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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM PERLA HAYDEE DA SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

LINGUAGEM

PERLA HAYDEE DA SILVA

DE LOUCA A INCOMPETENTE: CONSTRUÇÕES

DISCURSIVAS EM RELAÇÃO À EX-PRESIDENTA

DILMA ROUSSEFF

CUIABÁ-MT 2019

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2 2019

PERLA HAYDEE DA SILVA

DE LOUCA A INCOMPETENTE: CONSTRUÇÕES DISCURSIVAS EM RELAÇÃO À EX-PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF UFMT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

LINGUAGEM

PERLA HAYDEE DA SILVA

DE LOUCA A INCOMPETENTE: CONSTRUÇÕES

DISCURSIVAS EM RELAÇÃO À EX-PRESIDENTA

DILMA ROUSSEFF

CUIABÁ-MT 2019

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PERLA HAYDEE DA SILVA

DE LOUCA A INCOMPETENTE: CONSTRUÇÕES

DISCURSIVAS EM RELAÇÃO À EX-PRESIDENTA

DILMA ROUSSEFF

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Doutora em Estudos de Linguagem na Área de Concentração de Estudos Linguísticos.

Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus

Cuiabá-MT 2019

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Dedico este trabalho a minha mãe, Haydee, e a minhas irmãs, Andréa e Suzy, as mulheres da minha vida, mulheres fortes que, com seu exemplo, me ajudaram a me tornar o que sou hoje.

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AGRADECIMENTOS

Nesta tese encontra-se não apenas o resultado de meu trabalho acadêmico. Ao longo dos 4 anos de doutorado em que realizei esta pesquisa, muitas foram as pessoas que comigo empreenderam esta jornada, gentilmente oferecendo-me seu carinho, paciência, escuta e incentivo. Agora é chegada a oportunidade de agradecer todo o amor a mim ofertado. Sendo assim, agradeço:

Primeiramente, ao meu orientador, prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus, pela incansável orientação, pelos conselhos, pelo carinho e preocupação. Hoje sei que com sua postura firme, mas afetuosa, demonstrava que acreditava em minha capacidade de fazer mais e melhor. Tenho a mais absoluta certeza de que sem sua orientação, Dánie, este trabalho jamais teria sido possível.

À minha querida amiga, Ana Paola de Souza Lima. Além de todo o crescimento que este doutorado me proporcionou, sinto que ganhei o maior presente que poderia ter recebido, uma irmã.

A todos os meus colegas do PPGEL, em especial a Joana, Lucimeire, Maidi, Vicente, Bê Braga, Laion, Jubiléia, pessoas com quem partilhei diversos momentos profícuos de construção de conhecimento durante as discussões no grupo de pesquisa.

Às professoras Branca Fabrício, Carmem Jená, Ana Carolina e Maria Inês, pela leitura atenta da minha tese e os aportes carinhosamente ofertados durante minha qualificação. A contribuição de vocês foi fundamental para o meu amadurecimento e para a lapidação deste trabalho.

A André Luiz, por ter se tornado mais que meu namorado, mas um verdadeiro amigo e companheiro. Minha maior gratidão pelo seu apoio incondicional, sua compreensão, seu suporte sem questionamentos, por discutir comigo temas que são totalmente diversos de seu campo de estudo, por não me deixar desistir nos momentos de cansaço, pelas cuias de chimarrão enquanto eu escrevia. Essa tese é nossa, meu amor.

À minha mãe, Haydee, e minhas irmãs, Andréa e Suzy, por serem meus exemplos, minha base, lembrando-me sempre das raízes fortes que sustentam minha existência.

Por fim, agradeço ao meu pai, Edson (in memorian), que alimentou minha fome pelo conhecimento e em cuja memória eu encontro força, todos os dias, para ser sempre alguém melhor. Pai, você está sempre comigo.

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Pois que é nas mulheres que deposito minha fé E a elas rezo para merecer essa irmandade, À mais anônima e à que todas o nome conhecem Às que habitam esferas passadas e as que ao meu lado caminham. A elas eu rezo para merecer essa irmandade, Pois que é nas mulheres que eu deposito a minha fé.

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10 RESUMO

As questões de gênero e poder perpassam a vida em sociedade das mais variadas formas, entremeando-se nas relações travadas entre os sujeitos. Tal fato faz com que as relações sociais se tornem um campo de lutas e conflitos. Aparentemente camufladas, essas questões assumem materialidade no discurso, muitas vezes, em forma de afirmações, opiniões, como também em brincadeiras, escárnios, deboches e piadas, que circulam na mídia, internet e nas conversas diárias, reproduzindo estereótipos, preconceitos e discriminações a respeito de determinados sujeitos e grupos sociais. Com efeito, as discussões e questionamentos acerca de gênero e poder não podem ser ignorados, uma vez que constituem um aspecto basilar da vida em sociedade. Essa pesquisa de doutorado, portanto, visa analisar os discursos que perpassam a sociedade com respeito ao feminino, com os objetivos de a) investigar alguns dos discursos que circularam na rede social

Facebook, à época do impeachment, em relação à presidenta Dilma Rousseff; e b)

estabelecer uma relação entre esses discursos e os discursos que circulam na sociedade em relação às mulheres. As perguntas que orientaram essa pesquisa foram: 1) Como a imagem da ex-presidenta Dilma Rousseff é construída discursivamente na rede social

Facebook?; e 2) De que forma os comentários analisados atualizam uma memória

discursiva, vinda de outros discursos, acerca da mulher na sociedade? Busquei realizar a análise tomando como ponto de partida a produção dos gêneros em sua perspectiva política, histórica e social. Desta forma, a construção de sujeitos generificados, sua classificação conforme sua sexualidade e a maneira como vivenciam seu corpo e gênero, e o lugar social (com práticas e condutas socialmente estabelecidas) são compreendidos como fenômenos estruturais da prática social. Para empreender essa pesquisa qualitativo-interpretativista (DENZIN; LINCOLN, 2006), adotei como suporte teórico, principalmente, as noções de construção discursiva do gênero (BUTLER, 2008; SCOTT, 1995), a discussão do poder exercido pelo discurso na produção dos sujeitos e da realidade social (FOUCAULT, 2003, 2007, 2008) e as reflexões em torno de uma estrutura de hegemonia masculina (CONNEL; MESSERSCHMIDT, 2005), de forma a compreender as prováveis implicações dessa estrutura para a manutenção de uma posição subalternizada para a mulher, que inviabiliza ou reduz sua participação nas esferas de poder (MIGUEL; BIROLI, 2014). Os resultados indicam que os comentários analisados, postados na página do grupo MBL no Facebook envolvendo a ex-presidenta Dilma Rousseff, evidenciam a reiteração de um discurso sexista, que implica discriminar, estereotipar, marcar como anormais e inadequados sujeitos femininos que apresentem comportamentos, condutas e experiências de gênero que fogem do que é socialmente determinado.

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11 ABSTRACT

Gender and power issues permeate life in society in a variety of ways, interspersed with relationships between subjects. This fact makes social relations become a field of struggle and conflict. Apparently camouflaged, these issues take on materiality in discourse, often in the form of statements, opinions, as well as in jokes, derision, mockery and jokes, which circulate in the media, internet and daily conversations, reproducing stereotypes, prejudices and discrimination about certain subjects and social groups. Indeed, discussions about gender and power cannot be ignored as they constitute a fundamental aspect of life in society. This doctoral research, therefore, aims to analyze the discourses that permeate the society with respect to the feminine, with the objectives of a) investigating some of the discourses that circulated in the social network Facebook, at the time of impeachment, in relation to President Dilma Rousseff; and b) establishing a relationship between these discourses and the discourses that circulate in society in relation to women. The questions that guided this research were: 1) How is the image of former president Dilma Rousseff built discoursively on the social network Facebook ?; and, 2) How do the analyzed comments update a discoursive memory, coming from other discourses, about women in society? I sought to carry out the analysis taking as a starting point the production of genders in their political, historical and social perspective. Thus, the construction of gendered subjects, their classification according to their sexuality and the way in which they experience their body and gender, and the social place (with socially established practices and behaviors) are understood as structural phenomena of social practice. To undertake this qualitative-interpretive research (DENZIN, LINCOLN, 2006), I adopted as theoretical support, mainly, the notions about the discoursive construction of gender (BUTLER, 2008; SCOTT, 1995), the discussion of the power exerted by the discourse in the production of subjects and social reality (FOUCAULT, 2008; 2007; 2003) and the reflections around a structure of male hegemony (CONNEL, MESSERSCHMIDT, 2005), in order to understand the probable implications of this structure for the maintenance of a subordinate position for women, which make their participation in the spheres of power unfeasible or reduced (MIGUEL; BIROLI, 2014). The results indicate that the comments analyzed, posted on the MBL group's Facebook page involving former President Dilma Rousseff, show the reiteration of a sexist discourse, which implies that female subjects who present behaviors and gender experiences that escape from what is socially determined, are discriminated against, stereotyped, marked as abnormal and inappropriate.

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12 SUMÁRIO

Considerações iniciais 13

Capítulo 1 – As mulheres na política brasileira 28 1.1 – A representação feminina no sistema político brasileiro 29

1.2 – O Brasil do impeachment 37

Capítulo 2 – Gênero, discurso, verdade e poder 49 2.1 – A (des)construção do feminino (e masculino) –

Discurso, verdade e poder 50

2.2 – Não se nasce mulher, torna-se mulher –

Concepções sobre gênero e feminismo 53

Capítulo 3 – O percurso metodológico 64

3.1 – O filtro metodológico 66

3.2 – Do lócus da pesquisa à geração e tratamento dos dados 68

Capítulo 4 – Análise dos dados 76

4.1 – Louca, maluca, desequilibrada 80

4.2 – Burra, jumenta, anta 91

4.3 – Puta, vagabunda, vaca 100

4.4 – Presidenta nojenta 111

Considerações finais – 125

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Considerações iniciais

Celebre a mulher que você está se tornando; Não tape os ouvidos, ela está te chamando. Ela dança com o fogo. Ela é pancada, mas também é doce. Ela é sua melhor escolha. Ela é tudo aquilo que sobreviveu. Ryane Leão1

A força motriz para o desenvolvimento do presente trabalho surgiu das minhas inquietações enquanto uma sujeita que ocupa dois espaços de enunciação: mulher e pesquisadora feminista. Deste modo, acredito ser essencial partir da minha própria experiência de vida, de maneira a guiar o(a) leitor(a) na compreensão de como as escolhas para a realização deste estudo foram feitas.

Cresci em uma família de quatro mulheres negras, composta por minha mãe, duas irmãs e eu. Após o falecimento do meu pai, fomos obrigadas a nos mudar para uma casa na periferia da cidade, e todas começamos a trabalhar de modo a prover as necessidades básicas de subsistência. Com isso, aprendi muito cedo a defender minhas opiniões e interesses, lancei-me na edificação de uma carreira acadêmica e de maneira alguma me furtei a alguma tarefa ou experiência por ser uma mulher. Ao contrário, sempre acreditei que eu era capaz de construir meu futuro e realizar meus sonhos.

Ingressei no mercado de trabalho aos 16 anos, aprendi outros idiomas e conheci outros países. Posteriormente, concluí a graduação, o mestrado em uma instituição pública e hoje sou a primeira mulher na família, entre a minha geração e as que me precederam, a atingir esse nível de escolaridade.

Durante esse trajeto, que por si só já é penoso para qualquer pessoa, enfrentei obstáculos adicionais pelo fato de ser mulher, como episódios de assédio sexual, tratamento diferenciado no ambiente de trabalho em virtude do meu gênero, cobranças

1A cuiabana Ryane Leão é poetisa e professora. Seus poemas falam sobre feminismo, racismo e militância. Ela ainda participou da fundação de uma escola de inglês de mulheres negras para mulheres negras, dedicada ao ensino da língua e discussões sobre feminismo negro e cultura afro. O poema escolhido retrata um pouco do sentimento que aflora ao rememorar as vivências que tento brevemente expressar nesta introdução e que me levaram a escolher o tema desta tese.

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14 sociais, como a constituição de uma família, entre outras, contratempos com os quais a grande maioria das mulheres em nossa sociedade se identifica.

Reconheço que ocupo um lugar de privilégio em uma sociedade profundamente estratificada, elitista, racista, machista, homofóbica e transfóbica: sou uma mulher negra de pele comumente denominada “morena” (a cor da miscigenação brasileira, o que, até certo ponto, me permitiu ocupar espaços que eu provavelmente não ocuparia se tivesse a pele mais escura), sou heterossexual, cisgênera2 e professora universitária.

Faço parte de um grupo ainda pequeno, mas que está aumentando, de mulheres que estão obtendo maior qualificação acadêmica. De acordo com o estudo "Panorama da educação 2018"3, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), o número de mulheres que obtêm um diploma de graduação cresceu e é superior ao dos homens nos países-membros da referida organização. Contudo, as mulheres seguem com um menor acesso ao mercado de trabalho.

No Brasil, segundo o estudo, 20% das mulheres na idade entre 25 e 34 anos possuíam diploma de ensino superior no ano de 2017; já entre os homens esse índice era de 14%. Também foi observado crescimento nessa diferença com respeito ao ano de 2007, em que os percentuais eram de 12% e 8% entre mulheres e homens, respectivamente. As mulheres similarmente apresentam desvantagem no que diz respeito ao mercado de trabalho: entre as que possuem formação universitária, 83% estavam empregadas, enquanto entre os homens esse indicador era de 91%. A diferença salarial, de forma semelhante, apresentou-se elevada: em média, as mulheres com formação universitária tinham salários 35% inferiores aos dos homens.

Diante desses dados, ouso asseverar que meu lócus de enunciação enquanto pesquisadora feminista começou a despontar não apenas por ser parte de um grupo que almeja ser respeitado e tratado como igual, mas também por acreditar que não mais podemos consentir que às mulheres sejam impostos comportamentos e modos de viver, determinados por um grupo hegemonicamente masculino.

2 O termo “cisgênero” ou “cis” é usado para referir-se a pessoas que se percebem à vontade com a genitália e o gênero que lhe foram atribuídos em seus nascimentos (JESUS, 2012, p.10).

3 Disponível em:

http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/eag/documentos/2018/Panorama_da_Educacao_2018_d o_Education_a_glance.pdf Acesso em: 03 dez. 2018.

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15 Debruçando-me na história das mulheres no país, percebo uma trajetória de lutas das brasileiras por melhores condições de vida e de trabalho, a busca do direito ao voto, resistência ao regime ditatorial, igualdade salarial, acesso à escolarização, mais creches, entre outros temas.

O movimento feminista brasileiro passou por quatro momentos específicos (DUARTE, 2003): a demanda por mais oportunidades de escolarização (no ano de 1830), a “agitação republicana” e o envolvimento de jornais e revistas (no ano de 1870), a demanda pelo direito ao voto (1920 e 1930) e a “revolução sexual” (a partir da década de 1970).

Na última parte da década de 1970 e início dos anos 1980, o Brasil foi palco de um feminismo majoritariamente de rua, envolvimento nas pautas de cunho nacional e na problematização das dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Esse viés permanece em anos posteriores, ainda que não de forma tão acentuada, e a ele soma-se a participação de feministas na formatação de políticas públicas.

Na década de 1990, o feminismo brasileiro demonstra considerável expansão (GROSSI, 1998), atraindo mulheres de diversas classes sociais e idades, do campo e das cidades. Essas ativistas participam especialmente dos movimentos sociais do meio rural, gerenciamento de partidos políticos de esquerda e atuam em Organizações não governamentais (ONGs).

Após décadas de militância do movimento feminista no país, considero que, apesar de muitos avanços e da pertinência das pautas feministas contemporâneas, muitas de suas demandas ainda não foram alcançadas. Ademais, mulheres feministas e os feminismos seguem sendo representados como condutas desviantes do padrão de heteronormatividade4, como atitudes de oposição ao sexo masculino. Os sentidos veiculados pela mídia e que circulam na sociedade permitem perceber a reiteração de uma imagem estereotipada dos movimentos feministas, como refratários a uma certa regularidade de gênero. E ser normal, para as mulheres, dentro desses parâmetros institucionais, é seguir um padrão de feminilidade único e ideal.

4

Acerca do conceito de heteronormatividade, o Dicionário Crítico de Gênero (COLLING, TEDESCHI, 2019) afirma que o termo diz respeito a uma ordem social e política. Nessa ordem, os sujeitos, heterossexuais ou não, devem organizar suas vidas conforme o modelo “supostamente coerente” da heterossexualidade. Dos sujeitos exige-se que mantenham uma certa coerência entre sexo e gênero, identificando-se com o modelo de heterossexualidade. Nesse sentido, sujeitos dotados de uma genitália masculina devem adotar comportamentos másculos e os sujeitos dotados de genitália feminina devem ser femininos, delicados (BUTLER, 2008).

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16 Além da já mencionada disparidade do número de mulheres em relação aos homens no mercado de trabalho, a desproporcionalidade entre homens e mulheres é observada também na seara política. Segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013, viviam no Brasil 103,5 milhões de mulheres, o que equivale a 51,4% da população (PORTAL BRASIL, 2015) e representa 52,29% do eleitorado brasileiro5. Mesmo contabilizando a maioria

populacional e eleitoral, as mulheres, em relação aos homens, ainda são consideradas como minoria, uma vez que, na política, sua presença é inexpressiva. As mulheres têm dificuldade de exercer seu direito de participação social e política, estando assim em uma situação de inferiorização, marginalizadas das esferas de poder (MOEHLECKE, 2002).

De acordo com o estudo Ranking de presença feminina no Parlamento6, dentre os 138 países pesquisados pelo Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), o Brasil ocupa a 115ª posição no que diz respeito ao número de cargos ocupados por mulheres no Parlamento. O estudo indica que a participação de mulheres no Parlamento federal brasileiro cresceu 87% entre janeiro de 1990 e dezembro de 2016, passando de 5,3% para 9,9%, superando em 6% a média de crescimento mundial no período. A média mundial subiu de 12,7%, em 1990, para 23%, em 2016. O estudo ainda indica que o Brasil só deverá alcançar a igualdade de gênero no Parlamento Federal em 2080.

Já conforme o estudo Women in politics, realizado pela ONU Mulheres em parceria com União Interparlamentar (UIP), que traça um panorama da participação política das mulheres no mundo, publicado no ano de 2017, o Brasil ocupa a 167ª posição, num total de 174 países pesquisados, no que diz respeito ao número de representantes mulheres no Executivo7.

Analisando o cenário político mato-grossense, observa-se que apenas duas mulheres ocuparam o cargo de Senadora pelo Estado. A primeira, Serys Marly Slhessarenko, eleita no ano de 2002, e, mais recentemente, nas eleições de 2018, a juíza

5

Segundo estatística do eleitorado do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, dados referentes a dezembro de 2016. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-faixa-etaria. Acesso em: 05 fev. 2017.

6

Disponível em: http://www.marlenecamposmachado.com.br/documentos/pequisa-presenca-feminina-no-parlamento.pdf . Acesso em: 15 mar. 2018.

7 Fonte: Women in politics, Disponível em:

<https://www.ipu.org/resources/publications/infographics/2017-03/women-in-politics- 2017?utm_source=Inter-Parliamentary+Union+%28IPU%29&utm_campaign=550dedbec7- EMAIL_CAMPAIGN_2017_02_23&utm_medium=email&utm_term=0_d1ccee59b3-550dedbec7-258891957. Acesso em: 15 mar. 2018.

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17 aposentada Selma Arruda8. Ocuparam cadeiras na Câmara dos Deputados: Teté Bezerra, a primeira mulher eleita para o cargo, em 1994, duas suplentes assumiram mandatos, Celcita Pinheiro e Thelma de Oliveira, em 20109, e Rosa Neide, eleita no último pleito.

Atualmente, na Assembleia Legislativa, apenas uma deputada, Janaína Riva, compõe o grupo de 24 parlamentares; ao longo da história, 13 deputadas já passaram pela Assembleia e oito vereadoras, pela Câmara.

E mesmo com índices tão baixos quanto à participação feminina na política, o Brasil elege em 31 de outubro de 2010 a sua primeira presidenta, Dilma Rousseff. A eleita traduzia a imagem da mulher que atuaria na mais alta esfera do poder político e que, concomitantemente, tinha sua figura associada à militância política e à luta armada no país.

A vitória de Dilma Rousseff naquele pleito não apenas exprimia a aclamação de um indivíduo, mas a representação de inúmeras gerações de brasileiras anônimas que negaram as imposições sociais; estampava a brava e corajosa mulher, de espírito destemido e combativo, e que apontava não apenas um novo rumo da política do país, mas também um grande passo para a mudança social.

Embora tal imagem tenha sido desgastada no decorrer dos quatro anos de seu mandato, em virtude de acusações por crimes de corrupção, Dilma Rousseff foi reeleita presidenta da república em 26 de outubro de 2014, com 51,64% dos votos válidos já no segundo turno do pleito, na disputa considerada a “mais apertada da história”, pelo site do Uol10.

Diante desse panorama, pode-se notar a ainda inexpressiva participação de mulheres na vida pública brasileira como candidatas a algum cargo eletivo. Uma das razões é que, historicamente, a mulher tem sido confinada à esfera doméstica, dando robustez ao discurso de que a política é pouco afeita ao feminino, enquanto que os homens (em geral aqueles que seguem um padrão de heteronormatividade) tendem a ser lidos como sujeitos pertencentes à esfera pública, cujo comportamento pode ser mais objetivo, impetuoso e livre (MIGUEL; BIROLI, 2014).

8 Disponível em:

https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/resultados/candidatos-eleitos-no-mt/. Acesso em: 04 fev. 2019.

9Disponível em:

https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/mais-mulheres-na-politica-retrato-da-subrepresentacao-feminina-no-poder. Acesso em: 04 dez. 2018. 10

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18 Não é à toa que a luta feminina por mais direitos e por sua inserção na esfera política tem sido um processo complexo e se transformou em objeto de pesquisa em diversas áreas do conhecimento, como História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Linguística e Estudos Literários.

A escolha do tema desta tese se deve ao fato de quase sempre as mulheres ocuparem uma posição subalternizada na sociedade, o que também se evidencia na política, e de uma consequente necessidade pessoal de compreender como se constrói discursivamente esse papel social, em geral desfavorável, para as mulheres.

Conduzida por esse propósito, lancei-me à busca de trabalhos relacionados à participação da mulher na política. A importância de reflexão sobre o tema é discutida na pesquisa de Gabriela Costa Tomaz Fernandes (2011), na área de Ciências Sociais. A pesquisadora afirma que a presença de mulheres em cargos do Legislativo pode alterar o tamanho e o escopo dos gastos públicos ao longo do tempo, além de provocar efeitos sobre a educação infantil. Segundo a autora, à medida que a proporção de mulheres nos Parlamentos se aproxima da proporção demográfica, a tendência é que os gastos do Governo aumentem e áreas como saúde e educação sejam privilegiadas, em detrimento dos gastos militares. Além disso, verifica-se maior preocupação com o ensino pré-escolar, essencial para o sucesso das crianças na vida adulta.

O estudo de Lorena Alves de Alvarenga Almeida (2015), na área do Direito, analisa os elementos que impedem que homens e mulheres exerçam cargos eletivos de forma igualitária no Brasil. A autora demonstra que mesmo o Sistema das Cotas Eleitorais de Gênero se mostrou ineficaz, uma vez que sua implantação não assegurou a representação feminina, que na época do estudo correspondia a 9% do parlamento brasileiro.

A pesquisa de Andrea Azevedo Pinho (2011), na área de Ciências Políticas, indica que as desigualdades de gênero observadas no campo da política não são apenas efeitos das desigualdades de gênero em operação nas relações sociais. Antes, sua complexidade reside no fato de que as relações nesse campo se dão com base nos estereótipos de gênero que circulam na sociedade. De qualquer forma, encontram-se em atuação formas de exclusão e preconceito próprias à esfera política, que orientam sua organização e funcionamento, reduzindo as chances de representação e ascensão das mulheres nesse espaço.

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19 Analisando a maneira como as mulheres que atuam no campo político são noticiadas pela mídia, em matérias veiculadas pela revista Veja, Kátia Carolina Meurer Azambuja (2014), também na área de Ciências Políticas, observa que, quando mencionadas na cobertura jornalística, figuram como atores sociais distanciados do campo político. A autora entende que uma equidade de representação na cobertura jornalística, tanto em aspectos quantitativos quanto qualitativos, como retratar as mulheres de modo não estereotipado, poderia contribuir para a construção de condições menos hierarquizadas e reduzir óbices, mesmo que simbólicos, na estruturação da igualdade.

O estudo empreendido por Luciana Soares da Silva (2013) corrobora essa hipótese. Nesse estudo, a pesquisadora analisou textos recolhidos do jornal Folha de S.

Paulo, no período eleitoral de 2010 e no primeiro ano de mandato presidencial de Dilma

Rousseff, e asseverou que, apesar de não haver agressão física, a mulher é violentada simbolicamente no discurso jornalístico na forma pela qual é representada. De acordo com a autora, o discurso jornalístico faz uso do humor, satirizando a mulher que ocupa posições de poder, não apenas por meio do emprego de metáforas, mas também pelas caricaturas que acompanham os textos. Ao ser representada pelo discurso jornalístico por meio da caricaturização, a mulher passa a constituir objeto risível, seja por serem exageradas suas formas corporais, seja por ser deslocada do seu lugar de poder. As enunciações metafóricas, como “presidenta é faxineira” e “presidenta é dona de casa”, acabam por afastar de maneira simbólica a mulher do poder público e devolvê-la ao seu “devido lugar”: a casa. Violência e humor entrecruzam-se nesse discurso.

Em sua pesquisa, Bárbara Rodrigues Nunes (2018) também se debruçou sobre o discurso jornalístico. Analisando 53 capas das quatro principais revistas nacionais: Veja, IstoÉ, Época e Carta Capital, a autora defende que os veículos midiáticos, no corpus analisado, atuaram de forma misógina, reiterando estereótipos negativos acerca da mulher, na maneira como construiu a imagem da ex-presidenta Dilma Rousseff durante a crise política.

Ainda outra investigação acerca de Dilma Rousseff é o estudo empreendido por Fabiana Flores de Carvalho Galinari (2017). A pesquisadora busca identificar as estratégias de convocação empregadas pelo MBL (Movimento Brasil livre), VPR (Movimento Vem Pra Rua) e FBP (Frente Brasil Popular) diante do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em seus respectivos sites na internet. Suas práticas

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20 demonstraram as relações de poder em operação nos grupos, assim como os posicionamentos político-ideológicos dos seus dirigentes.

Com efeito, entre os anos de 2011 e 2016, o Brasil esteve sob liderança da primeira presidenta eleita da história do país. Dilma Rousseff foi ponto central de atenção da imprensa e da sociedade, que acompanhou de perto seu governo até sua saída com o processo de impeachment, em 12 de maio de 2016. Além daqueles já mencionados aqui, inúmeros outros trabalhos acadêmicos foram produzidos até agora acerca da ex-presidenta. Uma breve pesquisa na página do Catálogo de Teses e Dissertações da Capes11

nos revela tais produções. Utilizando como termo de pesquisa o nome “Dilma Rousseff” pude encontrar 217 dissertações e 69 teses defendidas.

Contudo, a partir dos trabalhos pesquisados, percebi a carência de trabalhos na área da Linguística Aplicada que analisassem comentários produzidos por usuários da rede social Facebook em relação à Dilma Rousseff e como esses comentários se articulam com outros discursos que circulam na sociedade a respeito de mulheres. Sendo assim, esta pesquisa tem como foco a análise de comentários realizados em postagens da página do Movimento Brasil Livre (MBL) na referida plataforma social.

Com a análise desses comentários e os discursos a que remetem, acredito ser possível perceber como podem ser tratadas aquelas mulheres que traspassam os limites comumente impostos a elas e ocupam espaços sociais tidos como preferencialmente masculinos. Essas mulheres são retratadas como indesejáveis, inadequadas, destituídas de feminilidade; um comportamento que deve, preferencialmente, ser evitado.

Como esse processo de naturalização de comportamentos se dá no plano discursivo, apoio minha análise nas considerações de Foucault (2008) e, consoante a noção foucaultiana de discurso, entendo que este abarca uma apreciação da realidade, levada a cabo com base na cultura. O discurso constrói os objetos de que fala, regulando o que pode (ou não) ser dito, definindo sujeitos e (re)produzindo relações de poder. Sendo assim, o discurso compreende um conjunto de normas sócio-historicamente determinadas, que estabelecem “as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2008, p. 43).

11 Disponível em:

http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=Dilma+Rousseff&type=AllFields&limit=20&sort=rele vance Acesso em: 03 fev. 2019.

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21 Entendo o discurso como um conjunto de enunciados que encontram suporte em uma mesma formação discursiva, possuindo não somente um possível efeito de sentido ou uma verdade, mas uma história. O discurso é, portanto, uma teia de enunciados ou de relações que possibilitam a existência de significantes. Esse conjunto de enunciados é visto por Foucault levando em conta a ideia de práticas discursivas, que considera tais enunciados instáveis, objeto de luta, regulados por uma ordem do dizível, definida no interior de lutas políticas.

Diante do exposto, o corpus da pesquisa é constituído por enunciados12

reproduzidos por comentários postados na rede social Facebook13 relacionados a Dilma

Rousseff. Com o auxílio de software API de coleta de dados, foram reunidos comentários realizados no período entre 19 de agosto e 11 de setembro de 2016, datas que antecederam e sucederam o processo de impeachment da então presidenta. Essas datas foram selecionadas por ser este um período em que Dilma Rousseff esteve no foco das discussões na sociedade brasileira, sendo tema de inúmeras matérias jornalísticas, artigos em revistas e comentários em redes sociais.

Cabe salientar que a postura aqui assumida não é a de defesa da figura pública, nem mesmo de análise do mérito legal do afastamento da presidenta, posto que estas questões transcendem as fronteiras desta pesquisa. Tampouco pretendo esgotar o tema. Tenho o interesse de analisar os discursos que circularam na rede social, com respeito à ex-presidenta Dilma Rousseff, e como esses interagem com outros discursos sobre a mulher na sociedade, contribuindo para a atualização de uma memória discursiva em relação ao feminino. Entendo que tais discursos podem ter uma certa medida de influência na perpetuação de uma realidade de sub-representação feminina na política brasileira, por meio da construção de uma imagem de fracasso, inabilidade, incompetência e não pertencimento da mulher à esfera política.

12Nesta perspectiva, retomo que enunciados são compostos por um conjunto de regras que estabelecem as fronteiras e os modos em que algo é apresentado, sendo definidos em sua particularidade no escopo de um sistema linguístico, determinados em consonância com um certo período histórico ou grupo social (FOUCAULT, 2009).

13Facebook é o nome que recebe um site e serviço de rede social, lançado em 4 de fevereiro de 2004. Para utilizar esta rede social, os usuários devem se registrar, criar um perfil pessoal e, então, adicionar outros usuários como amigos e trocar mensagens. Além disso, é possível, ainda, participar de grupos de interesse e criar comunidades. Segundo dados do próprio site, em 2016, 102 milhões de brasileiros se conectavam mensalmente. Esse número corresponde a quase metade da população brasileira, que é estimada em 204 milhões de habitantes, de acordo com levantamento do IBGE no ano de 2015.

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22 Considero relevante adicionar à presente introdução que esta pesquisa está inserida em uma vertente da Linguística Aplicada de teor questionador e transgressor (MOITA LOPES, 2009). Deveras, as apreciações desenvolvidas nesta tese distanciam-se da Linguística Aplicada tradicional, mais afeita ao escrutínio de abordagens e metodologias de ensino de línguas.

A perspectiva da Linguística Aplicada em que se encontra subsumida esta pesquisa tem natureza multi/inter/in-disciplinar (MOITA LOPES, 2009; FABRÍCIO, 2017), concernendo a aspectos relativos a gêneros, sexualidades, classes sociais e raças e a problematização de crenças enraizadas, de forma a suplantar limites discursivamente constituídos. Esta pesquisa não tem o intuito de exaurir o tema. Antes, de empreender a investigação de um assunto de inegável relevância na sociedade atual.

Os procedimentos metodológicos de análise da construção discursiva do gênero nos discursos acerca de Dilma Rousseff envolveram, primeiramente, um levantamento bibliográfico em torno da construção discursiva do gênero (BUTLER, 2008; SCOTT, 1995), da discussão do poder exercido pelo discurso na produção dos sujeitos e da realidade social (FOUCAULT, 2008; 2007; 2003), conceitos que nos permitem compreender como são produzidos e/ou reproduzidos os sentidos do que é ser mulher na sociedade. Importante também para a análise é investigar se e de que forma a circulação desses sentidos e discursos pode contribuir para produzir e sustentar uma estrutura de hegemonia masculina (CONNEL; MESSERSCHMIDT, 2005). Reflito se uma das prováveis implicações dessa estrutura poderia ser a manutenção de uma posição subalternizada para a mulher, que inviabiliza ou reduz sua participação nas esferas de poder (MIGUEL; BIROLI, 2014).

Apoiada nesse referencial teórico, elaborei os objetivos e as questões de pesquisa que norteiam este estudo, que apresento a seguir.

O trabalho teve como objetivos específicos:

● investigar alguns dos discursos que circularam na rede social Facebook, à época do impeachment, em relação à presidenta Dilma Rousseff;

● estabelecer uma relação entre os discursos que circularam na rede social à época do impeachment sobre a presidenta Dilma e os discursos que circulam na sociedade em relação às mulheres.

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23 As perguntas que orientaram a pesquisa foram:

1. Como a imagem da ex-presidenta Dilma Rousseff é construída discursivamente na rede social Facebook?

2. De que forma os comentários analisados atualizam uma memória discursiva, vinda de outros discursos, acerca da mulher na sociedade?

Considero oportuno realizar, ademais, um aparte acerca da problemática linguística, tão marcante na Língua Portuguesa, no uso dos gêneros masculino e feminino. O gênero gramatical masculino é empregado para designar o gênero humano ou espécie humana, fazendo referência a homens e/ou mulheres. Defende-se que o uso do “masculino genérico” constitui um tipo de “sexismo gramatical” (MÄDER, 2015), auxiliando na naturalização do masculino como a regra, a norma, e tornando o feminino o outro, a exceção, opinião da qual eu também partilho. Como observa Simone de Beauvoir:

Os termos masculino e feminino são usados simetricamente apenas como uma questão de formalidade. Na realidade, a relação dos dois sexos não é bem como a de dois pólos elétricos, pois o homem representa tanto o positivo e o neutro, como é indicado pelo uso comum de homem para designar seres humanos em geral; enquanto que a mulher aparece somente como o negativo, definido por critérios de limitação, sem reciprocidade. Está subentendido que o fato de ser um homem não é uma peculiaridade. Um homem está em seu direito sendo um homem, é a mulher que está errada (BEAUVOIR, 2009, p. 9).

Muito esforço tem sido empreendido para ajustar esta realidade discursiva, buscando formas mais equânimes de construção linguística. Não obstante tal constatação, faço a opção, neste trabalho, pela manutenção das regras da norma padrão da utilização do gênero, de modo a facilitar a compreensão do leitor, o que de forma alguma significa qualquer viés de conformação aos padrões de hierarquização socialmente impostos aos gêneros.

Outra consideração relevante neste estudo é a opção pelo uso do termo presidenta. Nos primeiros anos após o início de seu primeiro mandato, Dilma Rousseff emitiu um decreto-lei – a Lei de 3 de abril de 2012 –, publicado no Diário Oficial da União, que determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas, conforme segue:

(24)

24

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º As instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido.

Art. 2º As pessoas já diplomadas poderão requerer das instituições referidas no art. 1º a reemissão gratuita dos diplomas, com a devida correção, segundo regulamento do respectivo sistema de ensino. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de abril de 2012; 191º da Independência e 124º da República14.

O decreto não obteve aceitação maciça da sociedade; enquanto muitos viram legitimidade na decisão, por constituir um grande passo para o reconhecimento das mulheres em cargos de poder, sobretudo na política, outros mostraram-se contrários ao uso do vocábulo “presidenta”, entendido como ilegítimo do ponto de vista normativo da língua. Muitos insistiram no argumento de que com relação à Dilma, deveria ser utilizado o vocábulo masculino (ou neutro) “presidente” – alguns defendiam que a palavra “presidente” é termo neutro, e outros, de alguma forma, buscavam empalidecer a identidade política e feminina do vocábulo “presidenta”. Importante lembrar que o termo “presidenta” não foi cunhado por Dilma, mas já podia ser encontrado em dicionários longevos, conforme afirma Dantas (2017):

De um ponto de vista normativo, os argumentos favoráveis ao emprego do termo ‘Presidenta’ apontam para sua legitimidade, na medida em que, desde o ano de 1975, ele se encontra registrado no Dicionário Aurélio, em sua primeira edição, bem como no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras, desde 1932, sendo que, em 1912, o termo já havia sido sancionado pela Academia de Lisboa, de Portugal. Na verdade, muito antes disso, em 1812, a palavra ‘presidenta” já aparecia dicionarizada no Dicionário de Português-Francês, de autoria de Domingos Borges de Barros. Ou seja, a palavra ‘presidenta’ é mais antiga do que a forma neutra para ambos os gêneros, ‘a presidente’, dicionarizada apenas em 1940 (DANTAS, 2017, p. 1316).

O então presidente Michel Temer proíbe o uso da palavra “presidenta” em publicações da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), de acordo com informação divulgada pelo jornal Online “Brasil 247”, em 31 de maio de 2016:

14

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12605.htm. Acesso em: 13 dez. 2018.

(25)

25

Sob as novas regras do governo interino de Michel Temer (PMDB-SP), a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) deixou de usar a termo ‘presidenta’, para se referir à presidente afastada Dilma Rousseff (PT). O uso do feminino da palavra era uma exigência de Dilma, para marcar o fato de ter sido a primeira mulher a assumir a Presidência da República, no país. A mudança teve início na semana passada, quando os funcionários receberam orientação para mudar a forma de tratamento do cargo no feminino, tanto na televisão quanto na agência de notícias Brasil. ‘Por orientação da gerência executiva, informamos que a TV Brasil passa a adotar a forma presidente, independente do gênero. Deixamos, portanto, de usar presidenta’, informa email enviado aos jornalistas. A EBC confirmou a mudança e disse que os dois termos podem ser aplicados uma vez que têm previsão nas normas da língua portuguesa. ‘Sendo assim, a EBC decidiu utilizar a terminologia presidente para adequar à linguagem que vem sendo praticado pelos demais veículos de comunicação do país’, diz em nota (BRASIL 247, 2016)15.

Os debates acalorados em torno do uso da palavra “presidenta” colocam em evidência mecanismos de higiene verbal (CAMERON, 2012), que buscam proteger a língua, limpando-a e rechaçando quaisquer usos linguísticos que de alguma forma perturbem a tão almejada harmonia social. Consoante Borba e Carvalho Lopes (2018), entendo que, nessa perspectiva, o uso do termo “presidenta” representa uma ruptura com a noção de masculino genérico como um mero fenômeno linguístico, mas como resultado de normas estabelecidas em sociedades estruturadas sob a égide de uma hegemonia masculina. Sendo assim, faço uso do termo16, nesta tese, não apenas levando em consideração sua legitimidade linguística, mas como uma espécie de “imundície verbal”, em uma tentativa de “encardir a língua com a instabilidade e a fluidez do social. Imundiçar a língua é, portanto, colocá-la no mundo, lá mesmo onde ela pode contribuir para mudança social (BORBA, CARVALHO LOPES, 2018, p. 266) ”.

15 BRASIL 247. TEMER VETA PALAVRA “PRESIDENTA” EM PUBLICAÇÕES DA EBC. In: BRASIL

247. Edição [online] de 31 de maio de 2016. Disponível em:

https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/235440/Temer-veta-palavra-%E2%80%9Cpresidenta%E2%80%9D-em-publica%C3%A7%C3%B5es-da-EBC.htm. Acesso em: 13 dez. 2018.

16 O dicionário online Michaellis define o termo “presidenta” como “1º Mulher que é a chefe de governo

de um país de regime presidencialista. 2 Mulher que exerce o cargo de presidente de uma instituição. 3 Mulher que preside algo. 4 Esposa do presidente; primeira-dama.” Disponível em < https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/presidenta/> Acesso em 13 de dezembro de 2018.

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26 Este preâmbulo teve o propósito de delinear as razões que motivaram o desenvolvimento da pesquisa. Teve ainda o escopo de demonstrar a justificativa, perguntas de pesquisa e objetivos da escrita da tese. Além dessas palavras introdutórias, a presente tese será composta de mais três capítulos e as Considerações Finais.

No primeiro capítulo, apresento uma análise do percurso histórico da atuação feminina na política no Brasil, a fim de que se possa compreender as contribuições e vitórias do movimento feminista para a obtenção de maior igualdade de gêneros na sociedade brasileira. Em seguida, esboço uma breve análise do contexto no qual se inseriu o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, objeto dos comentários que compõem o corpus da tese.

No segundo capítulo, reflito acerca das contribuições dos estudos de gênero (BUTLER, 2008; SCOTT, 1995; CONNEL, 1987, 1995), discurso, verdade e poder (FOUCAULT, 2003; 2007; 2008) e estudos acerca de feminismo e política (MIGUEL; BIROLI, 2014), conceitos fundamentais para a análise dos dados.

No terceiro capítulo, apresento o lócus da pesquisa e discorro acerca da metodologia utilizada, especificando detalhadamente os mecanismos de coleta de dados, os termos empregados para a seleção dos dados, as perguntas e objetivos de pesquisa e os procedimentos de análise.

No quarto capítulo, apoiada em uma perspectiva interpretativista de investigação, lanço-me à análise dos dados. A partir do escrutínio dos comentários selecionados, busco compreender os prováveis efeitos de sentido que podem emergir das enunciações presentes nos comentários e como essas enunciações retomam, atualizam outros discursos que circulam na sociedade a respeito da mulher. Explicito, ainda, algumas considerações e problematizações baseadas nas análises com o escopo não de prover respostas definitivas para as indagações aqui perquiridas, mas de fomentar discussões.

Finalmente, nas Considerações Finais, reflito a respeito das contribuições da pesquisa para a desconstrução dos padrões em vigor atualmente nas relações sociais entre os gêneros na sociedade, bem como proponho sugestões para futuros trabalhos.

Com o viés de privilegiar a escrita de autoria feminina, as epígrafes que aparatam esta tese são fragmentos de poemas e poesias escritos por mulheres. Como discutido mais adiante neste trabalho, as mulheres, por muito tempo, tiveram suas vozes silenciadas. Circunscritas ao espaço privado, ao doméstico, e impedidas de ter acesso à leitura e à

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27 escrita, muitas mulheres na história da humanidade jamais puderam expressar suas dores, seus amores, suas reflexões ou experiências. É recente na história da humanidade a disseminação da alfabetização entre mulheres e, ainda hoje, milhões delas não são alfabetizadas ou possuem baixa escolaridade. Sendo assim, considero um gesto político, não apenas que eu faça uso dessa prática social, mas que também eu abra espaço neste trabalho para que outras mulheres – cis e transgêneras17 – se façam ouvir pela sua escrita.

17 De acordo com Jesus (2012), o termo transgênero ou trans abarca pessoas travestis, transexuais e

intersexuais, com um dado sexo na ocasião de seu nascimento, tido, historicamente, como biológico, mas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado. Souza Lima (2019), em sua pesquisa, afirma que suas “interlocutoras definiram mulheres trans ou transexuais como aquelas que não se sentem confortáveis com a sua genitália, embora nem todas sintam o desejo de submeterem-se ao processo de cirurgia de redesignação sexual.”

(28)

28

CAPÍTULO 1 – A

s mulheres na política brasileira

A voz da minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. Conceição Evaristo18 (Vozes-mulheres )

Este capítulo apresenta, na seção 1.1, um pano de fundo histórico do movimento feminista brasileiro, concentrando-se na luta das mulheres, iniciada ainda no fim do século XIX, por maior inserção nos processos decisórios, além de pautas como legalização do aborto, fim da violência contra a mulher e questões referentes ao trabalho feminino. O recorte aplicado deixa de lado toda a atuação do movimento feminista mundial, cuja primeira onda data do século XIX.

Entendo ser essa discussão relevante para este estudo, uma vez que a inserção feminina na política nacional – e a própria eleição de uma mulher para o cargo máximo do Executivo – ainda que reduzida, é fruto de um processo de lutas e conquistas de mulheres ao longo da história do país.

18 Maria da Conceição Evaristo de Brito, nascida em 29 de novembro de 1946, natural de Belo Horizonte,

é uma escritora brasileira cujas obras abordam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe. É mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, é doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Conceição Evaristo é militante do movimento negro, com grande participação e atividade em eventos relacionados à militância política social. A escolha deste poema se deve ao fato de retratar o histórico de exploração e exclusão das mulheres negras na sociedade brasileira. Tais mulheres ainda enfrentam dificuldades e são vítimas de preconceito, uma das realidades que precisa ser enfrentada pela política brasileira.

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29 A seção 1.2 traz ainda um breve histórico dos eventos que antecederam o processo de impeachment de Dilma Rousseff, abordando o contexto político, econômico e social do Brasil da época.

1.1 – A representação feminina no sistema político brasileiro

A história do Brasil sempre foi marcada pela participação política desigual dos gêneros. Durante o Brasil Império, em que estava vigente a Constituição de 1824, apesar de haver expressa proibição do voto feminino, apenas uma pequena parcela da população tinha direito ao voto, parcela esta composta por homens ricos, maiores de 25 anos. A partir de 1881, os analfabetos passam a ser proibidos de votar. Assim, mulheres, escravos e pobres estavam alienados do processo político (SANTOS, 2009).

Ainda após a Proclamação da República, em 1889, a participação eleitoral não se tornou inclusiva. As mulheres, os analfabetos, os mendigos, os militares e os religiosos ainda não podiam exercer o direito a voto. Com a Constituição de 1891, retirou-se do Estado a obrigação de fornecer educação primária, condição fundamental para que aqueles que fossem analfabetos pobres pudessem ser educados e passassem a votar. Argumentava-se que o voto do analfabeto poderia ser facilmente manipulável e corruptível (AVELAR, 2001). No tocante à participação feminina na política, sua exclusão era naturalizada, a ponto de nem sequer ser mencionada (PINTO, 2003).

Algumas mulheres, a despeito do pensamento sexista da época, fizeram frente à marginalização feminina nos processos decisórios, ainda na última metade do século XIX. Entre elas, há relatos de mulheres como Nísia Floresta19, Violante Bivas20, Francisca

19

Nascida em 12 de outubro de 1810, natural de Natal, Rio Grande do Norte, Nísia Floresta foi educadora, escritora e poetisa e considerada a primeira feminista brasileira. Escreveu cerca de 15 títulos defendendo os direitos de mulheres, índios e escravos e teve intensa participação na campanha abolicionista (BARBOSA, 2006).

20 Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco nasceu em Salvador, em 1 de dezembro de 1817. Foi uma jornalista, escritora e editora da revista feminista Jornal de Senhoras, o primeiro jornal totalmente feito por mulheres. Defendeu os direitos das mulheres, entre eles o direito a educação (SODRÉ, 1999).

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30 Diniz21, Josefina Álvares de Azevedo22, Isabel de Matto Dellon23. No cerne da luta empreendida pelas mulheres brasileiras, estavam: a batalha pela efetiva democratização do país, o fim da violência contra a mulher, a luta em favor da legalização do aborto, demandas relacionadas ao trabalho (como equiparação salarial entre homens e mulheres). Esse movimento buscava evidenciar que “as estruturas do mundo social são historicamente produzidas pelas práticas políticas, sociais e discursivas articuladas” (CHARTIER, 1990).

No ano de 1910, é fundado por Deolinda Daltro o Partido Republicano Feminino. Bertha Lutz funda a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, em 1922, e é eleita membro da Câmara Federal, em 1934. O direito ao voto feminino é assegurado no Estado do Rio Grande do Norte, em 1928. Em 1929, é eleita Alzira Soriano de Souza, a primeira mulher a ocupar o cargo de prefeita na América do Sul. Em1933, é eleita a primeira deputada federal, Carlota Pereira de Queiroz, no Estado de São Paulo, tendo como suplente Berta Lutz (MOREIRA, 2009).

Mesmo após a Constituição de 1934 assegurar às mulheres o direito facultativo ao voto, o voto feminino ainda era encarado com menos prestígio do que o masculino. Enquanto o voto era compulsório para os homens, apenas era obrigatório para as mulheres que exercessem alguma função remunerada. Para a maioria da população feminina, portanto, o voto permanecia optativo (BITHIAH; RABAT, 2012). Esta distinção na obrigatoriedade entre o voto masculino e feminino foi mantida ainda pelo Código Eleitoral de 1950, perpetuando o preconceito e marginalização da mulher.

Na década de 80, final do século XX, ganhou protagonismo a luta por maior participação feminina nos espaços de poder, com uma corrente de nome “Gênero e desenvolvimento” (SADER; JINKINS, 2006). O movimento de mulheres, no Brasil, tem buscado, desde então, atingir maior paridade nas relações sociais, mediante ações que

21

Escritora, educadora e jornalista, a carioca Francisca Senhorinha da Motta Diniz, nascida em 30 de outubro de 1910, fundou O sexo Feminino, o primeiro jornal brasileiro a abordar de forma direta a temática dos direitos das mulheres (SOUTO, 2013).

22

Natural de Recife, nascida em 05 de maio de 1851, Josefina Álvares de Azevedo foi escritora, jornalista e é considerada um dos mais importantes nomes da luta pelos direitos femininos, entre eles o direito ao voto (SOUTO, 2013).

23A dentista baiana Isabel de Mattos Dillon ficou conhecida por, em 1880, ainda no Brasil Império, evocar a Lei Saraiva, que permitia àqueles que possuíssem títulos científicos o direito de voto (MARUCI AFLALO, 2018).

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31 fomentem inclusão e emancipação feminina, na esfera política e demais áreas da vida pública.

Ainda na década de 1980, são estabelecidas, no Brasil e no mundo, importantes instituições dedicadas à promoção dos interesses da mulher, como: conselhos estaduais da condição feminina preocupados com a criação de políticas públicas nos Estados de Minas Gerais e São Paulo; a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (Deam), em São Paulo; o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), que substituiu o antigo Fundo de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para a Década da Mulher; Departamento Nacional para Assuntos da Mulher, criado pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), entidade que serviu de base para efetiva atuação da mulher no processo de redemocratização do País (BITHIAH; RABAT, 2012).

Durante o período que antecedeu a elaboração da Constituição de 1988, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) promoveu uma intensa campanha nacional, em redes de televisão e outdoors com os dizeres “Constituinte pra valer tem que ter os direitos da mulher!” Promoveu, ainda, o encontro de um grupo feminista em Brasília, que resultou na confecção de um documento intitulado “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”. Esse documento abordava temas como criação do Sistema Único de Saúde, reformas agrária e tributária, justiça social, ensino público e gratuito, demandas concernentes à mulher no que diz respeito à união conjugal, propriedade, trabalho, saúde, entre outras (PINTO, 2003). Teve início, também, o Lobby do Batom, movimento que buscava conscientizar deputados e senadores para as reivindicações femininas e a consequente “construção de uma sociedade guiada por uma Carta Magna verdadeiramente cidadã e democrática” (PITANGUY, 2008).

Da participação por meio de emendas populares para proteção de direitos da mulher, da atuação do Lobby do Batom e do CNDM resultou a inclusão de diversos direitos da mulher na Constituição de 1988, podendo-se citar a expressa igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I), licença à gestante e licença paternidade (art. 7º, XVIII e XIX) e a vedação de diferença salarial, da atribuição de funções e de critério de contratação em razão de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX).

Para a primeira legislatura já na vigência da Constituição de 1988, trinta deputadas federais são eleitas e é eleita a primeira mulher senadora. Ainda no período entre 1991 e

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32 1995 são instituídas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre temáticas femininas: a CPI da Violência Contra a Mulher e a CPI Sobre a Esterilização em Massa de Mulheres no Brasil. Entra em vigor no ano de 1995 a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Na legislatura de 1995-1999, trinta e sete deputadas são eleitas, o que significava que menos de 10% dos cargos na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, nas prefeituras brasileiras e nas câmaras de vereadores eram ocupados por mulheres. De forma a estimular maior participação feminina, é criada a lei de cotas eleitorais de gênero (BITHIAH; RABAT, 2012).

No ano de 1995, a Deputada Marta Suplicy apresenta ao Congresso Nacional um projeto de Lei de Cotas. Pelo projeto, deveria ser reservado para mulheres um mínimo de 30% das candidaturas aos cargos legislativos em todo o país. A deputada toma conhecimento desta ação afirmativa em um seminário de gênero em Bruxelas, uma vez que este tipo de ação é amplamente utilizado na Europa para promover mudanças nas estruturas de relações de poder entre os gêneros. O texto proposto pela deputada sofre alterações, o percentual proposto é reduzido e a Lei 9.100/95 estabelece uma cota de 20% para candidatura de mulheres. Mais tarde, a Lei 12.034/09 aumenta este percentual, determinando que os partidos devem garantir que as candidaturas perfaçam o mínimo de 30% ou o máximo de 70% das candidaturas para cada sexo (MOREIRA, 2009; SENA, 2018).

As cotas eleitorais de gênero, enquanto ações afirmativas, funcionam como medidas retificadoras, que objetivam dirimir desigualdades constituídas historicamente, discriminações que engendram inferiorização e segregação de determinados grupos na sociedade. Elas visam a combater a marginalização de segmentos da população promovendo maior igualdade de oportunidades, inserção e acesso a determinadas esferas da vida social (MOEHLECKE, 2002).

As ações afirmativas se destinam à garantia de acesso e oportunidades para grupos sociais tidos como minorias. As mulheres, mesmo sendo em maior número na população brasileira e compondo a maioria do eleitorado brasileiro24, ainda são consideradas como

minoria em vista da dificuldade em exercer efetiva participação social e política, estando assim em uma situação de inferioridade, marginalizadas das esferas de poder

24

Dados referentes a dezembro de 2016. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-faixa-etaria . Acesso em: 05 fev. 2017.

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33 (MOEHLECKE, 2002). No campo político, assim, as ações afirmativas surgem da ineficiência dos direitos legais de voto e representação política no sentido de promover maior participação feminina, sendo as mulheres um grupo ainda à margem das instâncias de tomada de decisão.

Tomando como argumento a perspectiva liberal, que tem como premissa a igualdade de direitos para todos os cidadãos, sendo cada indivíduo senhor de seus próprios interesses (MIGUEL, 2000), o resultado esperado da garantia do direito feminino ao voto era de que mais mulheres fossem eleitas para posições de poder, assegurando assim a igualdade de fato entre homens e mulheres na esfera política. No entanto, o resultado pretendido não foi alcançado, surgindo a necessidade de ações afirmativas que, por intermédio da intervenção do Estado, garantissem a inserção das mulheres na política.

A realidade, contudo, demonstra que esses objetivos ainda estão longe de ser atingidos. De fato, as candidaturas femininas vêm crescendo a cada eleição. No entanto, as mulheres ainda ocupam percentuais de vagas inferiores aos dos homens em cargos públicos no país. São ocupados por mulheres apenas 10% dos cargos de deputados federais e 14% dos cargos de senadores, apesar de elas constituírem mais da metade da população brasileira25.

Não obstante permeie a sociedade uma desvalorização das ações políticas dos movimentos feministas, argumentando que muitas de suas demandas já tenham sido atendidas – as mulheres já têm mais acesso à educação26, alguns direitos políticos das mulheres já são garantidos – como o direito ao voto, a igualdade no casamento – e outros já são tema de ações afirmativas (cotas eleitorais de gênero), e maior inserção no mercado de trabalho – ainda é clara a hegemonia masculina na sociedade, com resultantes desvantagens para as mulheres.

25

Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Setembro/eleicoes-2016-mulheres-representam-mais-de-30-dos-candidatos. Acesso em: 20 mar. 2017.

26 Historicamente, as mulheres têm alcançado maior inserção no mercado de trabalho e atingido níveis de

escolaridade por vezes até maiores que os indivíduos do sexo masculino. Sim, pode-se afirmar que as mulheres tiveram avanços no que diz respeito ao acesso à educação e ao trabalho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o acesso à instrução cresceu entre os anos 2007 e 2014. Nesse ano, no quesito grupo de pessoas com um mínimo de 11 anos de instrução escolar, entre pessoas de 25 anos de idade ou mais, o percentual era de 40,3%, para os homens e 44,5%, para as mulheres. Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao.html. Acesso em: 20 mar. 2017.

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34 A perspectiva liberal, que serviu de argumento para a garantia do direito ao voto feminino, entretanto, considera como cidadão, um sujeito autônomo, senhor de sua vontade. Esse sujeito, aparentemente neutro, desprovido de qualquer classe, raça ou gênero, é constituído sob uma perspectiva masculina, de um homem branco, proveniente das classes mais privilegiadas da sociedade (MIGUEL; BIROLI, 2014). Não é possível ignorar “o impacto do gênero na posição social dos indivíduos e sobre a relação estreita entre hierarquias em diferentes esferas da vida” (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 13).

De fato, a busca por igualdade envolve não somente o aspecto legal, mas a problematização de aspectos mais profundos, como as estruturas de poder que estabelecem relações sociais assimétricas entre os gêneros, bem como a forma de atuar das instituições sociais, como Estado, igreja, família, escola, entre outras.

De vital importância para o tema é a problematização da oposição entre o espaço público e o privado, o processo de naturalização que estes conceitos sofreram ao longo da história e seus efeitos no estabelecimento de papéis sociais para os gêneros.

Essa oposição diz respeito à representação do espaço público como um espaço impessoal, neutro, abstrato, idealizado, livre de desigualdades e conflitos, uniforme. Nesta concepção, o espaço privado é representado pela vida íntima, das relações familiares, domésticas, e não exerceria qualquer efeito sobre o espaço público e nem teria implicações políticas (MIGUEL; BIROLI, 2014). O estereótipo da mulher, construído como sendo biologicamente mais propensa ao cuidado do lar e dos filhos, fez com que ela ficasse historicamente circunscrita à esfera privada, doméstica, e qualquer inclinação feminina contrária a esse padrão era vista como indesejável.

Ainda outro problema imposto às mulheres é a falta de políticas públicas que minimizem a situação de desigualdade em que se encontram, tendo em vista a atribuição de papéis aos gêneros. Às mulheres ainda é delegada a responsabilidade primária pelo cuidado do lar e dos filhos, contudo a escassez de vagas em creches gratuitas torna a tarefa de equilibrar ambos, o trabalho remunerado e o doméstico, uma tarefa hercúlea, exigida exclusivamente da mulher.

Mesmo a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, em especial pelas mulheres de camadas sociais menos privilegiadas, está associada muito mais à necessidade de subsistência do que ao maior exercício de sua autonomia. Ela ainda engendra uma realidade de dupla jornada, o que cria um obstáculo adicional à sua efetiva

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35 participação na vida política. Um maior envolvimento familiar nos afazeres domésticos e na esfera privada permitiria que a mulher tivesse mais tempo para investir em sua carreira e maiores oportunidades de se inserir na esfera pública (PIOVESAN, 2011).

A divisão desigual do trabalho, com dupla e, às vezes, tripla jornada imposta às mulheres e consequente menor autonomia de gozo do tempo, coloca obstáculos à sua inclusão nas esferas públicas, perpetuando a situação de desigualdade. Esses aspectos precisam ser abordados para que possamos superar a construção discursiva de que mulheres não se interessam por política.

Já no local de trabalho, as mulheres experimentam realidades bem diversas das dos homens, sendo submetidas a cantadas, assédios e a uma permanente demanda por conciliar produtividade com as várias atribuições do cuidado com o lar e da família e a manutenção de qualidades próprias do estereótipo do que constitui o “ser feminina”. Tudo isso torna o trabalho secular uma realidade bem mais difícil para mulheres do que o é para os homens.

Mesmo no campo profissional, a elas são associadas as tarefas de cuidadoras. As mulheres, em geral, ocupam áreas de educação, serviço social e saúde, enquanto aos homens é reservado o espaço público e de poder (BIROLI, 2011). Com efeito, “o discurso da política maternal insula as mulheres nesse nicho e, desta forma, mantém a divisão do trabalho, uma divisão que, mais uma vez, destina aos homens as tarefas socialmente mais valorizadas” (MIGUEL, 2000, p. 3). Os homens, a quem são atribuídas as características de virilidade, força e capacidade de provisão material de mulheres e filhos, quando não são capazes de fazê-lo, enfrentam o desprestígio social por não cumprirem seu papel.

Questões como a não (ou pouca) participação masculina nos afazeres domésticos e familiares, a divisão sexual do trabalho, a discriminação de gênero, a maternidade compulsória, a valorização de características como docilidade, submissão e fragilidade, entre outras, somadas aos prejuízos sofridos em virtude de classe, raça e sexualidade, frequentemente criam um obstáculo à “autonomia e a plena participação feminina nas instâncias decisórias da vida social” (BRASIL, 2010, p. 10), perpetuando a desigualdade nos espaços públicos de decisão.

Partindo do princípio de que em um regime democrático devem existir justiça, igualdade e inclusão entre os cidadãos, apenas o direito ao voto não é suficiente. São necessárias medidas que garantam as condições propícias para a efetiva participação

Referências

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