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Lettre à D’Alembert sur le théâtre Français,

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Academic year: 2019

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Texto

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Flávio Campos de Lima

A Falência da Razão

O Fracasso da razão na

Lettre à D

’Alembert sur

le théâtre Français,

de Jean-Jacques Rousseau

Mestrado em Filosofia

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Flávio Campos de Lima

A Falência da Razão

O Fracasso da razão na

Lettre à D

’Alembert sur

le théâtre Français,

De Jean-Jacques Rousseau

Mestrado em Filosofia

Dissertação apresentada a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e artes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em filosofia, sob a orientação da professora doutora Maria Constança Peres Pissara.

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À prof. Dra. Maria Constança Peres Pissarra, minha orientadora, que me encorajou para que fosse possível o desenvolvimento deste trabalho na PUC-SP. Agradeço por ter me despertado a paixão pela leitura e em particular da obra de Jean-Jacques Rousseau que muito me seduz.

À prof e humorista. Dra. Yolanda Gloria Gamboa Muñoz. Muito obrigado pelo carinho não só por minha pessoa, mas também pelos alunos da filosofia tanto da graduação quanto da pós da PUC-SP e pela paciência que teve comigo, pois lhe dei bastante trabalho quando esta esteve na coordenação da graduação.

À prof. Dra. Sônia Campaner Miguel Ferrari pelas oportunidades que sempre tive de apresentar trabalhos relacionados Ao tema de minha dissertação nos simpósios e colóquios da PUC-SP.

À prof. Dra. Maria das Graças de Souza, pelas sugestões feitas no exame de qualificação que me levaram a rever alguns pontos importantes do texto e a ler algumas obras ainda não lidas, dentre elas, o Verbete Genebra.

À prof. Célia Cintrão Forghieri que na assessoria da VRACOM me recebeu com muito carinho e atenção e me ajudou muito nesta caminhada da graduação até aqui. Espero ter honrado o que esta amável pessoa fez por mim.

Ao meu amigo e irmão Carlos Eduardo Bernardo pelas dicas tão necessárias e pela correção de varias passagens de meu texto. Agradeço ainda, sua amizade desde o tempo em que éramos da mesma turma na graduação em filosofia na PUC-SP.

Ao amigo que deve ser guardado no lado esquerdo do peito (como diz o poeta), Raimundo Ferreira (Rhayfer), de onde saíram às primeiras letras, antes da escola primária. Obrigado poeta pelo carinho e pela oportunidade de viajar em sua companhia no encantador mundo da música popular Brasileira. Música esta que, me despertou o pensamento critica até o fascinante e infinito universo filosófico.

À prof. Inês Rabaneda de Sousa que na Escola pública me influenciou e me fez crer ser possível a luta pelo conhecimento tão distante para alguns no Brasil. Obrigado pela amizade de sempre. A ideia de amizade não deve ser confundida aqui com o uso vulgar que muitos fazer dela na atualidade.

A CAPES, pelo apoio financeiro sem o qual este trabalho não teria acontecido.

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Banca Examinadora

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As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes, e os que só andam muito devagar podem avançar bem mais, se continuarem sempre pelo caminho reto, do que aqueles que correm e dele se afastam1.

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Resumo

A Carta a D’Alembert de Jean-Jacques Rousseau escrita na segunda metade do século XVIII é um importante texto sobre o teatro. O objetivo do presente texto é mostrar as contradições que segundo Rousseau existem na proposta de D’Alembert de se instalar um teatro de comédia em sua pátria, a saber, Genebra. A principal contradição para Rousseau existente em tal proposta é a argumentação de D’Alembert quanto à possibilidade deste teatro, cujo modelo é francês, poder afinar os hábitos e costumes do povo genebrino, uma vez que seus hábitos e seus costumes são tão diferentes. Para que o teatro de comédia proposto para Genebra pudesse afinar os hábitos e costumes dos cidadãos genebrinos a razão teria que possuir efeitos eficazes nos espetáculos que fossem ali apresentados, mas segundo Rousseau isso não acontece. Tendo em vista que, segundo Rousseau, o homem, ao mudar de seu estado natural para o estado social, foi corrompido, não é possível afinar os hábitos e costumes de um povo através de artes imitativas e representativas conforme sustenta D’Alembert. Além do mais, Paris, ao ver de Rousseau, é uma grande cidade degenerada e depravada. Genebra por sua vez, é uma pequena cidade que ainda preserva os costumes moderados e onde o povo é pacato. Assim, Rousseau diz não ser possível calar-se diante de tal acontecimento.

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Abstract

The Letter to D'Alembert Jean-Jacques Rousseau written in the second half of the eighteenth century is an important text on the theater. The objective of this paper is to show the contradictions that according to Rousseau exists in the proposed D'Alembert to install a comedy theater in Rousseau's homeland, namely Geneva. The main contradiction to Rousseau existing in this proposal is the argument of D'Alembert as to whether this theater modeled on French power tune the habits and customs of the Genevan people, since their habits and customs are so different. For the comedy theater proposed to Geneva could tune the habits and customs of the Genevan citizens the reason would have to have effective effects on shows that were presented there, but according to Rousseau it does not. Considering that, for Rousseau the man to change their natural state to the welfare state has been corrupted, you can not tune the habits and customs of a people through imitative and performing arts as it tries to sustain D'Alembert, moreover, Paris to see Rousseau is a great degenerate and depraved city, Geneva in turn, is a small town that still preserves the moderate customs and where the people are quiet. Thus, Rousseau says it is not possible to be silent before such an event.

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Parte I

1. O que significou o século das luzes?,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,12

2. A hipótese do homem natural...16

3. Por que Hobbes “confunde” o estado de natureza?...20

4. Rousseau objeta a tese Robbesiana...21

5. A crítica de Rousseau ao teatro Francês...26

6. A defesa da cultura popular...29

7. As leis de Genebra podem corrigir os maus hábitos?...37

8. Rousseau objeta a tese Aristotélica...39

9. Considerações acerca da comédia...42

Parte II 1. Reflexões sobre as peças dramáticas...47

2. As possíveis causas da queda...52

3. Rousseau leitor de Sêneca...62

4. O papel do velho no teatro...64

5. O mundo das aparências...69

Parte III 1. O primeiro motor do teatro...78

2. O reino dado à mulher é verdadeiro?...87

Conclusão...106

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Introdução

Rousseau, na Carta a D’Alembert, defende ideias que tem início em sua primeira obra intitulada “Discurso sobre as ciências e as artes” (Discours sur l’sciences et les arts). Tal obra possibilita a celebridade a seu autor. Rousseau ganhou o prêmio oferecido pela academia de Dijon2 que propôs a seguinte

pergunta: o restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para aperfeiçoar os costumes? Ao que se sabe, Rousseau responde a esta questão de forma negativa, a saber, que o avanço das Ciências e das Artes contribui para corromper os hábitos e costumes dos povos, uma vez que, as Ciências e as Artes existentes nas sociedades degeneradas não podem corrigir erros dessas sociedades.

Pode parecer num primeiro momento estranho que um filósofo afirme que as Ciências e as Artes não contribuam para a educação de um povo, mais isso só no primeiro momento. Ao trafegar pelos trilhos da obra de Rousseau, o leitor observa, ou pode chegar à conclusão que, Rousseau não está se referindo às Ciências e as Artes de modo geral, mas as artes imitativas (mimese) que ao invés de esclarecer podem confundir aqueles que as observam uma vez que, a seu ver, estas artes são filhas da corrupção ocorrida ao longo do tempo no meio social3.

Mas o que é imitação? É importante lembrar que Rousseau é leitor de Platão, e, aceita a ideia defendida na República4, que a arte mente. Para

Platão, imitador é aquele autor de uma arte afastada da obra da natureza. Desse ponto de vista, um pintor, por exemplo, imita um objeto por meio de um quadro que pode parecer aos olhos de muitos, verdadeiro, mas o que há na

2 O prêmio é oferecido pela Academia em 1750.

3 Sobre este ponto, o livro de Jacira de Freitas intitulado:

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verdade é uma sombra daquele que seria real. Assim, segundo Platão, o pintor nos engana uma vez que faz passar por real aquilo que é falso. Então, essa ideia é valida para a tragédia, pois, pode ser que nela as coisas sejam imitadas com objetivo de nos enganar. Vejamos o que diz Platão com respeito à arte da imitação quando põe as seguintes palavras na boca de Sócrates em um diálogo com Glauco:

Chamas, portanto, imitador ao autor de uma produção afastada três graus da natureza.

Glauco-- Com certeza. Desse modo, o autor de tragédias, se é um imitador, estará por natureza afastado três graus do rei e da verdade, assim como todos os outros imitadores. [...] a imitação está longe da verdade e, se modela todos os objetos, é porque respeita apenas a uma pequena parte de cada um, a qual, por seu lado, não passa de uma sombra. Diremos, por exemplo, que o pintor nos representará um sapateiro, um carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem ter o mínimo conhecimento do seu ofício. Contudo, se for bom pintor, tendo representado um carpinteiro e mostrando-o de longe, enganará as crianças e os homens tolos, porque terá dado a sua pintura a aparência de um carpinteiro autêntico5.

Se o imitador na opinião de Platão não possui o conhecimento da arte que aparenta possuir, não se deve pedir-lhe explicações. Pois este só enganará o homem desprovido de conhecimento. Mas quando se trata de Homero, Platão diz que é necessário interrogá-lo, uma vez que Homero tratou de assuntos de interesse público, como por exemplo, da política (Politeia) que para Platão é um assunto de extrema importância:

Caro Homero, se é verdade que, no que respeita á virtude, não estás afastado no terceiro grau da verdade, artífice da imagem, como definimos o imitador, se te encontras no segundo grau e nunca foste capaz de saber que práticas tornam os homens melhores ou piores, na vida particular e na vida pública, diz-nos qual, entre as cidades, graças a ti, se governou melhor, como, graças a Licurgo, o Lacedemônio, e graças a muitos outros, muitas cidades, grandes e pequenas? Que Estado reconhece que foste para ele um bom legislador e um benfeitor? A Itália e a Sicília tiveram Carondas, e nós, Sólon, mas a ti que Estado pode citar? Poderia indicar um só que fosse?

Glauco- Não acredito. Os próprios homéridas não dizem nada6.

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Na citação acima Platão deixa claro que a arte imitativa não possui condições de educar os homens, uma vez que está afastada da realidade e próxima das aparências. Para que a arte imitativa pudesse educar os homens, ela teria de ser capaz de criar um novo homem com uma nova técnica, (a palavra técnica – téchne – tem aqui o sentido de arte), e segundo Platão isso não acontece. Tendo em vista que o método existente na arte imitativa não possui aquilo que caracteriza a Paidéia no sentido grego, tal arte deve ser desconsiderada, no entanto, quando se trata de enganar os homens se faz necessário muita cautela, pois aquilo que não pode afinar os costumes, talvez contribua para sua degeneração.

Como “sabemos” Platão expulsa da República os sofistas e os poetas, pois a seu ver, eles não possuem a arte de educar, ou seja, a Paidéia que dizem possuir. Mas o que significa para o homem Grego esta Paidéia?

Segundo Werner Jaeger, a Paidéia era para os Gregos um “método” pelo qual se poderia educar o homem. Esta educação deve ser entendida do ponto de vista humano, pois deve educar o homem segundo a natureza não o afastando de sua essência. Ainda com respeito à imitação vale conferimos o comentário de Jaeger:

O ataque de Platão é dirigido principalmente contra a poesia imitativa. Mas o que é imitação? Platão esclarece-o pelo processo habitual, partindo da hipótese das ideias, que designam a unidade da pluralidade, opera no pensamento. As coisas que os sentidos nos transmitem são reflexos das ideias, isto é, as cadeiras ou as mesas são reflexos ou imitação da ideia de cadeira ou de mesa, que é sempre única. O carpinteiro cria os seus produtos, tendo presente à ideia, como modelo. O que ele produz é a mesa ou a cadeira, não a sua ideia. O pintor toma como modelo as mesas e as cadeiras perceptíveis aos sentidos feitas pelo carpinteiro, e imita-as no seu quadro. Tal como alguém que pretendesse criar um segundo mundo, colocando a imagem deste no espelho, assim o pintor se limita a traçar a simples imagem refletida das coisas e da sua realidade aparente. O pintor é, assim, o criador imitativo de um produto que, á luz da verdade, ocupa o terceiro lugar. O poeta pertence à mesma categoria: cria um mundo de mera aparência7.

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Estes profissionais aqui apresentados por Jaeger podem ser relacionados com os comediantes da Carta a D’Alembert de Rousseau? Sustentamos que sim, pois, na Carta a D’Alembert, não é a profissão de comediante em si que Rousseau condena, mas o que está em jogo é se os comediantes realmente são capazes de tornarem os homens melhores do que são, e a resposta de Rousseau a esta questão, como veremos, é negativa, os comediantes para Rousseau, são meros imitadores e não podem contribuir para melhorar os hábitos e costumes dos cidadãos Genebrinos. Ao criticar a poesia imitativa Platão defende algo semelhante, pois a seu ver, o poeta não possui conhecimento verdadeiro, mas imita a vida com objetivo de agradar o público.

Parece não restar dúvida que as Ciências e as Artes sejam necessárias para um determinado povo, mas, é necessário que se tenha como pré-requisito a que tipo de povo tais Ciências e Artes se dirigem. Rousseau fornece exemplos de povos que as Artes ou a “civilização” conduziram à servidão, como: os romanos, os gregos e os chineses. É importante ressaltar a maestria rousseauniana no início da primeira parte do “Discurso sobre as Ciências e as Artes”. Ele começa elogiando o avanço extraordinário que o homem alcançou graças às ciências e as artes, que lhe deram a possibilidade de chegar a pontos nunca alcançados por gerações passadas. A razão, diz Rousseau, ajudou o homem a sair da escuridão na qual havia lhe imposto à natureza. Agora, ele, o homem, pode caminhar por conta própria em direção a um novo mundo esplendoroso nunca imaginado por aqueles que viviam no estado de ignorância, ou pior que bestial8.

Fica claro de início que Rousseau elogia o restabelecimento das Ciências e das Artes, talvez porque esteja diante de homens acadêmicos que lhe propõem escrever justamente sobre este assunto. Mas, logo em seguida, o filósofo surpreende seus leitores com afirmações do tipo:

Antes que as a artes polisse nossas maneiras e ensinasse nossas paixões a falarem a linguagem apurada, nossos

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costumes eram rústicos, mas naturais, e a diferença dos procedimentos denunciava, à primeira vista, a dos caracteres. No fundo, a natureza humana não era melhor, mas os homens encontravam sua segurança na facilidade para se penetrarem reciprocamente, e essa vantagem, de cujo valor não tem mais noção, poupava-lhes muitos vícios 9.

Com o elogio a vida natural feito acima, Rousseau convida seus leitores a uma reflexão cujo objetivo parece ser a relação existente entre o homem e a natureza, tão explicitada, por exemplo, pelos estoicos, e, em particular pelo filósofo Sêneca nas Cartas a Lucilio e também na obra intitula Da Tranquilidade da Alma10. Mas, não serão anacrônicas tais referências as obras de Sêneca, uma vez que este filósofo é do século I e Rousseau, por sua vez pertencia ao século XVIII o assim chamado “século das luzes”? Tal objeção nos parece cabível e legitima, mas é possível respondê-la dizendo que não se trata aqui de algo fora de moda, isso porque os estoicos defendiam uma harmonia que para eles, era necessária, a saber, a relação entre o homem e a natureza, que já tinha suas raízes bem fundamentadas e sólidas nos escritos dos assim chamados pré-socráticos. Como parece deixar claro Rachel Gazolla, no primeiro capitulo de seu livro sobre os estoicos:

Os estoicos eram herdeiros das reflexões e discussões sobre a natureza, a lei e as formas de relação entre elas, conforme expressam os poemas de míticos de Homero e Hesíodo e os lógoi criados pelos sophoí. Os nomeados filósofos pré-socráticos, os Jônios em particular, refletiam sobre essas duas noções tendo o alargamento das relações entre os gregos- e posteriormente entre os gregos e não gregos [...].

Gazolla deixa claro acima que já existia tanto nas obras dos pré-socráticos quanto dos estoicos a defesa da relação homem natureza e é importante salientarmos que os primeiros, ou seja, os pré-socráticos filosofam em um período muito recuado de antecedência à Era Cristã, ou seja, da nossa Era. O filósofo Sêneca por sua vez, a que se sabe, encontra-se no primeiro século da Era Cristã. Rousseau, como já foi dito, escreve no século XVIII, mas isso não o

9 Neste momento do primeiro Discurso, Rousseau já deixa clara a questão que será desenvolvida no segundo Discurso, ou Discurso sobre a desigualdade entre os homens. Fica claro que, no estado de natureza o homem é bom, ou melhor, não é bom nem mal, uma vez que, os vícios ou virtudes são adquiridos no estado social, ou seja, quando ele, o homem, passa a viver em sociedade.

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impede de retomar alguns conceitos existentes na época desses filósofos, sobretudo de Sêneca, e antes deste, de Platão, pois a que se sabe Rousseau é leitor da obra de Platão principalmente da talvez mais ilustre, a saber, a República, tanto que chega a afirmar que a República de Platão é o mais belo tratado político e de educação que o mundo já conheceu”. Então não se deve estranhar que o século das luzes busque inspiração tão longe, na Grécia e na Roma antiga:

Não deve causar espanto a aproximação de tais afirmações com o pensamento clássico dos séculos XVII e XVIII que nos é mais próximo, como o de J. Locke ou de J-J. Rousseau. Respeitada a diferença histórica, são as mesmas noções ético-políticas edificadas pelos estoicos [...] 11.

É bem provável que Gazolla tenha razão quando afirma que os trabalhos do pensamento de filósofos como os citados acima, tenham se aproximado daqueles de alguns filósofos antigos. O grande interprete de Jean-Jacques Rousseau, Jean Starobinski, defende em uma passagem da obra “a Transparência e O Obstáculo”, o seguinte:

Insistiu-se no tom “moderno” ou “romântico” do individualismo de

Rousseau. Mostrar-se iam facilmente suas fontes antigas e, sobretudo, estoicas. Viver de acordo consigo mesmo e com a natureza é um preceito que Rousseau pôde encontrar em Sêneca ou em Montaigne. (Starobinski, 1991, p, 49).

Não podemos esquecer que Rousseau é “filho” do Iluminismo, entretanto é contra este, pois, defende conceitos que estão na contramão de sua época, como por exemplo, que com o uso da razão, o homem poderia chegar a uma possível perfeição. Ora, a razão é um dos meios que, para Rousseau, pode-se encontrar a origem dos vícios adquiridos na vida social, uma vez que, quando este homem passa do estado de natureza (primeira) para o estado social, que Rousseau vai classificar de (segunda natureza) tem início sua degeneração. Este homem fica tão modificado que para Rousseau é impossível reconhecê-lo.

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Segundo Rousseau, a causa da degeneração do homem pode ser encontrada na passagem do estado de natureza para o estado social. Um dos motivos de tal corrupção acontece devido o despertar do raciocínio. A partir desse momento, o homem Vê no outro, que na verdade é ele mesmo, aquilo que ele não é, ou não possui. Tem-se neste momento para Rousseau, o surgimento do amor próprio, em oposição ao amor de si, que havia no estado de natureza. A pós este acontecimento, diz Rousseau, o homem pode ser considerado mau, pois, agora vale tudo para mostra-se superior ao outro.

Voltando às ciências e as artes, vale dizer que na segunda parte do primeiro Discurso, Rousseau afirma que foi um deus inimigo da tranquilidade existente entre os homens, o criador das ciências e que estas, as ciências, são filhas do orgulho humano e da avareza que reina na corrupção adquirida na vida em sociedade. Rousseau faz referência neste momento ao Mito de Prometeu, que na Mitologia (grosso modo) tenta se igualar a um deus roubando o fogo de Zeus e revelando os segredos dos deuses aos homens. A que se sabe, Prometeu fracassa e é rigorosamente punido.

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Outra questão também muito importante diz respeito ao conteúdo das peças a ser apresentadas, e uma grande ameaça vista por Rousseau era o filosofo e escritor de peças teatrais Voltaire12. Voltaire escrevia tanto peças trágicas quanto cômicas e estava na ocasião nas proximidades de Genebra pronto para atuar com todo seu gosto pela libertinagem existente no mundo moderno, sobretudo neste cujo modelo é francês. Então, o objetivo aqui, é mostrar que a razão fracassa na Carta a D’Alembert, e, por que ela, a razão, não tem vez no teatro.

Parte I

1. O que significou o século das Luzes?

O século das luzes, ou seja, o século XVIII, parece não ter sido uma época em que se criaram novos conceitos filosóficos ou novas linhas de pensamentos, mas seus seguidores e admiradores empolgados com suas crenças13 na razão pegaram de empréstimo as linhas de pensamento já

desenvolvidas nos séculos anteriores, a saber, no XVI e XVII. Mas, é importante ressaltarmos que o século XVIII não meramente copia aquilo existente em seus antecessores, mas dá nova interpretação, de maneira organizada e sistemática, ás “verdades” estabelecidas por aqueles filósofos e cientistas que haviam descoberto maneiras revolucionárias de interpretar os fatos ainda não esclarecidos. Assim, a filosofia do Iluminismo aparentemente teve como função trazer à tona aquilo que não tinha ficado claro por seus antecessores, o papel da criação14 talvez não tenha sido sua preocupação. Como parece ficar claro nas palavras de Ernst Cassirer:

12François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire. Foi escritor, ensaísta, filósofo Frances,

poeta...

13 É preciso que se observe que crença aqui não deve ser entendida como sinônimo de verdade.

14 Parece se sustentar neste momento a tese que

“nada se cria tudo se transforma” (Antoine

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[...] a época das luzes permaneceu, no tocante ao conteúdo de seu pensamento, muito dependente dos séculos precedentes. Apropriou-se da herança desses séculos e ordenou, examinou, sistematizou, desenvolveu e esclareceu muito mais do que, na verdade, contribuiu com ideias originais e sua demonstração. Entretanto, a filosofia do Iluminismo, apesar de ter adotado a maioria dos seus materiais de outras fontes e de ter desempenhado, neste sentido, um papel subalterno, nem por isso deixou de instituir uma forma de pensamento perfeitamente nova e original. O século XVIII está impregnado de fé na unidade e imutabilidade da razão. A razão é una e idêntica para todo o individuo pensante, para toda a nação, toda a época, toda a cultura. (Cassirer. 1994, p, 23).

De tal maneira que, segundo Cassirer, o movimento iluminista abriu novos caminhos rumo ao trabalho do pensamento, uma vez que quebrou barreiras há muito edificadas por aqueles seguidores de uma filosofia cujas raízes se encontravam em sistemas metafísicos herdados da Escolástica. Os filósofos iluministas quebram os velhos laços fundamentados nas crenças metafísicas herdadas do passado, ou seja, da Escolástica, por não concordarem com suas “verdades pré-estabelecidas”, uma vez que agora é a razão que tudo decide e nada pode ser aceito sem que seja submetido ao seu tribunal e cuidadosamente por ele analisado:

Na verdade, o que aí temos não é outra coisa senão uma visão nova e um novo destino do movimento universal do pensamento filosófico. Na Inglaterra e na França, o Iluminismo começa por quebrar o molde obsoleto do conhecimento filosófico, a forma do sistema metafísico, não acredita mais no privilégio nem na

faculdade do “espírito de sistema”: vê neste não a força, mas o

obstáculo e o freio da razão filosófica15.

Apesar das tentativas realizadas pelos filósofos iluministas de se separarem da filosofia dos séculos XVI e XVII, esse distanciamento parece não ter ocorrido de fato. Quando se observa a linha filosófica pela qual os filósofos do Iluminismo trafegam, se pode ver que estes filósofos vão, senão na mesma direção de seus antecessores, vão por caminhos bem semelhantes, sobretudo quando se diz respeito, por exemplo, a questões relacionadas à ideia de

copia de alguém. Para um estudo detalhado sobre este assunto o texto de Michel Foucault “o que é um autor” é de importância fundamental.

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unidade. Segundo Cassirer, a unidade existente no século XVII, jamais foi desconsiderada. O império da razão considerado como indispensável pela filosofia dos séculos XVI e XVII, sobretudo na autoridade de René Descartes em nenhum momento é abandonado:

A “autoconfiança” da razão em momento nenhum é abalada. Antes de tudo, foi à exigência de unidade do racionalismo que

conservou todo o seu poder sobre os espíritos. “todas as ciências, em seu conjunto”, escreve D’Alembert, retomando

assim as teses iniciais de Descartes nas Regulae ad directionem

ingenii, “nada mais são do que a força do pensamento humano,

que é sempre uno e idêntico”, e que deve permanecer sempre semelhante a si mesmo, por mais variados e múltiplos que sejam os objetos a que esse pensamento se aplica” 16.

Se por um lado a filosofia iluminista não consegue se separar em sua totalidade do pensamento anterior, ou seja, dos séculos XVI e XVII, sua atuação no sentido de resgatar aquilo que parece ter sido o papel da filosofia desde a antiguidade foi fundamental. Tal papel da filosofia desde a antiguidade segundo Cassirer, é o de expandir as atividades do pensamento não permitindo que este se feche em si mesmo. Deste ponto de vista, o trabalho do pensamento deve ir além das fronteiras dogmáticas abrindo caminho para os novos campos da ciência. É com esse caráter, diz Cassirer, que o século XVIII, se auto-intitulou de “o século da filosofia”, uma vez que pretendia trazer de volta aquilo que talvez houvesse ficado esquecido ou ignorado por alguns no passado:

O século XVIII, que se auto-intitulou orgulhosamente de “o século da filosofia”, justificou essa pretensão na medida em que

devolveu efetivamente a filosofia seus direitos originais, em que a restabeleceu em sua significação primeira, sua significação

verdadeira “clássica”. Deixou de encerrar-se na esfera do pensamento, abriu caminho até aquela ordem mais profunda donde jorra, com o pensamento puro, toda a atividade intelectual do homem, e onde essa atividade deve encontrar seu alicerce, segundo a convicção profunda, da filosofia do iluminismo17.

O fenômeno iluminista presente na França do século XVIII cuja crença na razão parece ser exagerada pode ser explicado levando em conta o espírito cartesiano que ainda possuía grande influência no pensamento da época.

16Ibid. p, 44.

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Descartes, não só determinava aquilo que seria objeto de estudo filosófico, mas também influenciava a literatura, a política e a religião. Tal influência sustenta a vitória obtida pela filosofia cartesiana no século XVII ao despertar o mundo da ciência para uma nova forma de enxergar o mundo:

[...] a França era a pátria, a própria terra clássica da análise desde que Descartes consumara a reforma, a transformação radical da filosofia. A partir de meados do século XVII, esse espírito cartesiano penetra em todos os domínios. Ele não se impõe somente na filosofia, mas também na literatura, na moral, na política, na teoria do Estado e da sociedade18 [...].

Fica clara a influência da filosofia cartesiana no século das luzes explicitada por Cassirer. Essa penetração Cartesiana parece ser visível também em pensadores como, por exemplo, Immanuel Kant. Kant parece deixar claro a importância que teve Descartes no século XVIII. Kant também acreditava no progresso humano por meio de um uso correto da razão19. No texto “O que é o Iluminismo”, Kant diz ser este o meio pelo qual o homem pode, ou poderá chegar a sua maioridade, deixando assim, de submeter-se a tutores. Assim, o filosofo acreditava que a razão poderia conduzir o homem para uma possível “perfeição” uma vez que, o convidava a agir por sua própria conta:

O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A minoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Se, pois, se fizer a pergunta, vivemos nós agora numa época esclarecida? A resposta é: não. Mas vivemos numa época do iluminismo20.

Na introdução feita até este momento neste texto, vimos que o Iluminismo, tinha como objetivo o progresso dos homens através do uso correto da razão. Foram citados filósofos como Descartes e Immanuel Kant, sendo o primeiro do século anterior ao iluminismo, mas que o influenciou e o último que viveu na época das luzes, ou do auge da filosofia como o próprio iluminismo se auto

18 Ibid. p, 50.

19 Essa influência que Descartes provoca em Kant, parece ficar clara na obra do Filósofo Alemão “a Critica da razão pura”, onde Kant trata do problema da metafísica e defende que ela, a metafísica, sequer pode ser considerada ciência.

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intitulava. Porém, Jean-Jacques Rousseau não concorda com essa crença na razão, como já foi dito, é justamente a razão que contribui para a degeneração do homem em sociedade.

2. A hipótese do homem natural

Para Rousseau de todos os conhecimentos existentes o mais importante, porém, o menos estudado é aquele relacionado ao conhecimento do homem. De tal modo que a mensagem enviada a Sócrates pelo oráculo de Delfos, ou seja, pelo deus Apolo, a saber, “conhece a ti mesmo”, é de importância fundamental21. Assim, diz Rousseau, esta afirmação do oráculo de Delfos, é mais importante e útil do que os livros gigantescos escritos por aqueles defensores da moral. Esta máxima atribuída a Sócrates, para Rousseau é importantíssima para aquele ou aqueles que têm como objetivo estudar o homem. A passagem do estado de natureza para o estado social segundo Rousseau teria mudado o homem de tal modo e a ponto deste ficar irreconhecível. Rousseau compara esta mudança com o ocorrido a estátua de Glauco, que após ser exposta ao tempo, foi mudada de tal maneira a ponto de se parecer mais a um mostro do que a um deus:

La plus utile et la moins avancée de toutes les connaissances

humaines me paraît celle de l’homme et j’ose dire que la seule

inription du temple de delphes contenait un précepte plus important et plus dificile que tous les gros livres des moralistes. Comment l’homme viendra-t-il à bout de se voir tel que l’a formé

la nature, à travers tous les chagements que la succession des temps et dês choses a Dû produire dans sa constitution

originelle, et de démêler ce qu’il tien de son propre fonds d’avec

ce que les circonstances et ses progrès ont ajouté ou changé à son éta primitif. Semblable à la statue de Glaucus que le temps,

la mer et les orages avaient tellement défigurée qu’elle ressemblait moins à um dieu qu’à bête22 féroce, l’âme humaine

altérée au sein de la société par mille cause [...] changé

d’apparence au point d’être presque méconnaissable [...].23

21 Essa máxima é atribuída a Sócrates, mas o pré-socrático Tales de Mileto, ao que se sabe, já afirmava que a coisa mais importante. Porém, a mais difícil que existe é o homem conhecer a si mesmo.

22 A um animal feroz.

23 Rousseau. 1992, PP. 157-158.

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Fica claro acima que para Rousseau se sabe pouco ou quase nada sobre aquilo que deveria ser o mais importante, que é o homem estudar a si mesmo. Tal afirmação feita por Rousseau nos permite dizer que sua importância antropológica é clara nesta obra, a saber, no “Discours sur l’ origine et les fondements de l’ inégalité parmi les hommes”. Partindo do pressuposto que o homem ao passar do estado de natureza para o estado social perdeu por completo o que tinha antes, Rousseau diz não ser possível crer nas “verdades” da religião que sustenta ser da vontade de Deus os homens serem desiguais tampouco a máxima religiosa nos proíbe de fazermos conjecturas a cerca do que seria o homem se tivesse sido abandonado a si mesmo:

La religion nous ordonne de croire que Dieu lui-même ayant tiré

les hommes de l’état de nature, immédiatement aprés la création, ils sont inégaux parce qu’il a voulu qu’ ils le fussent; mais elle ne nous défend pas de forme des conjectures tirées de la seule nature de l’homme et des êtres qui l’environnent, sur ce qu’aurait pu devenir Le genre human, s’il fût resté abandonné à lui- même. (Rousseau, 1992, p, 169) 24.

Rousseau vai além quando convida o homem de qualquer país ou região para uma reflexão dizendo que encontrou sua verdadeira história no grande livro da natureza e não naqueles escritos pelo homem que só contém mentiras:

O homme, de quelque contrée que tu sois, quelles que soient tes opinions, écoute. Voici ton histoire telle que j’ ai cru la lire, non dans les livres de teus semblables qui sont menteurs, mais dans

la nature qui ne ment jamais. Tout ce qui sera d’elle será vrai25. importante e mais difícil que todos os grossos livros dos moralistas. E como o homem chegará ao ponto de ver-se tal como o formou a natureza, através de todas as mudanças produzidas na sua constituição original pela sucessão do tempo e das coisas, e separar o que pertence à sua própria essência daquilo que as circunstâncias e seus progressos acrescentaram a seu estado primitivo [...] Como a estátua de Glauco, que o tempo, o mar e as intempéries tinham desfigurado de tal modo que se assemelhava mais a um animal feros do que a um Deus, a alma humana, alterada no seio da sociedade por milhares de causas sempre renovadas, pela aquisição de uma multidão de conhecimentos e de erros, pelas mudanças que se dão na constituição dos corpos e pelo choque contínuo das paixões, por assim dizer mudou de aparência a ponto de tornar-se quase irreconhecível ( Rousseau, 1990, p, 43).

24 A religião nos ordena a crer que, tendo o próprio Deus tirado os homens do estado de natureza logo depois da criação, são eles desiguais por que assim o desejou; ela não nos proíbe, no entanto, de formar conjecturas extraídas unicamente da natureza do homem e dos seres que o circundam, acerca do que se teria formado o gênero humano se fora abandonado a si mesmo. (Rousseau, 1990, p, 53).

(22)

A passagem do estado de natureza para o estado social, como já vimos, provocou uma revolução no homem, isso tanto do ponto de vista físico, quanto do ponto de vista moral. Mas o pior de tudo parece ser o fato desse homem pensar que tudo é natural. O segundo momento da vida do homem, a saber, a vida em sociedade, Rousseau vai chamar de segunda natureza. Tal afirmação possibilita Rousseau responder a possíveis objeções que possam ser feitas contra a tese do estado de natureza, como por exemplo, as afirmações de Thomas Hobbes, a saber, que o homem é mau por natureza26:

[...] na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdias. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a gloria. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros; os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias [...] com isso se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los a todos em respeitos, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; que é de todos os homens contra todos os homens.27

Hobbes talvez soubesse das dificuldades que esta sua tese encontraria no futuro, principalmente no meio cientifico e filosófico. Parece que prevendo possíveis objeções diz em seguida que pode parecer contraditório que alguém possa discordar que a natureza tenha feito os homens assim, capazes de entrarem em um estado de guerra para defenderem interesses egoístas e assim, mostrarem serem superiores e dominadores uns dos outros. Hobbes convida aqueles que por ventura possuam alguma desconfiança nesta afirmação, a saber, que quando se vivia sem leis para corrigirem as paixões

Oh homem, de qualquer região sejas, quaisquer que sejam tuas opiniões, ouve-me; eis tua história como acreditei tê-la lido não nos livros de teus semelhantes, que são mentirosos, mas na natureza que jamais mente. Tudo o que estiver nela será verdadeiro. Idem, p, 53.

26

Rousseau esta se dirigindo a obra escrita por Thomas Hobbes “Leviatã”. Nesta obra do

século XVI, Hobbes defende que no estado de natureza existe uma guerra de todos contra todos. Rousseau por sua vez, sustenta a tese que Hobbes confundiu o estado de natureza com o estado social. Mas, é importante ressaltarmos que, Hobbes não sustenta que o homem seja mau por natureza. A tese que em Hobbes o homem é por natureza mal é de Jean-Jacques Rousseau.

(23)

dos homens se vivia em um estado de guerra, a serem empiristas, ou seja, testarem suas próprias experiências. Para tanto, diz Hobbes, basta observarem que ao viajar os homens sempre preferem ir bem acompanhados e armados, pois prevê que possam ser atacados:

Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruírem-se uns aos outros. E poderá, portanto talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência. Que seja, portanto ele considera-se a si mesmo, que quando empreender uma viajem se arma e procura ir bem acompanhado, que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo está em casa tranca seus cofres; e isso mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injuria que lhe possa ser feita.

Prosseguindo em sua argumentação cujo objetivo é defender a tese que o homem sempre viveu em estado de guerra, Hobbes diz algo no mínimo curioso. Parece causar espanto quando o filosofo do século XVII afirma que em tal estado não havia injustiça uma vez que, estes homens não sabiam o que seria justo e nem o que seria injusto. A impossibilidade da existência de justiça e da injustiça no estado de natureza deve-se, diz Hobbes, à ausência de leis, pois para ele, são as leis que possibilitam essas noções:

Dessa guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é consequência: que nada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de justiça e de injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça28.

Neste momento do texto, Hobbes parece entrar em contradição. Ora, se o homem no estado de natureza, aqui descrito por Hobbes, não possuísse a noção de justo e injusto, como poderia ele viver em um estado de guerra? O próprio Hobbes disse em um momento anterior que os três motivos que levam os homens no estado de natureza são: “a competição, a desconfiança e a gloria”. Como o homem em seu estado natural, ou seja, antes de ser habitante de uma sociedade, conheceria essas três coisas que parece serem adquiridas

(24)

no estado social e não no estado de natureza? Veremos mais a frente que são destes pontos defendidos por Hobbes que Jean-Jacques Rousseau irá discordar quando afirma haver grande confusão por parte de Hobbes quando este descreve o estado social como se este fosse o estado natural.

3. Por que Hobbes “confunde” o estado de natureza?

O filósofo Enciclopedista Denis Diderot, contemporâneo de Rousseau, concorda em parte com as ideias do homem natural defendidas por Thomas Hobbes. Mas Diderot discorda de Hobbes no ponto de que a natureza autoriza a discórdia entre os homens. No capitulo XIII do Leviatã, como vimos anteriormente, Hobbes, descreve o estado de natureza como uma época em que havia uma guerra de todos os homens contra todos os homens e diz ainda, que não é possível a harmonia entre os homens enquanto estes não forem governados por leis. Como nos mostra Maria das Graças na tradução e apresentação dos verbetes políticos da Enciclopédia:

Contra Hobbes, Diderot também defende, ao escrever para a Enciclopédia, a tese segundo a qual a natureza associa os homens. Na perspectiva Hobbesiana, portanto, a natureza, ao invés de aproximar, dissocia os homens. Diderot, em relação á descrição do homem natural de Hobbes, impetuoso e apaixonado, mantém de inicio uma posição de certa simpatia. No

verbete, Diderot escreve que “existimos de maneira pobre,

contenciosa, inquieta. Temos paixões e necessidades [...]”.

Contudo, Diderot não segue Hobbes até o fim de suas conclusões. É certo que o homem é atormentado por paixões

violentas. Mas é certo também, diz o verbete, “Direito natural”,

que ele não é apenas um animal, mas um animal que raciocina e que pode descobrir a verdade das coisas29.

Diderot diz que Hobbes teria confundido o estado de natureza com o estado social, devido ele ter vivido em uma época em que seu país (a Inglaterra) entra em guerra. Hobbes após ter presenciado um momento muito difícil, onde não se respeitava ninguém nem nada, onde as leis até então respeitadas perdeu sua função, devido isso, teria sustentado que no estado natural onde não se tem a atuação de um estado dirigido por leis se tem um

(25)

desequilíbrio total, uma guerra de todos contra todos. Maria das Graças completa:

Diderot considera que o quadro traçado por Hobbes de uma natureza humana impetuosa e guerreira se deve à sua dolorosa experiência da guerra Inglesa. No verbete de sua autoria sobre a

filosofia Hobbesiana, afirma que Hobbes, “vendo então as leis

pisoteadas, o trono cambaleando, os homens arrastados como se fossem por uma vertigem geral para as ações mais atrozes, pensou que a natureza humana era má, e daí vem toda a sua

fábula ou sua história sobre o estado de natureza”. As

circunstâncias teriam influenciado sua filosofia, e ele considerou fatos momentâneos como se fossem regras invariáveis da natureza30.

4. Rousseau objeta a tese Robbesiana.

Segundo Rousseau e Diderot, alguns filósofos haviam confundido o estado de natureza com o estado social. Tal confusão, diz Rousseau, acontece quando esses filósofos dão características ao homem natural que na verdade não lhe pertencem31. Rousseau afirma no Segundo Discurso que Hobbes sabia das dificuldades que havia em sua descrição do estado de natureza, mas as ignorou. Ora, se o homem natural, diz Rousseau não sabia o que seria a bondade, não poderia ele ser avarento entrando em guerra em busca de uma superioridade frente a seu semelhante, tampouco poderia o homem natural se degenerar porque desconhecia o que seria um homem virtuoso:

N’allons pas surtout conclure avec Hobbes que pour n’avoir

aucune idée de la bonté, l’homme soit naturellement méchant, qu’il soit vicieux parce qu’il ne connaît pas laVert, qu’ il refuse toujours á sés semblables des services qu’il ne croit pas leur

devoir, ni qu’en vert du droit qu’il s’attribue avec raison aux

choses dont il a beson, il s’imagine follement être le seul propriétaire de tout l’univers. Hobbes três bien vu le défaut de

toutes les définitions modernes du droit naturel: mais les

conséquences qu’ il tire de la sienne montrent qu’il la prend dans

un sens qui n’est pas moins faux. En raisonnant sur les príncipes

qu’il établit, cet auteur devait dire que l’ état de nature état celui ou le soin de notre conservation est le moins préjudiciable á celle

30 Maria das G

raças. Introdução ao texto de Diderot e D’Alembert.

(26)

d’autrui, cet état était par conséquent le plus propre á la paix, et

le plus convenable au genre humain32.

Segundo Rousseau, Hobbes afirma uma tese oposta a essa do estado de natureza, porque insiste em mostrar o homem selvagem como se este vivesse em sociedade. De tal modo que, as paixões atribuídas ao homem natural por Hobbes, diz Rousseau, são na verdade adquiridas quando este passa a viver em sociedade. O homem natural apresentado por Rousseau não pode ser um ser vicioso, assim, este homem ignora tanto os vícios quanto as virtudes.

Hobbes n’a pas vu que la même cause qui empêche les

sauvages d’user de leur raison, comme le prétendent nos jurisconsultes, les empêche en même temps d’abuser de leurs

facultés, comme il le prétend lui-même; de sorte qu’pourrait dire

que les sauvages ne sont pas méchants précisément, parce

qu’ils ne savent pas ce que c’est qu’être bons; car ce n’est ni le

développement dês lumières, ni le frein de la loi, mais le calme

des passions, et l’ignorance du vice qui les empêche de mal faire

[...]33.

Podemos observar que as teses defendidas por Rousseau no primeiro e no segundo discurso, já se encontram em autores do século XVI, como por exemplo, a questão da desnaturação do homem (dénaturé). Um desses autores que antes de Rousseau havia tratado desse assunto é Étienne de La Boétie.

Para La Boétie o homem é livre por natureza, está na natureza do homem ser livre. Todo o problema segundo o filósofo se encontra na educação que lhe

32 Rousseau. 1992, pp, 210-211.

Não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia da bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que não crê dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do mundo inteiro. Hobbes viu muito bem o defeito todas as definições modernas de direito natural, mas as conseqüências, que tira das suas, mostram que o toma no sentido que não é menos falso. Raciocinando sobre os princípios que estabeleceu, esse autor deveria dizer que, sendo o estado de natureza aquele no qual o cuidado de nossa conservação é o menos prejudicial a outrem, esse estado era, consequentemente, o mais propício à paz e o mais conveniente ao gênero humano (Rousseau, 1990, p, 76).

33 Rousseau, 1992, p, 211.

(27)

é dada no estado social. Desse ponto de vista La Boétie sustenta que os primeiros tiranos do homem são os costumes adquiridos por meio de uma educação que lhe conduz a servidão:

La nature de l’homme est bien d’être libre et de vouloir l’être;

mais aussi sa nature est telle que naturellement il prend le pli son éducation lui donne. Ainsi, la première raison de la servitude

volontaire, c’ est la coutume [...]34.

Em outro momento do texto La Boétie fala da relação necessária e obediente que deve existir entre o homem e a natureza, uma vez que, a seu ver, ela, a natureza, é uma boa mãe que fez todos iguais com o objetivo que todos vivam em harmonia como irmãos. Mas, se houver uma relação contrária, ou seja, se o homem não observar as leis naturais, ele será um escravo do homem, ou seja, um tirano dele mesmo e também terá dificuldades de obedecer aos seus pais:

Premièrement, il est comme je crois hors de doute que si nous vivions avec les droits que la nature nous a donnés, et avec les enseignements qu’elle nous apprend, nous serions naturellement

obéissants aux parents, sujets á la raison et esclaves de personne. La nature, ministre de Dieu et gouvernante des hommes, nous a tous faits de même forme, et comme il semble, selon un même moule, afin que nous nous reconnaissions tous comme compagnons ou plutôt comme frères35.

Mais uma vez pode-se observar a influência do século XVI sobre Rousseau, sobretudo quando se trata de assuntos que dizem respeito ao estado de natureza do homem, pois, conforme visto acima, o filósofo La Boétie convida o homem a viver em harmonia com a natureza, caso contrário, este

34 La Boétie. 2008, p, 29.

É da natureza do homem ser livre e querer sê-lo; mas muito facilmente toma uma outra feição, quando dada pela educação. Assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito [...]. La Boétie, 2008, p, 88.

35 Ibid. p, 17.

(28)

homem nada mais será do que um escravo dos costumes adquiridos no meio social. Assim, aqueles que afirmam ser o homem mau por natureza cometem um equívoco, uma vez que o homem no estado de natureza não possuía vícios que são adquiridos no estado social36:

C’est faute d’avoir suffisamment distingué les idées, et remarqué combien ces peuples étaient déjà loin du premier état de nature,

que plusieurs se sont hâtés de conclure que l’homme est

naturellemont cruel et qu’il a besoin de police pour l’adoucir,

tandis que rien n’est si doux que lui dans son état primitif, lorsque

placé par la nature à des distances égales de la stupidité des

brutes et des lumières funestes de l’homme civile, et borne également par l’instinct et par La raison à se garantir du mal qui le menace, il est retenu par la pitié naturelle de faire lui-même du mal à persone, sans y être porte par rien, même après en avoir reçu. Car, selon l’axiome du sage Locke, il ne saurait y avoir d’injure, oú il n’y a point de propriété37.

Rousseau cita o filósofo Inglês John Locke para quem não é possível haver conflito entre os homens enquanto não existe a disputa pela propriedade privada. Tal afirmação parece ser clara para aqueles que estão habituados às obras de Rousseau principalmente ao Segundo Discurso, pois em sua segunda parte Rousseau começa dizendo:

Le premier qui, ayant enclos un terrain, s’avisa de dire : Ceci est á moi, et trouva des gens assez simples pour le croire, fut le vrai fondateur de la société civile. Que de crimes, guerres, meurtres, que de misères et d’horreurs n’eût point épargnés au genre

humain celui qui, arrachant les pieux ou comblant le fossé, eût crié à ses semblables : gardez-vous d’écouter cet imposteur ;

36 Rousseau não cita Niccolò Machiavelli IL Principe (1469-1527), mas poderia ter citado, pois nele o homem é mau por natureza. A referência aqui, talvez seja a Thomas Hobbes. É importante ressaltarmos que Hobbes não afirma ser o homem mau por natureza, quem o lê assim, é Rousseau.

37 Rousseau. 1992, p, 229.

[...] e, por não ter distinguido suficientemente as ideias e observado como os povos já estavam longe do primeiro estado de natureza, inúmeras pessoas apresentam-se a concluir ser o homem naturalmente cruel e ter necessidade de polícia para abrandar-se. Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funesta do home civil, e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de

(29)

vous êtes perdus, si vous oubliez que les fruits sont á tous, et

que la terre n’est à personne38.

Na citação acima, Rousseau talvez deixe claro que, o primeiro passo para a degeneração do homem é dado no momento em que é aceita pelo homem simples, a criação da propriedade privada, pois, é para Rousseau, a partir desse momento que começa a submissão do homem pelo próprio homem. Mas por que o homem não se opõe a tal acontecimento? Não sabe ele que estará permitindo a criação de um monstro que o devorará no futuro? Parece que o grande problema se encontra na dificuldade que se tem em identificar onde está o esconderijo do mal que penetrou na vida social. Tal dificuldade, talvez possa ser explicada levando em conta a frase de Horácio: “somos enganados pela aparência do bem” 39.

Já foi visto antes que Rousseau não compartilha do entusiasmo dos demais iluministas, a saber, que o império da razão possa ser a força motriz que impulsione a humanidade rumo ao progresso tanto apregoado por seus pares. Tal descrença no mundo racional leva o leitor a pesquisar o fato dos sentimentos do autor que parece acreditar nas emoções como ponto de partida e não do racional como defendiam autores como, por exemplo, D’ Alembert, Denis Diderot...

Se para Rousseau o império da razão, quando em confronto com o império das paixões fracassa, não é possível que a tese da arte como um meio pelo qual se possa corrigir eventual erros morais de um povo se sustente. Mas é importante ressaltarmos que Rousseau não se refere a todo tipo de arte, mas aquela cujo fim é agradar o público com finalidades lucrativas como eram os espetáculos apresentados na França do século XVIII.

38 Ibid. p. 222.

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isso é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes:

“defendei-vos de ouvir esse impostor; estares perdidos se esquecerdes de que os frutos são de

(30)

Parece que o nascimento de toda filosofia Rousseaniana se da no momento em que ele escreve o primeiro Discurso. É nesta obra que o filósofo denuncia os males que desfigura as sociedades degeneradas. Tais males se agravam quando acontece o avanço das ciências e das artes que trazem a moleza aos corações guerreiros, antes habituados a serem defensores de suas culturas e, sobretudo de suas pátrias. E aqui parece que Rousseau grita com toda sua força virtuosa para que o homem desperte de sua alienação adquirida na vida social, mas, parece que já no século XVIII, todos estão surdos, e não podem mais ouvir o apelo desse locutor40·, Jean-Jacques Rousseau.

Parece que Rousseau no primeiro Discurso tem por objetivo denunciar os males que degeneram o homem social. Já no segundo discurso, Rousseau além de reafirmar o conteúdo introduzido no primeiro, anunciar o remédio para a cura desse mal que deve ser encontrado na própria sociedade que o gerou41.

5. A crítica de Rousseau ao teatro Francês.

O filósofo e matemático D’Alembert, ao escrever o verbete Genebra, fala da necessidade de se instalar um teatro de comédia naquela cidade42. Segundo D’ Alembert, o teatro poderia, por exemplo, aperfeiçoar os hábitos e costumes do povo genebrino, o que do ponto de vista de Rousseau não seria possível. Isso não significa que o teatro seja um bem, e nem um mal em si mesmo, mas os maus hábitos dos atores, principalmente dos comediantes, ao invés de melhorar os hábitos e costumes do seu povo, como defende D’ Alembert, poderiam fazer o contrário, colaborar com a degeneração da

40

Jean Starobinski, em sua obra intitulada “Acuser et Séduire”, chama Jean-Jacques Rousseau de locutor [locuteur], o que nos parece interessante, uma vez que, Rousseau se dirige aqueles que não aceitam a alienação posta a ferros pela sociedade que os escraviza. Assim, parece que, como diz Starobinski, Rousseau tem como objetivo, denunciar os males sociais e conquistar seus leitores através de sua retórica.

41 Voltaremos a este assunto mais tarde, pois o objetivo até aqui, foi expor as fontes talvez inspiradora de Jean-Jacques Rousseau de maneira geral.

42

É importante ressaltarmos que o verbete Genebra de D’Alembert é uma excelente

(31)

sociedade. Em segundo lugar, defende D’ Alembert, os jovens poderiam lutar contra as leis que proíbem a implantação do teatro em Genebra, pois a seu ver as leis poderiam ser usadas para corrigir eventuais abusos que por acaso fossem praticados por algum comediante. Assim, tal instalação segundo D’Alembert, é benéfica a Genebra, pois além de contribuir para o aperfeiçoamento dos hábitos e costumes dos cidadãos genebrinos ainda traria um segundo beneficio, daria dignidade à profissão de comediante que não era bem vista em Genebra.

Rousseau como cidadão genebrino é radicalmente contra a chegada desse modelo de teatro que se pretende instalar em sua pátria, sobretudo, do teatro Francês. Um dos motivos que leva Rousseau a reprovar os espetáculos à francesa é que estes são filhos de uma cidade já degenerada, além do mais, observou já no primeiro momento a influência que estes tinham de Voltaire (1694-1778). Pois Voltaire escrevia tanto tragédias, quanto comédias e na ocasião encontrava-se em Genebra. Como lembra Franklin de Matos na introdução à tradução do texto rousseauniano:

Rousseau já tinha razões de sobra para opor-se aos enciclopedistas, dos quais vinha se afastando progressivamente nos últimos anos. Além disso, por trás deles enxergou a sombra ameaçadora de Voltaire, o maior poeta dramático do século, naquele momento instalado nos arredores de Genebra e, quem sabe, pronto a invadi-la á frente de uma tropa de comediantes. Julgando que a pátria estivesse em perigo, o cidadão de Genebra tomou a palavra e em 1758 lançou á face do século mais um de seus estarrecedores paradoxos, desta feita um

terrível libelo contra o teatro: a Carta a D’ Alembert sobre os espetáculos43.

Segundo Rousseau havia más intenções por parte de Voltaire, no sentido de introduzir os costumes depravados já existentes na França, os quais Rousseau há muito evitava. Sabia da influência que Voltaire exercia sobre aqueles que tinham interesse na chegada desse teatro francês em Genebra. Rousseau ficou aflito quando soube por intermédio De Denis Diderot que D’ Alembert, publicaria no sétimo volume da enciclopédia o “Verbete Genebra” que defenderia a implantação desse teatro em sua pátria. Tal foi o desespero e

(32)

a pressa de Rousseau em defender sua pátria que, em três semanas compôs a Carta a D’ Alembert, reprovando este modelo de teatro uma vez que para ele, Rousseau, este seria inadequado para uma pequena cidade:

Dans La dernière visite que Diderot m’avait faite à l’Ermitage, il m’avait parlé de l’article Genève, que D’Alembert avait mis dans l’Encyclopédie; il m’avait appris que cet article, concerté avec des Genevois du haut étage, avait pour but l’établissement de la

comédie à Genève ; qu’en conséquence les mesures étaient prises, et que cet établissement ne tarderait pas d’avoir lieu.

Comme Direrot paraissait trouver tout cela fort bien, qu’il ne doutait pas du succés, et que j’avais avec lui trop d’autres débats

pour disputer encore sur cet article, je ne lui dis rien ; mais indigné de tout ce manège de séduction dans ma patrie,

j’attendais avec impatience le volume de l’Encyclopédie où était

cet article, pour voir s’il n’y aurait pas moyen d’y faire quelque

réponse qui pût parer ce malheurex coup. Malgré l’abattement oú j’étais, malgré mes chagrins et mes maux, la rigueur da la saison et l’incommodité de ma nouvelle demeure [...] je composai, dans

l’espace de trois semaines, ma Lettre á D’Alembert sur les spectacles44.

Rousseau morou durante certo tempo nesta casinha desmantelada chamada Ermitage aonde Diderot ia com frequência lhe visitar. Esse lugar ficava na floresta de Montmorency, o que possibilitava uma tranquilidade por ficar distante de Paris de onde Rousseau, quando possível, se afastava. Por ter resolvido morar na pequena casinha afastada da cidade grande Rousseau não pretendia regressar a Genebra, mas, ao saber que Voltaire se encontrava morando próximo de Genebra, Rousseau resolve voltar e defender sua pátria, pois como estamos mostrando, para Rousseau, Voltaire significava um perigo. Isso porque, Voltaire possuía influência entre os grandes homens de Genebra, assim, tinha consciência que não seria fácil combatê-lo. Para tanto teria que ser corajoso e usar de tudo para defender os hábitos e costumes de sua pátria,

44 Rousseau. 2012, pp. 252-253.

Na última visita que Diderot me fizera a Ermitage, falara-me do artigo ”Genebra” que d’Alembert

(33)

pois como já dito, Voltaire é o principal interessado no teatro de comédia que se pretende instalar em Genebra:

Une chose qui aida beaucoup à me déterminer fut

l’établissement de Voltaire auprès de Genève. Je compris que cet homme y ferait révolution ; que j’irais retrouver dans ma

patrie le ton, les airs, les moeurs qui me chassaient de Paris,

qu’il me faudrait batailler sans cesse, et que n’aurais d’autre choix dans ma conduite que celui d’être un pédant insupportable,

ou un lâche et mauvais citoyen. Dès lors je tins Genève perdue,

et je ne me trompai pas. J’aurais dû peut-être aller faire tête à

l’orage, sije m’en étais senti le talent. Mais qu’eussé-je fait seul, timide et parlant très mal, contre un homme arrogant, opulent,

étayé du crédit des grands, d’une brillante faconde, et déjà l’idole des femmes et des jeunes gens? Je craignis d’exposer

inutilement au péril mon courage ; je n’écoutai que mon naturel paisible, que mon amour du repos, qui, s’il me trompa, me trompe encore aujourd’hui sur le même article. En me retirant à Genève, j’aurais pu m’épargner de grands malhers à moi- même ; mais je doute qu’ avec tout mon zèle ardent et

patriotique, j’eusse fait rien de grand et d’utile pour mon pays45.

6. A defesa da cultura popular

Então, qual é tipo de espetáculo defendido por Rousseau, que deveria existir em uma pequena República como a de Genebra46? Os espetáculos que

devem ser aceitos em uma pequena cidade, segundo Rousseau, são aqueles que possuem características das festas populares. Nestas, há um número grande de pessoas que se divertem ao ar livre, os autores são também atores. Não sendo assim, meros personagens que agem cegamente decorando

45 Ibid. pp. 142-143.

Um fato que muito contribuiu para que eu me resolvesse foi Voltaire ter-se instalado perto de Genebra. Compreendi que aquele homem faria revolução por lá; que, em minha pátria, eu iria encontra o tom, os ares, os costumes que me expulsaram de Paris; que me seria preciso lutar sem cessar, e que eu teria de escolher entre ser um pedante insuportável ou um covarde e mau cidadão. Desde então considerei Genebra perdida, e não me enganei. Talvez eu devesse ir afrontar a tempestade, se sentisse que dava para isso. Mas que faria eu, só, tímido, falando dificilmente, contra um homem arrogante, opulento, protegido pelo crédito dos grandes, de palavras brilhantes, e já o ídolo das mulheres e dos rapazes? Receei expor inutilmente minha coragem ao perigo; e só prestei ouvidos a minha natureza plácida, ao meu amor do sossego, que, se me enganaram, ainda hoje me enganam a esse respeito. Indo para Genebra, talvez eu me houvesse podido poupar a grandes desgraças; mas duvido que, com todo o meu zelo ardente e patriótico, pudesse fazer alguma coisa útil e grande por meu país. Rousseau, 2008, p, 362.

46 No momento em que Rousseau escreve como ele mesmo diz:

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