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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO RITA ARRUDA HOLANDA

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RITA ARRUDA HOLANDA

O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

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RITA ARRUDA HOLANDA

O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Júlio Carlos Sampaio Neto.

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RITA ARRUDA HOLANDA

O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em 14/06/2011

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Júlio Carlos Sampaio Neto

Universidade Federal do Ceará - UFC

___________________________________________ Prof. Emanuel de Abreu Pessoa

Universidade Federal do Ceará - UFC

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Dedicatória

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Agradecimentos

Agradeço ao professor Júlio Carlos Sampaio Neto pela gentileza em aceitar o convite para orientar o presente trabalho;

Aos demais componentes da banca Emanuel de Abreu Pessoa e Tibério Carlos Soares Roberto Pinto;

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“Há uma verdade absoluta: a que cada um tem a sua própria verdade. Há pessoas, no entanto, que vivem à procura da verdade nos outros. E há outras que procuram impor sua verdade aos outros. Umas querem ser escravizadas. Outras querem escravizar. Quem precisa de senhor, tem vocação de escravo. Quem escraviza, precisa de escravos. E se precisa de escravos, é porque não alcançou a liberdade.”

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RESUMO

A presente monografia trata do combate ao trabalho escravo no âmbito do Estado Brasileiro. O trabalho divide-se em quatro partes. A primeira irá tratar da escravidão no decorrer da história, mostrando como essa prática esteve presente no seio das mais diversas sociedades, analisando ainda as diferentes idéias utilizadas em momentos diversos para justificá-la. A segunda parte tratará de como o ordenamento jurídico brasileiro vê atualmente a escravidão, comparando com a forma como a mesma era vista anteriormente. A terceira parte inclui uma exposição das instituições, estatais ou não, que possuem algum papel no combate ao trabalho escravo no Brasil. Por fim, a última parte traz relatos de casos reais de redução de seres humanos à escravidão, com especial atenção na forma como tais casos foram combatidos. O enfoque central desse trabalho é analisar a eficácia das instituições e práticas de combate à escravidão contemporânea no Brasil, objetivando apontar pontos fortes e fracos, além de levantar idéias para melhorá-las.

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ABSTRACT

This monograph deals with the fight against slave labor in the Brazilian State. The work is divided into four parts. The first will deal with slavery throughout history, showing how that practice was present in the context of many societies, still analyzing the different ideas used at different times to justify it. The second part will deal with how the legal Brazilian slavery see today compared to how it was seen earlier. The third part includes an exhibition of institutions, state or not, that have some role in the fight against slave labor in Brazil. Finally, the last part brings reports of actual reduction of human beings to slavery, with special attention to the way such cases were addressed. The central focus of this paper is to analyze the effectiveness of institutions and practices to combat modern-day slavery in Brazil, aiming at pointing out strengths and weaknesses, besides raising ideas to improve them.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 A ESCRAVIDÃO NA HISTÓRIA ... 13

1.1 A Origem da Escravidão e a Revolução Agrícola ... 13

1.2 A Escravidão e as Grandes Religiões ... 14

1.3 A Escravidão nas Sociedades Antigas ... 16

1.4 A Escravidão na História do Brasil ... 19

2 O TRABALHO ESCRAVO NA REALIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ... 22

2.1 Construindo um conceito Contemporâneo de Escravidão... 22

2.2 Como Funciona a Escravidão no Brasil Atual ... 23

2.3 O Trabalho Escravo perante o Ordenamento Jurídico Pátrio Atual ... 24

2.3.1 A Constituição Federal de 1988 e as convenções internacionais ... 24

2.3.2 A Escravidão Perante do Direito Penal Brasileiro ... 29

3 O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO ... 31

3.1 O Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal no Combate ao Trabalho Escravo ... 31

3.2 O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo... 35

3.3 Ações de Combate ao Trabalho Escravo pelas Unidades da Federação ... 37

3.4 A Justiça e o Combate ao Trabalho Escravo ... 38

3.4 A Sociedade Civil e o Combate ao Trabalho Escravo ... 41

4 RELATO DE CASOS ... 44

4.1 Trabalhadores Libertados em Sobral – CE... 44

4.2 Trabalho escravo em Mato Grosso: Trabalhadores são libertados de pedreiras de políticos ... 45

4.3 Operação de resgate do Ministério do Trabalho e Emprego liberta 1.200 escravos em usina de álcool no Mato Grosso ... 46

4.4 Equipe fiscal da SRTE/MG resgata 131 trabalhadores em Minas Gerais ... 47

4.5 Força-tarefa liberta 849 trabalhadores escravos na Bahia. ... 48

4.6 Flagrante de trabalho escravo em ferrovia paulista. ... 49

4.7 Grupo de imigrantes bolivianos, submetidos a condições análogas à escravidão, é encontrado na centenária rede varejista Pernambucanas ... 50

4.8 Deputado Federal Inocêncio Oliveira é condenado por trabalho escravo ... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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INTRODUÇÃO

A redução de seres humanos à condição de escravos é uma prática que pode ser observada nas mais diversas sociedades e épocas. Babilônios, egípcios, gregos e romanos, dentre outros povos, conviveram com regimes escravagistas. A escravidão sempre procura uma forma diferente de se justificar, seja no direito divino, seja em noções de raça, em regras quanto ao pagamento de dívidas, entre outras. O mundo contemporâneo, com toda sua evolução, não se livrou dessa chaga social. Ainda existem pessoas subjugadas à escravidão nas mais diversas partes, inclusive no Brasil.

Diante de tal quadro, erguem-se diversas discussões acerca das causas de disseminação dessa prática e, principalmente, de quais seriam as formas mais eficazes de combatê-la. A Constituição Federal de 1988, que possui sólidos alicerces fincados no ramo dos direitos humanos, veda a redução de pessoas a condições análogas à de escravos, prática que é considerada crime. Existem ainda iniciativas legislativas importantes destinadas a conferir maior eficácia ao combate à escravidão contemporânea, como a Proposta de Emenda Constitucional nº 438, que prevê o confisco de terras de escravagistas.

Este trabalho possui o escopo de explorar a evolução histórica do trabalho escravo no mundo, seu papel no desenvolvimento do Estado Brasileiro e sua situação na atual conjuntura política e jurídica nacional, explorando posições doutrinárias, decisões judiciais e demais aspectos relativos à questão.

O primeiro capítulo traçará um esboço histórico da escravidão, mostrando como é uma prática que esteve sempre presente na trajetória da humanidade. A partir da construção de um conceito acerca do trabalho escravo, serão expostas as mais diversas justificativas que o homem usou para subjugar seus semelhantes à escravidão.

No segundo capítulo, por sua vez, serão enfocados os diferentes papéis que a escravidão assumiu na história brasileira, culminando em uma explicação acerca da sua situação em nossa atual conjuntura jurídica.

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Por fim, o quarto capítulo mostrará, a partir do relato de casos concretos, se as medidas adotadas por estas instituições são ou não realmente eficazes.

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1 A ESCRAVIDÃO NA HISTÓRIA

Escravizar é o ato de reduzir um ser humano à propriedade de outro, que dele pode dispor da forma que desejar. Em termos jurídicos, o escravo torna-se objeto do direito de propriedade de seu senhor, sofrendo a mitigação de seus próprios direitos individuais em maior ou menor grau, dependendo da sociedade e do momento histórico. É necessário estudar a trajetória das práticas escravagistas na história para entender como elas ainda sobrevivem ilegalmente na contemporaneidade. Ao fazê-lo, nota-se, logo de início que somente há pouco tempo possuir um escravo passou a ser visto como algo negativo; no passado isso já foi símbolo de posição social e até mesmo considerado algo indispensável para a vida em sociedade.

As mais diversas sociedades praticaram a escravidão de seres humanos sob diferentes formas. A mais antiga delas provavelmente é a resultante das guerras entre povos com interesses conflitantes, nas quais os prisioneiros que os vencedores faziam tornavam-se seus escravos. Partindo dessa forma primária, várias outras se desenvolveram, com diferentes justificativas de cunho religioso ou filosófico.

1.1 A Origem da Escravidão e a Revolução Agrícola

A primeira forma de escravidão praticada pela humanidade teve origem a partir dos conflitos entre grupos sociais diferentes, dos quais resultavam prisioneiros de guerra. A escravidão tornou-se uma forma de inserir o prisioneiro do grupo derrotado no contexto social do conquistador. Tomando por base tal dado, pode ser afirmado que a redução de seres humanos à condição de escravos está ligada ao surgimento da agricultura, uma vez que os grupos de caçadores coletores que habitavam o mundo antes da revolução agrícola eram predominantemente pacíficos, e os atos de violência nos quais se envolviam não eram organizados o suficiente para produzir prisioneiros. Ademais, como os grupos de caçadores-coletores viviam do que retiravam diariamente da natureza, não possuindo um ponto fixo de residência nem territórios, possuir escravos era algo que não fazia sentido.

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propriedade e riqueza que os homens possuíam, originando disputas por territórios e recursos, sendo a escravidão dos perdedores uma das conseqüências dessas disputas. Pode-se dizer então, que a escravidão é um dos filhos bastardos da guerra.

1.2 A Escravidão e as Grandes Religiões

Um fator que evidencia com clareza como o trabalho escravo foi difundido na história da humanidade é a forma como o mesmo é tratado pelas grandes religiões em seus livros sagrados e opiniões difundidas por seus respectivos conjuntos clericais.

A Bíblia aborda o tema em diversas passagens em livros do velho e do novo testamento. A primeira referência que o livro sagrado cristão faz à escravidão está logo no Gênesis, figurando como uma punição que Noé aplica a Canaã, em represália pelo fato de seu pai Cam chamar seus irmãos para presenciarem a nudez de Noé, em virtude da embriaguez do mesmo, conforme segue:

Os filhos de Noé que saíram da arca eram Sem, Cam e Jafet. Cam era o pai de Canaã. Estes eram os três filhos de Noé. É por eles que foi povoada toda a terra. Noé, que era agricultor, plantou uma vinha. Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cam, o pai de Canaã, vendo a nudez de seu pai, saiu e foi contá-lo aos seus irmãos. Mas, Sem e Jafet, tomando uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e foram cobrir a nudez de seu pai, andando de costas; e não viram a nudez de seu pai, pois que tinham os seus rostos voltados. Quando Noé despertou de sua embriaguez, soube o que lhe tinha feito o seu filho mais novo. "Maldito seja Canaã, disse ele; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos!" E acrescentou : "Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e Canaã seja seu escravo! Que Deus dilate a Jafet; e este habite nas tendas de Sem, e Canaã seja seu escravo.1

Os livros Êxodo e Levítico trazem um elenco de regras a serem seguidas relativas à escravidão. A passagem a seguir, do capítulo vinte e cinco do Levítico, traz regulamentos que podem ser encontrados de forma semelhante em outras sociedades além da hebraica:

E quanto aos escravos ou às escravas que chegares a possuir, das nações que estiverem ao redor de vós, delas é que os comprareis. Também os comprareis dentre os filhos dos estrangeiros que peregrinarem entre vós, tanto dentre esses como dentre as suas famílias que estiverem convosco, que tiverem eles gerado na vossa terra; e vos serão por possessão. E deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem como possessão; desses tomareis os vossos escravos para sempre; mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não dominareis com rigor, uns sobre os outros.2

O Êxodo, em seu capítulo vinte e um, também elenca regras:

1 BIBLIA. Português. Bíblia on Line. Versão Católica. Acesso 14 Abr. 2011. Disponível em <www.bibliaonline.com.br>.

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Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá forro, de graça. Se entrar sozinho, sozinho sairá; se tiver mulher, então com ele sairá sua mulher. Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e os filhos dela serão de seu senhor e ele sairá sozinho. Mas se esse servo expressamente disser: Eu amo a meu senhor, a minha mulher e a meus filhos, não quero sair forro; então seu senhor o levará perante os juízes, e o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e o seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o servirá para sempre. Se um homem vender sua filha para ser serva, ela não sairá como saem os servos.3

O Novo Testamento também faz alusão aos escravos, como podemos ver na carta aos Colossenses, que orienta os escravos a obedecer: “em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo somente à vista como para agradar aos homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor”4. Da mesma forma, a carta aos Efésios exorta: “Escravos, obedeçam aos vossos senhores”5.

O Alcorão, livro sagrado do Islã, faz diversas referências à escravidão. Tal como a Bíblia, não a condena, limita-se apenas a disciplinar a relação dos senhores com seus escravos. A seguinte passagem é um exemplo:

Quanto àqueles, dentre vossos escravos e escravas, que vos peçam a liberdade por escrito, concedei-lha, desde que os considereis dignos dela, e gratificai -os com uma parte dos bens com que Deus vos agraciou. Não inciteis as vossas escravas à prostituição, para proporcionar-vos o gozo transitório da vida terrena, sendo que elas querem viver castamente. Mas se alguém as compelir, Deus as perdoará por terem sido compelidas, porque é Indulgente, Misericordiosíssimo.6

A Escritura Sagrada muçulmana também faz referência a uma prática antiga a que escravos são submetidos, qual seja a exploração sexual por parte de seus senhores, ao aconselhar aos fiéis na sura 23: “Que observem a castidade, exceto para os seus cônjuges ou cativas – nisso não serão reprovados”7. A despeito disso, o Corão também aconselha aos senhores a serem gentis com seus escravos:

Vossos servos: qualquer criatura que não possua direitos civis. Inclui cativos ou escravos (em qualquer forma que existam), pessoas sob a vossa tutela, ou animais silentes, com os quais tendes de tratar. Todos eles são criaturas de Deus e merecem a nossa simpatia e o nosso serviço prático.8

Ademais, como nos lembra Gilberto Freyre, no seu cultuado Casa Grande e Senzala: “Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime.”9

3 Ibidem.

4 Ibidem. 5 Ibidem.

6 O ALCORÃO. Tradução de Mansour Challita. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran, s./d, pag. 217.

7 Idem.

8 Ibidem, pag. 458.

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1.3 A Escravidão nas Sociedades Antigas

Falar da escravidão nas sociedades antigas não é possível sem citar sua fundamentação filosófica e religiosa. Ao analisar a Bíblia e o Alcorão no item anterior, ficou claro como a prática escravagista era difundida nas sociedades hebraica e árabe, onde surgiram respectivamente os dois livros sagrados. Outras sociedades também possuíam fundamentações religiosas para a escravidão, como a hindu, que ligava à escravidão ao sistema de castas estabelecido nas escrituras védicas, no qual existe uma casta destinada aos servos, os sudras.

O escrito que é largamente considerado a lei mais antiga da humanidade, o Código de Hamurabi, refere-se aos escravos em várias passagens, evidenciando a forte presença destes na sociedade babilônica. Estes escravos constituíam uma das classes sociais em que se estruturava a referida sociedade, a classe dos wardum. Os artigos seguintes do Código de Hamurabi exemplificam a abordagem da escravidão no regramento em análise:

279º - Se alguém compra um escravo ou uma escrava e outro propõe ação sobre eles, o vendedor é responsável pela ação.

280º - Se alguém em país estrangeiro compra um escravo ou uma escrava, se volta à terra e o proprietário reconhece o seu escravo ou a sua escrava, se o escravo ou escrava, são naturais do país, ele deverá restituí-los sem indenização.

281º - Se são nascidos em outro país, o comprador deverá declarar perante Deus o preço que ele pagou e o proprietário deverá dar ao negociante o dinheiro pago e receber o escravo ou a escrava.

282º - Se um escravo diz ao seu senhor: "tu não és meu senhor", será convencido disso e o senhor lhe cortará a orelha. 10

No Egito antigo também esteve presente a escravidão através da dominação de outros povos, mas também sob outra forma bastante popular nas civilizações da antiguidade, a escravidão por dívida. Aos escravos cabia a realização de serviços domésticos e trabalhos em pedreiras e minas.

Coube à Grécia discutir a escravidão no campo da filosofia, infelizmente apenas para procurar argumentos que justificassem a prática, uma vez que a civilização grega era alicerçada no trabalho escravo. Há registros segundo os quais no período clássico de Atenas, cada cidadão possuía ao menos um escravo.

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trabalho não agregava valor ao homem, devendo por isto ser delegado aos escravos, textualmente “O melhor Estado não fará de um trabalhador manual um cidadão, pois a massa de trabalhadores manuais é hoje escrava ou estrangeira"11, e ainda "O trabalho permanece alheio a qualquer valor humano e em certos aspectos parece mesmo a antítese do que seja essencial ao homem"12. Aristóteles defendia ainda a condição natural da escravidão, colocando o escravo como essencial à formação de uma família, conforme segue:

A coisa possuída está para o possuidor assim como a parte está para o todo; ora, a parte não é somente distinta do todo, ela lhe pertence; o mesmo ocorre com a coisa possuída em relação ao possuidor. O senhor não é senão o proprietário de seu escravo, mas não lhe pertence; o escravo, pelo contrário, não somente é destinado ao uso do senhor, como também dele é parte. Isto basta para dar uma idéia da escravidão e para fazer conhecer esta condição.

O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma posse e um instrumento para agir separadamente e sob as ordens de seu senhor.13

É difícil determinar em que momento a escravidão passou a ser associada à sociedade Grega, embora seja claro que era possível tornar-se escravo de diversas formas diferentes. A forma mais comum era através da captura em guerras onde os prisioneiros eram escravizados e vendidos nas cidades para realizar trabalhos domésticos ou rurais. Em Esparta, cidade conhecida por sua dedicação às guerras, a quantidade de escravos era tão elevada que era permitido aos soldados matarem escravos como forma de treinamento. Tal permissão tinha dupla utilidade para a sociedade espartana, treinar os soldados e manter sob controle a população de escravos, prevenindo revoltas. Havia também na sociedade grega a escravidão por dívidas, modalidade na qual o devedor pagava uma dívida tornando-se escravo do credor por uma quantidade de tempo proporcional ao seu débito.

O regime escravista presente na Grécia antiga é diferente daquele verificado nos tempos modernos, uma vez que escravos podiam ser pessoas altamente instruídas, aptas a exercer atividades de qualquer grau de complexidade intelectual. A única atividade vedada aos escravos era a política, em virtude de ser considerada a única atividade digna dos cidadãos.

Considerando a dedicação exclusiva dos cidadãos à política, os escravos eram a coluna maior de sustentação da economia grega, uma vez que as demais atividades deviam ser 10 CÓDIGO DE HAMURABI. Disponível em< http://www.cpihts.com/PDF/C%C3%B3digo%20hamurabi.pdf> Acesso em 15 Abr. 2011.

11 ARISTÓTELES, apud ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1998, pag. 26.

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exercidas predominantemente por eles. Tal gama de atividades envolvia desde a agricultura e mineração, até tarefas domésticas e manufaturas.

A sociedade romana, herdeira dos costumes e conhecimento gregos, também trouxe em seu seio o instrumento da escravidão. Os escravos eram também essenciais à economia de Roma, por constituírem a grande maioria da mão-de-obra. Representando um percentual considerável da população do império e despojados de todos os direitos, possuindo o senhor direito sobre suas vidas e suas mortes, os cativos romanos foram responsáveis por várias revoltas, todas duramente reprimidas. Normalmente os escravos romanos eram oriundos dos povos conquistados, embora também houvesse escravidão por dívidas, pirataria ou mau comportamento cívico. Arruda e Piletti fazem o seguinte comentário acerca da escravidão em Roma:

Quem tinha posses chegava a ter quinhentos escravos. Foi o caso de Plínio, o Jovem, político que viveu no século I da era cristã. Os muito ricos podiam manter até cerca de 4 mil escravos; já os imperadores às vezes possuíam 20 mil.

Essa verdadeira massa humana era aproveitada para trabalhar na burocracia do governo romano, na agricultura, mineração, construção e obras públicas. A grande maioria, porém, dedicava-se aos trabalhos domésticos e desempenhava funções bastante específicas. Havia escravos ocupados em cuidar de cada tipo de roupa, de prato, de copo, etc. Para manter e polir jóias, cuidar de cada etapa do penteado dos romanos, de cada tipo de comida, escravo era o que não faltava.

Quase todos os trabalhos eram realizados por eles. Muitas vezes, os escravos viviam com conforto devido aos bons tratos oferecidos por seus senhores; outras, porém, sofriam com o tratamento aviltante dispensado pelos romanos. 14

À queda do Império Romano sucedeu-se o surgimento da chamada Idade Média, na qual diversos valores antigos foram modificados em virtude do pensamento cristão. A escravidão continuou existindo, porém, sofreu várias modificações e algumas modalidades de relação de trabalho bastante similares vieram a lume, como é o caso da servidão. Os servos, que eram a grande massa trabalhadora que sustentou o regime feudal na idade média, não eram homens livres, eram presos à terra em que viviam e tinham pesadas obrigações em relação a seus senhores. Diferiam dos escravos em dois pontos básicos, primeiro eram ligados à terra e não ao senhor. Caso o feudo mudasse de mãos eles não poderiam ser expulsos, passavam a obedecer ao novo senhor, e tinham direito à vida, algo negado aos escravos, cuja vida dependia da vontade do amo. Ambos tinham em comum, porém, o fato de serem alvo das mais variadas formas de exploração.

13 ARISTÓTELES. A Política. Disponível em < http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/politica.pdf> Acesso em 19 Abr. 2011.

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Com a ascensão da Igreja Católica, como instituição definidora da moral, torna-se importante analisar qual sua posição acerca da servidão e da escravidão durante a Idade Média. Adotando um posicionamento de considerar a rebeldia um grave pecado, a Igreja demonstrou apoiar o regime de exploração dos camponeses. Os conceitos de direitos humanos e igualdade hoje largamente difundidos não faziam sentido para o homem medieval, para quem era natural que alguns homens nascessem com mais direitos que os outros. Esse apoio à servidão evoluiu para o apoio à escravidão dos negros, que será abordada adiante. Entretanto, não foi unânime no clero o apoio ao escravagismo, visto que, ainda no Sec. IX, o papa João VIII em carta a um Príncipe da Sardenha aconselha:

Há uma coisa a respeito da qual desejamos admoestar-vos em tom paterno; se não vos emendardes, cometereis grande pecado, e, em vez do lucro que esperais, vereis multiplicadas as vossas desgraças. Com efeito, por instituição dos gregos, muitos homens feitos cativos pelos pagãos são vendidos nas vossas terras e comprados por vossos cidadãos que os mantêm em servidão. Ora consta ser piedoso e santo, como convém a cristãos, que, uma vez comprados, esses escravos sejam postos em liberdade por amor a Cristo, a quem assim proceda, a recompensa será dada não pelos homens, mas pelo mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isto exortamo-vos e com paterno amor vos mandamos que compreis dos pagãos alguns cativos e os deixeis partir para o bem de vossas almas.15

Importante também frisar que atualmente a Igreja Católica, no Brasil, é uma das instituições em que as pessoas mais confiam, motivo pelo qual a principal fonte de denúncia de casos de trabalho escravo é a Comissão Pastoral da Terra – CPT, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.

1.4 A Escravidão na História do Brasil

Ao sair do mundo da Idade das Trevas e adentrar na idade moderna, com as grandes navegações e o início da exploração dos continentes asiático, africano e americano pelos europeus, a trajetória da escravidão pode ser traçada em paralelo com a própria história do Brasil.

A escravidão tomou uma nova roupagem na idade moderna ao agregar o racismo entre seus pressupostos. Ao contrário da antiguidade – onde o que fazia de alguém escravo eram suas dívidas ou sua condição de prisioneiro de guerra – agora o que torna o homem passível de ser escravizado é sua raça, o fato de não ser um homem branco. O malfadado instituto, que sobreviveu durante toda a era medieval, voltou a ser amplamente utilizado pelos

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estados modernos, por intermédio do tráfico de africanos através dos oceanos. Kabengele Munanga expõe magistralmente, de forma sucinta, o que significou a escravidão dos nativos da África pelo branco europeu, vejamos:

Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em meados do século XV, a organização política dos Estados africanos já tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias eram constituídas por um conselho popular no qual as diferentes camadas sociais eram representadas. A ordem social e moral equivalia à política. Em contrapartida, o desenvolvimento técnico, incluída a tecnologia de guerra, era menos acentuada. Isto pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio-econômicas e históricas da África daquela época, e não biologicamente, como queriam alguns falsos cientistas. Neste mesmo século XV, a América foi descoberta. A valorização de suas terras demandava mão-de-obra barata. A África sem defesa... apareceu então como reservatório humano apropriado, com um mínimo de gastos e de riscos .16

O negro e o índio foram escravizados no território brasileiro da colônia ao império. A escravidão do negro se destaca pelo seu uso mais intenso tanto em atividades econômicas como domésticas. Gilberto Freyre, no notabilíssimo Casa Grande e Senzala, expõe a dura realidade do negro inserido na vida social brasileira. Ao explicar a relação entre a economia da colônia, da metrópole e o papel da escravidão em relação as duas, Freyre esclarece:

O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal - o ouro, a prata, a madeira, o âmbar, o marfim - para a de criação local de riqueza. Ainda que riqueza - a criada por eles sob a pressão das circunstâncias americanas - à custa do trabalho escravo: tocada, portanto, daquela perversão de instinto econômico que cedo desviou o português da atividade de produzir valores para a de explorá-los, transportá-los ou adquiri-los.17

Freyre também dá importante contribuição ao analisar a convivência do escravo na vida doméstica do brasileiro. Podemos ver que o negro forneceu grande influência não só na nossa formação cultural e econômica, como também na própria sexualidade do povo brasileiro. A iniciação sexual do jovem branco na maioria das vezes se dava com as escravas domésticas ou até mesmo pequenos escravos companheiros de brincadeiras. Conforme consta na obra de Freyre: “Através da submissão do moleque, seu companheiro de brinquedos e expressivamente chamado leva-pancadas, iniciou-se muitas vezes o menino branco no amor físico.”18

É de clareza cristalina a frase de Casa Grande e Senzala, com ressalva ao uso da expressão “amor físico” por Freyre, em virtude de macular a palavra amor ao usá-la para

16 MUNANGA, Kabengele. (1986). Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Editora Ática. Pag. 08. 17 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Global. 2003, pag. 81.

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referir-se à exploração sexual de meninos negros. Entretanto, a exploração sexual do negro ia além disso, nas palavras de Freyre:

Diz-se geralmente que a negra corrompeu a vida sexual da sociedade brasileira, iniciando precocemente no amor físico os filhos de família. Mas essa corrupção não foi pela negra que se realizou, mas pela escrava. Onde não se realizou através da africana, realizou-se através da escrava índia.19

Foi longa a jornada percorrida até que entrasse em foco a discussão acerca da liberdade dos escravos. O negro, tido como raça inferior, a quem a Igreja negava o direito de possuir uma alma, era tido como um mero objeto. Após avanços e retrocessos a escravidão foi abolida no Brasil em 13 de maio de 1888. Era o fim da coisificação do negro, mas não o fim da sua exploração. A falta de uma reforma agrária ampla e de políticas eficazes de distribuição de riqueza fizeram de muitos negros piores que escravos, vez que se tornaram seres completamente à margem da sociedade, privados de todos os recursos indispensáveis à sua dignidade como pessoa.

A política brasileira, também seguida em vários países, de relegar aos pobres as migalhas dos poderosos – vigente até os dias presentes, onde muitos agentes públicos comportam-se como membros da nobreza, com “direito divino” ao dinheiro público, como se não devessem a ninguém satisfações, esquecendo-se que “todo poder emana do povo” – tornou possível a perpetuação da exploração de pessoas desprovidas materialmente por aqueles que possuem poder econômico. A prática ganhou novos nomes, como por exemplo, redução de seres humanos a condições análogas à de escravo, usado em uma definição de tipo legal do ordenamento jurídico pátrio. O nome floreado não disfarça o significado que se oculta por trás das letras, trata-se da velha escravidão que, não tendo mais respaldo do estado ou da Igreja, esconde-se sob as vestes da hipocrisia.

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2 O TRABALHO ESCRAVO NA REALIDADE BRASILEIRA

CONTEMPORÂNEA

A despeito do fato de o Brasil possuir uma das Constituições mais avançadas do mundo no que toca ao reconhecimento dos direitos individuais e sociais do ser humano, problemas como o trabalho escravo constituem verdadeiras chagas sociais que assolam a dignidade humana. Conclui-se disso que a realidade prática encontra-se ainda longe daquela positivada nas leis do país.

2.1 Construindo um conceito Contemporâneo de Escravidão

Considerando os avanços sociais, políticos e jurídicos no campo das relações de trabalho e dos direitos humanos, o conceito de escravidão em voga da antiguidade à época moderna, onde tal prática era respaldada pelo poder estatal, precisa ser revisto para adequá-lo às práticas análogas existentes na atualidade. Jaques Gomes de Jesus, em dissertação acerca do trabalho escravo nos dias atuais, bem explica sua posição paradoxal em relação aos valores jurídicos contemporâneos, vejamos:

A “descoberta” da escravidão contemporânea causa surpresa não só porque sua denúncia foi silenciada ou menosprezada, mas também porque contradiz a concepção teleológica de tempo como uma sucessão de acontecimentos linearmente estruturados, visto que a escravidão não se ajusta às concepções de democracia e de capitalismo sustentadas na contemporaneidade.20

Trabalho considerado escravo é aquele em que os direitos do trabalhador são suprimidos em níveis que afetam diretamente a sua dignidade como pessoa. Jornadas abusivas e ilegais, pagamentos irrisórios ou inexistentes e manutenção de trabalhadores sob ameaça são características dos casos modernos de escravização. Exemplos disso Jesus expõe citando Plassat e Gonçalves, que elencaram casos de escravidão em contraposição aos negacionistas, corrente que procura pregar que tal mal se encontra enterrado nas areias do tempo, textualmente:

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Informam Plassat e Gonçalves (2005), entre inúmeros relatos, que em junho de 2003 foram libertos 39 trabalhadores escravizados em uma fazenda do Mato Grosso de propriedade de um presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro; que um ex-prefeito de Unaí foi condenado em dezembro de 2002 por prática de trabalho escravo no Pará e comentou: “Eu me lixo com isso”; que foram resgatados em fevereiro de 2001 25 trabalhadores escravizados em uma fazenda do Tocantins de propriedade de um ex-ministro da Agricultura; que determinado senador da República pelo estado do Tocantins defendeu em pronunciamento, no dia 14 de junho de 2004, um amigo que supostamente era perseguido por fiscais porque tratava seus peões “à moda antiga”; na fazenda desse senador, no Pará, em janeiro daquele ano, foram libertos 35 trabalhadores escravizados, ao que o político sofreu denúncia criminal e foi condenado pela Justiça do Trabalho a indenizá-los coletivamente em sessenta e seis mil reais. Sobre esse caso em particular, o senhor Cláudio Fonteles, procurador-geral da República, afirmou: “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço. 21

A despeito de este trabalho visar à análise da realidade pátria, é importante salientar que o trabalho escravo é uma mácula global, sendo encontrado de países pobres até os mais desenvolvidos, como Estados Unidos e França, sendo relacionado com o tráfico de seres humanos.

2.2 Como Funciona a Escravidão no Brasil Atual

De forma genérica, o trabalho escravo sobrevive em diversas situações onde trabalhadores são forçados a prestar serviços sem o atendimento a seus direitos básicos em virtude de certos artifícios utilizados pelos empregadores. Uma forma vergonhosamente tradicional que ainda existe é a prática do empregador manter os empregados trabalhando para pagar dívidas contraídas consigo para aquisição de produtos essenciais à subsistência, vendidos a preços exorbitantes.

Entretanto, existe todo um processo desde a atração desses empregados para as terras do empregador até a completa submissão dos trabalhadores aos desmandos deste. Tudo costuma começar com uma figura conhecida como “gato”, pessoa encarregada de arregimentar mão-de-obra em locais normalmente distantes daquele onde os serviços serão prestados. Faz parte do esquema isolar o trabalhador em ambiente desconhecido, visto que dificultará muito uma reação. Atraídos por trabalho certo e bem remunerado, muitos caem na armadilha.

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O “gato” faz o intermédio entre o empregado e o empregador, recebendo sua comissão. Depois que o trabalhador chega em suas terras, normalmente grandes fazendas, o empregador passa a cobrar valores absurdos por alimentação, moradia e produtos básicos, fazendo com que o empregado tenha uma dívida cada vez maior. Tal circunstância permite ao explorador submeter o explorado a jornadas de trabalho exaustivas e as condições só tendem a piorar no decorrer do tempo. Em alguns casos, além de explorados, os trabalhadores são vigiados por capangas armados, podendo até mesmo serem mortos em caso de tentativa de fuga. Os estados onde existem mais casos são Pará, Maranhão e Mato Grosso, provavelmente devido ao isolamento geográfico das grandes propriedades que existem em larga escala em tais estados. Porém, em vários outros estados também há casos documentados, inclusive no Ceará.

Antes restrito à zona rural, atualmente também são encontrados casos de trabalho escravo nos centros urbanos, notadamente no estado em São Paulo. Embora ocorra em menor escala, se comparada ao meio rural, a escravidão urbana tem outra natureza, com características bem específicas. Suas vítimas são imigrantes ilegais latino-americanos, com maior incidência de bolivianos e paraguaios, que trabalhavam em oficinas de costura da região metropolitana de São Paulo. Essa nova modalidade pede, portanto, instrumentos específicos para combatê-la como, por exemplo, a regularização da situação desses imigrantes bem como a descriminalização de seu trabalho no Brasil.

2.3. O Trabalho Escravo perante o Ordenamento Jurídico Pátrio Atual

2.3.1 A Constituição Federal de 1988 e as convenções internacionais

Considerando que a lei maior de um País é sua constituição, o primeiro regramento a ser analisado para montar um panorama do trabalho escravo no ordenamento jurídico brasileiro é a Carta Magna de 1988.

Altamente avançada em matéria de direitos humanos, logo no início podemos notar que um de seus fundamentos básicos é contra o escravismo, vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Dois fundamentos são essenciais ao objeto do presente trabalho. O primeiro é aquele sobre o qual se funda todo o arcabouço de direitos humanos do nosso ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana. Ao falar em dignidade, a Carta Magna a associa com a pessoa humana, ou seja, não restringe a dignidade a quem possui determinada cor ou condição econômica. O simples fato de ser humano é reconhecido na Constituição Brasileira como condição suficiente para possuir os mesmos direitos à dignidade de todos, em consonância com o principio de que todos são iguais perante a lei.

O segundo é o valor social do trabalho, que é colocado na lei maior como algo de suma importância, uma vez que sem trabalho digno não é possível ao homem possuir dignidade em outros campos. A relação de trabalho é protegida, como forma de garantir a eficiência da regra que estabelece a dignidade para todos. A escravidão é, portanto, uma ofensa imensa aos fundamentos básicos da Constituição Federal de 1988, pois tira do homem a dignidade e anula o valor social do trabalho, atravancando o desenvolvimento do país sob a ótica social, jurídica e econômica. Não há como construir uma sociedade livre, justa e solidária em um país onde pessoas são reduzidas à escravidão.

Ainda na Constituição Federal, encontramos os dispositivos que tratam das relações de trabalho, especificamente no art. 7º, textualmente:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo de serviço;

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

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XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV - aposentadoria;

XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.

A gama de direitos que a Carta Magna confere aos trabalhadores, associados àqueles previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, mostra claramente como qualquer forma de trabalho escravo é anticonstitucional. Devendo ser salientado, ainda, a proibição de penas de trabalhos forçados no art. 5º.

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Convenção sobre Trabalho Forçado, trata da extinção de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório. Tal convenção possui a virtude de fornecer um conceito para trabalhos forçados ou obrigatórios, textualmente: “Para fins desta Convenção, a expressão „trabalho forçado ou obrigatório‟ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Prevê ainda exceções a tal conceito, vejamos:

A expressão "trabalho forçado ou obrigatório" não compreenderá, entretanto, para os fins desta Convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis do serviço militar obrigatório com referência a trabalhos de natureza puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas comuns de cidadãos de um pais soberano,

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou posta á sua disposição; d) qualquer trabalho ou serviço exigido em situações de emergência, ou seja, em caso de guerra ou de calamidade ou de ameaça de calamidade, como incêndio, inundação, fome, tremor de terra, doenças epidêmicas ou epizoóticas, invasões de animais, insetos ou de pragas vegetais, e em qualquer circunstância, em geral, que ponha em risco a vida ou o bem-estar de toda ou parte da população;

e) pequenos serviços comunitários que, por serem executados por membros da comunidade, no seu interesse direto, podem ser, por isso, considerados como obrigações cívicas comuns de seus membros, desde que esses membros ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados com referência á necessidade desses serviços.

Já a convenção nº 105 (ANEXO 2) trata da abolição do uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório nos seguintes termos:

Artigo 1º

Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso:

a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente;

b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico;

c) como meio de disciplinar a mão-de-obra; d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Ressalte-se, que as duas convenções supracitadas são as que receberam o maior número de ratificações por países membros dentre todas as convenções da OIT.

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de trabalhadores a condições análogas à de escravos. O projeto tramita desde 1999, e só com muita pressão foi aprovado no Senado e aguarda o segundo turno de votação na Câmara Federal. Saliente-se que haverá nova votação no Senado em virtude de modificações feitas pela bancada ruralista da Câmara para incluir no texto da emenda os imóveis urbanos. Apesar do clamor de diversas entidades e organizações sociais, além da aprovação popular materializada em um abaixo-assinado com mais de cento e vinte cinco mil assinaturas, não está sendo dada a necessária celeridade na tramitação da PEC. Segue, abaixo, trecho de nota lançada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em apoio à aprovação da matéria:

Se o desrespeito à função social da propriedade da terra já é, segundo a Constituição, motivo suficiente para sua possível desapropriação, o uso da propriedade como instrumento para escravizar o próximo é crime absolutamente intolerável contra a dignidade e contra a vida. Nada mais justo que os que praticam esse crime venham a perder sua propriedade, sem compensação, para que o Estado lhe dê destinação apropriada, especificamente, para a reforma agrária!

Desta forma, a aprovação da PEC 438/2001 é um imperativo ético e moral da consciência cidadã e, para os cristãos, uma exigência de coerência com os ensinamentos do Evangelho de Jesus. Assim, a CNBB soma-se ao clamor nacional para que se ponha um fim a tamanha agressão à pessoa humana.

São 120 anos da abolição da escravidão no Brasil, 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O tempo é propício para se decretar a segunda abolição da escravidão no campo brasileiro por meio da aprovação desta PEC.22

A Frente Nacional Contra o Trabalho Escravo, que agrega dezenas de entidades que lutam contra a exploração da mão-de-obra humana, também explicitou publicamente seu anseio pela aprovação da Emenda em manifesto, textualmente:

As entidades abaixo-assinadas, representantes dos mais diversos segmentos sociais e políticos que lutam contra a existência e a prática do trabalho escravo no Brasil, vêm a público externar seu posicionamento de repúdio contra todos os segmentos ainda capazes de praticar e acobertar tais práticas, tanto no meio rural quanto no meio urbano; ao mesmo tempo, exige do parlamento brasileiro a imediata aprovação da Proposta de Emenda à Constituição - PEC Nº 438, de 2001, que visa expropriar terras onde for constatada a exploração do trabalho escravo.

A aprovação da PEC 438/2001 é absolutamente imprescindível para que o Poder Legislativo brasileiro contribua efetivamente para a erradicação dessa chaga social, que, em pleno século XXI, ainda persiste em vários estados e regiões de nosso país, tirando a dignidade de tantos trabalhadores e ainda contribuindo para reforçar uma imagem negativa do Brasil na comunidade internacional.

A Constituição brasileira garante que toda propriedade rural deve cumprir sua função social. Não pode e não deve ser utilizada como instrumento de opressão ou submissão de qualquer pessoa. Infelizmente, o que ainda se vê, principalmente nas regiões de fronteira agrícola, são trabalhadores reduzidos à condição de escravos, privados de seus mais elementares direitos como seres humanos.

Escravidão é violação dos direitos humanos e a sua utilização deve ser tratada como crime. Se um proprietário de terras realiza essa prática, ele deve perdê-la, sem

22 CNBB. Nota da CNBB sobre Áreas Flagradas com Trabalho Escravo. Disponível em :

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direito a nenhuma indenização. Essa medida pune aqueles que roubam a dignidade e a liberdade das pessoas.

É hora de abolir de vez essas práticas criminosas contra os trabalhadores. No ano em que se completam 120 anos da abolição da escravatura, os Senhores e as Senhoras Congressistas podem modificar a história de nosso país, garantindo liberdade e dignidade ao trabalhador brasileiro, votando contra o trabalho escravo e favoravelmente à PEC 438/2001 que garantirá a EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ONDE COMPROVADAMENTE FOR FLAGRADA A EXISTÊNCIA DE

MÃO-DE-OBRA ESCRAVA.23

As perspectivas que se abrem com a possível aprovação da Emenda de Combate ao Trabalho Escravo são animadoras, considerando especialmente que a escravidão ocorre freqüentemente em grandes latifúndios, locais capazes de atender às condições de isolamento que a exploração do trabalhador requer. Será uma boa saída em dois pontos relevantes, primeiro, proverá uma sanção significativa ao escravizador e, segundo, fornecerá mais terras para a reforma agrária, tão necessária ao desenvolvimento do país.

É também importante frisar a existência do Projeto de Lei nº 2.022/1996, de autoria do Deputado Eduardo Jorge, que dispõe sobre as “vedações à formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública e à participação em licitações por eles promovidas às empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços”.

2.3.2 A Escravidão Perante do Direito Penal Brasileiro

Submeter alguém a condições análogas à de escravo é um tipo penal previsto no art. 149 do Código Penal, que recebeu nova redação com a Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Foi deveras importante o advento da nova Lei em virtude de anteriormente o tipo penal restringir-se a caracterizar como crime a sujeição de alguém à condição análoga à de escravo, sem especificar o que seria tal condição. Tal situação deu ensejo a muita impunidade, em virtude do Direito Penal ser norteado pelo princípio segundo o qual a definição de um crime não pode ter interpretações extensivas. É preciso que a lei deixe bem claro o que o caracteriza, sob pena de ninguém poder ser punido por infringi-lo.

Segundo a nova redação do Art. 149 do Código Repressivo, a submissão de alguém à condição análoga à de escravo pode se dar “quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o

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empregador ou preposto”. A Lei prevê, ainda, equiparações e casos de aumento de pena nos seguintes termos:

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

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3 O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO

Este Capítulo possui como foco a análise de ações efetivas tomadas para combater o trabalho escravo no Brasil pelas mais diversas entidades e movimentos sociais. A intensidade das lutas pela abolição das práticas escravistas evidencia o quanto as mesmas ainda são difundidas e o quanto ainda é preciso ser feito para erradicá-las.

3.1 O Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal no Combate ao Trabalho Escravo

O Ministério do Trabalho e Emprego é o órgão do Poder Executivo Federal com mais atuação no combate à escravidão. Juntamente com a o Departamento de Polícia Federal, o MTE é responsável pela fiscalização ostensiva acerca do atendimento aos direitos dos trabalhadores, realizando ações nas quais identifica focos de trabalho escravo e toma as primeiras providências no sentido de dar a punição cabível aos infratores.

Em 1994, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego firmaram um termo de compromisso no sentido de somar esforços para prevenir, reprimir e erradicar a prática de trabalho escravo, trabalho infantil, crimes contra a organização do trabalho e outras violências aos direitos e à saúde dos trabalhadores. O espírito do termo é exposto logo ao serem elencadas as obrigações dos signatários, vejamos:

Os órgãos signatários comprometem-se a:

a) comunicar, uns aos outros, o teor de todas as denúncias e representações que lhe seja formuladas, para que tenham encaminhamento específico e uniforme;

b) informar aos demais signatários sobre o resultado dos procedimentos de que tenham se desincumbido;

c) solicitar a atuação dos signatários, quando necessário, para ultimar providências que, por sua natureza, estejam afetas a atribuições restritas de cada um;

d) acompanhar o andamento das ações e dos procedimentos em curso, velando pela sua conclusão e adoção de medidas legais cabíveis;

e) implementar e manter um sistema único de informações e cadastro, possibilitando consultas permanentes entre os signatários e demais órgãos interessados;

f) designar, o âmbito de sua instituição, representante com atribuições específicas para o acompanhamento da execução deste Termo de Compromisso;

g) comunicar a órgãos não signatários deste Termo de Compromisso fatos que exijam sua atuação.24

A importância deste termo deve-se ao fato de o mesmo materializar uma soma de esforços do Poder Público no sentido de combater o trabalho escravo. O que mostra que é

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uma questão que não está sendo deixada de lado. Cada signatário possui obrigações diferenciadas, de acordo com seu âmbito de atuação. Analisemos as incumbências do Ministério do Trabalho e Emprego:

1 – Ao Ministério do Trabalho incumbe;

a) Adotar providências de fiscalização sempre que tomar conhecimento de violação de direito assegurados aos trabalhadores, inclusive no que respeita à saúde e segurança, ou quando houver solicitação dos demais signatários;

b) Acompanhar e coadjuvar os demais signatários nas diligências e investigações que procederem, sempre que solicitado, adotando as medidas legais cabíveis, dentro da respectiva área de atuação;

c) Informar aos demais signatários sobre o resultado das ações que lhe forem especificamente solicitadas.25

Fica clara a posição do MTE de órgão fiscalizador executivo, cabendo ao mesmo proceder às fiscalizações necessárias ao tomar conhecimento de qualquer violação ao objeto do termo, inclusive as que forem comunicadas pelos demais signatários, assim como acompanhar os representantes dos mesmos quando estiverem praticando procedimentos próprios de investigação em suas áreas de atuação. Atividade prática do MTE, a ser posta como exemplo, é a manutenção do ranking do trabalho escravo, lista atualizada semestralmente com os estados campeões em casos de escravidão. O MTE mantém também a chamada “lista suja” do trabalho escravo, relacionando todas as empresas ou pessoas físicas flagradas cometendo o crime de trabalho escravo. Tal lista é reconhecida internacionalmente como um dos principais meios utilizados para combater o trabalho forçado no Brasil e acarreta como conseqüências principais a pressão da opinião pública e sanções econômicas. Quem possui o nome incluso na “lista suja” possui financiamentos e acesso a crédito suspensos em instituições federais.

Após a inclusão do nome do infrator na "lista suja", instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia (Basa), o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também são orientados a não concederem crédito aos relacionados na lista. Outras sanções econômicas são as restrições comerciais e o bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O nome do explorador

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passa dois anos na lista, após esse prazo o mesmo deve comprovar que regularizou sua situação e quitou as pendências trabalhistas sob pena de permanecer na lista.

Vejamos agora o que cabe ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho:

2 – Ao Ministério Público Federal incumbe:

a) Utilizar os instrumentos legais de sua atuação, previstos nos artigos 6º 7º e 8º da Lei Complementar nº 75/93, em prol dos objetivos do presente Termo de Compromisso, especialmente os seguintes:

1) inquérito civil e outros procedimentos administrativos;

2) ação civil pública, ação civil coletiva e outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, no âmbito da Justiça do Trabalho

b) representar ao órgão judicial competente, visando à aplicação de penalidades por infrações contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade trabalhista do infrator, quando se tratar de trabalho de criança e adolescente;

c) expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito a interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis;

d) requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, acompanhá-los e produzir provas;

e) notificar os responsáveis pelo desrespeito aos direitos dos trabalhadores, para que tomem as providências necessárias a prevenir a repetição ou a cessação do desrespeito verificado;

f) adotar as providências previstas no Art. 8º incisos I a IX, da Lei Complementar 75/93;

g) divulgar, no âmbito do Ministério do Trabalho Público do Trabalho, os termos deste compromisso, bem como expedir às Procuradorias Regionais do Trabalho as instruções necessárias à sua implementação;

h) informar aos órgãos signatários sobre os procedimentos instaurados, bem como sobre as ações propostas pelo MPT, cientificando-os quando às medidas adotadas em cada caso.26

O Ministério Público é órgão independente, que possui a função de fiscal da lei em nosso ordenamento jurídico. Cabe a ele a defesa da sociedade em todos os níveis (cível, penal, trabalhista, tributário) e onde quer que haja o risco de violação de direitos atua o Parquet como custus legis. É ainda o titular da ação penal pública.

O termo de combate ao trabalho escravo, então, apenas estipula que cabe ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho, utilizarem suas prerrogativas legais na defesa dos objetivos do termo, além claro, de colaborar com os demais signatários com atitudes como a informação acerca de procedimentos instaurados e ações propostas pelo MPT.

O Ministério Público do Trabalho atua ao lado do judiciário no que toca o combate a essa chaga social. Por suas características e prerrogativas o MPT dispõe de dois 26 Ministério do Trabalho e Emprego. Termo de Cooperação do Trabalho Escravo. Disponível em

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instrumentos principais para fazer com que os exploradores de mão-de-obra sejam responsabilizados na justiça: a ação civil pública e a ação civil coletiva.

A ação civil pública permite ao Órgão Ministerial postular, nos termos da Lei nº 7.347/1985, a condenação do explorador a pagar indenização que recomponha os danos causados ao trabalhador, assim como obrigá-lo a tomar medidas que levem à restauração da dignidade do trabalhador, bem como cessar aquelas que a ofendam. Já a ação civil coletiva, destina-se a responsabilizar o explorador por danos morais e materiais infringidos individualmente aos trabalhadores.

Vejamos, por fim, os dispositivos acerca da Polícia Federal: 4 – À Secretaria de Polícia Federal incumbe:

a) adotar providências de repressão sempre que tomar conhecimento de violação de direitos assegurados aos trabalhadores, ou quando houver solicitação dos demais signatários;

b) acompanhar e coadjuvar os demais signatários nas diligências e investigações que procederem, sempre que solicitado, adotando as medidas legais cabíveis, dentro da respectiva área de atuação;

c) informar aos demais signatários sobre o resultado das ações que lhe forem especificamente solicitadas;

d) articular-se com os órgãos policiais estaduais visando à instauração de inquérito policial, quando o assunto exceder suas atribuições;

e) organizar e manter um cadastro criminal específico, com dados empresariais e pessoais de interesse dos signatários do presente Termo de Compromisso.27

A Polícia Federal é órgão que possui a atribuição constitucional de exercer a segurança pública para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Destarte, tal como nas atribuições do Órgão Ministerial, é estabelecido apenas que cabe ao Departamento de Polícia Federal utilizar de suas obrigações legais no combate às práticas que o termo de compromisso visa coibir, associado à colaboração com os demais signatários. É importante salientar, ainda, a função de articular-se com os órgãos policiais estaduais, quando o objeto de alguma investigação extrapolar sua competência, além da manutenção de um cadastro criminal específico, com dados de interesse dos signatários.

O termo de compromisso, ora em análise, materializa uma intenção efetiva de criar uma rede de combate à exploração de trabalhadores, tendo alcançado bons resultados. No sítio do Ministério do Trabalho e Emprego constam dados de operações realizadas no ano de 2005, contabilizando 04 operações de combate ao trabalho escravo, com 97 trabalhadores encontrados em situação degradante, havendo o resgate de 84 deles. Registra, ainda, 68 autos de infrações lavrados e R$ 134.674,00 (cento e trinta e quatro mil, seiscentos e setenta e

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quatro reais) de verbas rescisórias pagas. Há também registros acerca da libertação de 5.877 trabalhadores em 197 fazendas no ano de 2007.

Vários trabalhos estão sendo realizados, mas muitos ainda são necessários para garantir a proteção do trabalhador.

3.2 O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo

O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo é um documento elaborado pela Presidência da República, no ano de 2003, com o fito de elencar medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira no sentido de conferir maior atividade às ações de combate ao trabalho escravo, em especial aquelas tomadas pelos signatários do termo analisado no item anterior. Logo na sua introdução, o Governo Federal admite a existência do problema, suas raízes históricas e a necessidade urgente para o país de aboli-lo de vez, vejamos:

Passados mais de 100 anos da assinatura da Lei Áurea e o nosso País ainda convive com as marcas deixadas pela exploração da mão-de-obra escrava. No Brasil, a escravidão contemporânea manifesta-se na clandestinidade e é marcada pelo autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo e desrespeito aos direitos humanos.

Segundo cálculos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), existem no Brasil 25 mil pessoas submetidas às condições análogas ao trabalho escravo. Os dados constituem uma realidade de grave violação aos direitos humanos, que envergonham não somente os brasileiros, mas toda a comunidade internacional.

Consciente de que a eliminação do trabalho escravo constitui condição básica para o Estado Democrático de Direito, o novo Governo elege como uma das principais prioridades a erradicação de todas as formas contemporâneas de escravidão. E enfrentamento desse desafio exige vontade política, articulação, planejamento de ações e definição de metas objetivas.28

O Plano possui uma estrutura extremamente simples, na qual três colunas são postas, sendo que na primeira é definida uma ação a ser tomada, na seguinte quem deve tomar a ação e, por fim, qual o prazo no qual a medida deve ser posta em prática. A primeira ação elencada, por exemplo, é estabelecer a erradicação do trabalho escravo como prioridade do Estado Brasileiro, a ser tomada em curto prazo pela Presidência da República. Em seguida são listados todos os órgãos e entidades responsáveis por seguir as diretrizes do plano, que são:

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