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Revista de Guimarães Publicação da Sociedade Martins Sarmento

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Casa de Sarmento

Centro de Estudos do Património Universidade do Minho

Largo Martins Sarmento, 51 4800-432 Guimarães

E-mail: geral@csarmento.uminho.pt URL: www.csarmento.uminho.pt

Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Revista de Guimarães

Publicação da Sociedade Martins Sarmento

A

I

DEIA DE

E

UROPA

.

R

AÍZES HISTÓRICAS

.

E

VOLUÇÃO

.

C

ONCRETIZAÇÃO ACTUAL

.

PORTUGAL E A EUROPA.

CUNHA, Joaquim da Silva

Ano: 1981 | Número: 91

Como citar este documento:

CUNHA, Joaquim da Silva, A Ideia de Europa. Raízes históricas. Evolução. Concretização

actual. Portugal e a Europa. Revista de Guimarães, 91 Jan.-Dez. 1981, p. 97-118.

(2)

A ideia de Europa. Raízes

históricas.

Evolução.

Concretização

actual.

Portugal e a

Europa.

Pêlo JOAQUIM DA SILVA CUNHA

ideia de Europa,

mais adequado ao fim que nos propusemos. Europa como região geográfica, como

de vida

e maneira de estar no Mundo, como sistema de

País, se fala-

em Europa,

esta que se quer fazer referência. quando se

apre-

à Nação, como objectivo primordial da sua política,

dado

um

7

1. Esta palavra Europa que anda quotidianamente nas primeiras páginas dos jornais (e que é oferecida aos portugueses como uma espécie de panaceia capaz de curar todos os males que tão profundamente' afectam

O Ser nacional) é

susceptível de vários

entendimentos,

Por isso, quando queremos analisar a > suas r a i e s históricas e .manifestações actuais, e a posição

de Portugal perante as realidades a que respeita, impõe-se apurar os

possíveis significados

da palavra para nos fixar-

mos no

Assim, pode entender-se a

unidade de cultura, como concepção disciplinar a convivência entre Estados e como uni-"

dade

supranacional. '

Quando hoje, no nosso

quando se afirma que devemos .

entrar na Europa,

nesta última acepção que a palavra é tomada e como a única organização daquele

tipo

que existe nopresente

momento histórico é a Comunidade Económica Euro:

peta

é a

senta

externa a entrada para a Europa.

Mas esta acepção da palavra supõe que a Comuni-

se com

fundo cultural comum, que partilham certas conceps constituiu porque

nela se

agregam Estados

(3)

iões de vida e maneiras de estar no Mundo, resultando, portanto, a sua formação de factores que

antes se haviam manifestado, originando no passado certos sis-

temas de o r g z a ç ã o

da convivência entre os Povos na zona da Europa ocupada pela Comunidade.

2. Remontando no tempo, do presente ao passado,

encontramos como sua origem remota (mas muito remota...) o Império Romano que legou aos povos euro-

peus a ideia de unidade política, um instrumento de

convívio o latim

-

que influenciou a formação da maioria das linguas europeias modernas, uma cultura em

que se fundiam elementos próprios e elementos helé-

nicos, uns e outros transformados por influência do Cristianismo que, no momento em que o Império de

Roma ruiu, já dominava a generalidade das suas gentes e sobreviveu à derrocada como única força organi- zada fundada nas poderosas virtualidades que lhe davam

a intensidade da Fé.

-Na cultura legada por

Roma avultava, como ele-

mento mais característico e mais prenhe de força irra-

diante, o Direito que influenciou a formação de quase todos OS sistemas jurídicos europeus, com excepção do Britânico, que apresenta caracteristicas específicas pró-

prias.

O Cristianismo legou-nos, porém, muito mais.

Legou-nos um conceito novo do Homem e da Humani- dade. Do Homem criado por Deus, à sua imagem e semelhança, com um

em

transcendental a

atingir, depois

da morte física, baseado na perenidade

do espirita pelo

qual, desaparecida a matéria perecível, o Homem havia.

de unir-se a Deus e viver na Bemaventurança se pelas suas obras na Terra O merecesse.

Morte onde está a tua vitória? Disse São Paulo pensando no destino ultraterreno do homem.

O homem era, por isso, pessoa com uma eminente dignidade que lhe resultava de ser criatura de Deus..

Capaz de constnúr o seu

destino, pela inteligência e pela

vontade, e recebendo a vida para por ela realizar uma missão se queria voltar a unir-se com Deus.

A Humanidade era, na sequência desta concepção,

(4)

A IDEIA DA `EUROPA. RAÍZES I-IISTÓRICAS

99

prózdrno

se exprime no segundo imperativo do Decálogo

-Amar;

O como a si mesmo. Unida, portanto,

pela 1ei¿

da

caridade que; fazia dela uma realidade que transcendia todas as divisões e que se impunha a todos, fosse qual fosse a sua posição na cidade terrena. Daí a concepção,

do

carácter funcional do poder político que obrigava

bem dos que lhe

estavam sujeitos, concebido este como ordem que devia assegurar a todos possibilidade de viver de harmo-

nia com

sua dignidade de

pessoas e de procurar o seu caminho com vista à união com Deus, na

cidade divina.

quem

O

detinha a exercê-lO para

3. A aliança, com a doutrina crista, das tradições

de unidade política legados por Roma e do fundo culta ral comum que dela herdamos originou, após o desapa-= recimento do Império, a ideia de que os povos cristãos formavam uma comunidade, na acepção que

às

palavra deu o sociólogo alemão Toënnies

.-..--

a Respub/ica=C/Jrir¬

toara - - que devia organizar-se (superando diversidades

regionais, étnicas e políticas) sob a égide de dois poderes

com jurisdição e exercício, respectivamente, 110 campo espiritual e temporal. Independentes reciprocamente, mas colaborantes, tais poderes pertenciam respectivamente »

ao chefe da Igreja, ao Papa, e ao Imperador, O que, é*-

evidente, implicava a reconstituição

do Império Romano.

z

Esta, porém, só incompletamente se realizou com a sagração de Carlos

Magno (no dia de Natal de

800),"como imperador do Ocidente e

logo

se enfraqueceu, após

a.,

sua morte, com a divisão dos seus

reinos pelos

filhosx

A ideia de Império ficou, pois,

apenas como expres-

são duma aspiração. A .autoridade do lmperador, quando reconhecida por alguns monarcas, foi-o mais

a título .de

cortezia do que como produto do acatamento de um poder superior. E alguns reis nem naqueles termos a aceitaram como sucedeu na Península Ibérica. ¬

Em

contraste com o carácter quase simbólico do poder imperial, a autoridade pontifícia era efectiva

.

e geralmente acatada, sendo o Papa reconhecido como verdadeiro chefe da cristandade, mas não limitando a

sua acção ao campo espiritual pois intervinha também

no

temporal, sempre-que essa intervenção fosse necessá-

(5)

ria para resolver questões que tivessem implicações 110 pelouro espiritual.

O Papa foi,

assim, enquanto a crise ínternanão aba-

lou o prestígio da Igreja

e as heresias protestantes não

subtraíram à autoridade de Roma parte importante da

Cristandade, verdadeiro chefe da comunidade crista. Foi defensor da moral, morigerador dos costumes, limi- tador do arbítrio dos príncipes, protector de oprimidos, garante da independência dos Estados, responsável

pela

continuação da acção catequético e missionária imposta pelo preceito evangélico que mandava aos Apóstolos, de cujo chefe o Pontífice era sucessor, doutrinar todos os povos baptizando-os em nome

do Pai, do Filho

e do

Espírito Santo.

No desempeno destes terríveis encargos o Chefe da Igreja foi árbitro nas questões entre

os príncipes

cristãos, ditou regras (como as que impunham a Paz

de Deus) para limitar o recurso à guerra, fiscalizou a.

forma como os reis exerciam os seus poderes para evitar

o atropelo dos direitos dos povos e assegurar a justiça, organizou o movimento da cruzada do Oriente, esti- mulou a reconquista dos territórios da Península ocu-

pados pelos ínfiéís e interveio na expansão ultramarina de Portugal e de Espanha para a disciplinar, utilizando-a como instrumento de dilatação do grémio dos povos

CIISÍÊOS.

São conhecidos os exemplos que ilustram esta

acção tão complexa: A Bula Manifestes Probatutn em que

Alexandre III, em 1179, reconhece finalmente, depois da laboriosas e demoradas diligências

o título de rei

a

D. Afonso Henriques. A Bula Gmndium in ifnerito do

Papa Inocêncio IV que priva D. Sancho II do go-

verno efectivo do reino e designa para a regência o

Conde de Bolonha, D. Afonso, que havia de ser o Rei. D. Afonso III. O reconhecimento do carácter de missão,

ao serviço da Igreja, à expansão portuguesa, pelos papas

Martinho V e Nicolau V, nas Bulas Sane Cbarisrinzus (1418)

e Romanas Pontifex (1454) eadivisão do mundo em duas

zonas de expansão reservadas a Portugal e a. Espanha na Bula Intel Coetera de Alexandre VI (1493), alterada

pelo Tratado de Tordesilhas (1404) que a Bula Ea

q u e pro b o r o Pai: -do Papa Júlio II confirmou

(6)

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

101

pouco objectiva e hoje ultrapassada sustenta), 4. Nesta comunidade se processou um fenómeno

de

criação de cultura, alicerçada no saber antigo cuja

memória não se perdeu e cujo estudo continuou na Idade Média (contrariamente ao que certa historiografia

mas

coordenando-o com as verdades da Fé e a sabedoria crista, de tal forma que o movimento do Renascimento não pode qualificar-se como a redescoberta de fontes culturais cujo conhecimento se

havia perdido, mas

como uma nova óptica para a focagem do saber clás- sico, procurando fazê-lo reviver como Romanos e Gre-

gos o haviam elaborado sem o filtrar através da Teo-

logia crista.

Na utilização medieval do saber antigo ressalta, pelo que representa quanto à vivenda da ideia de comu- nidade crista, o recurso ao Direito Romano Justinianeu que, recomeçado estudar, no séc. XII, em Bolonha, se transformou num verdadeiro Direito comum dos Estados Europeus cristãos. Mas, por outra via,

se fez

sentir na Europa a

influência do Direito Imperial pois

nele foram os juristas buscar argumentos para reforçar o movimento de centralização

do poder real

que,

ini-

ciado também no séc. XII, conduziu à atenuação

do

pluralismo de forças e classes sociais que caracterizam a estrutura das unidades políticas medievais.

a

identidade

da religião e

5. A Europa, enquadrada na Respub/íca Cbrirtíana, aparece assim como uma unidade, no essencial cultural- mente homogénea, em que o alicerce fundamental era

formado pela religião comum que, por esta caracterís- tica, se contrapunha ao resto do

Mundo habitado por

pagãos e infiéis. Estes não constituíam uma comuni-

dade,

mas um todo inorgânico que era dever da Europa integrar por meio da missionação e do proselitismo

cristãos. A Europa era, pois, por natureza, umacomu- nidade expansiva. A expansão que se lhe impunha rea-

lizar

para cumprir a sua natureza deve_se aos portu- gueses e aos espanhóis que aos primeiros se seguiram

nessa missão. . .

A concepção comunitária da¡Europa alicerçada na orientada pela força espiritual

de Roma

não resistiu a forças desagregadoras que nela

(7)

se -desenvolveram. Umas nascidas no seio da própria

Igreja, outras resultantes da evolução da estrutura polí- tica dos Estados que dela faziam parte e de certas cor~

rentes de pensamento que, erigindo a razão em fonte principal do conhecimento, contribuíram para o enfra- quecimento da Fé.

A divisão da Igreja, no séc. XIV, expressa no grande cisma do Ocidente, foi o primeiro factor de desagregação Íque teve como reflexo imediato o enfraquecimento da autoridade do Papa como chefe da Cristandade. Para este enfraquecimento contribuiu também a substituição do pluralismo de forças sociais que caracterizam a alta Idade Média, pelos modernos Estados europeus, forte- mente centralizados em torno da autoridade reforçada dos monarcas, e os novos métodos de pensar

que

caracteri-

zaram o movimento do Renascimento.

No que respeita às concepções

sobre organização

da Cristandade, os representantes mais qualificados da nova corrente são, no séc. XIV,

Dante, Marsílio de Pádua

e Guilherme d'Occam.

. Dante expôs a sua doutrina no tratado De Monarca/Jia

(1311), em que o Poeta se propõe averiguar: se o Império

é necessário ao bem-estar do Mundo; se o povo romano teve razão ao assumir o poder imperial; se o poder imperial provém directamente de Deus ou se deriva de alguns dos seus vigários ou ministros.

Partindo do princípio aristotélico de que o homem é naturalmente social e político, afirma que o

em

temporal das sociedades humanas exige um império universal e

temporal. Só a universalidade dos homens reunidos na mesma comunidade pode assegurar a realização plena de todas as virtualidades da natureza humana. Para tanto

.se conseguir é, porém, indispensável a paz e esta não é .viável sem mn poder central único que a organize .C

garanta. . '

A autoridade suprema no Estado Universal assim

constituído (Imperium rendi) pertence a um monarca

temporal cuja autoridade é de Direito natural e provém

directamente de Deus. A Igreja

de Direito

divino e :a sua missão é puramente espiritual. Não há pois qualquer

subordinação do Império à Igreja a não ser como sim- ,ples afirmação de respeito filial.

(8)

A IDEIA 1)A` EUROPA. RAÍZES I-IISTÓRICAS

103

melhor

Marcílio de Pádua (1275-1280 ou 1290-1343 l48) foi,

no

domínio do pensamento político, O representante

mais destacado do novo espírito. A sua obra fundamental

é

o Defensor Paris.

A primeira característica da sua doutrina é mn

pro-

fundo cepticismo em matéria religiosa. Para ele a ver-

dade do

cristianismo baseia-se apenas na autoridade das

Escrituras e da Religião e só lhe interessam as manifes- tações exteriores do culto e a sua função social.

Em matéria de política defende uma concepção

materialista. O

em

das sociedades políticas

é a tranqui-

lidade

que assegura ao homem o bem-estar material.

A

estrutura destas sociedades resulta da índole das neces-

sidades humanas. Assim, no Estado distingue: a satis-

fação das necessidades materiais a cargo da multado vuégaris

(agricultores, artesãos e comerciantes) e as funções supe- riores de governar, administrar justiça, defender a ordem contra ataques internos e externos, assegurar o culto

e a predicação moral. Estas estariam a cargo da Hono-

rabi/ítas, dividida em três ordens ou estados.: O judi-

cial, o militar e o sacerdotal.

A sua doutrina é de carácter totalitário pois suprime a distinção entre o espiritual e o temporal, tudo subme-

tendo à autoridade do Estado.

Guilherme d'Occam nasceu pouco antes .de 1300. A sua obra mais importante é o Dialogue inter Magístrum

eu Di.‹øzlpz1/um de

Irnperatorum ez* Ponízfiøum Poíestaíe.

Escrita entre 1334-1339 nela reproduz quase 'toda a argumentação do Definror Paris, sem que, no entanto,

siga no essencial a orientação do Autor. .

Defende a ideia de uma monarquia universal como meio de garantir a paz. Mas admite que, em cer-

tas circunstâncias, lhe é preferível uma aristocracia uni-

versal, em que o governo do Mundo seja contado a um

colégio de Príncipes nacionais. :

Sustenta também que a origem do poder reside mediatamente em Deus e, imediatamente, na vontade

do

cipais.

povo maníƒestada por intermédio dos seus

prin-

cipes

eleitores dar-lhe-ia, portanto, legitimidade

campo

temporal.

A designação do Imperador pela maioria

dos Prín-

no

(9)

6. Estava aberto o caminho, no campo dos factos e das ideias, para a quebra da unidade da Europa crista e para a consequente dissolução da comunidade em que

esta se integrava. O golpe decisivo foi, porém, dado pelos

movimentos heréticos agrupados geralmente sob o nome de Reforma.

Esta contribuiu de maneira decisiva para o abandono das ideologias políticas medievais e, particularmente no que interessa ao nosso tema, para a dissolução da Res-

publíva Cbrístiana, provocando a ruptura com Roma,

abrindo a cisão entre os Estados cristãos e originando

uma nova concepção da disciplina jurídica das relações

entre eles.

No campo da doutrina, quem primeiro proclamou

a autonomia do poder político face aos preceitos da Reli- gião e da Moral foi Maquiavel. Mais tarde, Jean Bodin,

embora adversário da concepção amora] da política defen-

dida no Príncipe, contribuiu, com a sua obra capital

- Os Sei: Livros da Republica (1576), para afirmar a supre-

macia do Estado, construindo O conceito de soberania.

O titular do poder soberano não estaria sujeito ao

comando de outrem. Caber-lhe-ia definir as leis para os " seus súbditos, não estando, porém, vinculado por elas. Estava, portanto, isento da obrigação de obedecer ao

Direito positivo, mas era sujeito às leis naturais e divinas. No campo da disciplina jurídica das relações entre

os Estados, isto é, no campo do Direito Internacional, o representante mais brilhante da nova corrente foi o jurista holandês Hugo Grócio que expõe o seu pensamento no célebre De I r e Baal/i e Paris em que reduz a disciplina das relações entre Estados a um Direito criado por eles próprios por pactos ou acordos expressos ou tácitos, repudiando, portanto, a jurisdição de qualquer poder que lhes seja superior.

No campo dos factos, isto é da política prática,

a

dissolução da comunidade crista de Estados, teve con- sagração formal nos tratados que, em 24 de Outubro de 1648, puseram termo à guerra dos Trinta Anos e ue são conhecidos habitualmente sob 0 nome de Paz

Ele

Westfália. Com eles se definiu uma nova ordem euro-

peia baseada nos principios da igualdade soberana e da

independência recíproca de todos os Estados, na equi- paração, para efeitos de relações internacionais, dos

(10)

A IDEIA DA `EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

105

Estados monárquicos e republicanos, e na independência

de

todos em relação à Santa Sé.

Negada, assim, a

subordinação dos Estados a qual- quer autoridade superior, a vida internacional passou a decorrer sob a égide do sistema do equilíbrio de forças

Qu do equilíbrio político. Por ele se procurava o

equilíbrio

mecânico de forças e, por isso, se traduziu num jogo inces-

sante de intrigas e negociações diplomáticas que tinham por

em

evitar a formação de Estados demasiadamente poderosos que pudessem afirmar-se como hegemónicos, e a neutralização das grandes potências por meio de

alianças que se lhes contrapusessem.

A história das guerras europeias nos séculos XVII e XVIII traduz, em grande parte, as vicissitudes do sis- tema. O Direito internacional desta época baseava-se no princípio da soberania ilimitada dos Estados que agiam movidos apenas pelos seus interesses egoístas e desprendidos de quaisquer considerações de ordem moral. A comunidade europeia morrera. Será que vai

renascer ?

7. A Revolução Francesa, que trouxe consigo o

princípio da soberania popular originada na teoria do

contrato social de Locke e de Rousseau, determinou a

ideia de Estado

como estrutura política do Povo ou Nação e não como instrumento de acção do poder dos monarcas. A sua concepção do que devia ser o sistema de relações entre os Estados está dominada pela ideia de paz que derivaria da fraternidade natural entre todos os povos

libertos da tirania dos reis. Mas esta ideologia pacifista

contrastava com as realidades da conjuntura internacio- nal que se vivia e com a orientação da política externa

da

época revolucionária.

A

França teve

de

lutar contra a coligação das gran- des monarquias continentais e contra a Inglaterra,

opon-

do-lhes

a teoria das fronterias naturais, tradicional na

política externa

francesa.

Mas foi da Revolução que nasceu 'de novo a ideia da Comunidade europeia, mas agora instituída pela força das armas e sob hegemonia da França. Foi a concepção

do

grande império que Napoleão pretendeu constituir no continente europeu e que morreu com a sua derrota

(11)

vencido como foi pela grande coligação da Inglaterra, da Prússia, Áustria e Rússia. -

A reorganização da carta política europeia que os vencedores, reunidos em Viena, pretenderam construir com base no princípio da legitimidade' monárquica, foi

acompanhada da instituição de um sistema de direcção da convivência entre os Estados baseado na supremacia das grandes potências que tinham vendido a .França

napoleónica.

Assim ressurgiu na Europa um esboço de comu-

nidade.

A seu respeito escreveu um contemporâneo, Fre- derik Lenz, conselheiro do Rei da Prússia ‹‹O sistema político estabelecido na Europa é um fenómeno inédito

na história do mundo. O principio do equilíbrio, que

governou a Europa durante três séculos, foi substi- tuido por uma União Geral que une todos os Estados por 'um vinculo federativo, sob a direcção das cinco grandes potências.

Os Estados de segunda, terceira e quarta ordem submeteram-se tacitamente às decisões tomadas conjun- tamente pelas potências preponderantes, e a Europa, enfim, formou uma só grande familia política, reunida

num areópago da sua própria criação, na qual os mem-

bros se garantem entre si, e a qualquer parte interessada, o gozo tranquilo dos respectivos direitos».

Mas o optimismo que transparece nestas palavras era excessivo, como os factos demonstraram.

É que esta versão laica de uma comunidade euro-

peia organizada sob a égide de um poder directivo, como fora a comunidade crista medieval, não tinha como esta uma força unificadora eficiente para alicerçar tal poder. Pelo contrário, opunham-se-lhe forças centrí- fugas poderosas que eram outros tantos factores de desa- .gregaçao.

Os exércitos napoleónicas, que percorreram a Europa

e a dominaram algum tempo, levavam consigo o ideário

da Revolução de que fazia parte

a teoria da soberania popular fonte 'de todo o poder político e base única de organização do Estado. Princípio que se opunha ao da legitimidade monárquica e que supunha que cada povo gozava do direito de auto-determinar-se escolhendo o

(12)

A IDEIA DA ÉUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

107

regime político sob que queria viver, livre da interven-

ção de qualquer força exterior. . .

O sistema de organização baseado na supremacia das grandes potências havia de provocar reacções e provo-

cou-as

!

Provocou-as na Europa e foram a rebelião da Gré-

cia contra o Império turco de que era província, o movi- mento de unificação da Itália, a constituição dO Império alemão. Mas provocou-as também fora da Europa. A Europa era ainda o centro do Mundo. A vida internacional era pensada apenas como relação entre os Estados europeus, e apenas Estados europeus cristãos porque a Turquia então repartida pelo Continente e pela Ásia Menor só depois da guerra da Crimeia foi admitida a fazer parte do concerto europeu. Mas, fora da Europa, no continente americano, fervilhava a agita- ção movida pelo desejo de independência das colónias

europeias do centro e do sul. E foi a independência 'do

Brasil e das colónias espanholas que, seguindo-se à inde-

pendência das colónias inglesas do Norte, criaram um

novo centro de vida internacional. E foi também no Extremo-Oriente o emergir do Japão como a grande potência que em breve havia de ser.

A Europa começava a deixar de ser o centro do

Mundo e o sistema de organização para ela criada em

Viena, deixou de funcionar. Eclodiu a 1_a Grande Guerra

que demonstrou como aquele sistema era artificial e não correspondia a uma verdadeira unidade europeia. Com ela começa a decadência da Europa.

8. Na verdade, os aliados contra os Impérios Cen- trais só conseguiram a vitória mercê do auxílio norte-

-americano e foram os Estados Unidos quem definiu o ideário a que obedeceu a organização da paz e o refazer da carta política europeia. A Europa saía da guerra enfraquecida pela luta, com a sua economia destruída,

e dividida em grande número de pequenos Estados

que tornaram precário o sistema de equilíbrio de forças em que, desde Westfálía, assentava a política de relação entre os Estados a que em Viena se procurou dar maior

estabilidade.

(13)

Em contraste, os Estados Unidos que, anda a luta, se remeteram ao isolacionismo que, desde Monroe, cons- títuía o fulcro da sua política exterior, aparece' definití- vamente, na cena internacional como grande potência cujas potencialidades excediam em muito as das velhas potências europeias. A Alemanha, sujeita pelos vence- dores a um tratamento humilhante entrou em crise, acumulando o seu povo ressentimentos que alimentaram o desejo de révanø/Je que, em grande parte, ajuda a com- preender como o nacional-socialismo, em 1932, encon-

trou tão grande e franco acolhimento.

No Extremo-Oriente, O Japão que, quando era previsível a derrota da Alemanha lhe declarou guerra

para beneficiar da vitória aliada, afirmava-se já clara-

mente como grande potência. Na Europa, a revolução bolchevista de 1917 isolava a Rússia do concerto euro- peu, tornava-a, em função da ideologia de que era arauto, inimigo potencial de todos os Estados e preparava as

bases para uma política centrada num ideário de expansão

que havia de fazer dela também uma grande potência. Alguns políticos europeus sentiram o problema e,

para refazer a Europa como centro de decisões que man-

tivessem a sua influência no Mundo, lançaram a ideia da

associação dos principais Estados europeus numa orga- nização de carácter supra-nacional -- Os Estados Uni-

dos da Europa.

Em 1925, Édouard Hérriot, chefe do Governo francês, num discurso proferido perante o Parlamento, defendeu o projecto dizendo «A Europa é quase um pequeno cantão do Mundo. Que deixe cair o seu velho orgulho. O meu maior desejo é ver aparecer um

dia os

Estados Unidos na Europa».

Estas palavras não tiveram então eco. Cinco anos depois vieram a ser retomadas por Aristides Briand que de novo lançou a ideia, desta vez num discurso

proferido perante a Assembleia da S. D. N., mas também sem qualquer resultado prático. Só depois da 2_a Guerra

Mundial o apelo foi ouvido e o projecto começou a ter um começo de realização também como meio de com- bater a decadência da Europa que desta vez parecia

(14)

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÕRICAS

109

9. Efectivamente, quando a nova guerra terminou, o processo iniciado em 1914 parecia ter chegado ao seu

termo. Os E. U. A. e a Rússia emergiram definitivamente como grandes potências. Tão grandes que até se inventou um termo novo para as designar. Não são apenas gran-

des potências. São superpotências e separadas por uma rivalidade que dividiu o mundo em dois grandes blocos, conforme a influência a que os Estados se subordinam

é de

uma ou de outra. Entre ambas, a Europa saía do concito enfraquecida, com a sua economia destroçada, inerme perante a força expansiva que vinha de Leste e

que conseguira integrar sob o seu domino os Estados circunvizinhos e parte da Alemanha.

Perante a situação, de novo alguns políticos euro- peus lançaram a ideia dos Estados Unidos da Europa.

A primeira voz que se fez ouvir foi a

de Churchill

que, num discurso pronunciado em 19 de Setembro de 1946, na Universidade de Zurique, e apontando o caminho que entendia ser o da salvação, proclamou, depois de descrever a riqueza e o poderio que da união entre os Estados europeus resultaria para o Velho Con-

tinente: ‹‹O primeiro passo a dar (para concretizar este

projecto) é a constituição de um Conselho Europeu. Se, a principio, todos os Estados europeus não querem ou não podem .aderir à União Europeia, poder-se-á, pelo menos, unir aqueles que sejam capazes da união e. a desejarem.

.

.

Para levar a bom termo esta tarefa urgente, a França a Alemanha deverão reconciliar-se. A Grã-Bretanha, família dos povos britânicos, a poderosa América e, espero-o sinceramente, a U. R. S. S. deverão consti-

tuir-se em amigos e protectores da nova Europa››.

Este voto, algo ingénuo, não se concretizou, mas desta vez a ideia da união europeia teve receptividade e a sua concretização foi precisamente facilitada pelo

clima criado pela ameaça da expansão soviética.

Esta levou à criação,

em 1949, da' Organização do

Tratado do Atlântico Norte, mas o sistema defensivo

estabeleddo nos seus quadros só era viável se a econo- mia europeia, destruída pela guerra, fosse reconstituída.

.

As bases que permitiram lançar as acções necessá- rias para esse efeito situam-se em 1947, como Plano

Marshall, anunciado depois

de o Secretário de Estado

e a

(15)

de Truman que lhe deu o nome regressar de uma .viagem

à Europa, impressionado pela deplorável situação mate- rial que aí encontrara e profundamente preocupado com os propósitos expansionistas da U. R. S. S.

Com o plano, esperavam os E. U.. Az contribuir

para

a salvação dos países cuja economia a guerra destruir, dando-lhes um objectivo comum: A sua reconstrução. Os meios financeiros para esse efeito oferecidos foram postos, com

equidade, à disposição da

Europa Ocidental e da Europa de Leste, mas, só os Estados do

Ocidente os aceitaram. .

Molotov, falando em nome da Rússia, recusou-os total e brutalmente. Os Estados satélites foram forçados

a igual atitude.

.

Esta recusa constituiu factor determinante

do aban-

dono de qualquer projecto de colaboração com a U.R.S.S. Mas a oferta do plano Marshall teve outro efeito. Forçou os Estados que o tinham aceitado a encarar o

problema

do Continente segundo uma óptica que ultrapassava a definida apenas pelos seus interesses nacionais. Assim,

em 16 de Maio de 1948, foi

criada a Organização Euro-

peia de Cooperação Económica, para organizar, em regime de colaboração, a aplicação do auxílio concedido pelos

E. U. A.

.

Em 5 de Maio do

ano seguinte começou a funcio- nar o Conselho da Europa.

Estavam lançadas

as bases para dar realidade à

ideia de unidade europeia.

9.

. O primeiro passo para a sua concretização teve lugar no sector da actividade económica, com . a

criação da Comunidade Europeia do

Carvão e do Aço.

Da iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros da

França, Robert Schumann, o tratado que a instituiu foi

assinado em 18 de Abril de 1951, tendo entrado em vigor em 25 de .Junho do ano seguinte.

A escolha daqueles dois produtos para constituir objecto do regime instituído resultou de, na época, eles serem, ainda, as matérias primas mais importantes para a indústria de armamentos, e simultaneamente, para

a obra de reconstrução que se impunha levar a cabo.

A sujeição da sua produção e comercialização a um

(16)

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

111

uns político-militares, proposto que

teve expressão

I

regime internacional que os subtraísse ao poder exdu- sivo dos Estados constitua, por isso, um passo impor-

tante para o estabelecimento de uma

paz

estável.

Na prossecução da ideia de

unidade europeia

pro-

curou-se, também, criar uma organização supra-nacional

com '

HO tratado da Comunidade Europeia de Defesa assinado

em

27 de Maio de 1952.

O estado de tensão entre a União Soviética e os Estados do Ocidente europeu que levara à elaboração do Tratado do Atlântico Norte, fez surgir o problema

do rearmamento da República Federal Ale

rã, elemento

indispensável do sistema. de defesa do Ocidente.

Na reunião de 1950 do Conselho do Atlântico

Norte, embora com oposição da França e da Inglaterra, foi

admitido que a

ta que se formasse um novo exército alemão, a França

propôs, em 24 de Outubro

do mesmo ano, por inter-

médio do Ministro dos Negócios Estrangeiros Pleven,

a constituição

de

um exército europeu, com comando

internacional e de que fariam parte contingentes alemães. Foi assim que surgiu o projecto da Comunidade Euro- peia de Defesa que não passou ao campo das realidades práticas porque a

França,

de onde partira a

iniciativa,

recusou ratificar o Tratado de

1952.

Alemanha rearmasse. Porém, para evi-

E a ideia de unidade

europeia, voltou de novo a incidir apenas no sector económico...

10. O

tratado que criou a Comunidade Económica

Europeia, foi assinado em Roma, a 25 de Março de 1957,

simultaneamente com o que instituiu a

Comunidade

Europeia de Energia Atómica. Ambos entraram em

vigor em 1 de Janeiro

de 1958.

Completou-se, assim, no campo da cooperação económica, em geral, e num sector essencial da pro- dução de energia, a obra iniciada com a instituição da

C. E. C. A.

.

Para este . resultado contribuíram internacionais muito importantes.

Continuava a guerra fria entre os E. U. A. e a

U.

R. S. S., as

duas superpotências de cujo

equilíbrio

no acontecimentos

(17)

Mundo.Neste confronto, a Europa Ocidental, sem força suficiente para, sozinha, resistir ao expansionismo sovié- tico, ocupava um lugar de segundo plano, dependente como estava do auxilio americano, no campo económico como no militar. O sentimento de Etaqueza daqui resul- tante influiu em muito para fazer aceitar a ideia de união

-

da Europa. Mas não foi fácil dar-lhe execução em vir- tude da oposição de alguns Estados que, por um motivo ou outro, faziam prevalecer os seus interesses nacionais sobre os interesses conjuntos da Europa do Oddente.

A

decisão

de

constituir a C. E. E., vencendo as hesi- tações de uns e a oposição de outros, deveu-se, ainda, a um acontecimento internacional que, mais uma vez, pôs em relevo a fraqueza da Europa.

Em 1956, Nasser, por decisão unilateral, nacionali-

zou o Canal de Suez. v A França e a Inglaterra, com o apoio de Israel,

reagiram, desencadeando uma acção militar contra o

Egipto que, apesar de vitoriosa, não foi levada até ao

em

por oposição dos E.1U. A. e da U. R. S. S.

Este acontecimento fez sentir aos europeus como os seus interesses contavam pouco quando colidiam com os das superpotências e abriu-lhes os olhos para a necessi- dade de se unirem para eficazmente se protegerem.

As negociações visando à constituição da C. E. E.

que se arrastavam com lentidão foram rapidamente

concluídas. A Comunidade começava a funcionar no.

princípio de 1958.

Seria o renascer de uma organização que desse à Europa do Ocidente, de novo, o lugar que ela ocupara

no Mundo como centro irradiador de culturas de influên- cia política? Surgiria com ela uma nova força factor, de equilíbrio entre as duas superpotências, que evitasse a

bipolarização de influências, geradora de tensões sus- ceptíveis de desencadear um concito mundial?

11. Exigiria tempo de que já não dispomos e excederia os limites que definimos para o presente trabalho,~analisar em toda a sua extensão como se estru- turou a nova organização e como tem decorrido a sua vida, para colher, com rigor, os elementos necessários

(18)

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

113

Mas podemos indicar as tendências que nela se desenham e que apontam para uma resposta negativa. Nascida como meio de restituir a Europa do Oci- dente ao papel que desempenhava no Mundo, a Comu- nidade não conseguiu até hoje implementar-se para além. do sector económico, e mesmo neste sem realizar inte- gralmente os uns visados pelo Tratado de Roma. Se a

União Aduaneira que deu lugar à formação do Mercado

Comum se instituiu, a unidade económica completa conseguida quando a Comunidade se transformar numa verdadeira União Económica e Monetária, não passa de mera aspiração que não se vislumbra quando possa' constituir-se,. dados os factores de divisão eêdstentes entre os Estados membros que geraram a grave crise que

a Comunidade atravessa. .

Se tivermos presentes os antecedentes imediatos do tratado de Roma, em que a integração económica foi prevista como motor de arranque para a constituição dos

Estados Unidos da Europa, teremos de concluir que

estes estão também prejudicados e que, portanto, a. C. E. E. só muito imperfeitamente corporiza a ideia de unidade europeia.

Não, a unidade factor de engrandecimento, meio de restituir a Europa ao papel que desempenhou no Mundo n o

tanto no seu caminho, receosa face as duas superpotên- cias, proclamando uma concepção de vida que pretende ser um elo entre o presente e as suas tradições culturais e históricas, mas praticando outra em que os valores mo- rais são postergadas e

em que a facilidade de vida,

o amor ao conforto material, a transigência com a degra- dação dos costumes são os aspectos mais relevantes..

No duelo entre os dois grandes, a Europa usa as

grandes frases para proclamar a sua fidelidade aos

principios, a decisão de defender a sua liberdade, mas todos os dias pratica actos que são outros tantos passos

no caminho que poderá conduzir à sua aniquilação.. E não há, infelizmente, razões para prever uma reacção

saudável, uma afirmação vigorosa de vontade de defesa

que reafirme e preserve os valores que fizeram a gran- deza da Europa, da Europa criadora de civilização,

mãe

de povos, fonte de progresso, guia da humanidade I

Pelo

contrário, insidiosarnente, face aos dois Grandes

8

(19)

e aos seus diferendos começa a defender-se que solu- ção está num lavar de

mãos à Pilatos,

num neutralismo

E

Os polacos que que

sabe-se

deixará o Continente ã mercê do mais forte. bem quem

é hoje

o mais forte.

o digam!

12. E

Portugal? Perante a Europa O

que foi,

o

que é, qual deverá ser a posição de Portugal?

Recentemente em certos sectores de pensamento»

bem definidos pela sua ideologia,

confundiu-se

(e

não

inocentemente.) a perspectiva do passado com

a do pre-

sente e do futuro. Confundiu-se história, com crónica

dos tempos que se vivem e com futurologia e daí dizer-se que Portugal nunca devia ter deixado a Europa. Que foi um erro a largada

para

O

Atlântico

e uma

fonte de infe-

licidade e

decadência nacional a gesta da expansão ultra- marina. O clamor não é novo, pois

o encontramos eM

algumas páginas de Oliveira Martins, mas surgiu com nova força e novos intuitos. Mas contrapor o Ultramar à Europa como dois rumos diferentes

da

política externa portuguesa e considerar o primeiro como um erro carece

de

sentido pois o problema

não pode

ser posto em termos de oposição, mas antes num quadro em que ambos os objectivos surjam articulados, um completando O outro.

Portugal é um país europeu, a sua cultura integra-se na cultura europeia

em cuja definição

participou, mas foi, também, veículo da expansão dessa cultura para além dos limites geográficos em que se formou. Foi o

país que mais amplamente difundiu o espírito da velha

Europa a um nível que nem a Espanha com a grandeza

da

sua Hispanidad jamais

alcançou. O historiador inglês

Arnold Toynbee

distingue

no quadro geral da história

universal uma fase ante-gâmica e outra post-gamica.

E, na

verdade, a ligação dNecta entre a Europa e O Oriente que a viagem de Vasco da Gama assegurou abriu novos caminhos

a

expansão europeia, não apenas

por implicar»

uma verdadeira revolução económica, .mas também por~

que definiu,

política e culturalmente, a primeira hege- monia mundial de um povo nos tempos modernos.

Como escreves Jaime Cortesão, com o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e com

a fundação

do Império do

Oriente, os Portugueses estancaram a

(20)

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

115

fonte principal do poderio muçulmano e quebrantaram

para sempre o prestígio dos Turcos, ameaça angustiosa

da

Cristandade, e cumprindo a. sua missão histórica, ao mesmo tempo que cerravam as portas da Europa ao Islamismo, abriram O . planeta à expansão europeia.

Mas, para o conseguir, Portugal teve que alhear-se das querelas políticas europeias.

Apertado entre Castela, ameaça permanente da sua independência, 6 o Atlântico buscou neste o seu campo de expansão onde foi procurar as fontes de grandeza e de poderio que equilibrassem a força .do inquietante

vizinho.

.

Este isolamento relativamente à politica externa dos Estados europeus só foi quebrado, depois do séc. XVII,

quando a separação, em 1640, da Coroa Portuguesa e

Espanhola unidas, pelos acasos da sucessão ao trono, em 1580, em Filipe II, obrigou a procurar apoio (para consolidar a independência reconquistada e conservar o Ultramar) naqueles Estados.

.

A partir daí não pudemos manter a orientação tra- dicional da nossa política externa e vime-nos envolvidos

na Guerra dos Sete Anos, na 'Guerra da- Sucessão de Espanha, na querela entre Napoleão e a Grã-Bretanha.

Sempre em todos os casos com largo sacrifício de vidas. e fazendas e nem sempre com proveito para os 'interesses nacionais.

Por isso, logo que vencidas as crises se reconquis- tava a autonomia na direcção da política de protecção dos nossos interesses na comunidade dos Estados, se regressava ao rumo tradicional.

Mas esta orientação não fazia esquecer que, estando a cabeça de Portugal na Europa, aqui se tinha de jogar

para

defender os nossos interesses. E, por isso, Portugal esteve sempre presente, quando os nossos interesses o exigiam, nos principais acontecimentos da política inter-'

nacional europeia. . . .

.

Este trabalho já está excessivamente longo e, por isso, não posso desenvolver em todos os seus aspectos, este tema. Relembrarei apenas alguns pontos mais recen- tes que ilustram a asserção.

Na verdade, membro fundador

da O. T. A. N.

'Por-. rural foi também dos primeiros signatários do tratado

(21)

Quando,

em 1950, no

quadro desta organização, foi criada a União Europeia

de

Pagamentos, dela fizemos parte, como

também do Acordo

Monetário Europeu que a substituiu. Do mesmo modo, quando a O.E.C.E.

se transformou

na O. C. D.

E. o nosso país figurou entre os membros fundadores. Igualmente pertencemos ao grupo dos Estados que, em 1960, criaram a Associação Europeia de Comércio Livre (E.

F. T. A.).

Perante

a C. E. E.

a nossa atitude foi, a princípio,

de

expectativa. Mas,

em 1962,

efectuamos as primeiras diligências para a abertura de negociações para definir

um sistema de colaboração com a nova organização.

.

As circunstâncias internas

da

C.

E. E. só

permiti- ram que as negociações se iniciassem em 1971 e termi-

naram em 22 de 'Julho

de 1972

com a assinatura, em Bru- xelas, de dois acordos comerciais

com a C. E. E.

e a

C. E. C. A.) que,

completados por outros assinados em

1976 e 1979,

se encontram ainda em vigor.

Portugal, portanto, embora voltado para o Ultra-

mar, não esteve isolado, (nem nos tempos mais próxi-

mos), no contexto da sociedade europeia (como por vezes levianamente se afirma) e as negociaçoes em curso

para a adesão à C. E. E. não

são uma inovação pois se integram num longo processo histórico de. que apontei algumas fases.

13. Como se concluirá este processo, como se'

definírá o seu termo final? . Portugal, como alguns querem, será, agora, por força das circunstâncias, só mero elemento

da

Europa P

Admitindo que as negociações em curso conduzam

`

na C. E. E.,

como membro de

pleno direito, vem-me ao espirita a

velha história da

panela de barro

e da panela de ferro...

Portugal com a sua economia com as características

que a definem é a panela de barro. A abertura à livre

concorrência desta economia com as dos outros mem-- bros da Organização

poderá, terá

(sou tentado a dizê-lo)

os efeitos que a história aponta, se não forem ressalva-

dos regimes de protecção que, embora temporários, nos permitem preparar-nos para suportar o embate. Certa-

(22)

. f

A IDEIA DA EUROPA. RAÍZES HISTÓRICAS

117

mente isso estará presente no espírito dos que têm a

responsabihdade de negociar com a C. E. E.

Queira Deus que o consigam !

O

aliadas

14. Mas outras considerações me sugere este tema da adesão

à C. E. E.

Portugal vive um momento de crise.Crise de valo- res, crise de vontade, crise de fé no futuro. Para a vencer é necessário que o Povo português robusteça o seu querer, que se decida a aceitar sacrifícios e dificuldades da vida para voltar a ser 0 que foi: Uma Nação orgulhosa de sua história, forte na sua vontade colectiva, constante

no seu futuro.

Oferecer-lhe apenas como grande objectivo nacional

a integração na C. E. E. é muito pouco.

Para concitar energias, para despertar a vontade de lutar por um futuro melhor é preciso muito mais e,

para esse efeito, o Ultramar, de que estamos ausentes fisicamente, mas onde continuamos presentes pela

His-

tória, pelo Espírito, pela Cultura, pela Língua, pode

ser galvanizado: de energias que nos faça saí da apagada e vil tristeza em que vivemos.

Mas como P

O passado nunca volta. Cada momento que se viveu não pode ser revivido e isto é válido para a vida dos indivíduos como para a vida dos povos. Por isso se

diz que a História não se repete! Por isso, o que se pas- sou no Ultramar se é de lastimar, e muito principalmente pelos termos em que se processou, é irreversível.

Mas na vida dos povos como também na vida dos indivíduos, o passado é fonte de inspiração para o futuro.

Nele

mergulham as raies que asseguram a con- tinuidade das Nações. Nele encontramos justificação e inspiração para continuarmos presentes no Ultramar, adaptando-nos ao novo condicionalismo, ajudando os Estados que nele surgiram a vencer o sub-desenvolvi-

mento que não se cura com teorias, nem com proclama- ções retóricas pois exige acção sensata, Persistente, con-

tinuada e arme. Para auxiliar OS novos Estados a desen-

volvê-la temos especial qualificação, pela experiência, Por se encontrarem em Portugal as raízes culturais que, às africanas, poderão, como sucedeu no Brasil,

(23)

consolidar

as frágeis estruturas. sociológicas e económi- cas das novas unidades políticas.

.

.

Mas, para isso, é necessário que se esqueçam °re5scn- timentos, que se eliminem traumatismos e complexos

(que aliás só

afectam certos sedares das

classes políticas)

para

se organizar um plano de acção baseado no entendi- mento fraterno, que se não enrede em ideologias, que só se

separa e que (triste e ter de o dizer) supere interesses

individuais e

partidários pouco legítimos.

O Povo português é capaz de entender e

de

aceitar

um plano de

acção que se inspire nestes

princípios.

Oxalá haja quem o saiba e possa delinear e pôr em

prática. '

inspire no que nos une, que esqueça o que nos

.

um

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