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Comentário 53

Impeachment para Presidanta Dilma FORA DILMA

Na próxima seção, abordo a discussão dos comentários que retomam o discurso do estereótipo da “puta” em associação à imagem de Dilma Rousseff.

101 Ao se referir à ex-presidenta com o uso de expressões que condenam um comportamento sexual supostamente imoral, os comentários associam-na a um discurso depreciativo que tem o viés de desqualificar a mulher. No campo do imaginário social, a figura da prostituta contrasta com a figura materna. Enquanto esta, a mãe, é associada ao recato (sexo controlado, reprodução), ao cuidado, à família, à maternidade, ao privado, aquela, a prostituta, retoma a imagem de uma “mulher pública, liberação do vício e da lascívia latentes no feminino” (SWAIN, 2000, p. 53).

Nas culturas ocidentais, o gerenciamento da conduta sexual feminina se fortaleceu em especial com a propagação do cristianismo (ROSSIAUD, 1991). Na concepção cristã, por séculos, a imagem feminina foi associada a um paradigma de periculosidade e sedução, as mulheres – mesmo as que não fossem prostitutas – eram consideradas criaturas propensas ao erotismo, à libertinagem, à infidelidade, à devassidão. Nessa medida, as mulheres eram consideradas como “naturalmente” inclinadas à prostituição e o discurso religioso desempenhou um papel fundamental em robustecer essa construção profana da imagem feminina.

A associação da ex-presidenta a termos que remetem à imagem da prostituta é ilustrativa da contumácia misógina em assinalar as mulheres com adjetivações depreciativas, evidenciando sua suposta debilidade moral e a licenciosidade. A prostituição simboliza uma ameaça, a subversão das regras de conduta socialmente estabelecidas. Através da adjetivação, com o uso de palavras adjetivações como “puta”, “vagabunda”, “vaca”, os comentários a seguir reiteram o estereótipo da prostituta. Parafrasticamente reforçam a imagem da ex-presidenta como uma mulher indigna, não merecedora de deferência, uma vez que se atreve a invadir as esferas pública e política, historicamente reservadas aos homens.

Comentário 54

Petistas terroristas, só quero ver o fim de vcs quarta-feira quando aquela vaca da Dilma cair.

102

Chuuuuuupaaaaa Dilma puta.

Comentário 56

Esse bando de esquerdistas, não sabem nem e o porque defendem a VAGABUNDA e TERRORISTA Dilma... BANDO DE IMBECIS SEM MORAL

É relevante observar que a mesma escolha lexical não ocorre em comentários feitos acerca de políticos de diferentes gêneros. Em geral, os comentários que trazem menção ao ex-presidente Lula, no corpus, o associam a termos como “ladrão”, “corrupto”, “comunista”, “bandido”, comentam seus supostos atos desonestos e pedem sua prisão. A mesma tendência é observada em comentários que mencionam outros políticos do sexo masculino no corpus.

Comentário 57

LULADRÃO PRESIDENTE 2018: Irá ganhar a mesma ‘HABILITAÇÃO POLÍTICA’ que Dilma ‘Cobaia’ (do ‘laboratório do PT’)

Comentário 58

Como o Paraná pode votar numa turma de cafajeste62 como

estes Senadores que representa o Estado do Paraná, São a pior escória que tem no Congresso, estão disesperados porque vão perder a mamata da roubalheira, fora Dilma é toda a sua tropa

Como mencionado, o ex-presidente foi alvo de críticas por seus usos linguísticos e consumo de bebidas alcoólicas, mas não há ataque a sua moral sexual, tampouco é alvo

62 O dicionário Michaelis define o termo como “ indivíduo sem caráter, de baixos sentimentos e

inescrupuloso; canalha, velhaco.”. Disponível em:

103 de questionamentos de sua sanidade mental, ou tem sua senilidade usada como escusa para sua inabilidade política, como ocorre com a ex-presidenta no corpus desta pesquisa.

Destarte, a seleção lexical e a atribuição de significados aos sujeitos não é acidental. A linguagem define os lugares dos gêneros também por meio dos diferentes adjetivos utilizados para qualificar os indivíduos, pelo emprego (ou não) de termos no diminutivo, pela seleção lexical, pela construção de imagens associando certas qualidades, características ou atitudes e os gêneros – o mesmo processo ocorre concernente a sexualidades, raças, classes sociais (LOURO, 2007).

Com efeito, o papel da língua enquanto potencial canal de propagação de preconceitos, machismos, valores, perspectivas, visões de mundo e papeis sociais de gênero que evidenciam e constituem o imaginário social é demonstrado na escolha de adjetivos pejorativos ou insultos para os diferentes gêneros.

Para homens e mulheres, os insultos frequentemente estão relacionados a condutas sexuais, e esse fato é explicado em virtude dos processos de subjetivação por meio dos quais “homens tornam-se homens” e “mulheres tornam-se mulheres”. A identidade masculina geralmente se constrói a partir dos mecanismos de eficiência, vigor sexual e no desempenho de algum ofício. Assim, os piores insultos são aqueles que os apresentam em uma atitude passiva – a passividade é considerada atributo feminino – com o emprego de termos como “veado”, “mulherzinha” (BAERE, ZANELLO, ROMERO, 2015).

Também são frequentes os insultos dirigidos a homens e mulheres que difamem e humilhem seus parentes mais próximo do sexo feminino - em geral mãe ou esposa. O insulto “corno” é mais frequentemente utilizado em relação a homens, enquanto o insulto “filho/a da puta” é utilizado tanto para homens quanto para mulheres, sendo mais frequentemente dirigido aos sujeitos do sexo masculino. Em uma competição de futebol, por exemplo, evento em que predomina o público masculino, é recorrente a prática de se dirigirem ao juiz impropérios como “filho da puta”, quando este comete algum equívoco, quando toma alguma decisão imprecisa ou de caráter dúbio, ou quando simplesmente sua decisão parece favorecer a equipe adversária. O insulto empregado põe em evidência uma série de valores e regras sociais que condenam a prática da prostituição.

104 Atribuir a um homem o adjetivo de “filho da puta” deixa implícita a ideia de que não apenas sua progenitora pratica sexo em troca de pagamento, mas que também é uma mulher imoral, pois mantém relações sexuais com diversos homens. Além disso, por relacionar-se indiscriminadamente, no imaginário social reside a ideia de que seu filho é um bastardo, sem um genitor conhecido ou presente. Com base nessa memória discursiva, as mulheres que não se prostituem, mas que, entretanto, não têm conhecimento da paternidade de seu filho, também costumam ser estigmatizadas como “putas”. O mesmo acontecia anteriormente, e com menor frequência na atualidade, com as mulheres solteiras que são mães. Esse processo discursivo reforça o mérito e a importância conferidos à mulher que limita suas relações sexuais a somente um parceiro do sexo masculino e, assim, está segura acerca da paternidade de seus filhos.

Ser nomeado de “filho da puta” desmerece a honra da pessoa ofendida, com fundamento na conduta sexual da mãe. Nesse caso, a reputação de uma pessoa está relacionada à sexualidade das mulheres de sua família. Ademais, a figura da mãe é comumente retratada como imaculada, próxima do divino. Nesse sentido, a mãe constitui um ser intocável, incapaz de se conspurcar, mantendo relações sexuais com outros homens. Percebe-se que a mesma associação não acontece com a figura paterna; não se emprega o insulto “filho do puto”. Ainda que o pai tenha relações sexuais com diversas mulheres e/ou o faça por dinheiro, essa conduta não acarreta uma estigmatização. No imaginário social, essa conduta masculina geralmente é exaltada e desejável, como mostra de virilidade e pujança sexual.

Nos comentários a seguir, o insulto é recuperado. Contudo, como no processo discursivo as repetições não acontecem de forma exata ou perfeita, mas num processo de repetição-transformação, o insulto aqui aparece de forma metafórica, utilizando a palavra “Dilma” em relação de substituição com a palavra “puta”. No comentário 50, o tom agressivo, bem como a presença de outros adjetivos desqualificadores em relação a Dilma, indica que a expressão “filhos de Dilma” pode ser parafraseada como “filhos da puta”. Entretanto, tomando em linha de conta que os discursos nos fornecem múltiplas possibilidades de interpretação, a depender dos recursos linguísticos e dos indícios fornecidos pelas marcas enunciativas, percebo que o mesmo sentido pejorativo não pode ser atribuído às expressões “filho da Dilma” e “filhos de Dilma”, presentes nos comentários 51 e 52, em que o enunciador parece estar fazendo referência à Dilma como

105 genitora de forma denotativa. Dilma seria a mãe, de quem seus filhos teriam herdado uma suposta dificuldade cognitiva e de se expressar.

Comentário 59

Pois é, esses DEMOCRATAS são filhos da Dilma... oresudenTA inocenTA e nojenTA.

Comentário 60

Gente é tudo filho da Dilma mesmo kkkk não sabem de nada nem oq é socialismo nem pelo q brigam

Comentário 61

Filhos de Dilma ! Até na fala parece com a mãe!!

Por outro lado, dentre os adjetivos depreciativos aos quais as mulheres são relacionadas, “puta” costuma ser o mais frequente. A maioria dos impropérios dirigidos a elas são ligados a uma espécie de conduta sexual ativa, e isso talvez aconteça tendo em vista que, no imaginário social, espera-se que a mulher apresente um comportamento de amorosidade, castidade e pudor. Uma mesma palavra, como o termo “vagabundo”, pode tomar conotações diferentes: quando atribuído a uma mulher, toma a conotação de atividade e variabilidade sexual; quando atribuído a um homem, conota a falência da produtividade e rendimento (ZANELLO, 2010). Essa diferença é perceptível no comentário a seguir. Falando sobre os eleitores da ex-presidenta, o enunciador parece estar usando o adjetivo “vagabundos” como uma crítica àqueles que apresentam uma pretensa dependência no recebimento do auxílio do Programa Bolsa Família, enquanto se recusam a buscar emprego. “Vagabundo”, portanto, pode ser ressignificado aqui, não como alguém imoral e lascivo, mas como alguém preguiçoso e indolente.

Comentário 62

Vagabundos estes nas ruas querendo continuar com a boquinha do bolsa família tendo um filho atrás do outro vão trabalhar deus inúteis! Temer já disse e nós brasileiros do bem que trabalhamos

106

falamos tbm golpista e Dilma e o MST governo de vagabundos e bandidos! Nos não vamos mais aceitar isso estes ataques dessa quadrilha maldita!

O insulto constitui um poderoso instrumento de controle social e da sexualidade feminina, condenando qualquer tentativa feminina de tomar decisões acerca de sua própria sexualidade e seu próprio corpo. A palavra “puta” enquanto insulto retrata um lugar social de rebaixamento, comportamentos femininos passíveis de punição.

À luz do pensamento foucaultiano (2003) de que o corpo é investido por domínios de poder e de saber, ou seja, que o corpo é dominado por preceitos institucionais e é exigido do sujeito que domine seu corpo, adaptando-o a moralidades de seu tempo e às regras impostas pela sociedade, lanço-me à análise do comentário a seguir.

Comentário 63

Dilma vai dar 30% de meia hora de bunda pro seu amigo Lula, mas só 30%

Cabe aqui, primeiramente retomar as condições de produção desse comentário. Ao fazer referência ao dado numérico “30%”, o enunciador faz alusão ao episódio em que Dilma Rousseff, já afastada do cargo, fala, no dia 29 de agosto de 2016, por quase 14 horas, no Senado Federal. Em certo momento de seu discurso, em resposta à senadora Ângela Portela (PT-RR), Dilma discorre sobre a distribuição de recursos explorados do pré-sal e afirma: “Não é 30% dos recursos da exploração [do pré-sal]. É 30% de 25%. Ou 30%… de 30%. Portanto, não é 30%. Está entre 7,5% e um pouco mais, 12,5%. Não se trata de 30%”. Dessa forma, refere-se ao direito de a Petrobras receber de 70 a 75% dos recursos explorados do pré-sal. Os 25% ou 30% restantes caberiam às demais empresas que integram o consórcio de exploração. Do montante, que varia de 25% a 30%, a Petrobras teria direito a uma parcela de 30%.

Sua fala é recebida pelo púbico com bastante confusão e é considerada por muitos mais um de seus repetidos equívocos linguísticos e matemáticos. Um vídeo63 de menos de 1 minuto com o trecho viraliza nas redes sociais e é compartilhado na página do MBL

107 no Facebook. São encontrados no corpus diversos comentários que fazem alusão ao episódio, tanto como motivo de riso e alusão ao estereótipo da burrice (exemplificado pelo comentário 55), quanto como tentativa de explicação da precisão do seu cálculo matemático (comentário 56).

Comentário 64

Eu acho que 30% de 25% ou 30% de 30% ou 7,5% ou 12%, tanto faz, nenhuma porcentagem vai salvá-la. E é claro que não podia faltar uma pérola dessa num dia tão importante quanto foi esse. Valeu Dilma, continuamos nos divertindo. Da pra trabalhar de comediante na praça é nossa. Vsi dar ibope lá também. E não é da Globo, pode ir tranquila!

Comentário 65

Quem não sabe fazer conta fica bugado com conversa de quem sabe.

Vejam bem meus caros lesados das ideias:

DILMA quis explicar, mas o analfabetismo matemático de muitos não permite assimilar, que não é 30% do total, mas 30% de 25% do total que dá mais ou menos um valor entre 7% e 12% do total dos recurso da exploração e não 30% desse total.

Se quiser posso desenha também...

No comentário de número 63, em análise, o sujeito-enunciador, portanto, retoma uma memória discursiva que associa o episódio da fala da ex-presidenta a um estereótipo de burrice e incapacidade, agregando ao seu enunciado um elemento de viés sexual. A expressão “dar 30% de meia hora de bunda” parece evocar um discurso de controle sexual, mais especificamente da prática do sexo anal.

Visto, ainda, por uma considerável parte da sociedade contemporânea como um tabu, o sexo anal, para muitos, continua sendo uma prática suja e perigosa, quando não uma perversão. O ânus não é considerado, pelo campo da saúde, como um órgão sexual por fazer parte do aparelho digestivo; é considerado sujo e não possuidor de função reprodutiva. Similar concepção circula também no discurso religioso. Com respeito aos sentidos construídos em torno dessa prática sexual, Sáez e Carrascosa (2016) afirmam buscar compreender:

108

[…] por que o sexo anal provoca tanto desprezo, tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio. E sobretudo revelar que essa vigilância de nossos traseiros não é uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é de uma mulher ou de um homem ou de um/a trans, se nesse ato se é ativo ou passivo, se é um cu penetrado por um vibrador, um pênis ou um punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é penetrado com camisinha ou não, se é um cu rico ou pobre, se é católico ou muçulmano. É nessas variáveis onde veremos desdobrar-se a polícia do cu, e também é aí onde se articula a política do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se constroem o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo (SÁEZ; CARRASCOSA, 2016, p. 21).

Emerge da leitura do comentário 63 uma série de condições e regulamentos impostos por um certo controle social e discursivo sobre o sexo e o corpo feminino, sob a luz de conceitos quem englobam a proteção dos corpos contra infecções e enfermidades e uma suposta moral sexual. Observando a materialidade linguística do comentário, percebo os ecos de um discurso moralizador, que associa a imagem de Dilma a uma prática sexual socialmente considerada aviltante, abjeta e a coloca em uma posição de passividade. O enunciado também evoca traços de um discurso machista e falocêntrico, já que, para o enunciador, “Dilma deveria ter seu ânus penetrado pelo falo de seu amigo

Lula”.

Levando em linha de conta que os enunciados retomam outros enunciados, percebo que os variados movimentos metafóricos, reconstruindo a imagem de Dilma como uma mulher imoral, remetem a outros discursos que circulavam na sociedade naquele contexto, de insatisfação política e econômica com a ex-presidenta. Mesmo após ser eleita, Dilma Rousseff foi diversas vezes retratada como objeto de satisfação sexual, conforme observado nos adesivos que estampavam a entrada do tanque de combustível de veículos64.

64 Medindo 60 por 40 centímetros, o adesivo foi disponibilizado para venda pelo site Mercado Livre no ano

de 2015. Ao sofrer denúncia no Ministério Público, o anúncio é retirado do ar. Defendido por alguns como uma forma de protesto contra o aumento do preço da gasolina, foi considerado ofensivo pelo Ministério Público, que aceitou a denúncia. Matéria Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/governo- denuncia-adesivo-com-ofensa-sexual-a-dilma,33f5fa7ff225c4a3d42f654bee769de9sgleRCRD.html Acesso em: 10 mar. 2019.

109 Figura 4: Adesivo da ex-presidenta Dilma Rousseff de pernas abertas.

Fonte: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/governo-denuncia-adesivo-com-ofensa- sexual-a-dilma,33f5fa7ff225c4a3d42f654bee769de9sgleRCRD.html

Quando os carros estavam sendo abastecidos, a montagem provocava a impressão de que a bomba estaria penetrando sexualmente a ex-presidenta. A figura de Dilma Rousseff sorridente, com as pernas abertas, em posição de disponibilidade sexual, suscita uma imagem de oferecimento, de aceitação, reiterando um discurso que concebe o corpo feminino como um espaço vazio que espera ser invadido, preenchido, penetrado. O consectário psicológico dessa metáfora caracteriza a sexualidade feminina como algo íntimo, reservado, que precisa ser protegido, resguardado. Frequentemente, nas notícias sobre casos de estupro, não são raros os comentários que culpabilizam a vítima do estupro por não ter se protegido.

Logo, a imagem de uma mulher que desguarnecidamente espera a penetração com um sorriso nos lábios e as pernas abertas retoma um tipo de comportamento que não é esperado de uma mulher que se conforma com os padrões socialmente impostos de moral e recato sexual. Ademais, a imagem novamente traz à mente um discurso machista e falocêntrico, pois a bomba da gasolina nos remete ao pênis penetrando uma vagina.

110 A representação degradante da ex-presidenta, seja por comentários, imagens, ou adesivos, coloca em evidência percepções machistas e androcêntricas que sustentam o julgamento moral em voga no Ocidente acerca das mulheres. Essas percepções relacionam as mulheres que se aventuram a contestar os padrões de gênero socialmente impostos a um comportamento carnal, à incapacidade, burrice, insanidade e depravação. Aos homens – em geral brancos, de classe social elevada e que adotam um padrão de comportamento heteronormativo – são associados à intelectualidade, à sagacidade, ao raciocínio, à competência para cargos decisórios e de comando, à virilidade, à sensatez e à habilidade para mediação e conciliação de litígios, entre outros atributos.

Enquanto isso, as mulheres que ocupam cargos em níveis superiores de hierarquia, têm seu comportamento e sua sexualidade associados a juízos de valor pela sociedade. Pode-se mencionar, a título de exemplificação, a matéria publicada pela revista Veja, em 2016, que retratou a esposa do então presidente Michel Temer, Marcela Temer, como uma mulher “bela, recatada e do lar”, que se dedica ao cuidado do esposo e do filho, do lar e mantém impecavelmente a aparência65.

A circulação dessa imagem e desse discurso foi empregada em contraste à imagem da ex-presidenta Dilma Rousseff, que, então, configuraria o modelo do que a mulher ideal não deveria ser, pois não estava sob uma tutela masculina, não se circunscrevia apenas ao espaço doméstico, não se devotava unicamente à maternidade e ao casamento. Uma mulher que se atreve a ocupar o cargo máximo de liderança de um país como o Brasil pode ser considerada, por muitos, como um exemplo de uma feminilidade “desviante”.

A construção da imagem da ex-presidenta como prostituta, e outras expressões que nos remetem a um comportamento sexual socialmente considerado repreensível, coloca em evidência uma cultura sexista de rebaixamento das mulheres, que emprega o aspecto sexual como forma de reprovação. Os termos “puta”, “vaca”, “vagabunda” revelam, ademais, um discurso condenatório em relação àquelas que perturbam os papeis de gênero socialmente constituídos, ao assumir, por exemplo, um cargo público de destaque. Conforme afirma Jesus (2018), ao considerar o caráter de anormalidade assinalado aos sujeitos que apresentam comportamentos desviantes dos padrões de

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MARCELA TEMER: BELA, RECATADA E DO LAR. Disponível em: http://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/. Acesso em: 15 mar. 2019.

111 masculinidades e feminilidades socialmente estabelecidos: “podemos intuir o porquê do medo da presença do diferente, uma vez que parece pôr em questionamento os sentidos históricos do que seja normalidade” (JESUS, 2018, p. 73).

Finalmente, na próxima seção, discuto os comentários em que identifiquei um viés de abjeção, associando a imagem da ex-presidenta a sentimentos de repulsividade, desprezo, repugnância.

4.4 – “Presidenta nojenta”

Antes de mais nada, considero apropriado tecer algumas considerações acerca do critério empregado por mim na classificação dos comentários neste eixo de observação. Uma vez que os enunciados nunca são retomados de modo estanque, mas se apresentam emaranhados a outros enunciados e discursos na tessitura enunciativa, muitos dos