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Elite politica brasileira e a renegociação das dividas do credito rural = o caso da bancada ruralista

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH

PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Orson José Roberto de Camargo

“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO

DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA

BANCADA RURALISTA”

Campinas - SP Dezembro de 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH

PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Orson José Roberto de Camargo

“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO

DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA

BANCADA RURALISTA”

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa

Campinas - SP Dezembro de 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP

Bibliotecária: Maria Silvia Holloway – CRB 2289

Título em inglês: Brazilian elite and the renegotiation of rural credit debts: the case of the bench ruralista.

Palavras chaves em inglês (keywords) :

Área de Concentração: Sociologia política Titulação: Mestre em Sociologia

Banca examinadora: Data da defesa: 16/12/2009

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

Elite (Social science) Equality

Rural credit

Debt renegotiation

Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa, Rosemary Segurado, Fernando Antonio Lourenço

Camargo, Orson José Roberto de

C14e Elite política brasileira e a renegociação das dívidas do crédito rural: o caso da bancada ruralista / Orson José Roberto de Camargo. - - Campinas, SP : [s. n.], 2009.

Orientador: Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Elites (Ciências sociais). 2. Igualdade. 3. Crédito rural. 4. Dívida – Renegociação.

I. Gouvêa, Gilda Figueiredo Portugal. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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v Agradecimentos

Nos três anos dedicados à dissertação, venho colecionando razões para agradecer àqueles que participaram e/ou contribuíram de alguma forma para a minha formação e a produção deste trabalho. Foram várias as instituições e, sobretudo, pessoas que colaboraram com a minha pesquisa, inclusive em manifestações de solidariedade e apoio afetivo. Agradeço a todos que me acompanharam este trabalho.

À minha família, especialmente à paciência da minha mãe, Maria Madalena, e à amizade, carinho e cumplicidade da minha querida irmã Cláudia Liz, que mesmo estando milhas de distância, está em todos os momentos ao meu lado, assim como aqui sou os “seus olhos”.

À compreensão, amizade e presença sempre oportuna da minha orientadora Gilda Portugal Gouvêa, sobretudo pela forma como possibilitou e respeitou as minhas escolhas, o fluir do meu pensamento, amenizando assim as minhas incertezas.

Aos professores que gentilmente aceitaram participar da banca de qualificação: Prof.ª Dr.ª Gilda Portugal Gouvêa, Prof. Dr. Josué Pereira da Silva e Prof.ª Dr.ª Rachel Meneguello; assim como os professores que muito me honraram com a presença e avaliação na banca examinadora: Prof.ª Dr.ª Gilda Portugal Gouvêa, Prof.ª Dr.ª Rosemary Segurado, Prof. Dr. Fernando Antônio Lourenço, Prof. Dr. Jesus José Ranieri e Prof. Dr. Aldo Fornazieri.

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Aos inestimáveis professores, tanto da graduação na Escola de Sociologia e Política de São Paulo como da pós-graduação do departamento de Sociologia da Unicamp, com quem tive a honra e a oportunidade de aprender a refletir a coisa social de modo crítico, assim como o ambiente de efetivo aprendizado e convivência propiciado pelas duas instituições.

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil, cujo auxílio financeiro proporcionou o desenvolvimento desse trabalho em regime de dedicação exclusiva, registro aqui meu reconhecimento.

Aos amigos e amigas queridos que me acompanharam e me apoiaram nesses anos de graduação e mestrado, deixo aqui meu abraço carinhoso.

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vii Resumo

O presente trabalho analisa, do ponto de vista contextual, a Medida Provisória nº 114 de março de 2003, convertida em Lei nº 10.696 de julho do mesmo ano, a partir da ótica da elite política brasileira – especificamente a bancada ruralista. A bancada ruralista é tida como um dos grupos conservadores do Congresso Nacional, com forte coesão interna e intensa capacidade de pressão junto ao Executivo e Legislativo brasileiro, para que seus interesses sejam contemplados. O estudo considera a discussão, em plenário, dos parlamentares ruralistas sobre a MPV nº 114/03, que dispõe da renegociação das dívidas do crédito rural e visa analisar como as renegociações dos recursos públicos aplicados no financiamento da produção agropecuária brasileira reproduzem e aprofundam a desigualdade social. Tanto financiamento para a produção agropecuária como a renegociação das dívidas do crédito rural não consideram equitativamente todos os produtores rurais, colocando a discussão diante de questões de justiça social ao não propiciar mecanismos para a redução da desigualdade social.

Abstract

Taking in consideration a contextual analyses, this dissertation investigates the March 2003 Governmental Decree 114, which was converted in the Federal Law number 10.696 in July 2003. This study focus on the thoughts and actions of the rural landowners members of the Congress (the bancada ruralista), which are considered one of the most conservative political sectors in the country. The Bancada Ruralista is also considered to be a very strong lobby, with internal cohesion and capacity of pressure on the Executive and the Legislative. The dissertation analyses the debates around the Governmental Decree 114 among the members of the Congress, particularly the bancada ruralista discussion on the defense of the large landowners’ interests. The Governmental Decree 114 established new standards regarding the renegotiation of public rural credit and

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the landowner’s federal debts. Therefore it was considered a crucial political issue for the bancada ruralista lobbies. The study demonstrates how the application of the federal resources on the large agribusiness reproduces and deepens the country social inequalities, since the rural producer are not equally considered in these negotiations, clearly favoring the large and most politically powerful rural landowners.

Palavras-chave: Elite Política; Desigualdade Social; Crédito Rural; Renegociação; Bancada Ruralista.

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Sumário

Folha de Aprovação ... iv Agradecimentos ... v Resumo ... vii Sumário ... ix INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I – DESAFIOS CONCEITUAIS A) Política e a Classe Dominante ... 15

B) A elite... 19

C) A desigualdade social... 24

CAPÍTULO II – BREVE HISTÓRICO DA FRENTE PARLAMENTAR ... 31

A) Bancada ruralista ... 34

B) A bancada ruralista e sua forma de atuação ... 43

CAPÍTULO III – O PROCESSO DE ENDIVIDAMENTO RURAL ... 49

A) As dívidas do crédito rural ... 58

B) Medida Provisória nº 114/03 e conversão na Lei n º10.696/03 ... 67

C) Discussão da MPV nº 114/03 no Congresso Nacional ... 73

CAPÍTULO IV - RURALISTAS E A MPV Nº 114/03 ... 77

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B) Empréstimo ou subsídio aos produtores rurais? ... 86

C) Inclusão na renegociação para além dos pequenos produtores ... 93

D) A legitimação das renegociações ... 96

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 107

VI – BIBLIOGRAFIA ... 121

VII – ANEXOS Medida Provisória nº 114, 31 de março de 2003 ... 127

Lei nº 10.696, 2 de julho de 2003 ... 135

VIII – LISTA DE SIGLAS ... 147

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“ELITE POLÍTICA BRASILEIRA E A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DO CRÉDITO RURAL – O CASO DA BANCADA RURALISTA”

"Se é verdade que a historiografia tende a magnificar esse papel [das elites], seria ingênuo achar que se pode resolver o problema reformando a historiografia".

José Murilo de Carvalho

Introdução

Historicamente, a produção e reprodução da pobreza e da desigualdade social estão fortemente presentes na sociedade brasileira. A explicação da persistente iniqüidade social decorrente do “pecado original” não se justifica de modo pleno na contemporaneidade, uma vez que o Brasil apresentou em diversos momentos da sua história, sobretudo durante o século XX, um intenso desenvolvimento econômico o que, no entanto, alterou pouca a distância entre o topo e a base da pirâmide social brasileira. Muito pelo contrário, nos períodos de crescimento econômico, o “bolo” não só não foi dividido como também o país presenciou o aumento da desigualdade social. Dito isso, por que o Brasil, que não pode ser considerado um país pobre, apresenta uma desigualdade social tão profunda? Temos que reconhecer que as precárias condições de vida de grande parte da população brasileira não decorrem de uma escassez absoluta de recursos, mas sim da má distribuição desses mesmos recursos, sejam eles materiais ou simbólicos.

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Mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, alcunhada por Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã, a reforma do Estado e a adoção da política macroeconômica a partir de meados dos anos 1990, a lógica estrutural da desigualdade social pouco se alterou, diferentemente do que preconizavam alguns atores políticos e econômicos. Instituições como o IPEA e FGV mensuram a renda do trabalho1 a partir de dados do censo do IBGE e desenvolvem estudos sistemáticos onde, o resultado extraído desses dados sustenta que a desigualdade econômica apresenta, numa série histórica, uma forte queda nas últimas décadas. Porém, os relatórios desses institutos mencionam apenas a renda do trabalho, única fonte de renda captada pelo IBGE. Outras fontes de renda, como a do capital, juros, aluguel etc. – fontes que normalmente são omitidas pelos entrevistados –, onde se concentra as maiores rendas e, portanto as maiores riquezas nacionais, é onde se situa o extremo oposto da miséria, mostrando o quão a desigualdade na sociedade brasileira é profunda e histórica.

A partir de publicações que divulgam a produção científica brasileira, temas como a pobreza e a desigualdade social – objetos tradicionais das Ciências Sociais – são mais estudados pelos economistas que pelos cientistas sociais. Pode-se arriscar a justificativa dessa argumentação considerando que a Economia está mais próxima às questões relacionadas com a formulação de políticas públicas, uma vez que estas envolvem opções quanto à aplicação de recursos escassos. Os estudos produzidos pelas Ciências Sociais no Brasil e que

1 A renda do trabalho — salários, rendimentos dos trabalhadores por conta própria e pro labore

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abordam tais temas tendem a privilegiar a desigualdade social sob a perspectiva fragmentada, seja do conhecimento seja da percepção da realidade.

Por outro lado, são escassos os estudos que têm como objeto investigativo setores das elites brasileiras e sua percepção da desigualdade social. Mais escassos ainda são os estudos sobre as classes médias. Todavia, as percepções daqueles que monopolizam posições estratégicas e recursos escassos em uma sociedade são elementos chaves na compreensão da eficácia e viabilidade de políticas sociais. Neste trabalho investigaremos uma dimensão pouco contemplada nos estudos sobre desigualdade social, qual seja a visão que um dos segmentos dos não-pobres tem dessa problemática.

Embora nossas elites – objeto central desse estudo – se declarem cada vez mais sensíveis aos problemas sociais, perguntamos como e se atuam concretamente no combate às desigualdades econômicas e sociais.

A literatura sugere que as elites européias e norte-americanas assumiram sempre responsabilidades maiores do que as elites latino-americanas. Elisa Reis, por exemplo, sustenta que a partir do

estudo histórico de [Abraam De] Swaan e a observação impressionista, [observou-se] que as elites do Terceiro Mundo têm uma percepção da pobreza diferente daquela das elites européias à época da implantação das políticas nacionais de welfare state.2 O papel político das elites é central para a definição das políticas públicas. E quando elas, além de deter instrumentos de pressão política, se “reúnem” para

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defender seus interesses econômicos, este poder aumenta. É o que acontece quando senadores e deputados representando grupos de interesse econômico se reúnem para atuarem em blocos ou como frentes parlamentares no Congresso Nacional.

Seguindo este caminho que decidimos observar a atuação de um segmento da elite política brasileira – a bancada ruralista. É um grupo coeso e de forte expressão política no cenário político nacional.

Averiguamos por meio de análise documental os discursos (taquigrafados) proferidos em plenário pelos parlamentares da bancada ruralista, a partir da discussão da Medida Provisória nº 114/03, convertida na Lei nº 10.696/03, que dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências. A tramitação da MPV 114/03 no Congresso Nacional ocorreu no primeiro mandato do governo Lula, entre os meses de março e julho de 2003. Consideramos este um momento importante do debate, uma vez que obrigou os parlamentares a defenderem seus pontos de vista e tornarem transparentes suas convicções.

A perspectiva investigativa deste trabalho é examinar uma série de questões relativas à justiça social e igualdade (de oportunidades, de condições, de resultados e de direitos), além de verificar se há, dentro do jogo de interesses, nesse grupo político – bancada ruralista – uma perspectiva coletivista de encontrar uma porta de saída para a desigualdade social que atinge grande parte dos brasileiros, nomeadamente a população rural do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

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No primeiro bloco do estudo apresentaremos os desafios conceituais que perpassam o objeto central: a política e a classe dominante, a elite e a desigualdade social. Na primeira parte abordaremos a definição e os limites da Sociologia Política. Analisaremos como ocorre o diálogo entre o “mundo da política”, as relações de poder e o trato da coisa pública; assim como a categorização de classe dominante: entrelaçamento das esferas do poder econômico e do poder político.

Em seguida exporemos a definição do conceito de elite e – aliado ao nosso objeto central - a bancada ruralista. Como tratam a questão da desigualdade social e como acomodam seus interesses no Congresso Nacional, cuja representação política cria um viés vital pela socialização dos custos e maior concentração dos benefícios. Para tanto, levantamos as seguintes questões:

a) Na acomodação de interesses do bloco ruralista, o Estado exerce sua função social, isto é, cumpre seu papel como agente na promoção da justiça social?

b) Há alguma tentativa de encontrar mecanismos que vise enfrentar estruturalmente a desigualdade social no campo?

Na terceira e última parte do primeiro bloco apontaremos as principais linhas de pensamento da Sociologia Política sobre a desigualdade social brasileira.

No segundo bloco, apresentaremos um breve histórico, e sua conceituação, da formação das frentes parlamentares no Congresso Nacional

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brasileiro, fenômeno típico da política brasileira, porém não exclusivo. A existência de frentes parlamentares é apontada por cientistas políticos como prova da inexistência de verdadeiros partidos políticos no Brasil. A filiação a um partido geralmente não é por afinidades programáticas, mas por interesses pessoais, econômico e corporativo. Uma frente parlamentar é constituída por parlamentares de diferentes partidos, isto é, formam um grupo político suprapartidário em torno de interesses específicos.

Rumo ao encontro do nosso objeto de estudo, abordaremos a Frente Parlamentar da Agropecuária, comumente conhecida como bancada ruralista. Os parlamentares ruralistas possuem uma forte representatividade e são extremamente hábeis na defesa dos interesses dos grandes produtores rurais. No Congresso Nacional, a bancada ruralista é mais eficiente que qualquer partido, pois seus membros superam o número de parlamentares de qualquer agremiação partidária. Segundo estimativas de entidades como DIAP e INESC, na 53ª Legislatura (2007-2011) da Câmara dos Deputados pode haver entre 120 a 200 parlamentares que se identificam com essa bancada.

A bancada ruralista surgiu para representar e defender os interesses ligados aos grandes agricultores e pecuaristas. Com forte representação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, essa bancada atua de forma coesa e exerce intensa influência tanto no Legislativo quanto no Executivo, ao interferir, por exemplo, na nomeação dos ministros da Agricultura e de diretores da área agrícola do Banco do Brasil.

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O número de deputados federais que compõe a bancada ruralista3 oscilou demasiadamente nos últimos 15 anos, apresentando um decréscimo constante de 1995 até o pleito de 2002, recuperando sua representatividade na eleição de 2006, aos níveis da década anterior. Conforme o DIAP, no processo eleitoral de 2006 parlamentares de cerca de 10 partidos compunham a bancada ruralista. Para uma comprovação da força dos ruralistas, em 2006 o número de eleitos que se alinham com essa bancada é de aproximadamente de 116 membros, número que supera ao das cinco maiores siglas partidária (PMDB/90, PT/83, PSDB/64, PFL/62 e PP/41), destaca o INESC. É concebível que num embate entre o posicionamento partidário e os interesses dos ruralistas, os últimos apresentem uma vantagem considerável.

O segundo tópico desse bloco examinará a forma de atuação da bancada ruralista no Congresso Nacional. Desde 1985, com o início da chamada Nova República, o Brasil teve vinte ministros que ocuparam a pasta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; naquele mesmo ano foi fundada a União Democrática Ruralista (UDR) e desde então pelo menos metade dos ministros que ocuparam essa pasta esteve ligado a essa entidade ou a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ou a Bancada Ruralista, entidades de classe que se destinam a representar e a atuar em defesa dos interesses dos

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Não há um número exato de parlamentares que se alinham ao pensamento da bancada ruralista, já que muitos não assumem abertamente uma posição ideológica análoga a essa bancada. Os números apresentados se referem a parlamentares que assumem explicitamente sua identificação com a bancada ruralista.

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grandes proprietários rurais brasileiros. Uma marca dos ruralistas é a de ter representantes do setor, parlamentares ou não, no governo central, independente da posição ideológica assumida pelo presidente de plantão. Por exemplo, no governo Lula a bancada ruralista representa o “elo frágil”, pois mesmo tendo o governo a maioria no Parlamento, os ruralistas serão sempre uma ameaça de cisão dessa articulação. Praticamente todos os partidos da base aliada do atual governo têm ruralistas na sua bancada. Mais da metade dos integrantes dessa bancada estão nos partidos de base aliada ao governo Lula.

O modo como os ruralistas desenvolvem suas articulações tem se conservado ao longo do tempo. O mais manifesto é o discurso de auto-atribuição de um caráter de defesa dos interesses nacionais a partir da sua disposição regional. Outra característica é a ocupação de postos-chave, como vice-lideranças nos partidos políticos. A ocupação desses postos, tanto no Legislativo como no Executivo, é a origem da fonte do poder político dessa bancada.

Os parlamentares ruralistas de regiões tão distintas, como o Nordeste e o Sul, assumem na arena política o mesmo compromisso: a defesa de uma agenda densamente conservadora em relação à reforma agrária, à extinção do trabalho análogo à escravidão e a preservação do meio ambiente.

A existência da bancada ruralista depende, em grande parte, das crises no setor agropecuário, que favorecem o acúmulo de recursos de poder por parte desse grupo que, ao utilizá-los, reforça sua própria imagem.

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No terceiro bloco apresentaremos uma síntese do processo de endividamento rural, as diversas renegociações das dívidas do crédito rural, a apresentação pelo Executivo da MPV nº 114/03 e a discussão dessa medida provisória ocorrida no Congresso Nacional em 2003. Apresentaremos quais os objetivos e os requisitos básicos para que uma pessoa física ou jurídica se enquadre nas exigências para a obtenção dos empréstimos direcionados para o setor agrícola, lastreado por um breve histórico das renegociações das dívidas do crédito rural desde meados dos anos 1990, possibilitando uma visão panorâmica sobre o processo que resultou na Lei nº 10.696/03.

As renegociações das dívidas do crédito do setor agropecuarista se arrastam uma após a outra, até os dias atuais:

a) A primeira grande renegociação ocorreu em 1995 (Securitização I); b) Em 1998 criou-se o PESA (Programa Especial de Saneamento de

Ativos);

c) Em 2001 (Securitização II) quando o governo Fernando Henrique fez a securitização de parte dessas dívidas, e;

d) Em 2003, no governo Lula, houve a renegociação dos inadimplentes do PESA, chamado Pesinha, onde constatamos a “mão” dos ruralistas na Lei nº 10.696/03.

Todas as renegociações revelam que a rica agricultura, dentro do bojo das políticas neoliberais, parece não ter grande dificuldade de se desenvolver e de se realizar sem subsídio público. De fato, parece que o setor agropecuário,

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principalmente o exportador, não tem presenciado graves crises, muito menos financeira. Mesmo assim, as sequências das renegociações das dívidas do crédito rural revelam ser cíclicas, ocorrendo em espaços de tempo cada vez menor. Parte significativa dos grandes produtores rurais simplesmente se habituou a não pagar os empréstimos obtidos do dinheiro público, pois sabem que possuem uma forte base parlamentar de pressão que atua toda vez que há renegociação das dívidas. É a consolidação da cultura do calote.

Na primeira parte do terceiro bloco apresentaremos um breve histórico das renegociações e repactuações das dívidas do crédito rural. Apresentaremos o estoque das dívidas rurais contraídas a partir de 1996 e as renegociações até o ano de 2003, nosso corte temporal.

Uma sucinta exposição do montante dos valores devidos: em 1996 a bancada ruralista pressionou o governo federal até conseguir a rolagem de R$ 10,7 bilhões nas dívidas acima de R$ 200 mil; no ano de 1999, o PESA prorrogou R$ 7,5 bilhões; em 2001 quando vencia a carência da Securitização e deveriam ser pagos R$ 2,5 bilhões, houve nova rolagem da dívida.

Na rolagem da dívida antiga, o Tesouro Nacional assumiu como credor. Ou seja, o Tesouro Nacional pagou essa dívida aos bancos (públicos e privados) e continua o governo a assumir a dívida dos fazendeiros e, por efeito, a sociedade como um todo é quem arca com a diferença não paga por aqueles inadimplentes. Segundo sustenta o Banco do Brasil, 95% dos pequenos produtores estão adimplentes, enquanto que os grandes produtores são os maiores inadimplentes.

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Contudo, é importante destacar o consenso entre os envolvidos no debate dessa questão, de que a apuração dos saldos das dívidas do setor agropecuário foi supervalorizada nas renegociações realizadas desde 1998. De qualquer forma, as condições para pagamento, após apuração das dívidas, sempre foram satisfatoriamente vantajosas para o conjunto dos produtores que aderiram aos programas.

O produtor que recorre a esses empréstimos e que não paga, tem ainda no ato da renegociação redução das taxas de juros das operações e concessões de desconto para liquidação dessas dívidas, além de ter acesso a novos empréstimos. Ou seja, o governo reduz os encargos, os juros e ainda confere desconto para pagar. Esse expediente traduz o conjunto de ações que representa transferência de recursos públicos para o setor privado, nesse caso especificamente ao grande produtor rural.

Na segunda abordagem desse bloco iremos expor a tramitação da Medida Provisória nº 114/03. Um dos primeiros atos que o governo Lula tomou no início de seu primeiro mandato foi propor a renegociação das dívidas do crédito rural ao enviar para o Congresso Nacional a Medida Provisória (MPV) nº 114 de 2003. Após as discussões no Congresso Nacional, essa medida provisória foi aprovada e não só compreenderia as renegociações das dívidas do crédito rural dos agricultores familiares, pequenos e mini produtores – um procedimento atípico, pois até então somente os grandes produtores é que tiveram suas dívidas renegociadas –, mas também, e aí devido às pressões da bancada ruralista, contemplou todos os produtores rurais inadimplentes, privilegiando os que

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estavam em débito com os agentes financeiros (público ou privados), especialmente os grandes agricultores.

Desde 1995 foram editadas inúmeras leis, medidas provisórias e atos normativos, fixando novas medidas, ou alterando as já existentes. O grave de toda essa história é que apesar da profusão desses atos, e dos bilhões de reais já despendidos pela sociedade brasileira para socorrer os agropecuaristas, parece que se trata de um processo sem fim.

Na terceira e última parte desse bloco, apresentaremos uma síntese das 55 emendas oferecidas à MPV nº 114/03, onde estas implicam que nenhum agricultor do país, nem mesmo o maior dos exportadores, teria condições de honrar compromissos financeiros assumidos em decorrência de operações de crédito rural. Seria como se todos os agricultores, sem exceção, enfrentassem crise de renda que lhes inviabilizasse a capacidade de pagamento.

Na composição dessas 55 emendas apresentadas à MPV nº 114/03, conclui-se pelo reconhecimento do fracasso absoluto dos instrumentos de renegociação das dívidas rurais implementados desde 1995. Em resumo, as emendas apontam o avanço de uma cultura do calote no crédito rural no Brasil. Também, nenhuma destas emendas aponta para uma preocupação no combate à desigualdade rural brasileira, mas apenas dos interesses imediatos dos ruralistas.

No quarto e último bloco apresentamos a discussão dos parlamentares em plenário, cada qual apresentando argumentos defendendo seus pontos de vista, isto é, na primeira parte desse bloco apresentamos os argumentos para a

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inclusão dos grandes produtores rurais na renegociação de suas dívidas. Na segunda parte, apresentamos os questionamentos para os empréstimos, ou seja, confrontamos a questão do subsídio para todos os produtores, indistintamente, e o atual modelo adotado, confrontando o PIB total brasileiro com o PIB agropecuário. Na terceira parte apresentamos os discursos de diversos parlamentares ruralistas e o do relator da medida provisória, deputado João Grandão, ao apresentarem os vícios recorrentes nesse tipo de negociação. Nesta última parte desse último bloco apresentamos os argumentos dos ruralistas na direção da legalização e legitimação das renegociações.

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Capítulo I

A) Política e a Classe Dominante

A abordagem da política pela Sociologia pode ser definida da seguinte forma: explicar como os atores sociais experimentam a política, isto é, como expressam as práticas relacionadas ao mundo da política. A compreensão de grupos específicos, e no caso a banca ruralista, leva a diálogos com a literatura sobre contextos sociais mais amplos.

Embora aparentemente simples, a compreensão de grupos específicos é uma proposta complexa de ser executada e que implica pelo menos dois pressupostos. O primeiro, de que a sociedade é heterogênea, formada por redes sociais que sustentam e possibilitam múltiplas percepções da realidade. O segundo, de que o "mundo da política" não é um dado a priori, mas precisa ser investigado e definido a partir das formulações e dos comportamentos de atores sociais e de contextos particulares.

O interesse da Sociologia, assim como o da Antropologia, pela política existe desde os primórdios da disciplina, uma vez que o estudo de sociedades e relações sociais é estreitamente ligado à temática das relações de poder. A definição de poder teria se tornado tão ampla que poderia ser encontrada em qualquer situação social, englobando literalmente todos os temas dessas disciplinas. Numa chave weberiana podemos entender a política como o conjunto de esforços feitos visando a participar do poder ou a influenciar a divisão do

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poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado4. O eixo organizador do pensamento de Weber é o poder político.

A política é entendida, aqui, principalmente como um meio de acesso aos recursos públicos, no qual o político atua como mediador entre grupos de interesses e diversos níveis de poder. Esse fluxo de trocas é regulado, sob a luz da Antropologia, pelas obrigações de dar, receber e retribuir, que o antropólogo Marcel Mauss (1872-1950) chamou de "lógica da dádiva", e cujo princípio fundamental está no comprometimento social daqueles que trocam para além das coisas trocadas.

As pessoas que participam dessas redes jamais concordariam com os acadêmicos que consideram suas ações um típico "clientelismo", quiçá dizer das novas formas da prática do patrimonialismo. Do ponto de vista do senso comum, os atores políticos não estão "privatizando bens públicos" (para usar uma definição clássica de clientelismo); ao contrário, os políticos estão dando acesso a bens e serviços públicos a pessoas ou instituições que não os teriam de outra forma. Nesse contexto, a palavra "público" não significa "recursos que pertencem a todos", mas "recursos monopolizados pelas elites políticas e econômicas". Ou seja, pessoas "ordinárias" – de estratos inferiores da sociedade – não participariam dessa definição de "público". Por isso mesmo, o acesso às fontes públicas de bens e serviços precisaria ser intermediado pelo político e ser visto como um bem extraordinário, "que não tem preço".

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No entanto, essa rede social não se constitui apenas pelo acesso e intermediação de recursos públicos. Para manter esse tipo de serviço, os atores políticos precisam manter fortes laços com grupos economicamente favorecidos e lhes forneçam dinheiro, mercadorias ou outras benesses. Essa ajuda externa é retribuída, por sua vez, na forma de alvarás, licenças, renegociações de dívidas, anistia de multas e outros benefícios diversos.

Nas condições do capitalismo contemporâneo, o poder econômico – em decorrência, o controle do poder corporativo – e o poder estatal – significando o controle dos meios de administração e coerção do Estado – são institucionalmente separados, se bem que os vínculos entre as duas formas de poder sejam numerosos e estreitos5.

Em decorrência dessa separação institucional, a elite do poder (designação de Wright Mills) das sociedades capitalistas avançadas se compõe de dois elementos. Por um lado, há pessoas que controlam as poucas centenas de grandes empresas industriais, financeiras e comerciais no setor privado da economia. Por outro lado, há pessoas que controlam as posições de seus colaboradores imediatos, as pessoas que ocupam altas posições nos serviços civil, militar e de polícia, no judiciário e no legislativo6. Essa elite do poder constitui a camada superior da classe dominante nessas sociedades. Obviamente, a classe dominante está longe de ser homogênea: mas nenhuma classe o é.

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Presenciei, em certa ocasião, afirmação de um deputado federal, feita em off em evento, que o Congresso Nacional é pressionado por lobbys corporativos e não se pauta por questões nacionais.

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O conjunto de práticas sociais, isto é, o conjunto da divisão do trabalho, compreende as relações políticas e as relações ideológicas, relações de dominação/subordinação política e ideológica. Poulantzas sustenta que

Não se trata, segundo um antigo equivoco, de uma “estrutura” econômica que designa, sozinha, de um lado os lugares e de outro uma luta de classes que se estende no domínio político e ideológico: tal equivoco toma atualmente com freqüência a forma de uma distinção entre “situação [econômica] de classe” de um lado, e posições político-ideológicas de classe por outro lado. A determinação estrutural de classes refere-se desde já à luta econômica, política e ideológica de classe, expressando-se todas essas lutas pelas posições de classe na conjuntura.7

No que se refere à classe dominante numa sociedade de classes, Miliband reitera que

uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção, onde o controle pode envolver (e em geral envolve) a propriedade desses meios, mas não precisa necessariamente fazê-los; os meios da administração e coerção do Estado; e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso.8

Embora haja diferenças e conflitos no seu interior, a classe dominante, em geral, permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos comuns sejam eficazmente propostos e defendidos. A classe dominante procura evidentemente, acima de qualquer outra coisa, defender, manter e fortalecer a

7 POULANTZAS, 1978, p. 16. 8 MILIBAND, 1999, p. 476.

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ordem social. A classe dominante é o que se pode adequadamente chamar de a principal classe conservadora da sociedade, o que obviamente não significa que outras classes não possam ser conservadoras ou não possam incluir muitas pessoas devotadas à causa conservadora9.

É evidente que a classe dominante e seus aliados não sejam conservadores no sentido de sempre rejeitarem toda e qualquer reforma. No entanto, o objetivo é defender e fortalecer seus interesses pessoais e corporativos, podendo muito bem envolver a aceitação da reforma como o preço a ser pago para a contenção e a sujeição da pressão de baixo para cima ou de pressão de grupos ideologicamente divergentes.

B) A elite

Apesar de a lógica da dádiva ser um expediente rotineiro na ação política, desde sempre, e dos escassos recursos públicos serem abarcados pelas elites econômicas e políticas, são poucos os estudos que têm como objeto investigativo setores das elites brasileiras – aqueles que detêm os diversos tipos de poder, prestígio e influência. E mais escassos ainda são os estudos sobre as classes médias. Considerando que as sociedades ocidentais modernas se consolidaram a partir da formação de classes dominantes plurais e não homogêneas, no caso

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brasileiro com a redemocratização pós-1984 três elites se firmaram no cenário político nacional: a partidária, econômica e sindical.10

Embora, por hipótese, nossas elites sejam sensíveis aos problemas sociais, perguntamos se elas têm compreensão do seu papel como um dos atores sociais chave pelo equacionamento dessas questões, ou se ainda se colocam numa posição com menos responsabilidades do que as elites européias e norte-americanas, conforme sugere a literatura.11

Não se pode subestimar a capacidade que as elites têm de influenciar decisões na formulação e implementação de políticas públicas. Conforme assevera Reis, apoiada em estudo clássico de Abraam De Swaan12 sobre a emergência de políticas nacionais de bem-estar social na Europa,

a percepção das elites sobre os problemas sociais como uma dimensão explicativa central... somente quando as elites viram vantagens na coletivização de soluções a problemas sociais é que o poder público tornou-se o agente natural na provisão de “bens de cidadania” como educação, saúde e previdência.13

10 Conforme destaca o Prof. Fausto Castilho em conferência intitulada “A situação das elites no

Brasil contemporâneo”, Campinas, 2007.

11 Para uma melhor compreensão do papel social das elites européias, ver Reis & Moore, 2005. 12

Abraam De Swaan, professor de Sociologia da Universidade de Amsterdã, Holanda, que dentre seus trabalhos se destaca: In care of the state: health care, education and welfare in Europe and the USA in the modern era. Cambridge: Polity Press, 1988.

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O que nos leva a debruçar ao estudo de uma determinada elite é tanto a baixa produção científica em relação ao tema nas Ciências Sociais nos últimos anos14, e compreender como determinados parlamentares brasileiros – especificamente os da bancada ruralista – tratam de temas relevantes à nossa sociedade.

Este estudo privilegiará a seleção dos representantes de um grupo da elite política brasileira atendendo a um critério institucional, no nosso caso a Frente Parlamentar da Agropecuária – comumente conhecida como bancada ruralista, e assim a denominaremos neste trabalho – relativizando as idiossincrasias dos discursos individuais, considerando a priori a definição de elite de Wright Mills, que diz:

se tomarmos os cem homens mais poderosos da América, os cem mais ricos, os cem mais celebrados e os afastarmos das posições institucionais que hoje ocupam, dos recursos de homens, mulheres e dinheiro, dos veículos de comunicação em massa que hoje se voltam para eles – seriam então sem poder, pobres e não celebrados. Pois o poder não pertence a um homem. A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente a qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições, pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas experiências a que se atribui tanto valor.15

14

Essa afirmação é recorrente em trabalhos de Reis, 2000. Afirmativa também contida no artigo de Francine Mestrum “A luta contra a pobreza: utilidade pública de um discurso na nova ordem mundial”, in: Mundialização das resistências: o estado das lutas. São Paulo, Cortez, 2003.

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As decisões daqueles que ocupam posições estratégicas e monopolizam recursos escassos em uma sociedade são elementos chaves na compreensão da eficácia e viabilidade de políticas sociais. Assim, analisar como uma parte da elite política brasileira se posiciona frente às questões chaves de importância nacional poderá indicar como acomodam determinados interesses, que parece redundar, de uma forma ou de outra, no aprofundamento da desigualdade social brasileira.

O propósito deste trabalho é investigar o posicionamento da bancada ruralista frente às questões das renegociações das dívidas do crédito rural e como, a fim de alcançar seus próprios interesses, seus discursos se aproximam dos parlamentares que defendem os interesses do pequeno produtor rural o do meio ambiente; e verificar se há, de fato, no jogo dos interesses, uma perspectiva coletivista na solução da enorme desigualdade social que aflige grande parte dos brasileiros, e aqui especificamente os produtores rurais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tendo a ciência de que grande parte dessa população se situa no limite da linha da pobreza ou abaixo desta. Nesse sentido, sustenta Reis que

o estudo histórico de [Abraam De] Swaan e a observação impressionista mostra que as elites do Terceiro Mundo têm uma percepção da pobreza diferente daquela das elites européias à época da implantação das políticas nacionais de welfare state.16

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Consideramos de suma importância a análise do bloco político suprapartidário aqui tomado como objeto de estudo – bancada ruralista – para a compreensão da questão da desigualdade social no Brasil – especialmente a desigualdade de condições em que são tratadas as questões agrárias e de poder –, uma vez que são atores sociais capacitados e com grande influencia nas decisões, formulação, transformação ou manutenção de políticas públicas17 e aqui nos referimos aos acordos, especificamente, às discussões ocorridas no plenário do Congresso Nacional quando da análise da Medida Provisória 114/03. Nossa hipótese é que as elites brasileiras não se sentem como parte constitucional para o equacionamento da desigualdade social, diferentemente da constatação a que chegou De Swaan ao estudar as elites européias18; e mais, que o Estado existe para servi-las.

Nossas questões são:

i) Se na acomodação de interesses da bancada ruralista, o Estado

exerceu sua função social, isto é, se cumpriu seu papel como agente na promoção da justiça social;

ii) Averiguar se houve uma perspectiva, dentro da ótica ruralista, de

encontrar mecanismos que visassem enfrentar estruturalmente a desigualdade social no campo.

17

Entende-se aqui políticas públicas em sentido amplo, nele incluídas as dimensões social, econômica, política e simbólica.

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Conforme apontam os estudos sobre desigualdades de Elisa Reis, Célia Scalon e Teresa Sales, nossas elites vêem o enfrentamento da problemática da desigualdade social circunstanciada à atuação do Estado, sendo distante o papel da sociedade, em busca de estratégias e mecanismos para enfrentar tal problemática; constatação diversa a que chegou De Swaan ao estudar as elites européias, ao afirmar que Estado e sociedade, em particular as elites, são agentes constitutivos para a solução da questão da desigualdade.

C) A desigualdade social19

É certo que as desigualdades sociais ocorrem em escala mundial, mas se refletem diferentemente em países periféricos de capitalismo tardio. Historicamente a produção e reprodução da pobreza e da desigualdade social no Brasil estão fortemente presentes em nossa sociedade, assim como na América Latina como um todo. A explicação da persistente iniqüidade social brasileira decorrente do “pecado original” – onde a colonização portuguesa explicaria tudo –

19 O tema da desigualdade sempre esteve situado no centro das preocupações das Ciências

Sociais. Entre os “pais fundadores” das Ciências Sociais essa centralidade é indiscutível. Assim, para Karl Marx a desigualdade entre classes sociais constitui a chave tanto para entender o processo histórico social, como para superar o problema moral da exploração do homem pelo homem. Émile Durkheim viu a desigualdade moderna substancialmente como diferença resultante da especialização. Max Weber, por sua vez, confere à questão da desigualdade um tratamento analítico; para este último a idéia de que as fontes de desigualdade são diferenciadas e não necessariamente convergentes, tornou-se premissa teórica e princípio estratégico para se alterar padrões de desigualdade através de políticas específicas.

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não se justifica de modo pleno na contemporaneidade, uma vez que o Brasil apresentou em diversos momentos da sua história, sobretudo durante o século XX, um intenso desenvolvimento econômico. Nos períodos de crescimento econômico, o “bolo” não só não foi dividido como também o país presenciou o aumento da distância entre o ápice e a base da pirâmide social.

Assim, por que o Brasil que não é considerado uma país pobre, possui uma desigualdade social tão profunda? Temos que reconhecer que as precárias condições de vida de pelo menos um terço da população brasileira – estando grande parte destes nas periferias das grandes cidades e tantos outros mais nas regiões rurais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste – não decorrem de uma escassez absoluta de recursos, mas sim da distribuição desigual desses mesmos recursos, sejam eles materiais ou simbólicos.

Diversos estudiosos brasileiros têm como tema central de suas pesquisas a desigualdade social, tais como Elisa Reis (UFRJ), Jessé Souza (UFJF) e Celi Scalon (UFRJ), dentre outros, e que desenvolvem junto aos núcleos de estudos e pesquisas de suas respectivas instituições, estudos que abordam de diferentes formas a desigualdade social no Brasil.

Parte dos pesquisadores que estuda a desigualdade social brasileira atribui a persistente desigualdade brasileira a fatores que remontam ao Brasil colônia, pré-1930 – a máquina midiática, em especial a televisiva, produz e reproduz a idéia da desigualdade creditando ao “pecado original” como fator primordial da desigualdade e assim, por extensão, o senso comum incorpora essa idéia já formatada –, ao afirmar que são três os “pilares coloniais” que apóiam a

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desigualdade: a influência ibérica, os padrões de títulos de posse de latifúndios e a escravidão. É evidente que esses fatos contribuíram intensamente para que a desigualdade brasileira permanecesse por séculos em patamares inaceitáveis. O surpreendente é que em pleno século XXI questões cruciais que poderiam sinalizar um caminho para minimizar a desigualdade social, principalmente no campo, não estão efetivamente na agenda política, como, por exemplo, a questão da posse da terra, a criminalização da prática do trabalho análogo à escravidão (que ainda se faz presente em nossa sociedade) e uma distribuição mais equitativa dos escassos recursos públicos para o fomento da agropecuária, especialmente os mini e pequenos produtores.

Ao contrário de ser personalista, a desigualdade social brasileira retira sua eficácia da “impessoalidade” típica dos valores e instituições modernas, como por exemplo, o Estado e o mercado, o que faz a desigualdade social tão opaca e de tão difícil percepção na vida cotidiana.

A máscara ideológica contra a articulação política dos conflitos de classe se faz a partir de um “fetichismo da economia”, como se o crescimento econômico

per se resolvesse problemas como desigualdade e marginalização, posto que o

mercado capitalista com seu aparato técnico e material e o Estado racional centralizado com seu monopólio da violência e poder disciplinador pudessem resolver nossas mazelas sociais. Estado e mercado oferecem estímulos que lidam com as possibilidades de sobrevivência e de acesso a serviços e bens escassos. O mercado não necessita “convencer” ninguém como os profetas e religiosos do passado. O mercado “não fala”, mas impõe a sua lógica totalizante e

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conforma as nossas inclinações de forma mais eficiente justamente por ser opaca, impessoal e não perceptível à consciência cotidiana. O Estado, ao contrário do mercado que precisa constantemente se legitimar, estabelece uma forma de estrutura da consciência subjetiva, baseada na disciplina e no autocontrole individual.20

O tema sobre desigualdade social no Brasil, assim como a questão da pobreza, tem sido objeto de poucos estudos no campo das Ciências Sociais brasileiras e estes estudos tendem a privilegiar a desigualdade social sob uma perspectiva fragmentada, seja do conhecimento ou da percepção da realidade, ao tratarem o tema da desigualdade por intermédio de variáveis relativas a características adquiridas da população, tais como renda, ocupação e escolaridade, entre outras, e também a características atribuídas como gênero, idade, cor/raça etc. Pretendemos transitar para além do universo do não atendimento às necessidades básicas e vitais – como educação, saúde, alimentação, moradia, segurança, cultura e emprego – para o espaço da justiça social.

Essas análises objetivas e fragmentadas se aproximam do que Charles Tilly (sociólogo norte-americano) chama de desigualdade categórica. De maneira geral, Tilly denomina como desigualdade categórica aquelas formas de benefício desigual em que conjuntos inteiros de pessoas, de um lado e de outro da fronteira, não recebem o mesmo tratamento. Tilly afirma ainda que as categorias

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são cruciais, pois moldam desigualdades e identidades, e sempre estabelecem fronteiras entre os que estão dentro e os que estão fora. No entender de Tilly a desigualdade é uma relação entre pessoas ou conjuntos de pessoas na qual a interação gera mais vantagens para um dos lados. A desigualdade categórica duradoura, denominação utilizada por Tilly, refere-se a diferenças nas vantagens organizadas por gênero, raça, nacionalidade, etnia, religião, comunidade, renda e outros sistemas classificatórios similares.21

Aqueles indivíduos que se encontram na linha da pobreza, ou abaixo dela, em trabalho precarizado ou escravo, assim como o negro, a mulher, a criança, o idoso, o desempregado, o nordestino etc., são percebidos pela sociedade, em geral, como se fossem alguém com a mesma situação do indivíduo da classe média. No senso comum a condição do miserável e sua miséria são consideradas “castigo divino”, e porque não dizer na visão liberal, é casual e imprevisível (como as condições climáticas, por exemplo!), um acaso do destino, sendo a sua situação de absoluta privação facilmente reversível, bastando apenas uma ajuda passageira e focalizada do Estado para que eles possam encontrar seus próprios caminhos.

A hipótese aqui apresentada é que há um aparente desconhecimento de que a miséria dos “desclassificados” é produzida objetivamente, não apenas sob a forma de miséria econômica, mas, sobretudo sob a forma de miséria emocional, social, cultural e política. A realidade social é perpassada por relações de

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dominação e poder, tendo como intuito o acesso seletivo e arbitrário de classes inteiras de indivíduos, em detrimento de outras, aos bens e recursos escassos em disputa na sociedade. Escolhemos observar este fenômeno através do discurso da bancada ruralista no Congresso Nacional na discussão de projetos de seu interesse, especificamente a discussão em plenário da MPV 114/03.

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Capítulo II

Breve histórico da Frente Parlamentar

Frente parlamentar é um grupo formado de membros parlamentares que pertencem a um dos poderes legislativos (Federal, Estaduais ou Municipais) que tem sua atuação unificada em função de interesses comuns, independentemente do partido político a que pertençam. Fenômeno típico, mas não exclusivo, da política brasileira, esses grupos de interesse estão constituídos, em grande parte, sob a forma de sociedade civil, que nasceram de bancadas suprapartidárias informais e até hoje são conhecidas por essa denominação na mídia. Assim, por exemplo, ao invés de se referirem à Frente Parlamentar da Agropecuária, os órgãos de imprensa e mídia em geral denominam bancada ruralista, como era originariamente conhecida.

A existência de frentes parlamentares é apontada por estudiosos como prova da inexistência de verdadeiros partidos políticos no Brasil. De modo geral, políticos filiam-se a partidos não por se identificarem com seu programa, mas por conveniências de ordem pessoal, eleitoral e/ou corporativa. A filiação a um partido ocorre, geralmente, por afinidade com suas chefias nacionais, regionais ou locais. Descompromissados com o programa partidário, no mais das vezes enunciados genéricos e vazios, os parlamentares se unem em função de interesses pessoais, profissionais e/ou econômicos, próprios ou de seus apoiadores. A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, era composta de deputados federais e senadores de 14 partidos na 52ª legislatura – 2003/2007.

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Esses grupos começaram a ser informalmente criado na Assembléia Nacional Constituinte com o objetivo principal de inserir na Carta Magna de 1988 disposições que atendessem aos seus respectivos grupos de interesses, muitos desses econômicos. Levantamento feito pelo DIAP no ano de 1997 apontava a existência de 12 desses grupos de interesses. Algumas dessas frentes parlamentares não têm atuação efetiva; foram constituídas porque, em determinado momento, era interessante chamar a atenção de uma parcela específica de eleitores mais ativos, como os que combatem o tabagismo e as drogas. As que realmente atuam são as ligadas aos interesses de grandes grupos econômicos e eleitorais, por representarem o interesse próprio de parlamentares ou de poderosos lobbies por trás desses. A mais ativa e eficiente dessas bancadas é a ruralista, que surgiu sob a orientação da UDR – União Democrática Ruralista –, presidida por Ronaldo Caiado, que depois se tornaria deputado federal (PFL-GO).

A bancada ruralista, como é conhecida a Frente Parlamentar da Agropecuária, possui uma forte representatividade no Congresso Nacional e é muito eficiente na defesa dos interesses dos grandes produtores rurais – sejam eles ligados à agricultura ou à pecuária –, embora, por razões estratégicas, às vezes se coloque ao lado das reivindicações dos mini e pequenos produtores. Apesar de atuar sob a forma de sociedade civil regularmente constituída, essa bancada não costuma fazer muita publicidade de sua atuação. A bancada

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ruralista possui um endereço eletrônico na internet22, porém com pouquíssimas informações. Todavia, no sítio eletrônico dessa entidade chama atenção a divulgação da lista dos que compõe a bancada ruralista, com número de parlamentares muito acima do estimado tanto pelo DIAP como pelo INESC. A lista com os nomes de parlamentares, ditos integrantes da bancada ruralista, que está disponível no site do instituto é composto por 208 Deputados Federais e 35 Senadores, ou seja, segundo essa entidade quase metade do Congresso Nacional pertence à bancada ruralista. Seguramente a lista com os nomes de deputados e senadores disponível no site da Frente Parlamentar da Agropecuária é irrealista, portanto nada confiável, pois além de divulgar um número exagerado e ilusório de parlamentares pertencentes a essa bancada, nessa lista aparecem nomes de parlamentares que em nada tem a ver com a bancada ruralista, tais como: Ricardo Berzoini, José Eduardo Cardoso, José Mentor, Raul Jungmann, Paulo Pereira da Silva e Fernando Gabeira, dentre outros. Aparentemente são parlamentares com posições ideológicas que em nada se aproxima da bancada ruralista.

O número de votos de que dispõe a bancada ruralista no Congresso Nacional não é exatamente conhecido. Mas é certo que há parlamentares, mesmo sendo ruralistas, preferem se identificar pela profissão que lhes confere seu diploma universitário. Outros, ainda, têm interesses familiares na agricultura e na pecuária ou são patrocinados por grupos ligados a essas atividades. Por essas

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razões, as estimativas quanto ao poder desta bancada variam entre 120 e 200 votos no Congresso Nacional, conforme o DIAP. Dificulta a contagem o fato de os ruralistas só votarem em bloco quando a matéria é de seu interesse específico. Por outro lado, dentro da própria bancada ruralista há outras Frentes Parlamentares que defendem setores agrícolas específicos, como os setores sucroalcooleiro, cafeeiro ou fruticultura e assim por diante.

A) Bancada Ruralista

Não só as elites têm sido pouco estudadas no Brasil, mas também a elite política brasileira tem sido objeto de escassas investigações. Conforme Mainwaring et alii (2000), no Congresso Nacional brasileiro há mais políticos conservadores que partidos conservadores e destacam que o

sucesso eleitoral dos partidos [e políticos] conservadores é a chave para entender a política brasileira no período pós-1985. Em decorrência do seu êxito nas eleições, os conservadores têm sempre integrado a coalizão governante no plano nacional, e usam este poder para conformar as políticas implementadas. As elites [políticas] conservadoras (das quais a ampla maioria apoiou o golpe de 1964) percorrem as recentes transições políticas com sucesso e não foram desalojadas das posições de poder efetivo.23 Dentro do cenário político nacional, para fins de conceituação de políticos conservadores utilizaremos os critérios apontados por Mainwaring et alii, onde destacam que

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os partidos [e os políticos] conservadores deveriam ser definidos segundo as suas posições programáticas... embora, no Brasil, os partidos conservadores não assumam abertamente. Pesquisas realizadas no Congresso Nacional, mostram que as elites políticas claramente distinguem os partidos conservadores dos demais... Não é possível definir os partidos conservadores por um conjunto invariável de preferências ideológicas ou políticas; afinal, o conservadorismo é relacional e evolui com o tempo. Entretanto, podemos e deveríamos identificá-los segundo os posicionamentos em relação a políticas, expressas, sobretudo nas votações do Congresso.24

Os atores políticos conservadores estão mais inclinados a formas limitadas de democracia, pois “apresentam menor tendência em se empenhar para assegurar que os pobres desfrutem direitos iguais de cidadania, como o igual acesso ao sistema legal”.25 Mesmo assim, os atores desse espectro político têm sua base eleitoral em amplos setores populares, e ao contrário do senso comum, não são representantes majoritários de setores médios e altos da sociedade. Não por acaso que os políticos conservadores têm melhor performance eleitoral onde a democracia é mais frágil; o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)26 aponta que na eleição de 2006 para o Senado Federal e

24

Ibidem. p. 15.

25

Ibidem. p. 34.

26 O DIAP é uma instituição mantida pelos sindicatos dos trabalhadores e realiza avaliações sobre

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Câmara dos Deputados aproximadamente 85% dos parlamentares da bancada ruralista se reelegeu, sendo dos mais diversos partidos27.

Segundo essa entidade, integra a bancada ruralista aquele parlamentar que, mesmo não sendo proprietário rural ou do setor da agroindústria, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário e comumente em seus sítios na internet28.

A bancada ruralista29 é particularmente atuante nos momentos de negociação do crédito rural e na repactuação e renegociação dessas dívidas e ao

27

Segundo o DIAP, os parlamentares da bancada ruralista, eleitos no pleito de 2006, pertencem a 10 diferentes partidos: PMDB, PFL (hoje o DEM), PP, PTB, PSDB, PPS, PP, PSB, PDT e até do PCdoB.

28 http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=10691

29 Há algumas metodologias utilizadas para identificar os parlamentares ligados à bancada

ruralista. A definição que adotamos aqui se aproxima da citada anteriormente por Mainwaring et alii e do DIAP; o INESC apresenta definição relevante, mas aponta para outra direção:

1) O INESC considera como membro da bancada ruralista aquele que declarou, entre suas principais fontes de renda, alguma forma de renda agrícola. Todavia, a bancada ruralista, ao agregar interesses que perpassa diversas profissões, não deve ser considerada uma “bancada de profissão”, mas sim uma “bancada de interesse particular”.

2) O DIAP utiliza metodologia distinta. Membro da bancada ruralista pode ser considerado aquele que defende interesses dos grandes produtores rurais (agricultores e pecuaristas) no Congresso Nacional, tendo ou não declarado alguma forma de renda ligada à agropecuária. É aquele parlamentar que defende os interesses dos grandes produtores rurais nas votações de temas que interessam a essa bancada, ou seja, sua posição programática. Assim o faz Mainwaring et alii, ao considerar conservador o parlamentar que se situa segundo os posicionamentos adotados em relação a políticas votadas no Congresso. Nesses termos que adotamos o conceito de conservador e pertencente à bancada ruralista.

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contrapor-se a projetos de lei que têm como objetivo a preservação do meio ambiente, a reforma agrária e o combate ao trabalho análogo à escravidão no campo. Aliás, foi para barrar as normas constitucionais nesse sentido que a bancada ruralista se instituiu na Assembleia Nacional Constituinte, sob a inspiração da UDR.

Para exemplificar a expressão e força conservadoras que a bancada ruralista possui no Congresso Nacional, em 2005, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Terra, os ruralistas conseguiram derrotar o relatório final apresentado pelo relator da CPI e aprovar outro de acordo com os seus interesses. O relator oficial da comissão, deputado federal João Alfredo (PSOL/CE), elaborou um relatório que fazia um diagnóstico da questão agrária no Brasil e apontava a reforma agrária como uma provável solução para o quadro de violência e desigualdade social no campo. O documento também apresentava sugestões para que a Constituição Federal fosse cumprida e a terra democratizada. A bancada ruralista, maioria na comissão, reagiu ao relatório do deputado João Alfredo e aprovou o texto alternativo, que criminaliza os movimentos sociais, preserva a UDR e classifica a ocupação de terra improdutiva como "ato terrorista". A bancada ruralista, por intensas pressões junto ao Poder Executivo, vem conseguindo sucessivas concessões e benefícios para o pagamento das dívidas do crédito rural, com alongamento de prazos, redução ou dispensa de juros e linhas de crédito favorecidas nos bancos oficiais. Também tem tido êxito na defesa dos alimentos transgênicos, contra os quais se colocaram as entidades de proteção ao meio ambiente. Dentre as atividades da bancada, destacam-se sua

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permanente atuação para impedir o efetivo combate ao trabalho análogo à escravidão nas fazendas, sua oposição a quaisquer medidas de preservação da ecologia e do meio ambiente, bem como o patrocínio de um projeto de lei em tramitação no Congresso e já aprovado no Senado, que aumenta em 150% o limite legal para desmatamentos nas fazendas da região da Amazônia legal e dá anistia aos fazendeiros que já desmataram, ilegalmente, em suas propriedades nos últimos anos.

Historicamente a bancada ruralista desenvolveu a estratégia de ocupar todos os espaços políticos possíveis. Esse grupo político exerce forte influência na nomeação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de diretores da área agrícola do Banco do Brasil – tendo vetado com êxito o nome de pessoas não ligadas à agroindústria ou ao grande produtor rural – e as presidências da Comissão de Agricultura e Política Rural e da Comissão de Meio Ambiente e Consumidor – esta última com menor freqüência.

Conforme levantamento feito pelo DIAP após a eleição de 2006, o poderoso grupo que representa os interesses dos grandes agricultores e pecuaristas no Congresso Nacional, a chamada bancada ruralista, segue forte na legislatura 2007/2011. Segundo o instituto, "a bancada ruralista, uma das mais eficientes do Congresso, diminuiu um pouco numericamente [em relação à 52ª legislatura da Câmara dos Deputados – 2003/2007], mas isso não quer dizer que perderá a importância ou capacidade de atuação coesa". De acordo com o mapeamento do DIAP, 95 deputados e senadores "deverão priorizar, a partir de 2007, as pautas do setor empresarial rural". Com o resultado da eleição de 2006,

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o DIAP identificou aproximadamente 111 parlamentares como componentes da bancada ruralista.30

Com a eleição para o Senado Federal, em 2006, da ex-deputada Kátia Abreu, ex-líder da União Democrática Ruralista (UDR) e presidente da Federação da Agricultura do Tocantins e atual presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), foi possível perceber um avanço da bancada naquela Casa. A presença efetiva de uma liderança tende a mobilizar os demais parlamentares que possuem vínculos com a questão ruralista. Os senadores simpatizantes da bancada ruralista, até então, não se colocavam a serviço deste agrupamento explicitamente, apesar de serem sensíveis aos seus interesses. Com a chegada da senadora, o grupo estabelece uma de suas lideranças como um ponto focal de suas atividades no Senado Federal.

O potencial da bancada ruralista é a habilidade para mobilizar um número de parlamentares bem maior que os diretamente envolvidos com a bancada. Sendo assim, não é bem o número absoluto de membros que promove sua força, mas a capacidade de mobilização que possui junto aos diversos partidos políticos e às bancadas estaduais, além de sua representação junto à política federal31.

30

A lista com os parlamentares que compõem a bancada ruralista, de duas legislaturas (52ª e 53ª).

31 Em relação à esse tema, Regina Ângela Landim Bruno desenvolve com maestria em sua tese

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