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Feminismo e direito: análise a partir do ordenamento jurídico brasileiro

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Academic year: 2021

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PAULA MENDES SAMPAIO LIMA E SOUZA

FEMINISMO E DIREITO: ANÁLISE A PARTIR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Niterói 2016

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PAULA MENDES SAMPAIO LIMA E SOUZA

FEMINISMO E DIREITO: ANÁLISE A PARTIR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Direito como requisito parcial para conclusão do curso.

Orientador:

Prof. Dr. Eder Fernandes Monica Coorientadora:

Pesquisadora Ariíni Bomfim

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito

S72 9

Souza, Paula Mendes Sampaio Lima e Souza

Feminismo e direito: análise a partir do ordenamento jurídico brasileiro / Paula Mendes Sampaio Lima e Souza – Niterói, 2016.

47 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Teoria do direito. 2.Gênero. 3. Movimentos sociais. 4. Teoria feminista. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável II. Título.

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BRASILEIRO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Direito como requisito parcial para conclusão do curso.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Prof. Dr. Eder Fernandes Monica (Orientador) – UFF

_____________________________________________________ Pesquisadora Ariíni Bomfim (Coorientadora) - UFF

______________________________________________________ Profª. Me. Ana Paula Antunes Martins - UnB

_____________________________________________________ Profª. Giselle Picorelli - UFF

Niterói 2016

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tanto. A evolução não se resume academicamente. Concluo esta etapa e este trabalho como uma nova pessoa.

Começo agradecendo a toda a minha família, em especial minha mãe por ser sempre minha melhor amiga e a mulher mais linda do universo, ao meu pai por ser um exemplo e a base para a construção de uma vida em Niterói e aos meus avós Paulo, o homem mais honesto e admirável que já conheci; e Vera, que foi minha grande mãe e a pessoa mais importante da minha vida.

Um muito obrigada ao querido professor Éder, que não só teve uma compreensão e humanidade tamanha, mas também me ensinou a enxergar um viés do Direito ainda desconhecido para mim.

Agradeço à Ariíni, também, pelo tempo despendido em minha coorientação e à simpatia e leveza.

Obrigada às minhas amigas feministas e a todo esse mundo novo que conheci e me acolheu. Aos meus velhos amigos e às pessoas maravilhosas que encontrei ao longo desses anos no Rio.

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Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.

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surgir mudanças e o feminismo passou a ser ferramenta de luta da mulher. As três ondas pelas quais passou a teoria feminista – como um todo – nos faz entender mais claramente a luta por ideais que pudessem propiciar à mulher a dignidade da pessoa humana. Através da análise destas três ondas, bem como da legislação brasileira que cuida da proteção à mulher buscou-se reconstruir o processo histórico da teoria feminista no Direito. A estrutura do texto analisa as três ondas bem como a legislação que ampara a mulher. Como resultado, deve-se atentar para o fato de que ainda há muito pelo que se lutar, principalmente para que a Lei seja cumprida em favor das mesmas.

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became a woman fighting tool. The three waves which passed feminist theory does denote the struggle for ideals that could provide the woman the dignity of the human person. Through analysis of these three waves, as well as the Brazilian law which takes care of the protection of women sought to reconstruct the historical process of feminist theory in the law. The text structure analyzes the three waves and the legislation that supports women. As a result, attention should be paid to the fact that there is still much to be fought primarily for the Law is fulfilled in favor of women.

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1.1 Teorias feministas ... 15

1.1.1 Liberais ... 15

1.1.2 Socialistas ... 16

1.1.3 Radicais ... 16

1.2 Teorias feministas no direito ... 17

2 CONTEXTO BRASILEIRO ... 19

2.1 As ondas feministas no Brasil e um breve panorama atual ... 19

2.2 Práticas e aplicações da teoria feminista no Brasil ... 25

2.2.1 Direitos civis das mulheres e a nova configuração de família ... 25

2.2.2 Participação na política ... 28

2.2.3 Violência doméstica – Lei Maria da Penha ... 30

2.2.4 Aborto ... 33

2.2.5 Direitos trabalhistas ... 35

2.3 Direitos da mulher como direitos humanos (ou a perspectiva internacional) ... 38

2.4 Efeitos constitucionais na tutela dos Direitos da mulher ... 41

2.4.1 Convenção de Belém do Pará ... 41

2.4.2 A lei 10.778/04 ... 42

2.4.3 A lei 13.150/2001 ... 43

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 44

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INTRODUÇÃO

Devido à grande opressão em torno da mulher na sociedade, observa-se o surgimento de teorias feministas, muitas elas críticas, as quais vêm se desenvolvendo no campo do Direito, passando por várias fases.

No entanto é sabido que grande parte da cultura acadêmica nem sequer sabe do que se trata a teoria feminista do direito, não percebendo desta forma também as normas jurídicas que legislam em favor das mulheres e derivam de grande luta e expressão dos movimentos feministas.

O feminismo é um movimento social e plural que visa a igualdade entre homens e mulheres, sendo para uma grande maioria a maior revolução social ocorrida no século XX. O Direito, enquanto ciência preza pela neutralidade e objetividade, uma vez que não está vinculado a concepções políticas ou culturais.

As três ondas – falando resumidamente - pelas quais passaram a teoria feminista faz denotar a luta por ideais que pudessem propiciar à mulher a dignidade da pessoa humana. A primeira onda expressou-se pela luta do voto, uma luta no âmbito político, fazendo parte as mulheres de classe média e alta. A segunda onda teve início durante o regime militar, na década de 1970, onde observou-se a perda da cidadania discutindo-se a opressão patriarcal, bem como discussões acerca da sexualidade e relação de poder, onde as leis deveriam dar igualdade às mulheres. O movimento foi caracterizado por uma resistência ao militarismo, bem como uma luta contra a violência sexual e o direito ao prazer. A terceira onda, ou feminismo difuso, havendo uma tentativa de reformulação do próprio Estado e das políticas por ele aplicadas. Houve também uma busca pela reconfiguração do espaço público, do qual começam a participar lésbicas, negras, indígenas, dentre outras.

Assim sendo, este trabalho busca refletir sobre as mudanças, novas demandas e as conquistas alcançadas pelo feminismo brasileiro enquanto movimento social. Observar as implicações de tal movimento nas leis brasileiras é o objetivo central deste.

O primeiro capítulo trata do tema contexto mundial, onde fala-se resumidamente a respeito das teorias feministas: liberais, socialistas e radicais, bem como das teorias feministas no Direito.

O segundo capítulo é dedicado ao contexto brasileiro. As ondas feministas no Brasil e um breve panorama atual, as práticas e aplicações da teoria feminista no Brasil, os direitos civis das mulheres e a nova configuração de família.

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Também aborda este segundo capítulo a participação na política, a violência doméstica e a Lei Maria da Penha, o aborto, os direitos trabalhistas, a evolução da legislação na luta das mulheres pela proteção de seus direito, onde vê-se o Projeto de Lei 117/03, a Convenção de Belém do Pará, a Lei 10.778/04 e a Lei 13.150/01.

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1 CONTEXTO MUNDIAL

No sentido de compreender o papel da mulher na sociedade necessário se faz um retrocesso aos primórdios da existência da sociedade, principalmente quando se trata da formação do sujeito, dos grupos e das classes sociais.

Com a colonização do Brasil deu-se início a um período em que as mulheres eram tidas como objetos de domínio e submissão, onde segundo Del Priore (2001, p. 46), as mulheres Tupinambás eram tratadas com barbarismo e as Leis do Estado e da Igreja tinham por objetivo maior abafar a sexualidade feminina, uma vez que “ao arrebentar as amarras [...] a sexualidade feminina [...] ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas”.

Era função da Igreja “castrar” a sexualidade feminina, usando como contraponto a idéia do homem superior a qual cabia o exercício da autoridade. Todas as mulheres carregavam o peso do pecado original e, desta forma, deveriam ser vigiadas de perto e por toda a vida. Tal pensamento, crença e “medo” acompanhou e, talvez ainda acompanhe, a evolução e o desenvolvimento feminino (DEL PRIORE, 2001, p. 46).

Para Pereira (2005), até o século XVII somente o sexo masculino era reconhecido, tendo a mulher como um ser inferior, imperfeita, menos desenvolvida. Somente no século XIX a mulher é vista como complemento do homem.

A diferença entre gêneros era voltada para a relação anatômico-fisiológica, onde diferenças morais eram impostas aos comportamentos masculino e feminino, que era exigido pela sociedade burguesa e capitalista da época. Tal característica também era notada em países da Europa (PEREIRA, 2005).

Pereira (2005) vislumbra a existência de um modelo cultural básico da antropologia mediterrânea, onde para o homem é fundamental que o mesmo conserve sua honra, através da proteção à família e da posse de bens. Para as mulheres, cabia-lhes o dever de gerir a casa, cuidando da família e indo à missa.

Ainda sob o prisma de manter a honra, o homem deveria controlar a sexualidade e a fertilidade femininas, as quais eram consideradas uma ameaça à honra e um perigo, onde a virgindade e a castidade eram o alicerce (PEREIRA, 2005).

Com o advento do século XIX a discussão sobre gêneros tem início, sendo o mesmo definido como uma construção cultural das características masculinas e femininas, onde o sexo define a diferença entre homem e mulher (PEREIRA, 2005).

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O gênero é a definição cultural da conduta entendida como apropriada aos sexos numa sociedade dada e numa época especifica. (...) É um disfarce, uma máscara, uma camisa de força na qual homens e mulheres dançam a sua desigual dança (PEREIRA, 2005, p. 45).

Segundo Pachá (2008), ao longo da história mudanças ocorreram no casamento, no amor e na sexualidade, observando-se uma revolução sexual e emancipação feminina, o que propiciou mudanças radicais, principalmente no que diz respeito ao avanço das mulheres nas áreas da política e da cultura.

A história da luta das mulheres por igualdade de direitos é relativamente recente. Embora o movimento feminista só ganhe essa denominação no fim do século XIX, muito ocorreu antes para que chegasse a esse ponto. O feminismo preconiza a igualdade entre os sexos e a redefinição do papel da mulher na sociedade, é certamente a expressão máxima de consciência crítica feminina. Uma consciência que será forjada, inicialmente, na Europa setecentista, particularmente na França e na Inglaterra, em meio às grandes transformações que então se operam.

A revolução teórica iniciada no século XVIII com Mary Wollstonecraft1 e o primeiro questionamento sobre as questões de gênero no mundo em Reinvidicação do Direito das

Mulheres2 obteve desdobramentos sistemáticos em todo o mundo.

1 Mary Wollstonecraft (1759-1797) foi testemunha e protagonista da cena iluminista, para a qual contribuiu com

a inclusão da temática da igualdade de gênero, debatendo publicamente com escritores como Jean-Jacques Rousseau sobre o direito da mulher à educação. Precursora do feminismo e também uma aguerrida militante antiescravagista, foi uma mulher à frente de seu tempo em vários aspectos: era solteira quando teve sua primeira filha; defendeu o amor livre e a não obrigatoriedade do casamento; foi uma escritora reconhecida já em vida, autora de uma série de romances, tratados, narrativas de viagens e, inclusive, uma história da Revolução Francesa; conviveu com intelectuais como o editor Joseph Johnson e os escritores William Blake e William Godwin, com o qual veio a se casar e que se tornou pai de sua segunda filha, Mary Shelley (autora de Frankenstein). Sua obra mais importante é Reivindicação dos direitos da mulher (1792), considerada uma das peças inaugurais da literatura feminista.

2 Considerado um dos documentos fundadores do feminismo, o livro denuncia a exclusão das mulheres do

acesso a direitos básicos no século XVIII, especialmente o acesso à educação formal. Escrito em um período histórico marcado pelas transformações que o capitalismo industrial traria para o mundo, o texto discute a condição da mulher na sociedade inglesa de então, respondendo a filósofos como John Gregory, James Fordyce e Jean-Jacques Rousseau.

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1.1 Teorias feministas

1.1.1 Liberais

A teoria feminista liberal concebe a liberdade e a igualdade como valores fundamentais, cabendo ao Estado a garantia destes direitos. No entanto observa-se que o feminismo liberal possui algumas vertentes, devido ao fato de que o significado da liberdade e da igualdade é discutido entre os liberais.

Rawls (1971) aborda a igualdade política e econômica para as mulheres. Já Pateman (1983) distingue o público e o privado sob a ótica liberal. Porém cabe salientar que embora as ativistas feministas procuravam caracterizar a violência contra a mulher como um ato criminoso, assim Allen (1999, p. 85) aduz:

Esta corrente se desdobra na elaboração de uma compreensão crítica de aspectos importantes do liberalismo, como por exemplo, a distinção entre as esferas privada e pública que servem para sustentar a dominação masculina sobre as mulheres, tornando as relações de poder dentro da família como natural e imune a regulação política.

Tem-se, assim, o círculo doméstico e a esfera privada como sendo o foco opressor da mulher. Desta forma, Cyfer (2010) chama atenção para o espaço doméstico ser considerado dominado pelo sexo masculino, havendo uma desvalorização do trabalho da mulher dentro de casa, bem como um tolhimento em sua liberdade de escolha, uma vez que o ambiente doméstico é considerado o natural das mulheres, chegando-se ao fato de que a vida política e social é apenas característica masculina, devendo então a mulher se ater aos afazeres domésticos e reprodução.

Cyfer (2010) observa que no liberalismo contemporâneo há uma interdependência entre o público e o privado, demonstrado sua fragilidade no momento em que há uma limitação em por não haver uma visão estrutural da opressão do gênero. Para o autor, o feminismo liberal mantém a dominação do homem sobre a mulher.

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1.1.2 Socialistas

De acordo com Cyfer (2010, p. 85) o feminismo socialista é um ramo do feminismo que “se concentra no âmbito público e privado da vida da mulher e argumenta que a liberação feminina só pode ser alcançada através do fim das fontes econômicas e culturais de opressão contra as mulheres”.

Uma das características do feminismo socialista é o fato de não reconhecer o patriarcado como principal forma de opressão das mulheres, mas afirmam que as mulheres não são livres uma vez que dependem financeiramente dos homens. Havendo um desequilíbrio da riqueza, onde o sexo masculino detém maior poder, as mulheres são dominadas pelos governantes (CYFER, 2010).

Desta forma tem-se que o sistema econômico é o principal causador de subjugação da mulher, devendo ela buscar a justiça social, econômica e política.

A base do feminismo socialista é o marxismo, havendo uma relação das condições materiais do indivíduo com a vida do mesmo. Desta forma tem-se que em cada época da história houve um sistema econômico que influenciou diretamente na divisão sexual do trabalho, criando uma relação capitalista e patriarcal (CYFER, 2010).

Cabe salientar que para as feministas socialistas, em contrário ao que Karl Marx afirmava, não há opressão de gênero como uma sub-classe da opressão de classe. Para elas, abolindo-se a propriedade privada e transformando-se a divisão sexual do trabalho haverá a libertação das mulheres (CYFER, 2010).

1.1.3 Radicais

Segundo Cyfer (2010) o feminismo radical ganhou vulto na década de 1970, onde o patriarcado seria a “raiz” do problema, daí o nome radical.

O patriarcado é uma ideologia que organiza e divide o mundo em princípios e valores duais, tais como razão/emoção, objetivo/subjetivo, público/privado. Esses aspectos, todavia, não são considerados de igual importância. Os primeiros, como no exemplo, seriam considerados socialmente superiores e ao sexo masculino seriam atribuídas suas características. Em contrapartida, os atributos considerado frágeis e imperfeitos seriam pertencentes às mulheres. O patriarcado se fundamentaria, portanto, atribuindo uma natureza inferior e imutável às mulheres, o que legitimaria sua condição de subalternidade (NÓBREGA, 2015).

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Com isso tem-se que o controle do corpo feminino, principalmente no que diz respeito à reprodução e sexualidade seria o fundamento desta ideologia, seguida pelos níveis político, econômico e jurídico.

Esta corrente, de acordo com Nóbrega (2015) acredita que o sistema de dominação social do sexo é o principal opressor das mulheres, sendo necessário expor o patriarcado e as experiências de opressão vivenciadas. Desta forma o conhecimento da opressão sofrida seria vivenciado por todos, o que daria oportunidade de se construir ferramentas para a transformação do mundo, momento em que as mulheres conquistariam a liberdade.

1.2 Teorias feministas no direito

Segundo Serafim (2014) o Direito é tido como neutro e objetivo, desta forma a legislação é isenta de construções sociais, não tendo nenhuma relação com política ou cultura.

Assim, foi possível justificar a imunidade das normas jurídicas às construções sociais, inclusive as sexistas, já que o próprio direito não estaria vinculado aos influxos políticos e culturais, sendo sempre neutro e objetivo. Com a evolução dos debates teórico-filosóficos em torno do fenômeno jurídico, foram desenvolvidas teorias contemporâneas perpassadas por análises críticas, dentre as quais se pode situar as teorias feministas do direito (SERAFIM, 2014, p. 2).

De acordo com Serafim (2014) as teorias feministas não possuem as características da neutralidade e objetividade, justificando a discriminação com base no sexo e como o mesmo influencia as leis, doutrinas e jurisprudências, momento em que se faz a associação da teoria à prática.

Para Serafim (2014, p. 3) “o feminismo é um movimento social que milita em favor da igualdade entre mulheres e homens, pondo-se, desde os seus primórdios, em favor dos direitos femininos, restando clara a necessidade de aproximá-lo do estudo jurídico”.

No entender de Bueno (2011, p. 5) “as feministas destacaram o papel do Direito Penal como instância criadora e reprodutora da discriminação entre homens e mulheres, atuando como um dos principais sistemas de controle formal das mulheres”.

Para Bueno (2011) os temas feministas passaram a ser vistos pelo Direito a partir do momento em que outras áreas como História, Sociologia, Psicologia, Artes, dentre outras passaram a produzir estudos acerca do tema.

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Outro fator que contribuiu para que isso ocorresse foi a maior participação da mulher no meio jurídico, porém cabe salientar que no início apenas os casos levados às Cortes eram analisados sob este prisma, levando-se a entender que se tratava mais de uma questão prática (BUENO, 2011).

Na década de 1980 houve um avanço neste processo, onde o tema passou a fazer parte da área acadêmica, momento em que deu-se ênfase aos cursos de Teoria Feminista do Direito nas faculdades. Assim observou-se o surgimento de diversas correntes envolvendo Direito, gênero e mulheres (BUENO, 2011).

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2 CONTEXTO BRASILEIRO

2.1 As ondas feministas no Brasil e um breve panorama atual

O movimento feminista brasileiro não acontece isolado, de forma homogênea e alheio ao contexto mundial. Para começarmos a falar sobre o movimento no âmbito do Brasil, primeiramente, é preciso delinear alguns momentos ou ondas presentes nele, que coincidem com a forma de produção do conhecimento feminista europeu e americano, ou com o pensamento clássico da formação dos direitos.

Para isso, iniciamos citando a tendência na qual teve seu início no final do século XX e se trata do movimento sufragista e emancipacionista liderado por Bertha Lutz3, este tem como principal veículo de divulgação de ideias a imprensa feminista4. Através de sua luta, Lutz consegue que em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076 as mulheres tenham direito ao voto. Esta primeira onda possui um caráter conservador no que se refere ao questionamento da divisão sexual dos papeis de gênero.

Com o advento do golpe militar de 1964 e durante a ditadura, os movimentos de mulheres, juntamente com outros vários movimentos sociais, foram silenciados e massacrados. E um ponto curioso é que as mulheres, em sua maioria de classe média e burguesas, foram usadas como “massa de manobra” para a manutenção e apoio ao regime militar instalado na época5. Havia mulheres que participavam ativamente de movimentos

3

A bióloga Bertha Lutz foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil, responsável direta pela articulação política que resultou nas leis que deram direito de voto às mulheres e igualdade de direitos políticos nos anos 20 e 30.

4

A convite do jornal “Correio da Manhã”, a Federação Brasileira Pelo Progresso F eminino organiza um suplemento dominical em que se discute o progresso da mulher e do feminismo e m geral. O suplemento saiu no dia 29 de outubro de 1930. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino tornavam públicas suas atividades de várias formas. Reg ularmente, as feministas se quotizavam para publicar no jornal “O Paíz” um suplemento dominical contendo notícias políticas. Aqui, mostramos o registro de campanha de propaganda feminista. Os objetivos eram atrair ativistas para a entidade e promover a con sciência política feminina. O jornal “Diário Carioca” publica com destaque as iniciativas de Bertha e de suas colaboradoras em 29 de abril de 1930.

5

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome comum de uma série de manifestações públicas ocorridas entre 19 de março e 8 de junho de 1964 no Brasil em resposta a uma suposta ameaça comunista representada pelo discurso em comício realizado pelo então presidente João Goulart em 13 de março daquele mesmo ano. Na data, o mandatário assinou dois decretos, permitindo a desapropriação de terras numa faixa de dez quilômetros às margens de rodovias, ferrovias e barragens e transferindo para a União o controle de cinco refinarias de petróleo que operavam no país. Além disso, prometeu realizar as chamadas reformas de base, uma série de mudanças administrativas, agrárias, financeiras e tributárias, garantindo o que chamava de justiça social. Fundamentados na função social da terra e empreendimentos urbanos, demandas antigas e de ampla penetração na sociedade da época. Com discurso insuflando os sargentos a amotinar-se nos quartéis, Goulart antecipou uma pretensa reforma urbana e a implementação de um imposto

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contra o regime, e que foram reprimidas com torturas específicas para elas, como quartos escuros cheios de insetos, torturas com penetração, abortos forçados, dentre outros.

A segunda onda feminista compreende o período de 1960 até a década de 1980. O conservadorismo ainda presente vai, lentamente, sendo deixado de lado para dar lugar a ideias influenciadas pelo anarquismo e pelo socialismo, nas quais os imigrantes espanhóis e italianos são responsáveis por difundir. Dessa forma já era possível encontrar mulheres ligadas às lutas e movimentos sindicais e na defesa de melhores salários e condições de saúde e higiene no trabalho, além do combate às discriminações e abusos que estavam submetidas por pertencerem ao gênero feminino.

A preocupação deixa de ser os direitos políticos e passa a ser o fim da discriminação e a igualdade entre os sexos. A principal luta era para que as mulheres se politizassem e combatessem as estruturas sexistas do poder.

No ano de 1964, com o slogan “Liberação das Mulheres” viu-se uma transformação na luta das mulheres, que então almejavam trabalhar e sustentarem-se a si próprias, sendo respeitadas em igualdade e capacidade.

Um período de grande efervescência se mostra e o processo também incorpora a efervescência cultural presente na época, com os novos comportamentos afetivos e sexuais, acesso a recursos de terapia psicológica e psicanalítica e etc. Há então inúmeros grupos e coletivos de mulheres organizados para tratar de uma gama muito ampla de temas relacionados à mulher, principalmente a partir das comemorações do Ano Internacional da Mulher, em 1975. Assuntos como violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito a terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo e opções sexuais, foram importantes também no sentido de, mais tarde, contribuir para o advento da nova Constituição Federal, considerada um marco para os Direitos da mulher. A volta das exiladas pela ditadura com a anistia de 79 também contribui para este ambiente favorável ao debate e de fortalecimento da corrente feminista brasileira.

A criação do Conselho Estadual da Condição Feminina, em abril de 1983 significou o surgimento do primeiro mecanismo de Estado voltado para a implementação de políticas para a mulher no Brasil. Com esse fato sobrevieram críticas por parte dos que acreditavam que a atuação no âmbito do Estado representava uma brecha na autonomia do movimento feminista como um todo, como um processo de redemocratização. Podemos citar a fala de Elizabeth Souza Lobo:

sobre grandes fortunas. No contexto da Guerra Fria e da polarização entre os Estados Unidos e a União Soviética, estas ideias foram vistas como um passo em direção à implementação de uma ditadura socialista.

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[...] depois de 1982, em alguns Estados e cidades, se criaram os Conselhos dos Direitos da Mulher, e mais adiante o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, se configurou novos interlocutores na relação com os movimentos. Duas posições polarizaram as discussões: de um lado, as que se propunham ocupar os novos espaços governamentais, e do outro, as que insistiam na exclusividade dos movimentos como espaços feministas (LOBO, 1987).

Dessa forma podemos delimitar aqui um terceiro momento, historicamente falando, da arqueologia feminista no Brasil. Um dos principais objetivos deste nessa época era dar visibilidade à violência contra as mulheres e combatê-la mediante intervenções sociais, psicológicas e jurídicas.

No período da Assembleia Nacional Constituinte, em conjunto com outras organizações do movimento em todo país, o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) conduziu uma campanha nacional denominada “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”. Tal campanha objetivava maior participação na articulação das demandas femininas e culminou com a elaboração de diversos eventos no país e sistematização de propostas a nível regional e, posteriormente, nacional em um encontro com a participação de duas mil mulheres. Surgiu assim a Carta das Mulheres à Assembleia Constituinte como forma de sistematizar as ideias e apresentá-las à sociedade civil e aos constituintes. Mulheres de todas as representatividades invadiram o Congresso Nacional.

Tais mulheres visavam garantir a aprovação das demandas do movimento e através de uma ação direta de covencimento que ficou conhecida como lobby do batom, conseguiram aprovar em torno de 80% de suas demandas. Isso representou uma quebra nos tradicionais modelos de representação vigentes, como Celi Pinto explica:

[...] a presença constante das feministas no cenário da Constiuinte e a consequente ‘conversão’ da bancada feminina apontam para formas de participação distintas da exercida pelo voto, formas estas que não podem ser ignoradas e que talvez constituam a forma mais acessível de participação política das feministas. Este tipo de ação política, própria dos movimentos sociais, não passa pela representação. Constituindo-se em pressão organizada, tem tido retornos significativos em momentos de mobilização e pode ser entendida como uma resposta à falência do sistema partidário como espaço de participação (PINTO, 1994, p. 265).

Uma das conquistas mais importantes desse período são as delegacias da mulher, as quais ainda constituem uma das principais políticas públicas de combate à violência contra a mulher e à impunidade. A primeira delegacia da mulher – no mundo - foi criada na cidade de

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São Paulo em agosto de 1985 para que policiais femininos investigassem crimes em que a vítima fosse mulher.

Já nos anos 90, a teoria feminista ganha uma proposta de construção de uma nova subjetividade feminina e masculina. Podemos enxergar aí uma mudança teórico significativa, sob a influência dos debates norte-americanos e franceses sobre a construção social de gênero e começa a se propor a substituição da categoria “mulher” pela categoria “gênero”. Há o nascimento de uma terceira onda do movimento, que foi abrindo espaço para questões de ordem inconsciente, essa corrente relativiza a perspectiva dominação-vitimização. Foi-se abrindo espaço para se trabalhar com o que Pierre Bourdieu denomina “violência simbólica”, ou seja, internalização (inconsciente) do discurso do dominador pelo dominado, que o faz cúmplice de sua dominação. Neste viés, as pesquisas de Heloisa Pontes e Maria Filomena Gregori se destacaram e foram se tornando visíveis os elementos que permitam ver a violência como um mecanismo relacional. (SARTI, 2004)

Nesta terceira onda inicia-se o feminismo da diferença, onde defende-se as diferenças entre os sexos. A micropolítica é enfatizada, desafiando os paradigmas da segunda onda a respeito do que não é bom para as mulheres.

Tais estudos contribuíram de forma decisiva para mostrar os intrincados problemas nas relações de gênero, afirmando a necessidade de se trabalhar e pensar em termos de identidades que se constituem em relações de gênero, afirmando a necessidade de se trabalhar e pensar em termos de identidades que se constituem em relações construídas a partir de referencias sociais e culturais específicas. Viu-se também que a análise do feminismo não pode ser dissociada de sua enunciação, que lhe dá significado. Ou seja, as mulheres não constituem uma categoria universal, elas se tornam mulheres em contextos sociais e culturais específicos.

Além de se influenciarem pelos debates teóricos internacionais e nacionais sobre o uso e definição da categoria gênero, nos anos 90 os estudos sobre violência contra as mulheres também refletem mudanças no cenário jurídico-político nacional e internacional. O processo de redemocratização do Brasil dá ensejo à promulgação de novas leis e novas instituições – como as já citadas delegacias da mulher – que vêm ampliar formalmente os direitos das mulheres. Com a ratificação, pelo Estado brasileiro, de normas internacionais reconhecendo formalmente os direitos das mulheres como direitos humanos – por exemplo, as Convenções da ONU e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também chamada Convenção “Belém do Pará” -, o paradigma internacional dos direitos humanos é também trazido para as práticas e estudos feministas.

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Nesse contexto, as pesquisas sobre violência contra as mulheres passam a enfatizar uma preocupação com a ampliação dos direitos humanos das mulheres e o exercício de sua cidadania no âmbito das instituições públicas, principalmente na esfera da Justiça. (SANTOS; IZUMINO, 2005).

Aliadas a essas mudanças, se multiplicaram as várias modalidades de organizações e identidades feministas. O crescimento do feminismo popular e a diversidade que ele trouxe teve como consequência a diluição de barreiras e resistências ideológicas para com o feminismo.

O resultado da I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres é demonstração da força e da capacidade de mobilização e articulação em torno de propostas transformadoras.

A 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres reuniu cerca de 2.500 pessoas em Brasília entre os dias 15 e 17 de julho de 2004. De acordo com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), as 1.800 delegadas saíram com a sensação de dever cumprido. O documento oficial, elaborado a partir da Plenária Final justifica esta avaliação, confirmada nos acordos gerais, princípios, diretrizes e moções apresentadas. Durante o evento, o processo de elaboração das diretrizes para uma Política Nacional para as Mulheres se deu a partir da discussão do documento "Propostas de Diretrizes para uma Política Nacional para as Mulheres", nos 20 grupos de trabalho constituídos durante o evento. .(ALVAREZ, 1994)

Já nos anos 2000, quando o Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (FPA) realizou sua primeira pesquisa sobre as mulheres brasileiras, os dados revelados tornaram mensurável aquilo que a porção feminina da sociedade pensava e sentia na pele cotidianamente. Ou seja, traduziu-se em dados que apesar da melhoria de vida e de condições da mulher no país, ainda enfrentávamos sérios obstáculos. A continuidade de comportamentos machistas e sexistas arraigados na sociedade e a violência contra a mulher em suas mais variadas formas seguia sendo imensa.

Os dados citados foram publicados no livro “A mulher brasileira nos espaços públicos e privados” em 2004 e tornaram-se referência relevante nos debates sobre gênero. Desde então importantes conquistas foram obtidas. Exemplos são a criação em 2003 da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), pelo governo federal; os programas de desenvolvimento, distribuição e geração de renda, ao apostarem nas mulheres como destinatárias dos recursos e assegurarem a autonomia econômica e a emancipação social de um enorme contingente de brasileiras; a aprovação da Lei Maria da Penha (n. 11.340/2006) e a eleição de uma mulher para a Presidência da República do país, que deu a materialidade à ideia de que lugar de mulher é no poder.

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Segundo Ilíada (2013), esses e outros avanços institucionais conjuntamente com os obtidos no plano cultural e social a partir da luta individual ou coletiva de muitas mulheres nos espaços públicos e privados, fez com que novos estudos fossem realizados.

Enquanto “novo” movimento social, o movimento feminista brasileiro extrapolou os limites do seu status e do próprio conceito. Entrou no Estado, interagiu com ele, mas ao mesmo tempo conseguiu permanecer como movimento autônomo. Através dos espaços aí conquistados (conselhos, secretarias, coordenadorias, ministérios, etc.) elaborou e executou políticas. O movimento reivindica, propõe, pressiona, monitora a atuação do Estado e acompanha a forma como as demandas estão sendo atendidas.

A I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres e seus resultados, são a demonstração da força e da capacidade de mobilização e articulação de novas alianças em torno de propostas transformadoras, não só da condição feminina, mas de toda a sociedade brasileira. Para chegarmos aí houve um longo e tortuoso caminho de mudanças, dilemas, enfrentamentos, ajustes, derrotas e vitórias.

O feminismo enfrentou o autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaços públicos democráticos, ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na família, na escola, nos espaços de trabalho, e também no Estado. Rompeu fronteiras para o florescer de novas práticas e identidades feministas. Mas é importante lembrar que esse não é o ponto final do movimento, a cada vitória surgem novas demandas e novos enfrentamentos.

No documento “Articulando a luta feminista nas políticas públicas, a AMB6

(Articulação de Mulheres Brasileiras) expõe que o feminismo ainda enfrenta a resistências culturais e políticas e apresenta os três campos principais dessa resistência, são eles: os setores que têm uma perspectiva funcional e antifeminista da abordagem de gênero; um setor que questiona a existência do feminismo hoje e que acredita ser possível mudar a sociedade e superar as injustiças apenas a partir de comportamentos individuais de homens e mulheres; aqueles que não reconhecem a centralidade das desigualdades e buscam explicá-las apenas pela classe. (Costa, Ana Alice Alcantara. 2004)

O desafio do movimento feminista hoje, com isso, é entender e começar a dar respostas mais elaboradas a essas parcelas da sociedade, nas quais ainda persistem considerações patriarcais e sexistas.

6

A AMB é uma organização política feminista, antirracista, não partidária, instituída em 1994 para coordenar as ações dos movimentos de mulheres brasileiras com vistas à sua consolidação como sujeito político no processo da IV Conferência Mundial sobre a Mulher – Igualdade, Desenvolvimento e Paz (ONU, Beijing, 1995).

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2.2 Práticas e aplicações da teoria feminista no Brasil

Os textos legais acabam por retratar, ainda que vagarosamente, a trajetória da mulher no país. A seguir, discorreremos acerca de alguns dos avanços alcançados no Direito através ou com a ajuda das lutas feministas por direitos e por condições mais igualitárias e justas para as mulheres em nossa sociedade.

2.2.1 Direitos civis das mulheres e a nova configuração de família

O Código Civil de 1916 retrata a sociedade conservadora e patriarcal da época. Nas palavras de Pontes de Miranda, a obra de Clóvis “[...] constitui algo de nacional, de característico, a despeito do cosmopolitismo inerente às construções de feitio universitário, nos povos novos”. O mesmo autor relata o ataque que Rui Barbosa desferiu ao projeto de Clóvis Beviláqua não quanto ao conteúdo, mas somente no que diz respeito ao aspecto vernacular, afirmando ironicamente que “são hoje trabalhos indispensáveis a quem procura estudar a língua portuguesa, mas sem nenhum interesse jurídico”.

Dessa forma, pautados no livro “Feminismo e Política” de Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli, podemos afirmar que o antigo ordenamento civilístico outorgava o homem como comando exclusivo da família, que se identificava pelo nome do varão, sendo a mulher obrigada a adotar os sobrenomes do marido. O casamento era indissolúvel e só existia o desquite – significando não quites, em débito para com a sociedade – que rompia a sociedade conjugal, mas não dissolvia o casamento. Só o casamento constituía a família legítima e os vínculos extramatrimoniais, além de não reconhecidos, eram punidos. Com o nome de concubinato, eram condenados à clandestinidade e à exclusão não só social, mas também jurídica, não gerando qualquer direito. Em face da posição da mulher, às claras, era ela a grande prejudicada.

Dois passos importantes para o começo da dissolução da hegemonia masculina foram a edição da Lei 6.121, o chamado Estatuto da Mulher Casada em 1962 e da Lei do Divórcio, aprovada em 1977. A primeira devolveu a plena capacidade à mulher, que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal. Mesmo tendo sido deixado para a mulher a guarda dos filhos menores, sua posição ainda era subalterna. Foi dispensada a necessidade da autorização marital para o trabalho e instituído o que se chamou de bens

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reservados, que se constituía do patrimônio adquirido pela esposa com o produto de seu trabalho. Já a Lei do Divórcio foi possível após a aprovação da Emenda Constitucional nº 9 que introduziu a dissolubilidade do vínculo matrimonial. A nova lei, ao invés de regular o divórcio, limitou-se a substituir a palavra “desquite” pela expressão “separação judicial”, mantendo as mesmas exigências e limitações à sua concessão. Trouxe, no entanto, alguns avanços em relação à mulher. Tornou facultativa a adoção do patronímico do marido. Em nome da equidade estendeu ao marido o direito de pedir alimentos, que antes só eram assegurados à mulher “honesta e pobre”. Outra alteração significativa foi a mudança do regime legal de bens. No silêncio dos nubentes ao invés da comunhão universal, passou a vigorar o regime da comunhão parcial de bens.

Foi somente com o advento da Constituição Federal de 1988 que houve a maior reforma já ocorrida no Direito de Família. Pela primeira vez foi enfatizada a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). De forma até repetitiva é afirmado que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Mas a Constituição foi além. Já no preâmbulo assegura o direito à igualdade e estabelece como objetivo fundamental do Estado promover o bem de todos, sem preconceito de sexo (inc. IV do art. 2º). A isonomia também foi imposta entre os filhos, eis proibida quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, todos têm os mesmos direitos e qualificações (§ 6º do art. 227). O próprio conceito de família recebeu da Constituição tratamento igualitário. Foi reconhecida como entidade familiar não só a família constituída pelo casamento. Foram albergadas nesse conceito a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226).

Porém, mesmo após o novo ordenamento constitucional, o legislador não havia adequado os dispositivos da ordem infraconstitucional e, mesmo que sem eficácia, continuavam no ordenamento jurídico como letra morta. Um exemplo é que mantinha o Código Civil em elencos distintos os direitos e deveres do marido (arts. 233 a 239) e da mulher (arts. 240 a 255). Permaneceu no texto legal assertivas como essas: art. 233 – o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher (...). Compete-lhe: inc. I – a representação legal da família; inc. II – a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher (...); inc. III – o direito de fixar o domicílio da família (...); inc. IV – prover a manutenção da família (...).

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Talvez um dos grandes méritos do atual Código Civil, tenha sido afastar toda uma terminologia discriminatória, não só com relação à mulher, mas também com referência à família e à filiação (Dias, Maria Berenice. A Mulher no Código Civil.).

O CC de 2002 substitui a palavra "homem" por "pessoa", e assim, sucessivamente, em todo o Código, para que se retire definitivamente deste, toda e qualquer desigualdade nas relações jurídicas, seguindo o princípio da isonomia declarado pela Carta Magna de 1.988.

De acordo com Cabral (2004), no novo CC, liga-se à pessoa a ideia de personalidade, exprimindo aptidões genéricas para adquirir direitos e contrair obrigações. Assim, a pessoa natural somente pode ser sujeito nas relações jurídicas, pois, possui personalidade e, portanto, toda pessoa que tem personalidade é abrangida pela legislação civil e constitucional.

Uma inovação deste Código é a possibilidade que se dá para qualquer dos nubentes, querendo, acrescentar ao seu nome o nome do outro e não apenas à mulher acrescentar o nome do marido. Agora, o marido também poderá acrescer ao seu nome, o nome da esposa. Ou ainda, continuarem com os nomes de solteiras. Inclui entre os direitos regulamentados pelo Código Civil, a questão do Planejamento Familiar. E repetindo a Constituição Federal, afirma que o Planejamento Familiar é livre decisão do casal, além de expressar que é uma competência do Estado, propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito. Proíbe, também, qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Ou seja, nenhuma instituição pode dizer às pessoas quantos filhos e quando eles devem ter. A opção é da mulher, do homem ou do casal. São deveres de ambos os cônjuges:

I. fidelidade recíproca (não pode haver traição no casamento);

II. vida em comum, no domicílio conjugal (o casal deve viver sob o mesmo teto); III. mútua assistência (a mulher ou o marido deve dar assistência quando o outro precisar);

IV. sustento, guarda e educação dos filhos (ambos são responsáveis não apenas na questão financeira, mas também na guarda e educação dos filhos. Isto pode ser entendido que o homem também deve participar dos trabalhos domésticos com a casa e com as crianças);

V. respeito e consideração mútuos.

Dessa forma, a mulher deixou de ser apenas uma colaboradora do marido, que tinha a chefia da família. Agora, a direção da sociedade conjugal passa a ser exercida por ambos, marido e mulher, um colaborando com o outro, no mesmo pé de igualdade. Deve ser respeitado, em primeiro lugar, o interesse do casal e dos filhos. Se houver alguma divergência, qualquer um dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá considerando os interesses do casal e dos filhos.

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Sobre o sustento da família e, partindo do princípio de que, a todo direito corresponde um dever, este novo Código, além de estabelecer o direito da igualdade, estabelece também as obrigações para com as despesas de sustento da família e a educação dos filhos, que são obrigações tanto do homem como da mulher. Esta obrigação deve ser cumprida, qualquer que seja o regime patrimonial.

Outra inovação é referente ao domicílio do casal. Anteriormente, o homem era quem tinha o privilégio de escolher o local de moradia da família. Entre os direitos conquistados pela mulher está a sua participação na escolha do domicílio, em igualdade de condições com o homem. Também está explícito que qualquer um dos cônjuges pode ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes, sem que, com isto, esteja violando um dos deveres no casamento.

Para os casos nos quais um dos cônjuges esteja em lugar remoto ou não se saiba de seu paradeiro, esteja encarcerado por mais de cento e oitenta (180) dias, interditado judicialmente ou privado, mesmo que seja temporariamente de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens, responsabilidades com os filhos e todos os demais direitos e deveres no casamento.

2.2.2 Participação na política

A conquista do direito de voto no Brasil foi garantido em 1932, através do decreto 21.076 do Código Eleitoral Provisório, após intensa campanha nacional. Com a consolidação da participação feminina nas eleições, a mulher passou a conquistar cada vez mais o seu espaço no cenário político brasileiro. Fruto de uma longa luta, iniciada antes mesmo da Proclamação da República, foi ainda aprovado parcialmente por permitir somente às mulheres casadas (com autorização dos maridos) e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria, o exercício de um direito básico para o pleno exercício da cidadania.

Já em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres.

Sobre a participação efetiva da mulher na política o Brasil, com menos de 9% de mulheres na Câmara dos Deputados, está entre os piores colocados no ranking internacional, atrás de 154 países. Desde que o acompanhamento começou a ser feito há uma tendência de

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ampliação da presença feminina nos parlamentos do mundo, mas em velocidade reduzida, com um aumento médio de meio ponto percentual por ano.

Dessa forma, fica claro que a abolição das barreiras legais não representou o acesso a condições igualitárias de ingresso na arena política. O insulamento na vida doméstica retira delas a possibilidade de estabelecer a rede de contatos necessária para se lançar na carreira política. Aquelas que exercem trabalho remunerado permanecem em geral como responsáveis pelo lar, no fenômeno conhecido como “dupla jornada de trabalho”, tendo seu tempo para outras atividades reduzido, como atuação na política.

Segundo Miguel (2013), no Brasil a mudança começa a partir dos anos finais de regime militar, quando foram criados conselhos estaduais dos direitos das mulheres, em seguida já no início do novo governo civil, surgiram as delegacias especializadas no atendimento à mulher e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulheres (CNDM), como já discorrido neste trabalho. Já em 2003, por fim, o governo federal criou a Secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de ministério. Tais experiências marcam a vitória de um movimento feminista que se empenhava em fazer o Estado trabalhar no sentido da igualdade de gênero Também em 2013 criou-se a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), também com status de ministério, tendo como um dos seus focos a mulher negra e todas as ministras vieram do movimento de mulheres. Foram realizadas três Conferências de Políticas para as Mulheres – 2009, 2010, 2011; institui-se o Prêmio “Construindo a Igualdade de Gênero” para as categorias de estudantes de graduação e pós-graduação. Realizaram-se também inúmeros Fóruns Nacionais de Elaboração de Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta; a Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais em 2008; e criou-se o Memorial da Mulher Brasileira em 2010.

Os estudos que mostram essa nova realidade da influência das organizações de mulheres na ampliação dos direitos civis e políticos consignados na legislação vêm ganhando força.

Citando a tese de doutora de Patrícia Rangel, podemos inferir que as

[...] protagonistas (do Brasil) tiveram sucesso em transitar por distintos espaços e influenciar decisões nos três poderes [...] por meio do novo patamar institucional de intermediação entre Estado e sociedade e de representação nas formas de participação [...] tornando mais claras as relações entre representação substantiva e descritiva das mulheres e o impacto dos movimentos feministas sobre as políticas.

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Podemos concluir que uma coisa é a militância das mulheres nas instituições de representação sem autorização eleitoral, outra coisa é o eleitorado, com reservas de conservadorismo e tradicionalismo de gênero. Um fato interessante, ainda, é o que as próprias mulheres pensam sobre sua relação com a política. Para Avelar (2013), são evidentes os ganhos obtidos no campo dos direitos das mulheres como resultado de ações no campo institucional, porém o eleitorado desconhece as ações e tem uma maioria desinformada devido à baixa escolaridade e pelo apego a valores tradicionais e conservadores.

2.2.3 Violência doméstica – Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/2006 ou Lei Maria da Penha é a primeira e mais relevante normativa nacional de prevenção, assistência e punição à violência doméstica e familiar contra as mulheres. A promulgação da Lei rompeu com a visão jurídica tradicional de lidar com a violência praticada contra mulheres e, por isso, sofreu fortes resistências.

A respeito da citada lei, Pachá (2008) afirma:

Eu acho que é muito importante o passo que se deu para criar essa lei e para ter coragem de enfrentar esse problema do tamanho que ele tem. Eu acho que muito mais do que um problema com consequências graves, a violência doméstica é fruto da ignorância. As pessoas não denunciam porque têm medo e, normalmente, o medo é o pior inimigo que se pode ter para reverter esse quadro (PACHÁ, 2008, p. 89).

Logo após sua promulgação alguns operadores do direito recusaram-se a aplicá-la sustentando a sua inconstitucionalidade por acreditarem violar o princípio da igualdade entre homens e mulheres ao proteger exclusivamente as mulheres. Porém, recentes decisões do STF julgaram constitucional a Lei Maria da Penha e, decidiu também, que nos casos de lesão corporal de natureza leve não cabe representação, isto é, a ação penal é movida independentemente do desejo da vítima de processar o agressor.

Segundo Moraes (2000):

A lei 11.340/06 não é perfeita, mas traz em seu bojo, dentre outros aspectos, todo o procedimento a ser seguido tanto pela Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário. Também estabelece medidas protetivas de urgência relativas à vítima. Assim, a lei Maria da Penha possui um espírito muito mais educacional e de incentivo às ações afirmativas que de punição mais severas aos agressores (MORAES, 2000, p. 179).

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Segundo Hein (2013), a cultura da violência é prática diária nas relações familiares, fato constatado em pesquisas. Há muito que as feministas vêm denunciando e abordando que o contexto familiar não é local pacífico para as mulheres e crianças. Porém a naturalização da resolução de conflitos através de atos violentos é uma prática que atinge também as mulheres. A experiência de ter apanhado quando criança parece conduzir a comportamentos violentos ou sua aceitação na idade adulta e diversos estudos psicológicos apontam para essa ligação.

Com a Lei Maria da Penha algumas mudanças ocorreram na esfera jurídica: a Lei Maria da Penha tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher; estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como sendo física, psicológica, sexual, patrimonial e moral; determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual; retira dos Juizados Especiais Criminais a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher; proíbe a aplicação destas penas; foram criados Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com competência cível e criminal para abranger todas as questões; prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher; a mulher somente poderá renunciar perante o Juiz; é vedada a entrega da intimação pela mulher ao agressor; possibilita a prisão em flagrante; altera o Código de Processo penal para possibilitar ao Juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; a mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor; a mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais; altera o art. 61 do Código Penal para considerar este tipo de violência como agravante de pena; a pena do crime de violência doméstica passará a ser de 3 meses a 3 anos; se a violência doméstica for cometida contra mulher portadora de deficiência, a pena será aumentada em 1/3; altera a Lei de Execuções Penais para permitir que o Juiz determine o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação.

O Título I da referida Lei, que trata das Disposições Preliminares, traz o seguinte texto:

Art. 1º - Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e

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estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2º - Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º - O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4º - Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Diante disso, torna-se imprescindível a atuação do Estado na implementação de políticas públicas em busca da aplicação da Lei.

Cabe ainda citar que, além da crítica em relação ao alcance de tal Lei, também há uma crítica quanto ao alcance dela em relação às mulheres trans. Sem dúvida a lei trata também das relações entre homossexuais. Todavia, para seus efeitos, a relação entre homossexuais há de ser, aparentemente, apenas do sexo feminino. A discussão jurisprudencial sobre o abarcamento das trans na mesma se torna cada vez mais importante.

Nesse sentido, é importante analisar a Lei Maria da Penha sob a perspectiva de uma ação afirmativa, pois visa amparar mulheres em situações prejudiciais e desiguais. Nas palavras de Guilherme Peña de Moraes, as ações afirmativas podem ser definidas como:

como políticas ou programas, públicos ou privados, que objetivam conceder algum tipo de benefício a minorias ou grupos sociais que se encontrem em condições desvantajosas em determinado contexto social [...] ou [...] como compensação de danos causados por discriminações ocorridas no passado ou distribuição de benefícios entre os membros da sociedade, de sorte a viabilizar o acesso de minorias a determinadas posições no futuro, em atenção à diversidade de origem, raça, sexo, cor e idade (DE MORAES, 2003).

A proteção ao gênero justifica-se, portanto, pelo contexto patriarcal no qual as relações sociais estão inseridas dentro de uma sociedade, onde mulheres são agredidas, feitas de objeto e subjugadas pelo só fato de serem mulheres. Ainda nesse contexto, deve-se encarar o termo “benefício” utilizado pelo autor de maneira crítica, posto que as políticas públicas de ações afirmativas têm papel reparador em vista de uma igualdade de fato, embora que de antemão

(33)

possa ser interpretado como uma discricionariedade em favor de um grupo que encontra-se em situação semelhante aos demais. Cumpre frisar que a corrente feminista da dominação patriarcal remonta ao conceito foucaultiano estático de poder, e, dessa forma, mostra-se insuficiente para a compreensão de tal violência, consoante o seguinte entendimento:

[...] a segunda corrente, que chamamos de dominação patriarcal, é influenciada pela perspectiva feminista e marxista, compreendendo violência como expressão do patriarcado, em que a mulher é vista como sujeito social autônomo, porém historicamente vitimada pelo controle social masculino – grifo do autor.

[...] Adotando o conceito de poder de Foucault e o conceito de gênero de Scott, Izumino argumenta que “pensar as relações de gênero como uma das formas de circulação de poder na sociedade significa alterar os termos em que se baseiam as relações entre homens e mulheres nas sociedades; implica em considerar essas relações como dinâmicas de poder e não mais como resultado da dominação de homens sobre mulheres, estática, polarizada”. Nessa perspectiva, violência de gênero não pode ser definida como uma relação de dominação do homem sobre a mulher. A situação de violência conjugal, por exemplo, encerra uma relação de poder muito mais complexa e dinâmica do que a descrita pelo viés da dominação patriarcal (SANTOS, IZUMINO, 2005).

Nota-se ainda que, na espécie, o legislador não ampliou o alcance da tutela para a proteção de transexuais e travestis. Ao citar o termo “gênero” no dispositivo legal, o legislador culmina por ser omisso quanto ao seu real significado, dando margem a discursos pautados no conceito biológico, um conceito limitado cujo objetivo é definir o gênero de uma pessoa a partir do sexo designado ao nascer. Dessa maneira, é necessária uma análise mais profunda acerca dos conceitos de sexo e de gênero, bem como o grau de reflexo de padrões cisgênero7 e heteronormativo8 nesse dispositivo legal, de modo a concluirmos pela imprescindibilidade de uma reforma quanto ao tratamento de travestis e transexuais no Direito por uma via não binária na contramão do patriarcado e das suas ressonâncias.

2.2.4 Aborto

É claro para nós hoje em dia que a criminalização do aborto impede a autonomia das mulheres no país. A opressão patriarcal sobre as mulheres e a construção de fartos

7

Termo utilizado para se referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento. 8

A heteronormatividade diz respeito ao conjunto de obrigações sociais impostas pela suposição de que a heterosexualidade é o fundamento da sociedade. Diante disso, é possivel analisar a heteronormatividade a partir do conceito de heteronomia, pois “significa a aceitação da norma que não é nossa, que vem de fora, quando nos submetemos aos valores da tradição e obedecemos passivamente aos costumes por conformismo ou por temor à reprovação da sociedade ou dos deuses”, em oposição a este, temos o conceito de autonomia, que “não nega a influência externa, os condicionamentos e os determinismos, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as limitações que lhe são impostas, a partir das quais orienta a sua ação. Portanto quando decide pelo dever de cumprir uma norma, o centro da decisão é ele mesmo, a sua própria consciência moral”. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.p. 307/308.

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mecanismos de controle sobre o corpo feminino, bem como a construção do modelo atual de maternidade e o modelo atual de feminilidade profundamente atrelado à maternidade, naturalizando a mulher como ser destinado a reprodução são fatores cruciais para explicar todo o tabu constituído em torno do tema.

O tema do direito ao aborto entrou na agenda do movimento feminista brasileiro no início dos anos 1980. Tardio por que os movimentos sociais anteriormente eram profundamente influenciados por setores religiosos e os temas tratados pelo feminismo, em particular aqueles que tocam a família e a sexualidade, sempre foram um campo de conflito entre os direitos das mulheres e a igreja.

Segundo Gomes (2012), a legislação brasileira permite o aborto em alguns casos. O Código Penal, no art. 128, prevê duas hipóteses de aborto permitido: o necessário, quando há risco de vida para a gestante (CP, art. 128, I) e o humanitário ou sentimental (quando a gravidez resulta de estupro – CP, art. 128, II).

Mas também há uma exceção, como por exemplo no caso de se constatar que a mulher carrega dentro de si um feto anencefálico9. De acordo com o STF, aborto de anencefálico não é crime, não necessitando de ordem judicial para tal, cabendo aos médicos a decisão de realizar o aborto ou não. Em caso de aborto o médico deverá constatar que o feto é anencefálico e a inviabilidade da vida (GOMES, 2012).

A despeito de tal assertiva há jurisprudências:

Ementa: HABEAS CORPUS. FETO ANENCEFÁLICO. ABORTO

EUGENÉSICO. PEDIDO DOSIMPETRANTES PARA QUE SEJA RECONHECIDO O DIREITO DO PACIENTE (NASCITURO) À COMPLETA GESTAÇÃO. SUPERVENIENTE AUSÊNCIA DE INTERESSEPROCESSUAL. ESCLARECIMENTO DA GESTANTE DE QUE NÃO MAIS PRETENDEREALIZAR O ABORTAMENTO. ULTERIOR PETIÇÃO DOS IMPETRANTES NA QUALPUGNAM PELA PREJUDICIALIDADE DO HABEAS CORPUS, ANTE O TRANSCURSO DOPRAZO DO ALVARÁ JUDICIAL. WRIT PREJUDICADO. 1. Na hipótese, o Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Santa Adélia/SP proferiu, em 09/02/2011, sentença por meio da qual autorizou Gestante a submeter-se "aos procedimentos médicos necessários para a antecipação/interrupção do parto". Tal autorização ocorreu após a realização de exames pré-natal e de ultrassom, em hospital público municipal, que constataram a "má formação fetal do crânio, denominada pela medicina como anencefalia". 2. Levado em mesa para julgamento na sessão do dia 7 de junho de2011, esta Turma, à unanimidade, entendeu por bem converter o feito em diligência, para que a Gestante fosse ouvida sobre seu desejo de proceder à intervenção cirúrgica, ou se teria dela desistido. Em juízo, no dia 9 de junho de 2011, esclareceu a Grávida que desistiu do procedimento. 3. Outrossim, conforme esclarecem os Impetrantes, em petição na

9 Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia possuem expectativa de vida muito curta, embora não se

possa estabelecer com precisão o tempo de vida que terão fora do útero. A anomalia pode ser diagnosticada, com certa precisão, a partir das 12 semanas de gestação, através de um exame de ultra-sonografia, quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal.

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