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CAPÍTULO II – BREVE HISTÓRICO DA FRENTE PARLAMENTAR

B) A bancada ruralista e sua forma de atuação

Os membros da bancada ruralista aprenderam rapidamente a importância de pertencer à base de apoio do governo, seja qual governo for. Uma marca da bancada ruralista sempre foi a de ter parlamentares aliados ao governo. Desde sempre! Para ficarmos limitados num período, isso ocorreu no governo FHC e

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continua no governo Lula. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), os parlamentares que compunham a bancada ruralista pertenciam, majoritariamente, aos partidos que formavam a base de apoio do governo. No governo Lula (2003–), a situação não se alterou: a base de apoio parlamentar tem se mantido em torno de 310 deputados. Os ruralistas – não considerando os do PSDB e do DEM, que fazem oposição ao governo atual – representam cerca de um quarto da base de apoio do governo Lula. Praticamente todos os partidos da base do atual governo têm ruralistas na sua bancada.

Quando o PMDB passou a compor a base de apoio do atual governo federal (Lula), trazendo quase 33% de deputados da bancada ruralista, segundo o INESC, a base do governo ficou ainda mais fragilizada num determinado aspecto. Isso porque a liderança do governo, além de ter que tratar com a oposição, também tem que atender, em certos casos, a bancada ruralista, que deveria, a

priori, alinhar-se e votar favoravelmente às propostas governamentais, já que é

parte da base de apoio parlamentar.

Não sendo necessariamente assim, esta bancada representa, dentro do equilíbrio de forças do governo federal, o “elo frágil” da base de apoio. Mesmo o governo Lula possuindo uma maioria no Parlamento, a bancada ruralista será sempre mais uma ameaça de ruptura dessa articulação. Como a base parlamentar não é monolítica – enquanto essa questão não for equacionada por uma ampla, profunda e racional reforma política –, os ruralistas deverão ter o seu poder de barganha otimizado a cada votação.

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Algumas das peculiaridades do modus operandi da bancada ruralista têm se mantido. O mais manifesto é auto-atribuição de um caráter de defesa dos interesses nacionais a partir da sua disposição regional. O fato de a maioria dos deputados do grupo pertencer às regiões Nordeste e Sul demonstra não só a coexistência de formas de produção material e ideológica diferentes, como indica interesses comuns entre a elite agrária e as corporações econômicas desse setor produtivo. Os parlamentares dessas regiões tão distintas assumem na arena política o mesmo compromisso: a defesa de uma agenda conservadora em relação à reforma agrária, à extinção do trabalho análogo à escravidão e a preservação do meio ambiente.

Outra característica é a ocupação de postos-chave, como vice-lideranças nos partidos políticos. Essa mesma característica se transfere para os cargos da máquina estatal, como a indicação para o ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sem contar os cargos de segundo escalão no poder Executivo. A ocupação desses postos, tanto no Legislativo como no Executivo, é a origem da fonte do poder político da bancada.

Sustenta o INESC que nas diversas legislaturas a bancada ruralista adotou formas diferenciadas de operacionalizar os seus interesses. No período de 1990 a 1994, sob a influência da União Democrática Ruralista (UDR), o grupo mostrou-se truculento e agressivo diante dos adversários. O domínio dos pecuaristas, no interior do grupo, conduzia a bancada para uma situação de confronto constante. Na legislatura de 1995-1998, os ruralistas optaram pela representação diversificada, ou seja, certos deputados se colocaram como porta-vozes e

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articuladores de setores produtivos específicos, como os ligados ao cacau, aos cítricos, à pecuária, entre outros.

Na legislatura 1999/2002, a operacionalização voltou a ficar dependente do comportamento de algumas lideranças, como a do deputado Ronaldo Caiado, ou outras que se impuseram, como os deputados Abelardo Lupion (DEM/PR) e Luís Calos Heinze (PP/RS). Novas lideranças, como os deputados Kátia Abreu (DEM/TO), Darcísio Perondi (PMDB/RS) e Moacir Micheleto (PMDB/PR) também estavam se firmando no processo legislativo. Na legislatura 2003-2006, os ruralistas mostraram uma operacionalidade mais profissional e a bancada, desde o primeiro mandato do governo Lula, conseguiu estabilizar-se e colocou-se na mídia como o mais importante agrupamento parlamentar. Nesse contexto, os seus membros conseguiram contornar uma situação de disputa de poder entre as lideranças pecuaristas e agrícolas. Esse ambiente de instabilidade tem surgido nos momentos de renegociação da dívida agrícola. O deputado Ronaldo Caiado (DEM/GO) continua sendo a referência nas negociações das dívidas do crédito rural dos grandes produtores e no combate à reforma agrária. A sua maturidade política tem evitado a deflagração de uma disputa pela retomada da liderança pessoal nos moldes antigos. Já a atual senadora Kátia Abreu, eleita em 2008 para a presidência da CNA, vem se firmando em outra frente. A senadora está à frente da tropa de choque contra as ocupações de terras pelos militantes do MST (Movimento dos Sem-Terra), pressionando governos federal e estaduais e o poder judiciário no sentido de se fazer cumprir a reintegração de posse de terras

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ocupadas. Kátia Abreu desponta como uma nova e forte liderança dos ruralistas no Congresso Nacional.

Na esfera institucional, alguns cientistas políticos avaliam que a bancada ruralista e outros grupos de interesse representam uma anomalia do sistema político, apesar desses grupos serem uma constante também em Parlamentos de diversos outros países. No Brasil, o sistema partidário não tem reunido interesses. Os partidos não priorizam, apesar dos seus programas, quais são as políticas públicas que irão defender ou promover. Assim, interesses que poderiam ser conjugados se fracionam em proposições parlamentares individuais. Na teoria política prevalece o entendimento de que os fatores principais que explicam a criação de grupos de interesse no interior do Congresso Nacional são a hipertrofia do poder Executivo e a fragilidade do sistema de representação partidária.

A bancada ruralista tem ocupado certos nichos do aparelho do Estado de onde exerce o seu poder. O poder, no caso da bancada ruralista, é exercido de forma qualitativamente diferente de um partido político. A ascensão dos ruralistas não visa ao cargo segundo uma estratégica política de governo, mas para obter mais recursos orçamentários para o rico setor agropecuarista, principalmente o de exportação. Esse aparelhamento setorial do Estado só é possibilitado pela dupla representatividade: do partido político e da bancada ruralista. Não é por representatividade da bancada, como força política interna do Congresso Nacional, que os ruralistas ocupam a presidência da Comissão de Agricultura, mas porque têm origem em partidos de representatividade expressiva.

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A existência da bancada ruralista depende, em grande parte, das crises no setor agropecuário, que favorecem o acúmulo de recursos de poder por parte do grupo que, ao utilizá-los, reforça sua própria imagem34. Se, hipoteticamente, os problemas agrícolas pudessem ser equacionados, ou seja, se as políticas públicas agrícolas fossem eficazes e eficientes, a bancada ruralista, ainda assim, teria que continuar a cumprir a sua função específica como grupo de interesse no contínuo processo legislativo.

Desde que haja respeito aos princípios constitucionais e a legislação vigente, a defesa de interesses não é ilegal, nem politicamente incorreta. Assim, nada pode impedir que os ruralistas continuem a definir suas estratégias em proveito de seus interesses.

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E quando não há realmente uma crise no setor, os ruralistas “plantam” um fato político qualquer e justificam, por exemplo, que uma produção maior no campo irá ampliar suas dívidas, em decorrência do excedente provocar queda no preço, e devido à crise global financeira iniciada em 2008, cair também o consumo.

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