• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV RURALISTAS E A MPV Nº 114/03

D) A legitimação das renegociações

A partir dos discursos dos parlamentares ruralistas em relação à MPV 114/03, torna-se possível apresentar o contraponto da renegociação de dívidas do crédito rural frente aos recordes de produção alcançados nas safras anteriores a 2003, ano da medida provisória. Mesmo com todas as intempéries climáticas e percalços econômicos, os ganhos obtidos pelos grandes produtores rurais no período estudado (1995 a 2003) foram significativos. Esse desempenho extraordinário (surpreendendo até os mais entusiasmados produtores), por mais

97

lucrativo que seja, parece não ser contabilizado nos momentos das rolagens das dívidas contraídas junto ao governo federal. Seja qual for o tamanho da safra ou a cotação das commodities agrícolas, praticamente não há ano sem renegociação das dívidas agrícolas.

O peso político dos ruralistas como integrantes da base de apoio aos governos recente – tanto de Fernando Henrique como de Lula – permite que a capacidade dos primeiros imponha a sua agenda e seus interesses, pois a representação política é maior do que esse setor representa na sociedade como um todo. Parece existir a idéia de que não se faz nada sem os ruralistas.

O setor agropecuário tem sua parcela de importância na balança comercial brasileira, todavia a sua relevância do ponto de vista do conjunto da economia, assim como a capacidade de criação de empregos de qualidade e distribuição de renda, por exemplo, não é tão grande quanto parece66. Políticas de crédito simpáticas aos grandes produtores criaram condições para o uso intensivo de mecanização, com efeitos restritivos ao emprego rural. Segundo dados do IBGE de 2006, as fazendas com mais de 2 mil hectares absorve apenas 350 mil trabalhadores assalariados. Bem menos que os 900 mil trabalhadores que a pequena propriedade emprega. Ou seja, o modo de produção nas grandes fazendas, que se moderniza permanentemente, expulsa mão-de-obra do campo, ao invés de gerar emprego. Esse status da rica agropecuária de segmento

66

Ao contrário, a agricultura familiar e os pequenos agricultores são os que respondem pela maioria dos empregos e da distribuição de renda no campo. Esse setor absorve cerca de 70% da mão-de-obra no campo, conforme sustenta o IBGE.

98

"especial" é histórico – assim como as dívidas, uma tradição desde ciclos passados como o do café – e permanece até hoje.

Assim, as dívidas dos grandes e dos pequenos produtores, que têm características bem diferentes, deveriam ser tratadas separadamente. A rica agropecuária é beneficiada por vantagens "extraordinárias". Além dos incentivos oficiais para a produção e exportação voltados a grandes produtores, há um vácuo na regulação do Estado com relação à grilagem de terras, ao descumprimento de leis ambientais e à exploração de mão-de-obra análoga à escravidão.

A rolagem das dívidas e anistia aos devedores do Pronaf e aos pequenos agricultores acabam sendo usadas pelos ruralistas num contexto em que se procura legitimar o tratamento geral dado ao setor agrícola como um todo. Nesta medida provisória, os ruralistas querem que as renegociações dos grandes produtores sejam realizadas em conjunto com os pequenos e médios produtores, para que o pacote seja apresentado à opinião pública como um só. A unificação da negociação das dívidas faz com que as diferenças entre os grandes e os pequenos produtores sejam camufladas. Grande parte da dívida está concentrada em contratos de grandes fazendeiros que devem acima de R$ 200 mil cada um. Por outro lado, a inadimplência entre os pequenos produtores rurais costuma ser historicamente menor, sendo aproximadamente 5% dos inadimplentes, segundo o Ministério da Agricultura. Assim, a inclusão dos grandes, pequenos e médios produtores rurais num único bolo de devedores acaba por legitimar a ajuda que diferentes governos brasileiros prestaram aos grandes produtores rurais.

99

A despeito das oscilações das cotações internacionais das commodities, da volatilidade do dólar e dos ciclos da demanda nas últimas décadas, os interesses classistas dos grandes produtores agropecuários brasileiros sempre prevaleceram nas renegociações de suas dívidas. Para além de intempéries pontuais e setorizadas, os ruralistas mais uma vez confirmaram o seu “favoritismo histórico” nos principais embates em relação às questões agrárias, principalmente no que se refere à (re)distribuição de terras, preservação e sustentabilidade do meio ambiente e aprovação da lei que penaliza aquele que utilizar em sua propriedade mão-de-obra análoga à escravidão.

Conforme apresentado anteriormente, o PIB agropecuário, que é a soma de todas as riquezas geradas pelo setor, superou R$ 550 bilhões em 2003. Essa vultosa quantia não condiz com o conhecido “chororô” dos porta-vozes ruralistas, que sempre apresentaram um quadro de “extrema gravidade” para convencer o governo e a opinião pública da necessidade “incontornável” de mais um pacote de “bondades oficiais” ao setor; leia-se, a renegociação e o alongamento das dívidas contraídas pela rica agropecuária.

Dessa forma, cria-se um cenário para que, depois da apropriação dos lucros, os prejuízos sejam socializados. As quebras de recordes, na produção e no lucro, são acompanhadas da desenvoltura da elite agrária na arena política. Historicamente, a Comissão de Agricultura da Câmara têm sido um dos espaços mais utilizados para dar propulsão à agenda ruralista.

Sendo assim, não é estranha a pressão que os parlamentares ruralistas exercem sobre o Executivo e o Congresso Nacional para que o Estado brasileiro

100

continue a financiar a rica agropecuária, em detrimento aos agudos problemas sociais, principalmente no campo. O crédito rural que o Estado concede aos grandes produtores – cada vez mais presente na figura de empresas transnacionais – parece mais com subsídios disfarçados e contrastam com a escassez de recursos para os pequenos e médios produtores.

O equívoco dos grandes produtores rurais brasileiros tem sido desenvolver a tese de que a agricultura contemporânea brasileira é capaz de competir no plano mundial, com possibilidade de vencer essa competição capitalista. Isso ocorre porque se conseguiu, nesses repetidos esquemas de securitização das dívidas do crédito rural, camuflar os subsídios, melhor dizendo, perpetuar a sua ausência. Nos países de grande produção agrícola e pecuária, a atividade rural é subsidiada. Por exemplo, os Estados Unidos, no início do governo de George W. Bush que tratou de votar o Farm Bill, destinando, em quatro anos, algo em torno de US$ 250 bilhões de dólares para a agricultura norte-americana. O Brasil tem sido um dos poucos países do mundo onde a elite agrária e alguns economistas do setor dizem que é possível uma agricultura capitalista que não se insira nesses moldes. Nota-se que, quando as vacas são gordas, ninguém reclama, mas quando a situação fica crítica, o prejuízo tende a ser socializado.

E o governo central, independente do governante de plantão ou do partido, pactua com os representantes desse setor organizado e coeso, mirando a governabilidade, sobretudo a partir dos acordos político-partidários no Congresso Nacional. No fundo, os governos são uma espécie de reféns desses parlamentares ruralistas.

101

De certa forma, a rica agricultura brasileira é controlada por empresas, chamadas genericamente de tradings, que dominam o mercado, principalmente o de grãos, como: Bunge, Cargill, Archer Daniels Midland (ADM) e Louis Dreyfuss, empresa francesa que no Brasil opera com o nome de Coimbra. Essas são as quatro empresas gigantes mundiais. Há ainda a Maggi, da família do ex- governador do Mato Grosso e a Caraburu, de Goiás; há também outros grupos nacionais e internacionais menores. A lógica predominante nessas empresas, que pode ser aplicada também a outras culturas e a pecuária, é a seguinte: os agricultores fazem acordos com as multinacionais, que lhes fornecem sementes e fertilizantes e passam a ser os avalistas, no sistema financeiro, do empréstimo que esse agricultor fará. O dinheiro do Banco do Brasil e de outros bancos estatais e privados vai, portanto, para as multinacionais. Para tanto, basta verificar na revista da Agrishow de 2008 onde há uma propaganda do Banco do Brasil que apresenta as empresas que são seus maiores clientes. Ali estão todas essas empresas mencionadas anteriormente.

No que diz respeito aos pequenos produtores, os Estados Unidos, por exemplo, conseguem ser um país que abastece o seu mercado interno com todos os principais produtos necessários e, ao mesmo tempo, ter excedente para exportação, porque possuem uma forte agricultura centrada nas chamadas family

farms, pequenas unidades de produção. O mesmo ocorre na Europa, onde os

países que compõem o bloco têm uma agricultura centrada nos camponeses em pequenas propriedades. No Japão, acontece a mesma coisa. Fica evidente que não é necessário reinventar a roda. A questão central é que a história do Brasil

102

sempre foi orientada pela e para a elite agrária. Qualquer governo que queira segurança e soberania precisa ousar romper esse vínculo à grande agricultura e apostar que há possibilidade de governabilidade sem precisar barganhar com os ruralistas. A partir dos modelos agrários experimentados ao redor do mundo, deveríamos aprender que o Estado subsidia não apenas a rica agropecuária, mas toda a gama de agricultores e pecuaristas, principalmente os pequenos e médios produtores rurais, aqueles que realmente geram emprego67 e abastecem cerca de 70% do mercado interno brasileiro.

Podemos observar nos discursos a seguir que os ruralistas têm plena noção da importância da agricultura familiar e dos pequenos produtores para o setor. Apesar dos dados apresentados pelos parlamentares não serem semelhantes, podemos creditar nas suas informações, pois essas informações vão ao encontro das do Ministério da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

O deputado Heleno Silva (PL-SE) não perdeu a oportunidade de elogiar o público alvo do governo federal expresso na MPV 114-03:

sabemos que precisamos investir na agricultura familiar, o setor da economia que mais gera empregos no País... Para isso, é preciso viabilizarmos projetos de irrigação e o fortalecimento das associações de agricultores, de modo que todas tenham seu trator comunitário. Praticar agricultura familiar é fazer com que as

67

Vale lembrar que segundo dados do IBGE, a agricultura familiar e pequenos agricultores geram cerca de 70% da mão-de-obra rural, em contrapartida, os grandes produtores empregam cerca de 30%.

103

associações tenham condições de dar aos produtores o necessário suporte.68

O ruralista goiano Leandro Vilela (PMDB-GO) é explícito ao colocar a importância devida aos pequenos produtores e a agricultura familiar, ao afirmar que:

Hoje, 84% das propriedades rurais se encaixam no perfil de agricultura familiar, o que representa mais de 4 milhões de estabelecimentos. Essa gente simples e desamparada é responsável por quase 38% do valor bruto de produção agropecuária, e ocupam 77% da mão-de-obra no campo.

Apesar das dificuldades de acesso ao crédito, os pequenos produtores são responsáveis por 84% da produção de mandioca, 67% da produção de feijão, 54% de todo o milho produzido, e 54% da bovinocultura de leite. São eles os grandes responsáveis pela preservação da paisagem [meio ambiente] e da cultura brasileiras. Para os agricultores familiares, haverá um aumento do número de beneficiados e do volume de financiamento muito mais significativo. Estima-se que cerca de 30.000 pequenos produtores terão acesso ao crédito, e que o montante de recursos disponíveis subirá de 34.000, para cerca de 90.000 reais.69

A certa altura da discussão da medida provisória é notável que os ruralistas deixassem às claras suas intenções de apoio à inclusão dos pequenos produtores na renegociação das dívidas, pois ao serem incluídos os grandes produtores – estes os maiores inadimplentes –, todos os agropecuaristas que estiverem no “bolo” da renegociação serão contemplados com essa medida do governo federal.

68 Câmara, 21-05-2003, pp. 739-40. 69 Idem, 18-06-2003, pp. 422-5.

104

Nesse sentido, o deputado ruralista João Caldas (PL-AL) não deixa de aproveitar a oportunidade e afirma que

o Partido Liberal vota favoravelmente à medida provisória, porque vem se posicionando ao lado dos trabalhadores, principalmente do pequeno agricultor, e de todas as conquistas do setor do campo. Essa é a luta da bancada ruralista e de todos os Deputados.70

Apesar dos dados apresentados pelo deputado Costa Ferreira (PFL-MA) mostrarem o oposto, sua percepção da importância do pequeno agricultor vai ao encontro da tendência mundial, como mostrado anteriormente. O ruralista maranhense elogia e mostra o devido valor dos pequenos produtores tanto para o abastecimento interno quanto para a geração de emprego na zona rural brasileira, mas parece querer inculcar a tendência de eliminar todo e qualquer pequeno produtor em nome da “globalização”, e veladamente, em prol da grande propriedade, a elite agrária brasileira.

A mensagem que gostaria de trazer aos nobres pares [deputados] é a de que não podemos deixar que os resultados de circunstâncias atípicas, conjunturais, de curto prazo, empanem nossa percepção da realidade amarga das perenes dificuldades dos pequenos produtores familiares e sua permanente desvantagem frente aos grandes empreendimentos agrícolas. Melhoras cíclicas, ocasionais, não podem encobrir a tendência histórica declinante dos preços agrícolas, a discriminação que os pequenos agricultores sofrem quando procuram crédito, o abandono de que são vítimas quando são definidas as prioridades

105

de pesquisa, de investimentos em infra-estrutura e mesmo de assistência técnica e extensão rural.

É por fatos como esses que ninguém aposta na sobrevivência da pequena propriedade familiar num mundo globalizado, numa economia onde a concorrência é cada vez mais acirrada e onde o poder econômico fala cada vez mais alto. De fato, a tendência à aglutinação dos pequenos estabelecimentos em unidades produtivas maiores é global. Políticas de redistribuição de terra que visam ao fracionamento de grandes áreas em pequenos estabelecimentos tendem a se confrontar com as forças contrárias da economia. Infelizmente, a impressão que se tem é que políticas de apoio às pequenas propriedades rurais podem almejar, no máximo, o retardamento de um processo histórico cujo resultado final será a virtual eliminação desses estabelecimentos.

Tão grandes são os benefícios sociais da pequena propriedade familiar e tão grandes seriam os custos sociais de sua dissolução prematura que tudo que a sociedade puder fazer em prol de sua manutenção será esforço bem compensado.

No Brasil, após pelo menos 3 décadas de intensa modernização tecnológica, é impressionante a capacidade da pequena propriedade familiar de resistir ao abandono da política pública, à concorrência desleal dos grandes produtores, à ganância dos monopólios, à discriminação dos bancos e ao olhar de menosprezo da sociedade. Cinco milhões de estabelecimentos agrícolas, 75% do total, enquadram-se na categoria de “pequenos”. Esses estabelecimentos ocupam cerca de 80% da força de trabalho no campo, ou aproximadamente 14 milhões de pessoas. A maioria dos Municípios do interior do Brasil tem sua vida econômica baseada predominantemente na agricultura familiar. Uma crise na agricultura significa uma crise na economia urbana... uma política de apoio à pequena agricultura de base familiar confunde-se com uma política de desenvolvimento para o interior, sem distinção do rural e do urbano. O Governo passado,

106

em um de seus melhores momentos, instituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — PRONAF. O problema da falta de acesso dos pequenos produtores ao crédito ainda está longe de ser resolvido. Impedidos pela Constituição de dar a terra em garantia e sem outras garantias reais a oferecer, esses agricultores não conseguem crédito para investimentos. Com freqüência, convive-se com a esdrúxula situação de bancos terem dinheiro sobrando em caixa para emprestar a agricultores familiares, e agricultores familiares sem financiamentos porque sua ficha cadastral não atende aos parâmetros da instituição financeira.

Não advogo a criação de algum programa de apoio à agricultura familiar. Novos programas são eficazes na produção de manchetes. Mas, Sr. Presidente, de forma candente apelo ao Governo para que fortaleça e complete os programas que aí estão.71

107

Considerações finais

Na contemporaneidade é certo que as sociedades, por conseguinte as relações sociais, estão mais complexas. Por isso mesmo, são difíceis as formas de definir as principais características que configuram uma sociedade. Na América Latina, e especialmente a tarefa de analisar a sociedade contemporânea brasileira, se torna hercúlea, diretamente proporcional à medida que tomamos como tema central a relação entre a classe dominante e a desigualdade social.

O século XX foi aquele em que o Brasil deu um salto no crescimento econômico e aumentou sua riqueza, mas não a dividiu. É o que mostra a publicação de 2003 do IBGE, “Estatísticas do Século XX”, que apresenta um resumo do Brasil daquele século. De 1901 a 2000, o PIB brasileiro mais do que centuplicou, passando de R$ 9,1 bilhões para R$ 1 trilhão. Paradoxalmente, conforme aponta o relatório de 2003 do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil encerrou o século XX com a sexta pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Namíbia, Botsuana, Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.

Essa constatação instiga a investigar em que medida a classe dominante brasileira, e neste trabalho o eixo central é um representante “de peso” da elite política brasileira – bancada ruralista –, compreende a questão de encontrar mecanismos para implantar políticas sociais para a redução da desigualdade social. O fato é que o Brasil não é e nem pode ser considerado um país pobre,

108

mesmo assim parte da população está aquém das condições consideradas mínimas para uma sobrevivência digna e humana.

O recorte temporal utilizado neste trabalho compreende o período de 1995 a 2003, período que ocorreram diversas discussões no Congresso Nacional acerca das renegociações do crédito rural. Centralizamos os esforços nesse tema, renegociação do crédito rural, por considerar que pode estar aí uma das chaves para compreender umas das mais palpáveis desigualdades em nossa sociedade.

A escolha em analisar a Medida Provisória nº 114 de 2003 nos parece emblemática por dois motivos. Primeiro, por ser umas primeiras medidas provisória do governo Lula, que a priori poderia indicar uma inversão nos destinos dos recursos públicos aplicados na agropecuária brasileira. Segundo, esta medida provisória, em seu texto original, colocava em pauta a discussão da renegociação das dívidas do crédito rural dos mini e pequenos produtores rurais e dos agricultores familiares, justamente aqueles que não foram contemplados nas renegociações anteriores.

No entanto, para que uma medida provisória seja convertida em lei, é necessário cumprir um rito legal dentro do Congresso Nacional e só a partir da discussão da matéria no Legislativo uma medida provisória é convertida em lei. Porém, no meio do caminho da discussão da MPV 114/03 grupos de interesses se manifestaram e, obviamente, prevalece a decisão da maioria, cujo grupo possui grande poder de fogo e pressão. Ou seja, a bancada ruralista se faz firmemente presente e as articulações resultam na acomodação dos interesses

109

dos grandes produtores rurais, sendo contemplados nesta medida provisória não apenas aqueles pequenos produtores rurais como constava no texto original, mas contemplando igualmente os grandes produtores.

A contemplação dos interesses dos ruralistas, especificamente nesta MPV 114/03, não seria estranha se em outras renegociações fossem igualmente contemplados os médios e pequenos produtores rurais, fato que não ocorreu. Aliás, nas renegociações anteriores somente os grandes produtores foram atendidos. O que torna curioso toda a situação é que justamente o fato de os grandes produtores rurais serem os que mais recorrem aos recursos públicos, em forma de empréstimos, e são os maiores devedores, demonstrando cerca cultura do calote. Pelo histórico das renegociações, o benefício do empréstimo via crédito rural mais parece uma apropriação indevida de recursos públicos, uma vez que a maioria dos grandes produtores rurais não cumpre com suas obrigações. O que não deixa os inadimplentes do crédito rural serem incluídos na Dívida Ativa da União são justamente as constantes renegociações promovidas pela bancada ruralista (no Legislativo) e, não raro, com o apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária (no Executivo), ficando os devedores novamente aptos a contraírem novos empréstimos e em seguida renegociar estes mesmos empréstimos e assim segue o ciclo interminável de empréstimos e renegociações.

Nas pesquisas sobre o tema, verificou-se que diversos países do hemisfério norte, como EUA e Europa, fornecem subsídios para os seus produtores rurais, de forma a não privilegiar determinados grupos de interesses, mas ao contrário, o Estado cumprindo sua função social independentemente da

110

representatividade dos produtores rurais, sejam eles pequenos ou grandes. Não que o Estado brasileiro não disponibiliza o financiamento do crédito rural para aqueles que procuram e cumprem com os requisitos necessários para o empréstimo, mas como o modelo adotado nas terras tupiniquins não é do tipo subsídio, todo aquele montante do erário público emprestado deveria ser pago nas condições estipuladas. No entanto, conforme o Banco do Brasil ou mesmo o Ministério da Fazenda informam, 95% dos pequenos produtores que recorrem aos

Documentos relacionados