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IGNORANTEEEEEE FANTOCHE DOS QUINTOS DOS INFERNOOOOOOS, VOLTA PRO BURACO DE ONDE VC

VEIOOOOO, VERGONHA MULTINACIONAL

Esse tipo de penalização e de crítica encontra respaldo em um discurso presente no imaginário social que estereotipa as mulheres como intelectualmente inferiores. A naturalização do estereótipo, de acordo com Pêcheux (2007, p. 52), se fundamenta na repetição, que atua como “um efeito de série pelo qual uma ‘regularização’ [...] se iniciaria, e seria nessa própria regularização que residiriam os implícitos, sob a forma de remissões, de retomadas e de efeitos de paráfrase”. De fato, são frequentes nos comentários as remissões a um estereótipo da “mulher burra”, como observamos nas escolhas lexicais evidenciadas pelos adjetivos empregados nos comentários anteriores.

93 Na mesma direção, Baronas (2018) aponta que o ex-presidente Lula também foi alvo de duras críticas e zombarias por conta de seus usos linguísticos. Contudo, são abundantes os exemplos de comentários depreciativos sobre mulheres em piadas e adágios populares. Tais enunciados dizem muito sobre o papel atribuído à mulher na nossa sociedade e veiculam os mais variados estereótipos relativos às mulheres, como as piadas sobre a “loira burra”, os ditados de que lugar de mulher é na cozinha, o estereótipo de que as mulheres se interessam apenas por homens ricos, que falam demais, que dirigem mal, entre outros. No que tange ao estereótipo da “mulher barbeira”, Vieira (2005) observa:

[...] Ao dirigir um automóvel, por exemplo, as mulheres estão sujeitas a críticas frequentes e, embora as estatísticas comprovem que as mulheres provoquem e sofram menos acidentes do que os homens, eles as diminuem constantemente nessa atividade. Basta um deslize para a mulher ser chamada de barbeira e ouvir assertivas como: ’Só podia ser

mulher na direção’. No campo profissional, se a mulher, depois de

muito esforço pessoal, for promovida, a primeira coisa que dizem é: ’Como será que ela conseguiu esta promoção? O que será que ela fez

para obtê-la?’ Mas, quando um homem é promovido, o discurso muda

completamente: ‘Como ele é competente’ ou ‘Esse cara vai longe, ele

promete’ (VIEIRA, 2005).

Bourdieu (2002) refere-se a uma estrutura de dominação masculina como uma forma de violência simbólica, ou seja, por esse conceito, o autor compreende o poder que impõe significações, estabelecendo-as como legítimas, de forma a dissimular as relações de força que sustentam a própria força. Com isso, ele quer dizer que a hegemonia exercida por homens pertencentes a certos grupos sociais (em especial aqueles que se adequam a um padrão de heteronormatividade) sobre as mulheres é mantida através das máscaras nas relações sociais; esse poder se infiltra nos pensamentos da sociedade, assim como em nossas concepções de mundo. Quando falamos sobre gênero, estamos exatamente discutindo sobre as formas como as relações de poder se manifestam na concepção da definição do masculino e do feminino.

Quando trazemos para o debate atual a análise sobre a questão da hegemonia masculina, percebemos, apesar de algumas mudanças, que a estrutura social parece reservar às mulheres um lugar de subordinação mascarado por naturalizações construídas socialmente. Dito de outra forma, apesar das conquistas femininas no que diz respeito à liberdade, garantia de direitos, igualdade, ainda há muito a avançar em relação à estrutura social, pois ainda vivemos sob uma estrutura de considerável proeminência masculina,

94 em que as mulheres têm sua competência questionada com base em uma suposta inferioridade intelectual. No caso da ex-presidenta, é recorrente a ênfase à ideia de que possui um conhecimento precário da língua e que esse fato a desqualifica como presidenta do país. Tomo para análise os seguintes comentários:

Comentário 35

Galera, a Dilma não é a pessoa mais inteligente do mundo, mas a matemática dela não está errada kkk 30% de 30 é mais ou menos 9% de 100, ela só não sabe português

Comentário 36

Dilma que vá fazer concurso para ser funcionária Pública não sei se passa não fala português só dilema.

Comentário 37

Um líder de um país jamais pode se tão enrolado quanto a Dilma... Se enrola pra mostrar um gráfico, se enrola pra dizer a porcentagem, se enrola pra tudo... Fora as coisas sem sentido que fala. E tem gente que defende !!!

Comentário 38

Dilma presidenta incompetente.

Comentário 39

Se Dilma Rousseff continuar a falar, o impeachment será por unanimidade.😂😂😂😂👏🏽👏🏽👏🏽🇧🇷🇧🇷🇧🇷🇧🇷🇧🇷

Comentário 40

Kkkk A única saudade que Dilma deixa é dos discursos. Só essa fala já merece o impeachment.

95 Como observado nos comentários 35 a 40, os enunciadores criticam com severidade a suposta inabilidade linguística da ex-presidenta. Ao fazê-lo, colocam-se, implicitamente, como “bons falantes” da língua, como alguém que conhece as regras e as usa com propriedade, adotando assim uma posição de mais poder. Dilma Rousseff, ao ser descrita como uma “má falante”, alguém que “desconhece” as regras da língua e a usa de forma errônea, é colocada numa posição de menos poder.

Contudo, para além de simplesmente apontar os desvios linguísticos cometidos pela ex-presidenta, percebe-se em alguns comentários um desejo de condenação de Dilma, independentemente de comprovações de quaisquer espécies, não importando qual preceito constitucional seria utilizado para isso. Ao associar seu precário uso da norma padrão da língua portuguesa, as caraterísticas ideais de um líder de um país e o

impeachment, os enunciados parecem estar reiterando a ideia: “Ela merece ser deposta

por ser burra e não saber nem mesmo falar português direito.”

Tenho como propósito, nesta análise, compreender os prováveis efeitos de sentido suscitados pela leitura dos comentários que integram o corpus da pesquisa e a memória discursiva que atualizam. Logo, entendo apropriado retomar que os efeitos de sentido não dizem respeito a meras transmissões de informações entre interlocutores, muito menos está o sentido localizado em algum lugar, fora do discurso. Antes, os sentidos se encontram profundamente arraigados nos contextos em que os enunciados são produzidos. De fato, é trabalho do analista de discurso reconhecer, considerar e levar em conta, em seu escrutínio, as condições de produção do discurso e as relações que um determinado discurso mantém com outros discursos, possíveis, impossíveis, imaginados, censurados, interditados. Para demonstrar como a conjuntura sócio-histórica (as condições de produção) influenciam a (re)produção e circulação de sentidos e discursos, recruto o comentário a seguir:

Comentário 41

Depois de investigar junto aos linguistas, arqueólogos e antropólogos sobre o dialeto obscuro visto aqui e em outras tantas oportunidades, descobri que o Dilmês é uma língua que metaforiza e mecaniza ‘sofisticadamente’ a comunicação, exigindo que o interlocutor acesse sua ‘faculdade telepática’ para saber de antemão do que ela fala, sendo que sua fala é

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somente complementar à tal informação ‘telepaticamente transmitida’. :P

Como exemplifica de forma irônica o comentário 41, paralelamente à ideia de que a ex-presidenta “não sabe português”, é enfatizado pelos usuários da página que Dilma faz uso de um idioma próprio, denominado “Dilmês” (o termo é mencionado no corpus 35 vezes). Tal referência a um idioma “próprio” dela, parece atualizar um discurso recorrente na sociedade à época do impeachment. Esse termo circulava a tal ponto na sociedade à época, que foi até mesmo tema de um livro.

O livro Dilmês: o idioma da mulher sapiens, de Celso Arnaldo de Araújo, é publicado em 2015, pela Editora Record do Rio de Janeiro. A obra apresenta de forma humorística os supostos equívocos linguísticos cometidos pela ex-presidenta. A sinopse da obra reza:

A sátira política do Saara cerebral de Dilma Rousseff

Ao esmiuçar os mais estapafúrdios conceitos e raciocínios já formulados por uma figura pública brasileira, esta sátira política honra a melhor tradição do gênero com uma viagem ao centro do Saara cerebral de Dilma Rousseff. Já em meados de 2009, no exato instante em que a funcionária pública mineira de origem búlgara começou a se apresentar aos brasileiros como presidenciável, era possível notar que havia algo de errado naquele discurso no qual palavras eram despejadas a esmo, sem dar liga a uma única ideia à altura do cargo que postulava. A partir dos discursos presidenciais transcritos na íntegra pelo Portal do Planalto, Celso Arnaldo Araujo, pioneiro na análise sintática e política da língua falada pela presidente da República, destrincha e documenta os verdadeiros espetáculos de comédia bufa protagonizados pela dramática inaptidão da oratória de Dilma61.

Figura 3 - Capa do livro “Dilmês: o idioma da mulher sapiens” – de Celso Arnaldo de Araujo.

61

Disponível em: https://www.livrariacultura.com.br/p/ebooks/biografias/politica/dilmes-107274262.

97 Fonte: https://www.livrariacultura.com.br/p/ebooks/biografias/politica/dilmes-107274262

Acerca desse acontecimento discursivo, o “Dilmês”, Baronas (2018) define o termo como:

Um simulacro de idioma criado pelos mais diferentes dispositivos midiáticos para caracterizar disforicamente as falas de Dilma Rousseff em seus pronunciamentos. Com efeito, essa designação, ‘dilmês’, construída linguisticamente a partir do radical dilm-, extraído do nome Dilma, mais o sufixo -ês, extraído da terminação de muitas línguas: portugu-ês; ingl-ês; franc-ês, escoc-ês, irland-ês etc., traz na própria materialidade linguística o sentido disfórico. Em outros termos, o sufixo -ês ao ser incorporado ao radical dilm- passa a funcionar como uma marca disfórica (BARONAS, 2018, p. 711).

Ainda um outro tipo de comentário que se mostrou contumaz no corpus foi a referência à ex-presidenta como uma “piada”, uma “vergonha” nacional e internacional e a alusão às suas falas como sendo já reconhecidamente “pérolas da Dilma”.

Comentário 42

Brasil vira motivo de piada em outros países por causa da inteligência da presidente Dilma.

98 Comentário 43

Dilma, sempre Dilma, ela tem que publicar um livro das pérolas que fala, é uma anta.

Comentário 44

Essa Dilma é uma piada não sei como ela foi presidente do Brasil. Kkkkķkkkkk

Comentário 45

😀 As tentativas da Dilma, de correr mundo para reclamar de

golpe, a expuseram a todo ridículo possível, sendo, cada vez mais, motivo de piada mundial.

Comentário 46

Sinto vergonha de ser brasileira quando Dilma abre a boca.

Comentário 47

Nossa! À política brasileira é motivo de piada em todo mundo. Essa Dilma envergonha o Brasil.

Comentário 48

Kkkkkkk , essa mulher nunca vai saber o q fala , Dilma , VERGONHA NACIONAL...

Os comentários exemplificados aqui, que criticam as habilidades linguísticas da ex-presidenta, nas suas mais diversas paráfrases, nos remetem à veiculação de um discurso sexista, que representa negativamente a mulher, como observado nas recorrentes piadas e provérbios sobre a incapacidade feminina. Novamente, é por diversas vezes empregada, nos comentários, a onomatopeia “kkkkk”, para exprimir uma risada, como

99 observado nos comentários 35, 40, 44 e 48. Tal recurso parece ser utilizado como uma tentativa de amenizar a carga de preconceito presente nos comentários.

Possenti (2010) afirma que as piadas mobilizam discursos polêmicos, operam com estereótipos (que, por sua vez, estão relacionados a preconceitos) e retomam discursos profundamente arraigados. Por veicularem apenas discursos que circulam socialmente, ou seja, que efetivamente existem, que não foram inventados pelas piadas, a análise dos comentários irônicos, como o mencionado a seguir, permite compreender melhor aspectos relativos ao funcionamento discursivo, bem como da sociedade. No comentário abaixo, o enunciador tece efusivos elogios à “inteligência inigualável” de Dilma, e logo após seu comentário, utiliza a abreviação “sqn” (só que não) para marcar seu posicionamento irônico.

Comentário 49

A representante brasileira da nação tem uma inteligência inigualável, uma sincronia impressionante das palavras, sou extremamente honrado em escutar uma análise intelectual, bem formulada e correta. Obrigado Dilmão. Sqn

Concernente aos efeitos de sentido, entendo que os sentidos reproduzidos não estão condicionados a uma série de repetições exatas de sentidos consolidados, estanques e imutáveis. Pelo contrário, essas iterações constituem um processo constante de reproduções e transformações, uma vez que estão sempre urdidas no bojo de novas conjunturas sócio-históricas, novos enquadramentos, sendo enunciadas por diferentes sujeitos.

Isso posto, observo a reiteração do estereótipo da burrice feminina também por meio do uso de palavras-valise, palavras que surgem da junção de duas palavras (ALVES, 1990). O termo “Dilmanta” - presente no texto 43 vezes – deriva da junção do nome próprio “Dilma” e do substantivo “anta”; o mesmo fenômeno acontece no termo

“Dilmula”, que é formado com a utilização do substantivo “mula”, e “presidanta”, que

aglutina os substantivos “presidente(a)” e o substantivo “anta”. Esses substantivos são reconhecidamente usados na Língua Portuguesa relacionados a pessoas consideradas detentoras de um baixo nível de inteligência. O produto dessa junção são palavras-valise carregadas de valor pejorativo, que, de forma sarcástica, retomam metonimicamente o

100 estereótipo da mulher burra, posicionando a suposta incapacidade intelectual de Dilma como algo intrínseco, constitutivo dela. Parafraseando, diferentemente de uma pessoa que não entende de um determinado assunto, nessa construção discursiva, o efeito de sentido provocado é de que “Dilma é incapaz para tudo, a burrice faz parte de sua natureza”. Apresento algumas ocorrências dos termos analisados, nos seguintes comentários:

Comentário 50

Bando de sem vergonha pois quando foi com os caminhoneiros que realmente esta uma profissão péssima, que necessita de mudanças urgente a merda da dilmanta falou que quem nao voltasse ao trabalho pagaria uma multa absurda, resumindo diteito de greve e so pra quem ganha bem e é adepto a cut, mst, etc.. palhaçadas do Brasil.

Comentário 51

Dominique Daria, pra você que não é boa com números. Dilmula ensina bem porcentagem.

Comentário 52

A VAGABUNDA MILITANTE DO PT PRESIDENTE DO SINDICATO DOS BANCÁRIOS QUE IMPÔS ESSA MALDITA

GREVE EM RETALIAÇÃO AO IMPEACHMENT DA