhor identificado a fol.ªs 271 destes autos), foi decidido rejeitar - por inadmissibilidade legal – o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ao abrigo do disposto nos art.ºs 287 n.ºs 1 al.ª b), 2 e 3, 283 n.º 3 al.ª b), ex vi art.º 287 n.º 2 in fine, todos do Código de Processo Penal.

2.Recorreu o assistente (…) de tal despacho – que rejeitou o requerimento de abertura da instrução - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões (fol.ªs 341 a 348):

a)No dia 20 de Agosto de 2002, o veículo com a matrícula …, conduzido por …, atropelou

violentamente o menor …, o qual sofreu lesões físicas muito graves, que determinaram incapacidade permanente global de 83%, tendo o Ministério Público aberto o Processo de Inquérito n.º …,

considerando serem tais factos passíveis de integrar um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144 al.ª b) do CP ou, no limite, um crime de ofensa à integridade física por

negligência, p. e p. pelo art.º 148 n.º 1 do CP.

b)Em 14 de Dezembro de 2004 o Ministério Público decidiu o arquivamento do inquérito, já que considerou não ter tido o arguido qualquer responsabilidade na produção das lesões sofridas pela vítima, decisão que tomou após análise manifestamente insuficiente dos factos, apenas com base nas “... declarações do arguido, no esboço elaborado pela GNR e vestígios existentes no local”

(fol.ªs 2 do despacho de arquivamento), tendo ignorado, nomeadamente, o contributo das

testemunhas oportunamente indicadas pelo assistente em 14 de Abril de 2003, o que é susceptível

(3)

de configurar a nulidade prevista no art.º 120 n.º 2 al.ª a) do CPP.

c)Não se conformando com a insuficiência de elementos que fundaram a decisão de arquivamento do processo, o assistente veio arguir a nulidade prevista na al.ª d) do n.º 2 do art.º 120 do CPP e requerer a abertura de instrução, tendo em vista a realização de investigação mais aprofundada e considerando outros elementos, que não apenas as declarações do arguido.

d)No requerimento de abertura de instrução veio o assistente alegar factos novos, reapreciar os factos existentes e juntar aos autos elementos de prova e de análise mais aprofundada

relativamente aos factos não considerados pelo Ministério Público (nomeadamente relatórios de peritos), tendo adicionalmente requerido a realização de diligências probatórias essenciais ao apuramento da verdade dos actos ocorridos na data do acidente.

e)O assistente veio esclarecer, nomeadamente:

-que a GNR não presenciou o acidente, pelo que devia ter recolhido outros elementos além das declarações do arguido;

-que, de acordo com o relatório de peritos, pode concluir-se, com alto grau de probabilidade, que o arguido circulava a velocidade superior à velocidade declarada à GNR e superior ao limite legal;

-que existem elementos que indiciam a falsidade de factos, no que se refere à viatura envolvida no acidente, que não terá sido a viatura apresentada à peritagem;

-que, em função da distância real de travagem (sendo incorrecto o local onde o relatório da GNR afirma ter a vítima ficado imobilizada), da extensão e profundidade das lesões sofridas pela vítima e do tipo de ferimentos em causa, o acidente terá ocorrido de forma diferente da que foi declarada pelo arguido.

f)Do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e dos elementos de prova e análise nele fornecidos resultam fortes indícios da prática, pelo arguido, dos crimes que lhe são imputados no presente processo.

g)Não obstante, o Tribunal de Instrução Criminal de … entendeu “que deve ser rejeitado

liminarmente, por inadmissibilidade legal de instrução, o requerimento de abertura de instrução”, invocando que, “se o requerimento de abertura de instrução é omisso em relação aos factos, a sua inclusão na decisão instrutória significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, estando tal decisão ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 309 n.º 1 do Código de Processo Penal”.

h) O despacho recorrido invoca que “(...) o assistente, embora apresente, «em súmula», as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento ordenado pelo Ministério Público, o seu...”.

i)Quanto a este primeiro argumento verifica-se que o mesmo é improcedente, pois o tribunal começa por reconhecer que o assistente refere, «em súmula» (tal como legalmente exigido), as razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão de arquivamento, o que equivale a reconhecer que se encontra indicada a matéria de facto sobre que deve incidir a

instrução, vindo depois, em contradição, referir que o “requerimento para abertura da instrução não contém uma descrição factual, com menção ordenada e sequencial, que permita delimitar o campo sobre o qual irá incidir a instrução”.

j)Não procede o argumento em que o despacho recorrido fundamenta a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, nos termos do qual “não se descortina matéria factual relativa ao modo de actuação do arguido, às circunstâncias em que ocorreu o embate, à

identificação e características da via, à localização, extensão e gravidade das lesões da vítima, ou quaisquer factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade

(4)

física grave ou do crime de ofensa à integridade física por negligência que o assistente imputa ao arguido”.

k)Quanto à actuação do arguido, o requerimento de abertura de instrução revela:

-que este terá indicado para a peritagem uma viatura diferente da que esteve envolvida no sinistro;

-que não só o arguido circulava, provavelmente, a velocidade superior ao limite legal, como o mesmo terá prestado à GNR falsas declarações relativamente à velocidade a que circulava;

-que o atropelamento da vítima se terá ficado a dever a comportamento negligente do arguido;

-que este terá prestado declarações falsas a respeito das circunstâncias em que se deu o embate e no que se refere ao veículo envolvido (artigos 21, 31, 34, 35, 36, 38, 39, 41, 43, 44, 45, 52, 53, 63, 68, 69 e 71 do requerimento de abertura de instrução).

l)Quanto às circunstâncias em que ocorreu o embate, o requerimento de abertura de instrução refere:

-a necessidade de clarificação da matéria respeitante à viatura que esteve envolvida no sinistro e à viatura apresentada à peritagem;

-elementos e suscita questões respeitantes à velocidade a que circulava o arguido no local dos factos no momento em que se deu o embate;

-factos e indícios relativos ao local do acidente e às condições da via que sustentam a conclusão de que o arguido não observou o dever de diligência a que estava obrigado;

-que o embate nunca poderia ter ocorrido conforme consta da versão da GNR (elaborada com base nas declarações do arguido), atentas as lesões sofridas pela vítima, sendo esta igualmente uma matéria que carecia de investigação mais aprofundada (artigos 18 a 27, 31 a 37, 41, 42, 43, 44, 46, 52, 55, 59 e 63 a 70 do requerimento de abertura de instrução).

m)Quanto à identificação e características da via, o requerimento de abertura de instrução não só refere expressamente as circunstâncias específicas do local do acidente e as condições da via onde se deu o atropelamento, demonstrando existirem indícios da prática dos crimes imputados ao arguido, como vem juntar aos autos um relatório – totalmente ignorado pelo Ministério Público – elaborado por peritos e no qual vêm sobejamente identificadas as especificidades do local do atropelamento, incluindo a via de circulação automóvel, os muros da casa confinante e as

condições de visibilidade para o condutor (artigos 41, 42, 43, 44 e 46 do requerimento de abertura de instrução).

n)Quanto à localização, extensão e gravidade das lesões sofridas pela vítima, o requerimento de abertura de instrução aborda expressamente a questão das lesões sofridas pela vítima,

relacionando-as com as circunstâncias do sinistro, vindo adicionalmente juntar aos autos um relatório médico relativo à incapacidade da vítima em consequência do acidente, bem como o relatório médico de alta do serviço de Reabilitação e Desenvolvimento de …, encontrando-se pormenorizadamente descritas, nos referidos relatórios, a localização, extensão e gravidade das lesões sofridas pela vítima (artigos 40, 54, 62, 69 e 70 do requerimento de abertura de instrução).

o)Quanto aos factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo do crime de ofensa à

integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144 do CP, o requerimento de abertura de instrução identifica claramente:

-que o agente é o arguido;

-que existem fortes indícios que comprovam que a conduta do arguido consubstancia um

comportamento ilícito (circulação em excesso de velocidade), que culminou no atropelamento da vítima;

-que o atropelamento foi a causa da ofensa grave ao corpo e saúde da vítima, que ficou privada,

(5)

de maneira grave, das capacidades de trabalho, intelectuais e de reprodução, tendo ficado

impossibilitado, a título permanente e de forma quase integral (83%), de utilizar o corpo, os sentidos e a linguagem (resulta dos relatórios médicos juntos com o requerimento de abertura de instrução e supra referidos).

p)Quanto aos factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo de crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148 do CP, o requerimento de abertura de instrução, para além de demonstrar estar verificado o elemento objectivo (coincidente com o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade física grave), refere ainda, quanto ao elemento subjectivo, elementos que demonstram suficientemente que o arguido não observou os deveres de diligência a que estava obrigado.

q)Não procede igualmente o argumento em que o despacho recorrido fundamenta a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução nos termos do qual “impõe-se proferir despacho de rejeição liminar e não de convite ao aperfeiçoamento, na medida em que esta figura não existe consagrada no nosso ordenamento jurídico processual penal (...)”, já que:

-o próprio tribunal reconhece a existência da figura ao invocar jurisprudência que discute precisamente as circunstâncias de aplicação do convite ao aperfeiçoamento e do despacho de rejeição liminar, vindo depois a afirmar que a não aplicou por entender que as circunstâncias o não permitem;

-tal aplicação resulta das normas do processo civil, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo penal.

r)Não procede igualmente o argumento em que o despacho recorrido fundamenta a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, nos termos do qual a prolação de convite ao aperfeiçoamento “configuraria a violação dos princípios constitucionais da imparcialidade do julgador, do contraditório e da estrutura acusatória do processo penal (...)”.

s)À luz do princípio da descoberta da verdade, conjugado com os poderes do juiz de instrução, e havendo fortes indícios da prática de um crime, a não formulação de convite ao aperfeiçoamento preclude a hipótese de confirmação de tais indícios, o que viola, não o princípio da imparcialidade do julgador, mas o princípio da descoberta da verdade.

t)Tendo o despacho de arquivamento sido fundado exclusivamente em depoimentos do arguido, ignorando os factos invocados pelo assistente e as diligências probatórias por este requeridas, a prolação de despacho de rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução e não de convite para o seu aperfeiçoamento é susceptível de consubstanciar uma violação do contraditório em desfavor do assistente.

u)O convite ao aperfeiçoamento do requerimento de instrução não briga com a estrutura

acusatória do processo penal, uma vez que tal convite consubstancia um instrumento processual disponível à entidade que, em cada momento, dirige cada fase do processo, devendo ser utilizado sempre que a descoberta da verdade o exija.

v)Não se apresenta como fundamento válido para a prolação do despacho recorrido o argumento de que “(...) a opção por um despacho de convite ao aperfeiçoamento permitiria o alargamento de um prazo peremptório e a sua prorrogação viola as garantias de defesa do arguido” – o convite ao aperfeiçoamento não implica a prorrogação do prazo de apresentação do respectivo articulado, já que pressupõe necessariamente que o mesmo foi entregue no prazo legal.

w)O convite ao aperfeiçoamento de um articulado corresponde a um instrumento processual destinado a salvaguardar os articulados que, podendo não ser perfeitamente claros, o julgador entende serem úteis para a resolução da causa, assentando numa ponderação entre os princípios

(6)

do cumprimento dos prazos legais e os princípios – que devem preponderar – da descoberta da verdade e aproveitamento dos actos praticados.

x)A jurisprudência entende que, quando determinado requerimento de abertura de instrução não contenha, ainda que sumariamente, uma descrição dos factos que não possibilite a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia, deverá notificar-se o requerente para, no prazo que lhe seja fixado, o aperfeiçoar, desta forma se devendo privilegiar o princípio da descoberta da verdade.

y)Finalmente, não pode proceder como justificação para a prolação do despacho de rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução o argumento de que, “se o requerimento de abertura de instrução é omisso em relação aos factos, a sua inclusão na decisão instrutória significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, estando tal decisão ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 309 n.º 1 do Código de Processo Penal”.

z)Em fase anterior à instrução, e tendo sido proferido despacho de arquivamento, não faz sentido falar em alteração (substancial ou não) de factos, atendendo à circunstância de não existirem factos que possam ser alterados (substancialmente ou não), uma vez que a alteração deve ser aferida relativamente aos factos descritos na acusação, no requerimento para a abertura de instrução ou na pronúncia e respectivo tratamento jurídico.

aa)No presente caso (despacho de arquivamento de inquérito), ainda que se colocasse a questão da alteração substancial dos factos – o que não faz sentido – o requerimento de abertura de instrução do assistente não implicaria alteração substancial dos factos, pois tais factos dizem respeito aos mesmos crimes (e, consequentemente, às mesmas sanções aplicáveis) que já eram imputados ao arguido durante a fase de inquérito.

bb)No presente caso (despacho de arquivamento do inquérito), ainda que se colocasse a questão que o requerimento de abertura de instrução do assistente implicaria alteração substancial dos factos, a consequência nunca seria a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, mas uma solução mais aproximada da solução prevista no artigo 303 n.º 3 do CPP, possivelmente, a abertura de inquérito quanto aos novos factos.

cc)Não procedendo nenhum dos argumentos invocados no despacho de rejeição liminar, e sendo o mesmo ofensivo dos interesses do assistente protegidos pelo ordenamento processual penal, deve o despacho recorrido ser anulado e, em consequência, ser decretada a abertura da instrução.

3.Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

a)O artigo 286 do CPP, ao não exigir formalidades especiais, bem como o n.º 3 do art.º 287 do CPP, permitem concluir que não será exigível às partes um formalismo rigoroso no requerimento de abertura de instrução, dado que o inquérito decorreu sob segredo de justiça, que se mantém até final da instrução (art.º 86 do CPP).

b)Por este motivo, consideramos suficiente a alegação de factos, ainda que de uma forma genérica, e a apresentação de novos elementos de prova, ainda que de forma deficiente, no requerimento de abertura de instrução.

c)Por tudo o acima exposto, e nos demais termos de direito, concordamos, em geral, com as motivações do assistente, as quais subscrevemos e damos aqui por reproduzidas, nomeadamente na parte em que conclui que deverá ser anulado o despacho que indeferiu o requerido, e ser ordenada a abertura da instrução.

4.Respondeu o arguido, concluindo na sua resposta:

a)Do requerimento de abertura de instrução constata-se que, no essencial, o assistente se “limita

(7)

a impugnar os fundamentos pelos quais o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos, desenvolvendo as razões pelas quais entende que outra devia ter sido a decisão, a conjecturar sobre as falsas declarações prestadas pelo arguido, pugnando pela insuficiência de inquérito e pela necessidade de outras diligências probatórias que entende necessárias à descoberta da verdade”.

b)O requerimento de abertura de instrução, não estando sujeito a formalidades especiais, deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o arguido neles teve e “quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” e a indicação das disposições legais aplicáveis.

c)A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura de instrução (art.º 309 n.º 1 do CPP).

d)Como refere Germano Marques da Silva, in Do Processo Penal Preliminar, 254, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo Ministério Público), acusação que,

“dada a divergência com a posição assumida pelo M.º P.º, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial” e, por isso, deve conter todos os elementos de uma acusação,

designadamente a matéria de facto que consubstancia o ilícito que se pretende imputar ao arguido.

e)E compreende-se porquê: o arguido é pronunciado pelos factos constantes do requerimento do assistente, pois não há lugar a uma nova acusação nem o juiz se pode substituir ao assistente na tarefa de carrear factos para a pronúncia.

f)O que o assistente faz no requerimento de abertura de instrução é “criticar a apreciação a que o Ministério Público procedeu no seu despacho de arquivamento, dos meios de prova produzidos ao longo do inquérito... pretendendo agora trazer aos autos factos novos e elementos que não foram investigados em sede de inquérito, limitando-se, contudo, a desenvolver simples e meras

abstracções que procedem de todo um posicionamento discordante”.

g)O convite ao aperfeiçoamento tem hoje a oposição declarada do legislador processual penal (a sugestão apresentada – no sentido do convite do requerente para aperfeiçoar o pedido – não teve acolhimento na votação na especialidade da proposta de lei de revisão do CPP que teve lugar em 1998).

h)Ao contrário do defendido pelo assistente, “o convite de aperfeiçoamento colidiria com o carácter peremptório do prazo referido no art.º 287 n.º 1 do CPP e a apresentação de novo requerimento pelo assistente para a abertura de instrução, para além daquele prazo, violaria as garantias de defesa do arguido, conforme já decidiu no acórdão do TC n.º 27/2001, de 31.01.2001, DR, 2.ª Série, de 23.03.2001”.

i)A exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no

requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente é imposta pelos art.ºs 287 n.º 2 e 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP, conforme se decidiu no acórdão do TC n.º 358/2004, DR, 2.ª Série, de 28.06.2004, sem que tal constitua uma limitação efectiva do acesso ao direito e aos tribunais.

“Com efeito, o rigor na explicitação dos fundamentos da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito”.

5.O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, dizendo, em síntese:

(8)

-É unânime o entendimento de que o requerimento de abertura de instrução “deve constituir uma verdadeira acusação, uma vez que define e determina o âmbito da actuação do juiz de instrução, bem como delimita o objecto do processo”;

-O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela constitucionalidade da norma do art.º 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP, “quando interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas al.ªs” (acórdão do TC de 19.05.2004, DR, II Série, de

28.06.2004);

-O acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 7/2005, publicado in DR, I Série – A, de 4.11.2005, decidiu que “não há lugar a convite do assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do CPP quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

6.Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos, cumpre decidir – em

conferência - tendo em atenção a questão colocada no recurso, que é a de saber se, em face dos termos como se apresenta o requerimento de abertura de instrução – apresentado pelo assistente – deve (ou não) revogar-se o despacho recorrido (que rejeitou liminarmente tal pretensão) e

determinar-se a abertura da instrução.

---

6.1. Decorrida a investigação, o Ministério Público – concluindo que não se justificam outras diligências – declarou encerrado o inquérito e, após analisar as provas carreadas para os autos, concluiu que não se indiciava a prática do crime de ofensas corporais por negligência (o crime em investigação nos autos) e, por isso, determinou o arquivamento do inquérito, nos termos do art.º 277 n.º 2 do CPP.

6.2. Veio então o assistente a requerer a abertura de instrução, por não se conformar com aquele despacho, dizendo:

-Para determinar o arquivamento dos autos o Ministério Público apenas tomou em consideração as declarações do arguido, o esboço elaborado pela GNR e os vestígios existentes no local, não tendo inquirido as testemunhas indicadas pelo assistente (em 14.04.2003), essenciais à descoberta dos factos;

-O recurso àqueles meios de prova afigura-se “manifestamente insuficiente para a descoberta da verdade” e susceptível de configurar a nulidade prevista no art.º 120 n.º 2 al.ª a) do CPP;

-O assistente contratou os serviços de uma empresa “para uma investigação” sobre as circunstâncias que rodearam o sinistro, tendo aquela elaborado um relatório que conduz a conclusões diversas das apontadas pelo Ministério Público;

-A decisão de arquivamento está inquinada, porquanto se baseia em factos parcelares que não correspondem à verdade (apenas se baseia nas declarações do arguido) e desconsidera os factos novos trazidos ao conhecimento do tribunal.

6.3.Sobre este requerimento recaiu o despacho de fol.ªs 304 a 311 (o despacho recorrido), no qual se escreve:

“(...) o requerimento de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas, no caso do assistente, é ainda aplicável o disposto no artigo 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do Código de Processo Penal, segundo o qual «a acusação contém, sob pena de nulidade: (...) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de

(9)

participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (...) as disposições legais aplicáveis»” (art.º 287 n.º 2 e 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP).

“(...) o requerimento de instrução apresentado pelo assistente fixa o objecto do processo, a temática dentro da qual se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitiva do juiz de instrução, que fica vinculado ao seu teor aquando da prolação do despacho de pronúncia, não podendo alterar os factos ou aditar novos factos, fora das situações previstas no art.º 303 n.º 1 do Código de Processo Penal.

Como escreve Germano Marques da Silva, «o requerimento do assistente não pode, em termos materiais e funcionais, deixar de revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, de onde constem os factos que se considera indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os temos do debate e o exercício do contraditório»” (Germano marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 41).

“(...) o assistente, embora apresente, «em súmula», as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento ordenado pelo Ministério Público, o seu requerimento para a

abertura de instrução não contém uma descrição factual, com menção ordenada e sequencial que permita delimitar o campo sobre o qual irá incidir a instrução.

... não se descortina matéria factual relativa ao modo de actuação do arguido, às circunstâncias em que ocorreu o embate, à identificação e características da via, à localização, extensão e gravidade das lesões sofridas pela vítima ou quaisquer factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade física grave ou do crime de ofensa à integridade física por negligência que o assistente imputa ao arguido.

... embora passível de fundamentar uma eventual intervenção hierárquica, nos termos do art.º 278 do Código de Processo Penal, não cumpre os requisitos exigíveis para a abertura da instrução.

O requerimento de abertura de instrução tem de valer por si, não competindo ao juiz de instrução

«perscrutar os autos para fazer valer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes»” (acórdão da RC de 24.11.1993, Col. Jur., t. V, 61).

“(...)

O Tribunal Constitucional, no acórdão de 19.05.2004, pronunciou-se no sentido da

constitucionalidade da norma do artigo 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nas referidas alíneas.

No citado acórdão pode ler-se: «O requerimento para abertura da instrução consubstancia,

materialmente, uma acusação, na medida em que, por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.

A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.

Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso

(10)

em ordem a permitir a organização da defesa»” (acórdão publicado in DR, II Série, de 28.06.2004).

Por outro lado, o mesmo Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma

constante dos artigos 287 e 283 do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução

apresentado pelos assistentes que não contenham uma descrição dos factos imputados ao arguido” (acórdão n.º 389/2005, de 17.07.2005, in DR, II Série, de10.10.2005).

“O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência nos termos seguintes: «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do artigo 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido» (acórdão n.º 7/2005, in DR, I Série – A, de 4.11.2005).

“Estamos, assim, perante uma situação de inadmissibilidade legal. Com efeito, se o requerimento de abertura da instrução é omisso em relação aos factos, a sua inclusão na decisão instrutória significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, estando tal decisão ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 309 n.º 1 do Código de Processo Penal.

... o presente requerimento encontra-se viciado, na medida em que não preenche os pressupostos para a sua admissão liminar e não é susceptível de fundamentar uma pronúncia, requisito essencial da admissibilidade”.

---

6.4. Este é o despacho recorrido, despacho que transcrevemos quase na íntegra, pois os argumentos que dele constam para justificar o decidido, para além de claros, vêm apoiados na doutrina e jurisprudência que se tem debruçado sobre a matéria.

E em face de tais argumentos podemos desde já adiantar que aquele despacho não nos merece qualquer censura, o mesmo é dizer que o recurso interposto carece de fundamento.

O requerimento para abertura de instrução – consta do despacho recorrido e tal questão

apresenta-se como pacífica – não estando sujeito a formalidades especiais (di-lo o art.º 287 n.º 2 do CPP), “não pode, em termos materiais e funcionais, deixar de revestir o conteúdo de uma

acusação alternativa, onde constem os factos que se considera indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório” (Germano Marques da Silva, acima citado, e art.ºs 287 n.º 2 e 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP).

“A estrutura acusatória do processo penal português... impõe que o objecto do processo seja

fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução... o seu objecto tem de ser

definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa... o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283 do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória” – escreve-se no acórdão do TC de 19.05.2004, acima citado.

Os elementos mencionados nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 283 do CPP são:

“b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

(11)

a) A indicação das disposições legais aplicáveis”.

6.5. No requerimento de abertura de instrução o assistente indicou de modo claro as razões pelas quais discordava do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos autos (art.º 287 n.º 2 do CPP): em suma, ele discorda do arquivamento dos autos porque aquela decisão, em seu entender, apenas tomou em consideração algumas provas (quando outras havia) e

desconsiderou os factos novos trazidos ao conhecimento do tribunal, factos que, a serem considerados, levariam a conclusão diversa daquela a que chegou o Ministério Público.

Não basta, porém, a indicação de tais elementos. “Quando se considere que alguns pontos da matéria de facto não se acham devidamente esclarecidos ou que a valoração da prova indiciária obtida através de inquérito não foi devidamente valorada, ou que o mesmo enferma de deficiência, os meios próprios para reagir a tais vícios são a reclamação hierárquica e a arguição da respectiva nulidade” – decidiu-se no acórdão da RL de 9 de Fevereiro de 2000, Col. Jur., t.1,153.

O requerimento de abertura de instrução, mais do que um meio para corrigir ou alterar uma decisão do Ministério Público (no caso em que este decidiu pelo arquivamento dos autos)

considerada incorrecta ou errada, é um meio para comprovar judicialmente a decisão de submeter a causa a julgamento (art.º 286 n.º 1 do CPP), ou seja, para verificar se o arguido deve, com base na acusação que lhe é formulada, ser submetido a julgamento.

Por isso a lei impõe que o assistente indique, por um lado, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, os actos de instrução que pretende sejam levados a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e os factos que, através de uns e de outros, se espera provar, por outro lado, que descreva os factos que imputa ao arguido, ou seja, integradores da conduta ilícita pela qual pretende que o mesmo venha a ser

julgado e condenado e as normas legais aplicáveis (isto quando a abertura de instrução é requerida pelo assistente, por o Ministério Público não ter deduzido acusação).

Como escreve, a propósito, Maia Gonçalves, in CPP Anotado e Comentado, 12.ª edição 574, o requerimento de abertura de instrução do assistente “deverá, a par dos requisitos do n.º 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório e da elaboração da decisão instrutória”, razão porque tal requerimento terá que ser notificado ao arguido a fim de poder exercer o seu direito de defesa relativamente ao objecto do processo assim delimitado.

Estes elementos – os elementos constitutivos do tipo e a indicação da norma ou normas que proíbem e punem a conduta do arguido – não constam, de facto, do requerimento de abertura de instrução, pelo que, em face dele, não se percebe qual o crime pelo qual o assistente pretende que o arguido seja submetido a julgamento (não percebemos nós e não o perceberia o arguido, se daquele requerimento não consta), pelo que – a deferir-se a abertura de instrução - ficaria o arguido seriamente afectado nos seus direitos de defesa.

Em face desse requerimento não se percebe:

-Quais os factos (concretos) que o assistente imputa ao arguido, ou seja, os factos que integram o elemento objectivo do tipo (o ilícito pelo qual pretende que o arguido seja julgado) – veja-se que o assistente, pedindo que seja proferido despacho de pronúncia, requer a abertura de instrução, não para comprovar a acusação (que não formula), mas para averiguar os factos descritos, passíveis de integrar, no seu entender, os tipos legais supra descritos, quando é certo que os tipos legais supra descritos são incompatíveis (os tipos legais supra descritos são o crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144 al.ª b) do CP com pena de prisão de 2 a 10 anos, e o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.º 148 n.º 1 do CP com pena de prisão até

(12)

um ano ou com pena de multa até 120 dias);

-Qual o tipo de ilícito que a conduta do arguido integra e, consequentemente, qual a norma ou normas que proíbem e punem tal conduta, sendo que a referência a dois tipos de crime, nos termos em que é feita, é incongruente, pois nunca tal conduta poderia integrar aqueles dois crimes;

-Quais as circunstâncias do embate (atropelamento), as condições (“específicas”) local e as lesões (concretas) sofridas pela vítima, que permitam imputar ao arguido a responsabilidade pelo evento

É um facto que aqui e além – no seu (longo) requerimento de abertura de instrução – pretendendo demonstrar a errada decisão do Ministério Público (de determinar o arquivamento dos autos), alega o assistente factos ou circunstâncias relevantes para a instrução, ou seja, para demonstrar que os factos podem não ter ocorrido como relatado pelo Ministério Público.

Tal não basta, porém, face às exigências legais a que deve obedecer o requerimento de abertura de instrução supra mencionadas.

Por outro lado, e como acima se disse, transcrevendo o acórdão da RC de 24.11.93, não compete ao juiz de instrução “perscrutar os autos para fazer valer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois se assim fosse estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes”, como não lhe compete – dizemos nós – escolher qual o crime pelo qual o arguido deve ser pronunciado, quando o assistente se limita a pedir que seja proferido “despacho de pronúncia”, sem esclarecer qual o crime pelo qual pretende que o arguido seja submetido a julgamento.

6.6.A questão que poderia colocar-se é se, em face de tais deficiências, não deveria o assistente ser convidado a corrigir o seu requerimento de abertura de instrução, mas a questão – que durante algum tempo mereceu tratamento divergente na jurisprudência – está hoje ultrapassada, face ao acórdão para fixação de jurisprudência do STJ de 12.05.2005, DR, I Série – A, de 4.11.2005, do qual não vemos razões para divergir, onde se decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Como nos fundamentos desse acórdão se escreveu, citando Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, 175, “sem acusação formal o juiz está impedido de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto, e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal, substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos, enraizaria em si uma função deles

indagatória, num certo pendor investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado”.

A não se entender assim, violar-se-iam de modo desproporcionado as garantias de defesa do arguido e as regras dos art.ºs 18 e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mão do juiz o estatuto de acusador, que a lei não permite.

Essa orientação – como nos dá conta o mencionado acórdão – vinha já sendo seguida pela maioria da jurisprudência, assim como pelo TC, como resulta do acórdão de 19.05.2004, DR, 2.ª Série, de 28.06.2004, já acima transcrito: “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa... impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e a precisão

adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução (...) o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas al.ªs referidas no n.º 3 do art.º 283 do

(13)

CPP. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória”.

Apenas uma nota final para dizer que não importa aqui indagar das consequências de um

eventual despacho de pronúncia que fosse proferido em violação das norma supra mencionadas – é que, ao tribunal não compete cometer ilegalidades, praticar actos nulos, mas, antes, regular os termos do processo de acordo com as normas legais e respeito pelos princípios fundamentais do processo, designadamente, os princípios do acusatório e do contraditório, princípios que foram respeitados, e bem, pela decisão recorrida.

O despacho recorrido não nos merece, consequentemente, qualquer censura.

7. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente e, consequentemente, em confirmar integralmente a decisão recorrida.

---

Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em oito UC.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado) Évora, / /

Página 13 / 13

Referências

Documentos relacionados

Para isso, seriam fundamental a percepção ambiental e o conhecimento científico como vetores potenciais para promover a efetiva conservação ambiental (FREITAS et al., 2017). Assim,

Na sua atuação, a Olivieri tem o objetivo de fazer acontecer com excelência e leveza, contando com a experiência de mais de 30 anos em consultoria jurídica e negocial para as áreas

A noite de Maio com as suas sombras e os seus brilhos, os seus perfumes, as suas flores e os seus murmúrios parecia uma história fantástica.. As folhas no ar mexiam-se levemente

A noite de Maio com as suas sombras e os seus brilhos, os seus perfumes, as suas flores e os seus murmúrios parecia uma história fantástica.. As folhas no ar mexiam-se levemente

Certa vez, um rapaz observou por acaso um Mouro estar a enterrar viva a filha. Mouro dizia certas palavras encantatórias, esquisitas e embaladoras. Mal ele partiu, dirigiu-se à

Chora Peito Chora Joao Bosco e Vinicius 000 / 001.. Chão De Giz Camila e

No entanto, expressões de identidade não são banidas da linguagem com sentido apenas porque a identidade não é uma relação objetiva, mas porque enunciados de identi- dade

Trail Longo e Curto. Para participar é indispensável estar consciente das distâncias e dificuldades específicas da corrida por trilhos e do desnível positivo e negativo das