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Análise da Descrição Bibliográfica do Inventário da Primeira Biblioteca Pública de São Paulo Analysis of Bibliographic Description of Inventory of the First Public Library of São Paulo

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015.

Análise da Descrição Bibliográfica do Inventário da

Primeira Biblioteca Pública de São Paulo

Analysis of Bibliographic Description of Inventory

of the First Public Library of São Paulo

Leonardo Gonçalves Silva1 José Fernando Modesto da Silva2

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as características da descrição bibliográfica do inventário da primeira biblioteca pública de São Paulo.

MÉTODO: Análise do inventário. Revisão bibliográfica sobre a história e o desenvolvimento da catalogação e dos catálogos, e sobre o contexto histórico e social da biblioteca pública paulista.

RESULTADOS: A análise do inventário da biblioteca pública mostrou que a sua descrição é bastante incompleta, faltando elementos básicos para a correta identificação das obras. Além disso, a descrição possui características peculiares, como o fato de apresentar os títulos sempre traduzidos.

CONCLUSÕES: Provavelmente o inventário não foi elaborado com base em regras de descrição bibliográfica já existentes. O seu objetivo era apenas listar o que havia no acervo, sem qualquer intenção de servir para a recuperação da informação.

Palavras-chave: Bibliotecas Públicas (São Paulo). Catálogos bibliográficos. Inventários. Representação Descritiva.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the characteristics of the bibliographic description of the inventory of the first public library of São Paulo.

1 Curso de Biblioteconomia, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015.

METHOD: Analysis of inventory. Literature review about the history and development of cataloging and catalogs, and about the historical and social context of the public library.

RESULTS: The analysis of the inventory of the public library showed that your description is very incomplete, lacking basic elements for correct identification of the works. Furthermore, the description has peculiar characteristics, such as the fact of presenting the titles always translated.

CONCLUSIONS: Probably the inventory has not been prepared based on existing rules of bibliographic description. His goal was to just list what was in the library collection, without any intention of serving for information retrieval.

Keywords: Public libraries (São Paulo). Bibliographic catalogs. Inventories. Descriptive Cataloging.

1 INTRODUÇÃO

Com uma rápida busca em bases de dados, catálogos de bibliotecas ou mesmo buscadores da internet é fácil perceber quão poucos são os trabalhos que abordam a história dos catálogos e da catalogação, em contraposição à grande quantidade de material já produzido sobre a história das bibliotecas e dos livros.

No contexto brasileiro não é diferente: se bastante já se sabe sobre a história das bibliotecas no país, ainda muito precisa ser conhecido sobre as diversas listagens (catálogos ou inventários) produzidas nestes acervos.

Algumas listagens do Período Colonial (1500-1822) ou das primeiras décadas do Brasil Império, feitas principalmente com o objetivo de inventariar acervos, podem ser encontradas como anexos de testamentos ou cartas; outras estão guardadas em diversos arquivos, muitas delas, até o momento, esperando serem descobertas e consequentemente estudadas.

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2 Panorama histórico da catalogação: dos primórdios ao século XIX

Os catálogos surgiram praticamente junto com as bibliotecas. São conhecidos indícios de catálogos em algumas bibliotecas da Antiguidade, como na Biblioteca de Assurbanipal (ou biblioteca de Nínive), da qual foram encontrados cerca de 30 fragmentos de tábuas de argila (MEY; SILVEIRA, 2009, p. 60) e cujo catálogo (também em tábuas de argila) constava do título da obra, de uma breve descrição e de sua localização na biblioteca (GARRIDO ARRILA, 1996, p. 62). Contudo, não se pode falar que no período histórico da Antiguidade havia catalogação, pelo menos não como ela é entendida atualmente. Os catálogos da Idade Antiga, e também os da Idade Média, estão mais próximos de listas ou inventários do que dos catálogos de biblioteca atuais.

Na Idade Média se inicia um período de relevante desenvolvimento para a Biblioteconomia, pois foi no tempo medieval que surgiram as grandes bibliotecas monásticas, elas conservaram diversos tesouros da cultura greco-latina e que chegaram até os dias atuais pelo trabalho dos monges copistas. Esta situação perdurou até a invenção da imprensa por Gutenberg (século XV), que proporcionou um grande aumento na circulação e comércio de livros. Ainda colaborou para a difusão do livro o surgimento das grandes universidades europeias, que contavam com importantes bibliotecas.

Para a área da Catalogação, a Idade Média também significou um período de avanços: os primeiros catálogos impressos são contemporâneos à invenção da imprensa (GARRIDO ARRILA, 1996, p65). No século XIV se desenvolveu a ideia da utilização de símbolos para localização dos livros nas estantes (FIUZA, 1987, p. 44). No século XVI surgem as primeiras iniciativas rumo a uma padronização das regras de descrição bibliográfica nos trabalhos de “Conrad Gesner (1548), Florianus Trefleurs (1560), Andrew Maunsell (1595) e John Durie (1650)” (FERRAZ, 1991, p. 93-94).

No final do século XVII a biblioteca da Universidade de Oxford, conhecida como Biblioteca Bodleiana, publicou o primeiro catálogo dicionário da História, sendo este uma lista alfabética de autores, títulos e assuntos, e que incluía ainda algumas regras de catalogação rudimentares (GARRIDO ARRILA, 1996, p. 66-67).

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1789 a lei que determinava o confisco dos bens da Igreja Católica. Com isso, milhares de volumes pertencentes às bibliotecas eclesiásticas de mosteiros e catedrais passaram para o Estado. Posteriormente, outras leis levaram ao confisco de bibliotecas de nobres e sociedades eruditas. Isso ocasionou um novo problema, pois a grande quantidade de materiais que passou para as mãos do Estado necessitava ser inventariado.

Para servir de instrumento nesse processo, Jean-Baptiste Massieu redigiu a obra Instruction pour proceder à la confection du catalogue de chacune des Bibliothèques sur lesquelles de Directoires onte dû ou doivent incessamment apposer les scellés, publicada em Paris no ano de 1791, e considerada o primeiro código nacional de catalogação, visto que as suas determinações deveriam ser aplicadas em todo o território francês. Dentre as instruções que o código francês recomendava, destacam-se: o registro de um único ponto de acesso; a obrigatoriedade da descrição do título, responsabilidade, lugar de publicação, editor, data de publicação e dados físicos; quando não houvesse autor, deveria ser destacada a palavra mais importante do título; e o uso da página de rosto como fonte da descrição. Vê-se que, por prever descrição tão completa e minuciosa, o código já previa boa parte dos elementos utilizados na Representação Descritiva atual, com exceção da edição. O código ainda previa o uso, pela primeira vez na história, do catálogo em fichas (GARRIDO ARRILA, 1996, p. 67-69).

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Vaticano (1931). Estes e outros foram participantes na consolidação da catalogação moderna durante as primeiras décadas do século XX, e as suas histórias têm ligação direta com a catalogação desenvolvida atualmente.

3 Catálogos e inventários: aproximações e diferenças

A observação de muitas listagens de acervos, nacionais ou estrangeiras, produzidas anteriormente ao século XX, leva ao questionamento de sua verdadeira finalidade: foram elaboradas com o objetivo de serem inventários ou tinham uma função de catálogo? Antigamente, inventários e catálogos poderiam ser considerados a mesma coisa?

A literatura sobre história da catalogação mostra que na Antiguidade, e em grande parte da Idade Média, não é clara a diferença entre catálogos e inventários (GARRIDO ARILLA, 1996, p. 62).

No século VIII aparece uma das primeiras listas de livros de uma biblioteca medieval, “contendo apenas título e, por vezes, nome do autor, mas sem ordem visível (talvez ordem das obras nas estantes)” (MEY; SILVEIRA, 2009, p. 63-64). Provavelmente, o primeiro catálogo que pode ser considerado como tal foi o do convento Saint Martin, localizado em Dover, Inglaterra, datado de 1389 (MEY; SILVEIRA, 2009, p. 65).

Entre os séculos XIV e XVII as bibliotecas continuaram produzindo inventários de seus acervos, ou conforme termo apresentado por Garrido Arilla, catálogos-inventários: neste período, “desde el punto de vista catalográfico, sigue perdurando el concepto de catálogo-inventario, en el que cada obra, sólo tiene una referencia. Continúa el vacío en cuestión de normas catalográficas” (GARRIDO ARILLA, 1996, p. 65).

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catálogo como mero produto da catalogação; na realidade, ele deve ser visto como um meio de comunicação entre o acervo e os usuários. Também, além de apresentar a descrição do material, o catálogo deve indicar a sua localização no acervo, algo que os inventários em geral não indicam, embora isto não diminua a sua importância.

4 Primórdios dos catálogos no Brasil

Da mesma forma que bibliotecas e tipografias, os catálogos também demoraram a se consolidar em território nacional. Na literatura sobre a história do livro e das bibliotecas no país pouco se fala sobre eles, e quando são citados, raramente surgem referências sobre catálogos elaborados antes da segunda metade do século XIX. Exceção seja feita às bibliotecas da Companhia de Jesus, certamente as principais do Período Colonial. Silva afirma que estas bibliotecas contavam com inventários/catálogos:

São conhecidos, até o presente, os catálogos de duas livrarias: a do colégio de Vigia, no Pará, e a do Rio de Janeiro. Ambos foram feitos durante o inventário dos bens da Companhia após a expulsão da ordem. Leite acredita que todas foram inventariadas no momento do sequestro, mas, ou perderam-se todos os inventários, ou ignora-perderam-se ainda o perderam-seu paradeiro (SILVA, 2008, p. 231).

É possível que as bibliotecas dos conventos e residências de outras ordens religiosas também contassem com inventários, mesmo que rudimentares, de seus acervos, embora não haja menções na literatura consultada. Pesquisas a este respeito ainda precisam ser feitas nos arquivos das ordens religiosas, principalmente dos franciscanos e carmelitas. Afinal, há menos estudos sobre suas bibliotecas do que sobre as jesuíticas e beneditinas, das quais se sabem mais detalhes, inclusive de seus inventários e catálogos.

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os catálogos de muitas bibliotecas monásticas revelaram certa uniformidade no agrupamento dos códices: as Sagradas Escrituras encabeçavam a lista, seguidas das obras dos Doutores da Igreja, pela ordem alfabética do autor; depois, vinha a coleção de miscelânea da literatura sagrada e, por último, era registrada a literatura profana, inclusive de autores pagãos, separados por assuntos bem definidos (ARAÚJO, 2008, p. 119).

Essa atenção com as bibliotecas, e consequentemente com os catálogos, era fundamentada pelos textos que guiavam a vida monástica, desde a Regra de São Bento, até outros documentos que serviam de base para a organização dos mosteiros, como as Constituições.

As Constituições de 1629 citavam alguns cuidados que deveriam ser tomados com a biblioteca monástica, e entre outras coisas, recomendavam a elaboração de um inventário ou catálogo do acervo. Araújo (2008, p. 178-180) encontrou a aplicação desta recomendação em pelo menos um mosteiro do Brasil, o do Rio de Janeiro, que ainda conserva em seu arquivo o Indice de Cognomes e nomes de todos os authores da livraria, um inventário manuscrito do século XVIII, que apresenta índices de autores e assuntos das obras, inclusive com sua localização na estante. Um documento certamente único e que deveria ser estudado com mais atenção, o que ajudaria na reconstrução da memória histórica da catalogação no Brasil. Com relação ao Mosteiro de São Bento de São Paulo, cuja Biblioteca-Livraria (séculos XVI-XVIII) foi o objeto de estudo do trabalho de Araújo, o autor destacou que não encontrou nenhum índice ou outro documento mais detalhado sobre sua antiga biblioteca (ARAÚJO, 2008, p. 192).

Nas bibliotecas particulares, inventários de seus acervos eram feitos principalmente na elaboração de testamentos. Há exceções como o caso do cônego Luís Vieira da Silva, cujo acervo foi inventariado por ocasião de seu processo por participação na Inconfidência Mineira (FRIEIRO, 1957, p. 75-82).

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produzido no mesmo ano do manuscrito, 1818 (MORAES, 2006, p. 158). Ambos estão conservados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e não se conhecem outros exemplares destes catálogos.

Moraes (2008, p. 159) manifestou discordância com relação à data dos catálogos, não concordando que ambos sejam do mesmo ano, pois o manuscrito lista 1233 obras, enquanto o impresso apenas 737. Para o autor, o catálogo impresso foi publicado antes do manuscrito, que inclusive está mais bem feito. Mesmo que restem dúvidas sobre a data correta de impressão do catálogo impresso, é certo que “foi o primeiro catálogo de biblioteca que se imprimiu no Brasil” (PASSOS, 1952, p. 34).

Na Biblioteca Nacional, uma das principais referências brasileiras em assuntos biblioteconômicos, os primeiros catálogos só começaram a aparecer na segunda metade do século XIX. Segundo Grings (2011, p. 2-3), até 1873, o setor dos livros só havia tido um inventário incompleto. Em 1876, foi publicada uma listagem dos mapas existentes na seção de manuscritos, embora ainda não fosse um catálogo como os atuais; neste mesmo ano, a biblioteca já possuía um catálogo de fichas, porém não se sabe ao certo quando passou a ser utilizado.

5 A primeira biblioteca pública de São Paulo

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Conforme demonstrado pela carta de Lucas Antônio Monteiro de Barros, a biblioteca foi formada a partir de duas bibliotecas particulares: a do bispo Dom Mateus de Abreu Pereira e a do convento dos frades franciscanos.

Dom Mateus de Abreu Pereira (1742-1824), nascido em Portugal, foi o quinto bispo da Diocese de São Paulo, local onde permaneceu por quase 30 anos (de 1795 a 1824). Era um homem culto e possuía uma biblioteca bastante volumosa para os padrões da época, totalizando 1059 volumes (ELLIS, 1957, p. 394). Seu acervo contava com livros de diversos autores do Iluminismo francês, como Condillac, Montesquieu e Voltaire (autores inclusive listados no Index Librorum Prohibitorum), além de autores clássicos greco-latinos como Catulo, Fedro, Horácio e Cícero (DEAECTO, 2011, p. 80-81).

Tendo o bispo falecido em maio de 1824, o seu acervo foi arrematado pelo poder público para ser integrado ao do convento dos franciscanos, e assim formar a biblioteca pública. Os franciscanos chegaram ao Brasil, juntamente com os primeiros portugueses, em 1500. Contudo, a fixação deles em São Paulo ocorreu somente a partir de 1640, e seu convento no atual Largo de São Francisco foi inaugurado em 1647 (WERNET, 2005, p. 180). Juntamente com os beneditinos e carmelitas, formavam as ordens religiosas mais atuantes na São Paulo colonial, inclusive os conventos eram fisicamente próximos (no centro da cidade). Como é comum nos conventos e mosteiros, os franciscanos contavam com uma biblioteca para a formação da comunidade religiosa. Uma das principais fontes de formação da biblioteca foi a doação do acervo particular de Dom Luís Rodrigues Vilares (1745-1810), bispo de Funchal (Portugal). Era composta por 3196 volumes, e ao contrário da biblioteca de Dom Mateus, era formada principalmente por obras religiosas.

Assim, a primeira biblioteca pública da cidade iniciou seu funcionamento no próprio convento dos franciscanos. Ressalta-se que bem antes da iniciativa do presidente da província, a biblioteca dos franciscanos já era aberta ao público em geral, desde 1821, e a pedido do próprio governo, a biblioteca funcionava das 8hs às 11hs e inclusive realizava empréstimos (DEAECTO, 2011, p. 54-55, 59).

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em 1825, quando foi convidado pelo presidente da província a assumir o cargo de bibliotecário na recém-inaugurada biblioteca pública (BEFFA; NAPOLEONE, 2003, p. 178). Posteriormente, formou-se na primeira turma do curso jurídico e foi apontado como bispo de Cuiabá.

A biblioteca contava com um acervo inicial de 4221 livros (ELLIS, 1957, p. 394), e uma das primeiras preocupações do padre bibliotecário foi realizar um inventário das obras: não por causa da grande quantidade delas ou para facilitar seu trabalho, mas sim para que ele pudesse se defender de algumas acusações que vinha sofrendo.

Contemporaneamente à redação do inventário ele começou a ter a sua administração questionada, por conta de muitos livros que iam emprestados e não voltavam. Em carta ao Vice-Presidente da Província o padre lembra que o sumiço dos livros foi antes do estabelecimento da biblioteca pública e antes dele assumir o cargo (ELLIS, 1957, p. 404-405). O inventário foi elaborado em 1826, um ano após a inauguração da biblioteca, e cópia dele foi enviada ao Presidente da Província (BEFFA; NAPOLEONE, 2003, p. 178).

Mesmo sendo um marco no ambiente cultural da cidade, a biblioteca pública não durou muito tempo. Em 1827 os franciscanos foram comunicados que mais uma parte do convento passaria para domínio público, desta vez para a criação da Academia de Direito – atual Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – incorporando também o acervo da biblioteca (DEAECTO, 2011, p. 50).

6 O inventário da biblioteca pública

O inventário original feito em 1826 pelo padre José Antônio dos Reis era conservado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, e foi publicado em 1957 num artigo da Revista de História pela professora Myriam Ellis. Ellis ressalta que se tratava de “um inventário e não propriamente um catálogo” (ELLIS, 1957, p. 394). No mesmo sentido, Beffa e Napoleone atestam que “o inventário não é propriamente um catálogo, pois não possui ordem alfabética, seja por título seja por autor” (BEFFA; NAPOLEONE, 2003, p. 179).

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015. 2. Liturgia;

3. Teologia Natural, Dogmática e Moral; 4. Direito Canônico;

5. Direito Natural e Civil; 6. Teologia Mística; 7. Sermonários;

8. Filosofia, Matemática, História Natural e Física; 9. Retórica e Poética;

10.Geografia;

11.Dicionários e Artes das Linguagens; 12.História Universal e Particular; 13.Miscelânea.

Figura 1 – Reprodução de uma página do inventário

Fonte: Ellis (1957, p. 408).

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015.

De acordo com Deaecto (2011, p. 90), o inventário apresenta um total de 1512 títulos (407 do acervo do bispo e 1105 do acervo dos franciscanos), divididos em 4809 volumes (1613 do acervo do bispo e 3196 do acervo dos franciscanos). Nota-se uma divergência no número de volumes da biblioteca do bispo, que, conforme Ellis (1957, p. 394), apresentava 1059 volumes.

Além da lista das obras, o inventário apresenta no final uma “Relação dos livros, que se venderão pr. Portaria de 7 de Março do pres.te anno”. Trata-se de uma lista de obras duplicadas que estariam disponíveis para a venda, totalizando 37 títulos em 308 volumes (alguns poucos títulos não apresentam o número total de volumes). Há ainda nesta lista duas relações de preços, sendo a primeira dos valores que as obras seriam vendidas, e a segunda dos preços pagos pelo Estado na compra dos livros.

6.1 Padrões de descrição do inventário

Ao comentar a descrição utilizada no inventário, Moraes notou que:

Nem sempre uma obra está bem colocada no assunto escolhido, mas este engano não é grave; o que prejudica a análise do acervo é o fato do ingênuo bibliotecário ter traduzido para o português todos os títulos das obras estrangeiras. Esse fato, as inúmeras abreviaturas (mal de todos os tempos), o encurtamento arbitrário dos títulos e nomes dos autores (mal de catálogos antigos) tornam difícil, e às vezes impossível, a identificação de todas as obras. Mas, apesar dessas imperfeições, é possível fazer-se uma idéia bem aproximada do conteúdo dessa biblioteca formada em fins do século XVIII (MORAES, 2006, p. 18-19).

Só por estas características, não é possível saber se o padre-bibliotecário se utilizou de algum manual ou de regras que já existiam até então. Contudo, nota-se que ele apresenta certo padrão de descrição (neste trabalho optou-se pela expressão “padrões de descrição”, pois a expressão “padrões de catalogação” seria inadequada em razão do inventário não se tratar de um catálogo), mesmo que bem distante do predominante atualmente. Na tabela a seguir encontra-se um resumo das características da descrição do inventário:

Tabela 1 – Características da descrição utilizada no inventário

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015. Para as obras, descreve-se apenas cinco

informações: título, sobrenome do autor, formato da obra, número de volumes e número de volumes faltantes (quando ocorre).

As obras, independente do seu idioma, tiveram seus títulos traduzidos para o português.

No inventário: Analize dos evang.s pr. hu. Presbytero do Or. de Is. (ELLIS, 1957, p. 408).

Título original em francês: Explications sur les Evangiles de tous les Dimanches de l'année, et sur les principaux mystères... Composées par l'ordre de Monseigneur l'évêque et comte de Châlons-sur-Saône, par un prêtre de l'Oratoire.

No inventário: Comentario sobre a concord. dos 4 Evang.s e Apparato Chronologico, & pr. Lamy (ELLIS, 1957, p. 408). Título original em latim: Commentarius in harmoniam sive concordiam quatuor Evangelistarum. Tomo altero continetur ad huncce commentarium Apparatus chronologicus et geographicus; cum Praefatione in qua demostratur veritas Evangelii...

Os grandes títulos, comuns em obras do período, aparecem (praticamente) sempre abreviados, além de traduzidos.

No inventário: Biblia, de Marianna (ELLIS, 1957, p. 408). Título original completo: Biblia mariana: ex pluribus divinarum scripturarum commentariis excerpta, indicibus facrorum locorum, rerum notabilium, Moralitatum, & Sermonum tam de tempore, quàm de Sanctis locupletata per fr. Josephum de S. Miguel et Barco Burgensem, Ordinis Predicatorum.

Quando a obra é precedida por uma de título igual,

este é substituído por “Do.”, “Da”, “Do.s” e “Da.s” – abreviaturas respectivamente de “dito”, “dita”, “ditos” e “ditas” – que podem substituir ou o título inteiro, ou parte do título.

No inventário:

Theol. Dogm. e Moral, pr. Arsdekin

Da. Dogmatica pr. Scoto (ELLIS, 1957, p. 412).

(Da. está substituindo a palavra Theologia, citada anteriormente).

No inventário:

Sermões de Cambasseres D.os de Seguad

D.os novos etc.

D.os de Bossuet (ELLIS, 1957, p. 425).

(D.os está substituindo a palavra Sermões, citada anteriormente).

Quando o autor de uma obra é o mesmo da obra precedente, seu nome/sobrenome é substituído pela

palavra “mesmo” ou pela forma abreviada “m.mo”.

No inventário:

Obras posthumas, de Solorzano

Emblemas, do mesmo (ELLIS, 1957, p. 422).

No inventário:

Trat. da Heresia pr. Prospero Farinaceo Trat. da immuni.de da Igr.a p.lo m.mo

Decisões do Tribunal da Rotta, p.lo m.mo (ELLIS, 1957, p. 418).

Obs: em alguns poucos casos aparece “dito” substituindo o nome do autor. Exemplo:

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Erario Evang. e prompt. moral, p.lo dito (ELLIS, 1957, p. 425).

Em obras de autoria não identificada ou anônima, o nome do autor vem substituído por *** (asteriscos).

No inventário:

O novo secretario da Corte, pr. *** (ELLIS, 1957, p. 445). Cartas de hua mãi a seo filho, pr. *** (ELLIS, 1957, p. 442).

Obs: como o inventário publicado no artigo de 1957 é transcrição e não um fac-símile do original, não é possível ter certeza que o bibliotecário José Antônio dos Reis tenha utilizado exatamente estes símbolos ou algum outro semelhante.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Pela descrição apresentada pelo inventário pode-se inferir que seu único objetivo era listar o que havia no acervo. O fato de apresentar alguns elementos incompletos, como por exemplo, o título e o nome do autor, e não trazer informações que possibilitariam diferenciar a obra de outras semelhantes, como o ano e o editor, colaboram para a sustentação desta hipótese. Sem dúvida, a característica da descrição que mais prejudica a correta identificação da obra é a tradução dos títulos. As abreviaturas de títulos e autores também dificultam, no entanto, o maior desafio é saber em qual idioma a obra foi publicada.

Algumas obras receberam tradução quase literal para o português, como é o caso da “Explicação da Paixão, por Duguet”, cujo título original em francês é “Explication du mystere de la passion de Notre-Seigneur Jesus-Christ, suivant la Concorde. Jesus crucifié”. No mesmo sentido, a obra “La Sainte Bible contenant l’Ancien et le Nouveau Testament traduit en Françoise sur la Vulgate, par Le Maistre de Saci” foi traduzida pelo inventário como “Biblia traduz. pr. Sacy”.

Em casos como o das “Confições de Sto. Agosto hua em Italiano, outra em Fr.”, não basta saber que a obra agostiniana em francês recebe o título de Confessions e em italiano Confessioni. Sem informações importantes, como os dados de imprenta (local de publicação, ano e editor), se torna difícil escolher a edição correta dentre as muitas que esta obra teve. O mesmo ocorre com livros de títulos genéricos, como “Obras de S. Cypriano”, “Da.s [obras] de S. Bernardo” ou “Da.s [obras] de S. João Chrysostomo”.

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Por estes exemplos é possível observar a grande dificuldade proporcionada pela tradução dos títulos, decerto uma das características mais negativas do inventário.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo pretendeu-se resgatar aspectos históricos da Biblioteconomia, especificamente dos catálogos. Para isto, foram observados mais atentamente os padrões de descrição do inventário da primeira biblioteca pública da cidade de São Paulo.

A revisão de literatura trouxe tópicos essenciais ao entendimento do contexto histórico e social do inventário. Primeiramente, foi apresentado o desenvolvimento histórico dos catálogos e da catalogação até meados do século XIX, e discutiram-se as semelhanças e diferenças entre catálogos e inventários. Observou-se que as modernas regras de catalogação começaram com Panizzi em 1841, contudo, só se pode falar de regras universais em meados do século XX. Com isso, é possível entender que a descrição de catálogos e inventários, durante muito tempo, dependeu mais dos modelos individuais de cada bibliotecário do que de padrões de maior abrangência.

A primeira biblioteca pública de São Paulo contava com um inventário do seu acervo elaborado pelo bibliotecário, padre José Antônio dos Reis. O que chama neste inventário é a descrição bastante peculiar, que se distancia, em alguns elementos, até de outros inventários e catálogos da mesma época.

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Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.5, n.1, mar. 2015.

Apesar de não ter sido a primeira biblioteca pública do Brasil, a criação da biblioteca pública paulista ficou marcada nos grandes eventos da história cultural da cidade, pois pela primeira era colocado à disposição da população um acervo que pertenceria a todos, já que até então haviam predominado as bibliotecas de particulares e das congregações religiosas.

Espera-se que esta pesquisa possa contribuir com a história da catalogação e dos catálogos no Brasil, e estimule mais estudos históricos na área da Biblioteconomia e da Ciência da Informação.

REFERÊNCIAS

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www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-10022009-124405/publico/DISSERTACAO_ANDRE_ARAUJO.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2015.

BEFFA, Maria Lucia; NAPOLEONE, Luciana Maria. Da primeira biblioteca pública oficial da Província de São Paulo à biblioteca da Faculdade de Direito da USP: história da biblioteca e suas origens até a criação da USP. In: BITTAR, Eduardo C. B. (org.). História do Direito brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 171-186.

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FERRAZ, Iraneuda Maria Cardinalli. Uso do catálogo de biblioteca: uma abordagem histórica. TransInformação, Campinas, v. 3, n. 1/2/3, p. 90-114, jan./dez. 1991.

FIUZA, Marysia Malheiros. A catalogação bibliográfica até o advento das novas tecnologias.

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Figura 1 – Reprodução de uma página do inventário

Referências

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