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Inclusão na renegociação para além dos pequenos produtores

CAPÍTULO IV RURALISTAS E A MPV Nº 114/03

C) Inclusão na renegociação para além dos pequenos produtores

A discussão da MPV 114/ proporciona uma reflexão estimulante do modo como a bancada ruralista se manifesta no plenário da Câmara. O texto original, proposto pelo Executivo, discute a renegociação das dívidas do crédito rural dos pequenos produtores rurais – agricultores familiares, mini e pequenos produtores – não sendo contemplados, nessa medida provisória, os grandes produtores rurais. Como dito anteriormente, o rico setor agropecuário brasileiro, sempre muito bem organizado e coeso, possui uma forte representação no Congresso Nacional – através da bancada ruralista –, e sempre exerceu pressão junto ao Executivo para que seus interesses sejam contemplados, e não foi diferente em relação à discussão da MPV 114/03.

Dentre as manobras praticadas para que seus interesses sejam considerados, os parlamentares ruralistas apoiaram a emenda nº 10 de autoria da senadora Heloísa Helena (PT-AL), que dá nova redação ao art. 7º da medida provisória e tratava da ampliação do teto daqueles que contraíram empréstimos, passando de R$ 35 mil para até R$ 50 mil. Veja que esses valores estão aquém daqueles contraídos pelos grandes produtores, que são sempre superiores a R$ 200 mil, no entanto, os ruralistas lançaram mão desse expediente para que seus interesses fossem também atendidos, ou seja, que fossem incluídos nesse bolo também os grandes produtores, os inadimplentes com as maiores dívidas.

O ruralista Ronaldo Caiado (PFL-GO) não economiza palavras ao apoiar a emenda da senadora petista, pois sabe que a aprovação dessa emenda não

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beneficiaria apenas os médios produtores, mas abriria caminho para que o benefício se estendesse aos grandes produtores, este sim os grandes devedores. Ao final das apresentações das emendas à MPV 114/03, o relator da medida provisória, João Grandão, proporcionara uma longa conclusão dessas discussões, reafirmando a presença de vícios antigos nas emendas apresentadas pelos deputados e ao mesmo tempo mostrando a pressão política que a bancada ruralista sempre exerceu nessas questões relacionadas à renegociação:

As 55 emendas apresentadas à medida provisória, no geral, reproduzem os vícios acima comentados. Tanto as emendas focalizadas para dívidas rurais dos agricultores familiares como aquelas voltadas para os maiores devedores estão pautadas por critérios gerais lineares e pouco parcimoniosos com que buscam intervir na problemática.

Todavia, conforme demonstra o anexo, há emendas que propõem novo programa de securitização, alcançando até as operações já adquiridas pela União. Propõe-se a repactuação das dívidas vencidas junto ao PESA e a repactuação de operações já renegociadas com base na Resolução nº 2.765, de 2000.

Outras emendas propõem a redução de encargos para operações de vulto junto ao Crédito Rural. Existe proposta de concessão de subsídios entre 60% e 90% para todas as operações de custeio até 35 mil reais, junto ao BNB, celebradas no ano de 1998. Há emendas que postulam a prorrogação por 15 anos de todos os contratos de agricultores familiares, qualquer que seja a fonte, com taxas de 1,15% e 70% de subsídios indistintamente.

Com relação aos Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a aceitação de alguma das emendas apresentadas acarretaria substancial erosão patrimonial daqueles instrumentos regionais.

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Observe-se que, em contraste com a idéia de penúria geral esboçada para a agricultura quando se trata de avaliar a capacidade de pagamento para honrar dívidas rurais, a CNA — Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil exalta a expansão de 8,65% do PIB da agropecuária de 2000 para 2001. No ano de 2002, o PIB da agropecuária passou de 95 bilhões de reais, registrados em 2002, para 125,8 bilhões em valores correntes. Para 2003, a CNA projeta esse PIB, em valores de 2002, para 127,2 bilhões, ou seja, 1,4 bilhão superior, em termos reais.

Avaliando-se a renda agrícola pelo conceito de VPB — Valor Bruto da Produção, constata-se trajetória consistente com a evolução do PIB da agropecuária. Ainda de acordo com a própria CNA, após o declínio de 2% no ano de 2000, o desempenho do Valor Bruto da Produção agropecuária cresceu 5,5%, em 2001; 11,2%, em 2002, e, para 2003, projeta-se o crescimento de 9,1%.64

Ainda em sua exposição, o relator parece inverter a concepção de satanização do Estado e sacralização do mercado no que se refere ao mundo da produção rural ao expor as negociações sempre vantajosas para a “rica agricultura”, ao sustentar que:

Ainda que em parte financiada pelo mercado, “a rica agricultura” de vastos segmentos do agronegócio exportador, ao invés de expor a improbidade do trato geral, irrestrito e linear dos benefícios concedidos pelos diplomas relativos ao endividamento agrícola, tem sido utilizada para a consolidação desse desvio. Em outros termos, a agricultura rica tem sido explorada como fator de pressão sobre o Governo Federal por generosas medidas

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genéricas de subvenção e alongamento de dívidas rurais, “sob pena do comprometimento da performance da agricultura na balança comercial”.

O fato é que a agricultura brasileira não é um monólito. Razões diversificadas, com destaque para a iniqüidade histórica das políticas agrícola e agrária, geraram amplo mosaico de realidades sociais na agricultura brasileira nas várias regiões do Brasil. Nos extremos, convivem portentosos empreendimentos capitalistas, com padrões técnicos equiparáveis às agriculturas mais dinâmicas do mundo, com grande profusão de empreendimento de subsistência nivelados pela precariedade das condições técnicas e materiais.

Em suma, pretende-se afirmar que é expressiva e lamentável, sim, a condição de empobrecimento e insolvência na atividade agrícola produtiva, em especial entre os segmentos da pequena produção.65

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