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O profissional de saúde em exercício de voluntariado : enquadramento ético

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O LUGAR DA ÉTICA NA PRÁTICA DO

VOLUNTARIADO DE ENFERMEIROS E

MÉDICOS

Tese apresentada à

Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Doutor em Bioética

por

Isabel Maria Conceição Lopes Ribeiro

Instituto de Bioética

Julho 2017

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O LUGAR DA ÉTICA NA PRÁTICA DO

VOLUNTARIADO DE ENFERMEIROS E

MÉDICOS

Tese apresentada para obtenção do grau de Doutor em Bioética

Por

Isabel Maria Conceição Lopes Ribeiro

Sob orientação: Professor Doutor Michel Renaud Coorientação: Professora Doutora Ana Paula França

Instituto de Bioética

Julho 2017

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A possibilidade extrema do Humano é a de ele se tornar excelente. Saber o que fazer não é suficiente. Tem de se agir

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Católica Portuguesa e ao Instituto de Bioética pela oportunidade concedida para frequentar o Curso de Doutoramento em Bioética, pela aquisição de saberes e pelos momentos de reflexão e de partilha que proporcionou.

Ao Professor Doutor Michel Renaud pelo incentivo, pela orientação e sempre pertinentes comentários; por ter acreditado que era possível a concretização do estudo que dá origem à presente tese.

À Professora Doutora Ana Paula França pela disponibilidade na orientação, pelo rigor e sabedoria; pela amizade.

À Professora Doutora Isabel Renaud, pelo incentivo e amizade.

À Teresa Tomé Ribeiro, pela amizade, pelo acompanhamento no percurso e me fez acreditar que era possível a concretização do estudo.

À Júlia, Ana, Teresa Souto, pelo apoio e sincera amizade.

À Mª José, pela amizade e imprescindível fonte de identificação dos participantes.

Aos enfermeiros e médicos com atividade de voluntariado, que responderam ao questionário, se disponibilizaram para a entrevista. Sem eles o estudo não seria possível.

Aos colegas mais próximos neste processo.

Aos amigos, pela compreensão, pelo tempo que se viram privados da minha presença. À Tia Teresinha, pelo exemplo.

À Conceição, pela amizade.

À Ana, Pedro, Dulce, Paulo e sobrinhos que de perto me acompanharam, pelos momentos de atenção e de partilha que não tiveram.

À minha Mãe, presente em parte do percurso, mas já não está entre nós, muito gostaria de assistir a este momento.

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RESUMO

A pessoa age quando faz com que algo aconteça. O agir é movido por realidades distintas em cada pessoa, decorre de uma intencionalidade que move para a realização determinado ato.

O voluntariado é expressão do exercício livre de cidadania ativa e solidária, de sentimento de pertença à comunidade e atitude ética cívica. A solidariedade advém da preocupação do eu para com a dignidade de um outro. Adela Cortina considera a solidariedade como indispensável à sobrevivência humana, porque o ser humano é ser pessoal e ser social. Ao voluntariado estão também implícitos a gratuidade, a solicitude, a responsabilidade, o compromisso, entre outros valores e princípios éticos e bioéticos.

Este estudo envolve a participação de enfermeiros e médicos, que realizam atividades de voluntariado no âmbito das suas profissões, respondendo a necessidades em saúde, perante situações de particular vulnerabilidade.

Pretendemos, como objetivo geral, refletir sobre os contextos e o perfil ético dos enfermeiros e médicos que exercem voluntariado no âmbito da sua profissão.

Estudo de natureza exploratória e descritivo, partindo das vivências dos participantes como voluntários, tendo-se desenvolvido em duas etapas. Na primeira foi aplicado um questionário com questões fechadas e questões abertas, onde obtivemos 178 respostas; na segunda etapa, realizámos entrevistas a quinze dos participantes da primeira etapa.

A investigação é predominantemente qualitativa. Os dados obtidos nas respostas às questões abertas do questionário e nas entrevistas foram submetidos a análise de conteúdo segundo Laurence Bardin.

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Para o tratamento dos dados quantitativos, confinado à caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes e a alguns elementos específicos do voluntariado, recorreu-se à estatística descritiva; em algumas das variáveis incluímos tabelas de referência cruzada.

As narrativas escritas e faladas dos participantes permitem:

a) Aprofundar a compreensão sobre as motivações que sustentam a decisão de se tornar voluntário no âmbito das suas profissões;

b) conhecer o perfil sociodemográfico e profissional;

c) conhecer a perceção dos participantes sobre os contributos do voluntariado para os outros, para si próprio, para a atividade profissional e para a sociedade; d) identificar valores e princípios éticos e bioéticos que envolvem a prática do

voluntariado de enfermeiros e médicos no âmbito das suas profissões.

O estudo permite obter contributos para a elaboração de um plano de voluntariado a integrar nos cursos de licenciatura em enfermagem.

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ABSTRACT

A person acts when they make something happen. That act is moved by distinct realities in each person as it comes from one intentionality that leads them to the execution of a certain act.

Volunteering is the expression of free exercise of active and solidary citizenship of the feeling of belonging to a community and civic ethical attitude. Solidarity derives from the concern of myself towards the dignity of the one other. Adela Cortina considers solidarity as indispensable to human survival because the human-being is a personal and a social being. Also implicit to volunteering are gratuity, solicitude, responsibility, commitment, among other ethical and bioethical values and principles.

This study involves the participation of nurses and physicians that practice volunteering within the scope of their professions, aiming to satisfy the health needs under situations of particular vulnerability.

As a general purpose, our aim is to reflect upon the contexts and the ethical profile of the nurses and physicians that practice volunteering within the scope of their professions. A study of exploratory and descriptive nature, which stems from the participants’ experiences, developed in two phases. On the first phase, it was implemented either with close-ended and open-ended questions, where we obtained 178 answers. On the second phase we carried out interviews to 15 of the participants from the first phase.

The research is predominantly qualitative. The data obtained from the answers to the open-ended questions and from the interviews were submitted to content analysis, as according to Laurence Bardin.

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To analyse the data, confined to the sociodemographic and professional characterisation of the participants and to some specific features of volunteering, it was used descriptive statistics. In some of the variables were included cross-reference tables.

The participants’ written and spoken narratives have allowed:

a) To deepen the understanding about the motivations that support the decision of becoming a volunteer within the scope of their professions;

b) to know the sociodemographic and professional profile;

c) to know the participants’ perception about the contributes of volunteering to others, to themselves, to the profession and to the society;

d) to identify ethical and bioethical values and principles that encompass the practice of volunteering of nurses and physicians within the scope of their professions.

The study allows to obtain input to the elaboration of a plan of volunteering to incorporate within nursing degree courses.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 19

1 - O VOLUNTARIADO COMO PRAXIS DE CIDADANIA ... 29

1.1 - ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DO VOLUNTARIADO ... 35

1.2 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO VOLUNTARIADO ... 43

1.3 - ÁREAS DE INTERVENÇÃO EM VOLUNTARIADO ... 62

2 - ENQUADRAMENTO ÉTICO DO VOLUNTARIADO ... 71

2.1 - PESSOA E DIGNIDADE HUMANA ... 77

2.1.1 - Vulnerabilidade... 82

2.1.2 - Solicitude ... 93

2.1.3 - Solidariedade ... 97

2.2 - A PESSOA, OBJETO E AGENTE DA ATIVIDADE DE VOLUNTARIADO ... 104

2.2.1 - As competências próprias e o agir no voluntariado ... 105

2.2.2 - Cidadania e voluntariado: a perspetiva de Adela Cortina ... 111

3 - A PRÁTICA DO VOLUNTARIADO DE ENFERMEIROS E MÉDICOS... 131

3.1-QUESTÕES DE PARTIDA... 132 3.2-FINALIDADE E OBJETIVOS ... 132 3.3-METODOLOGIA ... 133 3.3.1-Primeira Etapa ... 135 3.3.1.1 - Procedimentos metodológicos ... 136 3.3.1.2 - Tratamento da informação ... 142

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3.3.1.4 - Análise e discussão dos resultados ... 182

3.3.2 - Segunda Etapa ... 209

3.3.2.1 - Procedimentos metodológicos ... 209

3.3.2.2 - Tratamento da informação ... 214

3.3.2.3 - Apresentação dos resultados ... 214

3.3.2.4 - Análise e discussão dos resultados ... 241

3.3.3-Procedimentos éticos ... 270

4 - PRINCIPAIS CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DO ESTUDO ... 273

5 - CONCLUSÃO ... 303

6 - BIBLIOGRAFIA ... 311 ANEXOS

Anexo I - BASES DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO VOLUNTARIADO

Anexo II - QUESTIONÁRIO

Anexo III - APRESENTAÇÃO DO ESTUDO ÀS INSTITUIÇÕES/ORGANIZAÇÕES

Anexo IV - ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS QUESTIONÁRIOS

Anexo V - CONSENTIMENTO ESCRITO DO PARTICIPANTE PARA A ENTREVISTA

Anexo VI - GUIÃO DE ENTREVISTA

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 - Caracterização Sociodemográfica dos participantes ... 146

Quadro 2 - Número de filhos, por profissão ... 147

Quadro 3 - Caracterização profissional dos participantes ... 148

Quadro 4 - Tempo de exercício profissional ... 149

Quadro 5 - Área geográfica da atividade profissional, por distrito ... 150

Quadro 6 - Tempo de atividade no voluntariado ... 151

Quadro 7 - Área geográfica onde decorre a atividade de voluntariado ... 152

Quadro 8 - Conhecimento do voluntariado na instituição/organização ... 154

Quadro 9 - Frequência da atividade de voluntariado regular ... 155

Quadro 10 - Tipo de dificuldades na atividade de voluntariado ... 156

Quadro 11 - Dificuldades da atividade de voluntariado ... 157

Quadro 12 - Dificuldades na atividade voluntária: Frequência ... 158

Quadro 13 - Análise de conteúdo dos questionários: Matriz ... 160

Quadro 14 - Categorias do Domínio: Tipo de atividade de voluntariado desenvolvida ... 163

Quadro 15 - Categorias do Domínio: Motivações para a atividade de voluntariado .... 166

Quadro 16 - Categorias do Domínio: Aspetos positivos que emergem da atividade de voluntariado ... 174

Quadro 17 - Caracterização dos participantes ... 215

Quadro 18 - Análise de conteúdo das entrevistas: Matriz ... 215

Quadro 19 - Domínio: Motivação ... 217

Quadro 20 - Contributo da atividade de voluntariado ... 221

Quadro21-Contributo da profissão para a atividade ... 229

Quadro 22 - Dificuldades ... 233

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SIGLAS E ABREVIATURAS

a.C. – Antes de Cristo

AECEM/EACME – Association européenne des centres d'éthique médicale/European Association of Centres of Medical Ethics

AEV – Ano Europeu do Voluntariado AIV – Ano Internacional do Voluntariado

AMCP – Associação dos Médicos Católicos Portugueses CDE – Código Deontológico do Enfermeiro

CE – Comunidade Europeia

CEB – Centro de Estudos de Bioética CEV – Centro Europeu de Voluntariado

CICV – Comité Internacional da Cruz Vermelha

CJ – Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros CMP – Câmara Municipal do Porto

CNAIV – Comissão Nacional para o Ano Internacional dos Voluntários CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

CNPV – Conselho Nacional de Promoção de Voluntariado Col. – Coluna

Coord. – Coordenação

CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPV – Confederação Portuguesa do Voluntariado CVOM – Corpo Voluntário da Ordem de Malta

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CVP – Cruz Vermelha Portuguesa DGS – Direção Geral da Saúde Dir. – Direção

DL – Decreto-Lei Dp – Desvio padrão DR – Diário da República

DUBDH – Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos

DUGHDH – Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos EOE – Estatutos da Ordem dos Enfermeiros

EU – European Union

EUA – Estados Unidos da América

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FMUP – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto FNVS – Federação Nacional de Voluntariado em Saúde

HIV-SIDA – Human immunodeficiency virus-Síndrome da Imunodeficiência Adquirida IAVE – International Association for Volunteer Effort - Associação Internacional para o

Esforço Voluntário

INE – Instituto Nacional de Estatística

INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social JO – Jornal Oficial da União Europeia

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MGF – Medicina Geral e Familiar OE – Ordem dos Enfermeiros

OIT – Organização Internacional de Trabalho OM – Ordem dos Médicos

OMS – Organização Mundial de Saúde ONG’s – Organizações não-governamentais

ONGA – Organização não-governamental de ambiente

ONGD – Organização não-governamental para o desenvolvimento ONU – Organização das Nações Unidas

PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PNV – Plano Nacional de Voluntariado

PVE – Plataforma de Voluntariado de Espanha

QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza REPE – Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro RES – Resolução

SCML – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Séc. – Século

UE – União Europeia

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

UNICEF – United Nations Children’s Fund - Fundo de Emergência das Nações Unidas para a Infância

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19 INTRODUÇÃO

O ser humano cresce e desenvolve-se de acordo com a experiência que faz de si mesmo, envolvido num conjunto de encontros com outros eus e na sua abertura a eles. A pessoa é, assim, um ser pessoal e um ser social; ninguém se torna pessoa sozinha e devemos ter a consciência de que, na realidade, todos necessitamos de um(ns) outro(s) para a sobrevivência.

A ética é uma ciência prática que estuda os atos humanos enquanto voluntários, analisa a dimensão pessoal da ação, compreende o estudo sistemático de valores e de princípios que orientam e conduzem o agir de cada ser humano, individualmente e em qualquer circunstância, sendo este agir o que visa a autorrealização. É um pensamento filosófico que reflete sobre os atos humanos e, neste sentido, o agir é construtor do sujeito moral, rumo aos objetivos para atingir a realização plena do homem e, deste modo, tender para a perfeição.

Muito frequentemente se confunde a ética com a moral, mas na realidade elas têm significados diferentes. A moral é normativa e está intimamente associada às instituições em que todos estamos inseridos; ela rege as ações do homem no coletivo, baseia-se no cumprimento de normas, as quais constituem nesse sentido, o dever ser em sociedade.

A bioética, como ética aplicada às ciências da vida, induz à reflexão sobre o avassalador desenvolvimento tecnocientífico que pode colocar questões éticas relacionadas com a vida, a qualidade de vida, os direitos humanos, a integridade da pessoa humana. Com muitos acontecimentos, neste mundo global, que poderão interferir na sobrevivência da

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humanidade, torna-se por isso imperioso orientar a ação do ser humano e, se for caso disso, estabelecer limites à sua intervenção.

A ação provém da interioridade do ser humano e transforma o modo de ser de cada um. Na perspetiva teleológica, isto é, na linha das suas finalidades, a ação é considerada boa ou má de acordo com a qualidade intrínseca destas finalidades; na perspetiva deontológica, a ação fundamenta-se num dever revestido de uma força prescritiva. Neste sentido é ético ou não ético o que advém do sentido da ação do ser humano, isto é, o modo como cada ser humano orienta, decide e atribui sentido à sua própria vida. Na ética, não é possível separar o sujeito que pratica a ação, a ação que é praticada, a intenção dessa ação e a sua consequência, quer esta seja para o próprio, para o outro, para a comunidade humana, ou até mesmo para o meio ambiente.

Partimos da ideia de que a ética é essencial para a vida, assegurando o respeito pelas pessoas na sua unicidade e diversidade cultural, pelos seus direitos e deveres, constituindo o momento reflexivo para a tomada de decisão, consciente e fundamentada. Tais afirmações são válidas para o agir no âmbito da saúde. Com efeito, a ética orienta o agir de cada um dos profissionais, em função da individualidade de cada ser e da particularidade de cada situação profissional concreta. Deste modo se responde à questão que a ética coloca a cada ser humano ao longo da sua existência e perante cada circunstância: “O que devo fazer?” ou, de modo mais específico, “O que devo fazer pelo outro?”.

O acompanhamento da evolução tecnocientífica e a aquisição de saberes interpelam o eu e apelam a um agir ético, visando sempre o bem do outro, no respeito pela sua unicidade, face às diferentes circunstâncias em que cada um se encontra.

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Na resposta à questão - o que devo fazer? -, rapidamente pensamos que as nossas ações devem ser dirigidas sempre para o bem, em qualquer circunstância. Nenhum ser humano «está nem pode estar totalmente indiferente à maneira como vivem os seus co-cidadãos»1 e, por isso, na comunidade devemos ser solidários, repartindo, com e pelos

outros, competências pessoais e profissionais, exercendo também o nosso dever de cidadania, assumindo o sentido de pertença a essa mesma comunidade.

Perante uma circunstância ou um facto, cada pessoa, na sua individualidade e de acordo com o seu mundo vivido, tem uma perceção e uma vivência únicas. O percurso individual da vida e as experiências de cada um assumem uma significação particular, porque cada pessoa é diferente, única e irrepetível. Por muito semelhante que aparente ser determinada situação, cada ser humano a vê e a compreende à luz da sua realidade concreta, fruto das vivências e da sua perceção do mundo que o rodeia.

O agir decorre de uma intencionalidade, e é a partir dela que se toma a iniciativa para a concretização de determinado ato. A pessoa age ao fazer com que aconteça algo e, na experiência dessa ação, se estabelece uma relação interpessoal consolidada na empatia e na escuta, não descurando a situação que a origina e que vai colocar a ênfase na intencionalidade dessa mesma ação. A tomada de decisão deve ter sempre subjacente o respeito pela alteridade do outro, pela sua integridade, e a responsabilidade que se impõe a esse agir.

A dignidade humana é intrínseca a cada ser humano, correspondendo a uma característica da humanidade, reconhecida como um valor absoluto, em que o ser humano é um fim em si mesmo e nunca poderá ser considerado como um meio; é imperioso que, em

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qualquer circunstância que a pessoa se encontre, seja respeitada. Como afirma Daniel Serrão, «honrar a dignidade humana é fomentar uma cultura de respeito pela vida humana desde o seu início e até ao seu fim natural»2, não havendo lugar para gradientes de valoração na

dignidade, mas apenas um: dignidade humana.

Sendo a vulnerabilidade, tal como sublinharemos, uma condição humana universal, relacionada com a natureza humana e a sua finitude corporal, ela apela a uma resposta ética, porque é apenas ao ser humano que compete cuidar do outro, vulnerável. O cuidar é uma atividade de relação, na aproximação e na resposta individualizada a uma necessidade humana. Cuidar de alguém é uma atitude ética, na medida em que corresponde a uma preocupação e a um desejo de agir em benefício do outro e de modo responsável. Mas a vulnerabilidade é também uma característica que poderá ser exacerbada por múltiplos fatores, entre os quais os de natureza social, económica ou de saúde, que tantas vezes interferem na qualidade de vida da pessoa e a tornam mais fragilizada e com necessidades específicas que urge atender.

A sociedade atual está imbuída de valores materialistas e hedonistas, e por vezes o êxito pessoal e as atividades lúdicas parecem prevalecer, face aos valores humanos que podem confluir às atividades de voluntariado. Muitas vezes as pessoas focam-se mais nos fins que pretendem obter do que nos meios que devem utilizar para os alcançar. Sentido diferente parece verificar-se nos enfermeiros e médicos que realizam atividades de voluntariado no âmbito das suas profissões. Perante este facto nos merece atenção o estudo a que nos propomos, tentando identificar a sua contextualização na ética e na bioética.

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O voluntariado está diretamente relacionado com a essência do ser humano e com a sua relação com os outros, fazendo parte do exercício de cidadania. Atualmente estima-se que mais de 100 milhões3 de pessoas realizem atividades de voluntariado na Europa e, em

Portugal, cerca de «1 milhão e 40 mil voluntários»4, de modo formal ou informal, ou seja, integrados ou não integrados em organizações promotoras de voluntariado.

Sabemos que há dados que caracterizam o voluntário: decisão autónoma e espontânea, que visa a finalidade da ação e não o usufruto de direitos ou de benefícios; gratuidade no seu agir; compromisso para com a atividade5 no sentido da sua continuidade.

Temos a noção de que as atividades são em grande escala desenvolvidas nas áreas de apoio social, seguindo-se as que estão afetas à religião e ao desporto.

Para além da iniciativa individual para o fazer, é necessário algo mais: saber como fazer e saber como ser. É neste sentido que o voluntariado está intimamente ligado à ética, à moral e à bioética, tendo sempre como finalidade a pessoa, a sua saúde, o seu bem-estar.

Na área da saúde, o voluntariado está geralmente associado a situações humanitárias e tem implícito, nas pessoas que o exercem, algo que as impele para o agir em sociedade.

Que tenhamos conhecimento, não há investigação realizada nesta área, em contexto nacional ou internacional, o que vai ao encontro da informação disponível na DGS que afirma que «não existe (…) estatísticas sobre o voluntariado na saúde, embora exista a consciência de que este tem grande preponderância no sector. De facto, este é um trabalho

3 Informação recolhida através de European Volunteer Centre (Centro Europeu de Voluntariado). Disponível em

http://www.cev.be/about-2/why-volunteering-matters/

4 Instituto Nacional de Estatística (INE) - O trabalho voluntário em 2012, 2013, p.35. 5 cf DONI, P. - Voluntariado, 2001, p.1153.

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que, também, importa realizar»6; se eventualmente existirem, não foi possível identificá-los

através de pesquisa realizada em diferentes momentos e através de diferentes bases de dados. Desde cedo surgiu, como projeto para a minha vida pessoal, a ajuda aos outros, familiares ou desconhecidos, mas é como enfermeira que a maioria das atividades de voluntariado ocorrem. Estas constituíram sempre um desafio à criatividade e à capacidade de improvisação, sempre com responsabilidade, entusiasmo e dedicação; elas visam sempre o melhor bem para os outros e têm adstrito o cumprimento dos deveres profissionais.

Como docente no ensino de enfermagem, constato em alguns estudantes o interesse na ajuda aos outros, com adesão a projetos de solidariedade dentro ou fora da escola, por vezes já integrados em estruturas organizacionais da comunidade local da sua área de residência.

A profissão de enfermagem implica atenção, solicitude, responsabilidade e tantos outros valores e princípios éticos e bioéticos essenciais ao seu exercício. Neste sentido, advém a necessidade de consolidar valores humanos nos estudantes para que, ao longo do processo de formação humana e profissional, interiorizem a verdadeira dimensão do cuidar.

Partindo da experiência e da reflexão pessoal, e integrado no programa de doutoramento em bioética, proponho-me levar a efeito um estudo sobre o lugar que a ética ocupa na prática do voluntariado, concretizada por enfermeiros e médicos. Sabemos que intervêm em situações de vulnerabilidade humana ou de necessidades em cuidados de saúde, aproximando-se de um outro que está ferido, necessita ser cuidado, numa ou mais dimensões

6 DGS. O Voluntariado em Saúde, s/d. Disponível em

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do seu ser. Essa ação, partindo de uma decisão própria, é concretizada através de trabalho pro bono porque de modo voluntário e gratuito.

O presente estudo tem por finalidade obter contributos para a elaboração de um plano de voluntariado a integrar nos cursos de licenciatura em enfermagem.

Neste sentido pretendemos, como objetivo geral, refletir sobre os contextos e o perfil ético dos enfermeiros e médicos que exercem voluntariado no âmbito da sua profissão.

Para além deste, apresentamos outros objetivos:

- Aprofundar a compreensão sobre as motivações dos enfermeiros e dos médicos para as atividades de voluntariado;

- conhecer o perfil sociodemográfico e profissional de enfermeiros e médicos que realizam atividades de voluntariado no âmbito da sua profissão;

- conhecer a perceção dos participantes sobre os contributos do voluntariado para os outros, para si próprio, para a atividade profissional e para a sociedade; - identificar valores e princípios éticos e bioéticos que envolvem a prática do

voluntariado de enfermeiros e médicos no âmbito das suas profissões.

No sentido de dar resposta aos objetivos a que nos propomos, estruturamos o presente trabalho em quatro capítulos:

No Capítulo 1, O voluntariado como praxis de cidadania, fazemos o enquadramento histórico-social do voluntariado, com particular ênfase no contexto português; incluímos o seu enquadramento legal, nacional e internacional, e referimo-nos ainda a diferentes áreas de intervenção em voluntariado, com particular relevo na área da saúde.

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Ao abordar o tema do voluntariado, pareceu-nos imprescindível proceder ao seu prévio enquadramento ético. Assim, no Capítulo 2, Enquadramento ético do voluntariado, focamo-nos nos princípios éticos e bioéticos que nos parecem subjacentes à prática de voluntariado, concretamente em enfermeiros e médicos, foco da nossa atenção e estudo.

Neste capítulo damos especial relevância à filósofa contemporânea Adela Cortina, dada a sua intervenção e pensamento na perspetiva de uma ética cívica. No âmbito das atividades de carácter humanitário, concretizadas pelo agir da pessoa em intervenções de cidadania e com envolvimento de instituições/organizações da sociedade civil, o seu pensamento filosófico surge como pertinente neste contexto.

No Capítulo 3, A atividade de voluntariado realizada por enfermeiros e médicos, vamos explanar os procedimentos metodológicos utlizados para o desenvolvimento do presente estudo, nomeadamente as estratégias utilizadas para a recolha e tratamento dos dados, os resultados obtidos, bem como a sua análise e discussão, recorrendo a outros estudos de investigação e a autores de referência nesta área.

No Capítulo 4, Principais conclusões e implicações do estudo, como o próprio nome indica, serão apresentadas as conclusões globais da investigação e o perfil ético dos enfermeiros e médicos, nossos participantes, que experienciam a prática de voluntariado no âmbito da sua profissão. Para além destas, serão tecidas considerações sobre a implicação do estudo, para o futuro, no seio da comunidade académica em enfermagem.

Seguir-se-á a conclusão do trabalho, a apresentação da bibliografia de suporte ao constructo teórico e empírico do estudo, terminando com a apresentação de documentos, em anexo. Estes incluem, para além de outros documentos, os quadros relativos à análise de

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conteúdo, nomeadamente com as unidades de registo que levaram à categorização efetuada, em ambas as etapas do estudo.

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1 - O VOLUNTARIADO COMO PRAXIS DE CIDADANIA

«O voluntariado, como iniciativa social de apoio à comunidade, tem-se tornado um eixo de detem-senvolvimento das sociedades modernas. Acompanhando esta evolução, também em Portugal, tem-se assistido a um crescendo de projectos e iniciativas de voluntariado, acompanhado por uma valorização pública»7.

O voluntariado é um conceito que integra a realização de ações de caráter humanitário por parte dos cidadãos, implicando compromisso e ausência de remuneração. Tem origem no termo voluntas, voluntarius8 que deriva do latim, pressupõe ação livre da pessoa, facto que constitui a expressão de exercício de cidadania ativa e solidária.

Neste sentido, poderemos afirmar que a pessoa voluntária é aquela que, de modo desinteressado, assume um compromisso, age em prol do bem-estar do outro, não por dever ou por obrigação, mas sim por vontade própria e livre. Inserida na comunidade, esta pessoa compreende a necessidade de equidade social, tornando-se membro ativo, através do exercício de generosidade solidária para com os outros e contribuindo para o bem comum. Constitui assim um modo de ser e de viver como cidadão, traduzido em disponibilidade e proximidade ao outro.

7 O Voluntariado em Saúde. Informação disponível em

https://www.dgs.pt/participacao-da-sociedade-civil/actividades-e-projectos/voluntariado-em-saude.aspx

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Na perspetiva de Pangrazzi9, há alguns requisitos que caraterizam o voluntariado: a

gratuidade, a solidariedade, a criatividade e o espírito de serviço. Pressupõe continuidade, considerando que não é uma ação isolada que faz da pessoa um voluntário. Esta é uma das características associadas ao conceito, que também está implícita no enquadramento jurídico do voluntariado português que, adiante, será explorado.

Maioritariamente, ao voluntariado estão associadas organizações e instituições promotoras de voluntariado. Estas estão inseridas no denominado terceiro setor ou setor não profissional, isto é, entidades com estrutura organizacional e administrativa, de responsabilidade social e sem fins lucrativos, tais como as Organizações Não-Governamentais (ONG’s) que também integram as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e as Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD’s), que podem ter cariz laico ou religioso e, por vezes até, estabelecer parcerias com o Estado, empresas ou grupos empresariais.

Este tipo de instituições/organizações tem como finalidade a solidariedade e a solicitude para com o outro, envolvendo esforços para o bem comum, realizando projetos com caráter humanitário na comunidade onde estão inseridas, no seu país ou na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como acontece em algumas organizações portuguesas; poderão ter também intervenção de âmbito internacional ou noutros locais com necessidades especiais, tais como em situação de catástrofe ou de emergência humana, social e até mesmo ambiental.

9 PANGRAZZI, A. - Voluntariado Sociosanitario, 2009, p.1875. Texto original espanhol: «Analizando la definición, se

pueden extrapolar algunos requisitos de fondo que califican el voluntariado: la gratuidad, la solidaridad, la disponibilidad, la creatividad, el espíritu de colaboración y la continuidad de prestaciones».

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Às ONG’s e ONGD’s está muitas vezes associada a implementação de programas de ajuda humanitária, em países do terceiro mundo ou em vias de desenvolvimento, por determinado período de tempo, geralmente não inferior a três ou seis meses ou até mesmo um ano. Previamente constituem-se equipas multidisciplinares coesas que interrelacionam áreas como a gestão, a educação e a saúde, entre outras; envolvem pessoas do país de origem e que por vezes se associam a profissionais do país ou do local geográfico alvo da intervenção. Geralmente os programas incluem a criação de infraestruturas, de saneamento e de água potável, a educação da população, a vigilância da saúde, a prevenção de doenças, a intervenção em cuidados de saúde e no fornecimento de equipamento ou de medicamentos, ou até mesmo na formação de profissionais, entre outras atividades.

O voluntariado envolve múltiplos setores sociais, a saúde, a educação, o ambiente, a religião, a cultura e o desporto; abrange atividades de caráter laico ou religioso, desenvolvidas por pessoas da sociedade civil e de empresas. De modo individual, associativo ou em grupo, benévola e gratuitamente, os voluntários oferecem à comunidade o seu tempo, as suas capacidades e competências, o trabalho e eventualmente outros meios de que dispõem, como expressão de solidariedade para com os outros e tendo em atenção o bem comum. No entanto, há também instituições/organizações que, para além das pessoas voluntárias, têm alguns funcionários remunerados que asseguram algumas das suas estruturas e serviços.

As ações de voluntariado constituem momentos de relação com os outros, de modo direto ou indireto, que se baseiam em valores como a solidariedade, a justiça, a integração e a não discriminação da pessoa. À pessoa que exerce voluntariado estão adstritos direitos e também deveres. Contudo não se deve esquecer de referir, muito particularmente, o

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desenvolvimento pessoal do voluntário porque promove capacidades intrínsecas, colocando-as ao serviço mútuo. Por isso se considera importante o envolvimento do cidadão ncolocando-as atividades da sociedade civil, estando em relação com o outro, para que contribua, de modo ativo e responsável, nas atividades da vida social.

De acordo com as capacidades, competências, idade, condição física e disponibilidade, a pessoa pode contribuir para o bem da sociedade em que está inserida, exercendo deste modo o seu dever como cidadão e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

Mas a atividade voluntária pressupõe a vontade pessoal e autónoma, de abertura e de atenção ao outro no respeito pela sua individualidade, dignidade, liberdade e até mesmo pela diferença. Implica disponibilidade, responsabilidade, compromisso, cumprimento de direitos e de deveres, criatividade e iniciativa individual, para além do imprescindível trabalho em equipa, particularmente se o voluntariado é integrado e desenvolvido a partir de instituições ou organizações.

No entanto, a atividade voluntária não é algo que se realize de qualquer modo. Necessita de ser consolidada e realizada por pessoas com formação humana, social e relacional, para além de outras competências necessárias face ao âmbito e ao contexto de intervenção.

Para a existência de um corpo de voluntários consistente, motivado e eficaz, é necessária uma formação específica, dirigida às pessoas que manifestam vontade para o exercício de voluntariado; esta formação deve ter em conta o tipo de atividade que se

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pretende ou que está a desempenhar. Segundo Pangrazzi10, a formação para o voluntário que

vai intervir na área da saúde deve incluir três níveis: a formação de base, em que há um contacto com a realidade do voluntariado, concretamente no mundo da saúde; conhecer as áreas de intervenção e o papel do voluntário, a necessidade de humanização, a relação empática e a escuta; a formação específica no âmbito do saber, saber ser e saber estar com a pessoa doente e seus familiares, a identificação de necessidades, o cuidar, a estreita ligação com o sofrimento e a dor, até mesmo no confronto com a morte; como terceiro nível, a formação permanente, com a finalidade de melhor qualificação do voluntário e a necessidade de atualização contínua de conhecimentos, de estratégias de relação de ajuda para com o outro. Igualmente é fundamental a formação adequada para os gestores de grupos ou de programas de voluntariado, para que se obtenham resultados eficientes, adequados às necessidades da comunidade e às caraterísticas da população alvo.

No entanto, se a formação se destina à população em geral e no âmbito da educação para a cidadania, também pode constituir um meio de sensibilização para a necessidade de voluntariado. Este tipo de atividade é passível de ser realizado por pessoas em qualquer faixa etária apesar de, legalmente e em Portugal, a atividade voluntária formal só poder ser desenvolvida por cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos.

O voluntariado pode ser formal ou informal. O voluntariado formal envolve instituições ou organizações de promoção de voluntariado que, em Portugal, estão inscritas no Conselho Nacional de Promoção de Voluntariado, adiante denominado por CNPV. Por outro lado, voluntariado pode ser informal ou espontâneo, quando as ações de ajuda

10 PANGRAZZI, A. - Voluntariado Sociosanitario, 2009, p.1877. Texto original: «La formación del voluntario abraza tres

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decorrem de relações de proximidade ou de vizinhança como, por exemplo, apoio em situações de emergência humanitária, ou outras, de âmbito social ou económico.

Uma outra caracterização inclui o voluntariado integrado e o não integrado, mesmo que formal ou organizado. O voluntariado integrado, como é exemplo o voluntariado hospitalar, constituído por pessoas que promovem o acompanhamento a pessoas internadas ou em tratamento ambulatório nas instituições de saúde. Este tipo de atividade inclui a visita a doentes e apoio a pais de crianças internadas, o apoio espiritual ou outra atividade simples que não exija a presença dos profissionais de saúde. O voluntariado não integrado envolve muitos voluntários com atividade regular, tal como são exemplo as Conferências de São Vicente de Paulo. Estas, inseridas nas comunidades paroquiais, têm intervenção socioeconómica e humanitária.

Em Portugal, são considerados voluntários os que integram instituições/organizações inscritas no CNPV.

Múltiplas podem ser as razões que levam a pessoa à atividade voluntária e incluem as de índole pessoal, social, religiosa ou até outra mas, para Pangrazzi11, as motivações são

o coração da pessoa. Tais motivações têm que ter relação com os valores e a sua vivência, valores que mais adiante serão explorados.

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1.1 - ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DO VOLUNTARIADO

Historicamente, o voluntariado reporta-se a tempos longínquos em vários locais do mundo. Tem como época marcante o séc. XIX12, altura em que emergem organizações de

voluntariado de âmbito sindical e político, cooperativo e mutualista, com intervenções a nível social, educativo e da saúde, quer de origem laica, quer através de instituições religiosas.

Na verdade, desde a origem do cristianismo e particularmente da Igreja Católica, iluminada pelos exemplos e ensinamentos de Jesus Cristo, ao longo da história da humanidade, multiplicam-se exemplos de exercício da caridade para com os doentes e os necessitados. É vasto o número de ordens religiosas cristãs que se dedicam ao serviço do outro vulnerável, que vivencia o sofrimento, a solidão, a exclusão familiar, social ou de outra origem. A intervenção concreta tem então como objetivo minimizar e ultrapassar a dificuldade em que se encontra.

Em Portugal há registo histórico de alguns acontecimentos relacionados com a vida social e a atividade voluntária que remontam ao séc. XIV, concretamente associados à origem dos bombeiros e à sua nobre função de combate a incêndios. Este marco tem como referência a publicação da Carta Régia de D. João I em agosto de 1395 ao determinar que todos os habitantes de Lisboa, homens e mulheres, tinham de acorrer em socorro, munidos de machados, cântaros, potes e outros instrumentos que facilitassem o combate ao fogo13.

A resposta a este apelo atualmente denomina-se por solidariedade e dever de cidadania.

12 CATARINO, A. - Voluntariado - Uma leitura da experiência, 2003, pp.9-15. 13 Disponível em: http://voluntariado.ump.pt/ump/

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Em 1498 surge em Portugal, então sob a regência da Rainha D. Leonor, a primeira Misericórdia, a de Lisboa, denominada Confraria de Lisboa ou Confraria da Misericórdia14,

criada para assistir pessoas pobres e doentes que se encontravam dispersas pelas ruas da cidade e que, mesmo depois da morte, não tinham ninguém para lhes preparar a sua última morada.

Esta instituição, fundada pela Rainha D. Leonor, deu posteriormente origem a outros estabelecimentos semelhantes em diversos locais do território português emergindo, deste modo, as Misericórdias Portuguesas, instituições de beneficência como expressão da caridade para com o próximo.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), de inspiração cristã, está baseada nas catorze Obras de Misericórdia que, de algum modo, estão implícitas no objetivo da sua fundação, uma vez que esta tem por finalidade praticar a caridade para com as pessoas vulneráveis, concretamente as que apresentam carências alimentares, sociais e/ou de saúde e também as que são marginalizadas pela sociedade. Vale a pena lembrar o conteúdo dessas catorze obras de misericórdia; as sete corporais são: dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; visitar os enfermos; visitar os presos; enterrar os mortos. As sete espirituais são: dar bons conselhos; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram; consolar os tristes; perdoar as injúrias; suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo; rezar a Deus pelos vivos e defuntos.

Entre os séculos XV e XVII, quer na cidade do Porto quer em Lisboa, várias foram as iniciativas oriundas das respetivas Câmaras quer para a vigilância da população quer para

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a certificação de que o lume das casas de habitação estava apagado durante a noite; foram distribuídos machados e outros instrumentos aos carpinteiros para o combate a incêndios que, na época, eram essencialmente de origem urbana. No entanto, é a partir do séc. XIX, concretamente em 1868, que foi formalmente criada a Companhia de Voluntários Bombeiros de Lisboa que, em 1880, adquire a denominação de Associação de Bombeiros Voluntários uma vez que é constituída como instituição15. O associativismo de carácter religioso ou

político, também surge nos séculos XVI e XVII na Europa, na América do Norte e na América Latina.

Em 1859, na Suíça, Jean Henry Dunant fundou uma organização de caráter humanitário, imparcial e de cariz voluntário, decorrente da necessidade de apoio e assistência a milhares de soldados feridos na Batalha de Solferino16. Como pessoa que

assistiu a esta batalha e prestou a assistência possível com o envolvimento de diversas pessoas locais, criou a organização que denominou por Comité Internacional para ajuda aos militares feridos; posteriormente esta entidade foi designada por Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), com sede em Genebra, conhecida atualmente por Cruz Vermelha Internacional.

Longe vão os anos em que esta organização está presente a nível internacional, com grande impacto de âmbito social e na saúde, concretamente em situações de socorro, relacionadas com catástrofes naturais ou decorrentes de conflitos armados em que, independentemente da sua origem, se tornam emergentes o apoio humanitário e a luta pela manutenção dos direitos humanos. Este organismo é parte integrante do Movimento

15 cf História dos bombeiros portugueses. Disponível em: http://www.bombeiros.pt/historial/historial.html

16 Segunda Guerra para a Independência Italiana, travada no norte de Itália entre o exército austríaco e tropas francesas, em

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Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, instalado em diversos países, assumindo a designação de Cruz Vermelha do respetivo país; em cada um desses existem múltiplas delegações regionais. Esta organização existe para «minorar o sofrimento das pessoas»17.

O símbolo que se utiliza, desde 1863, é deveras conhecido: cruz de cor vermelha inscrita em fundo branco; a cor da cruz significa o sangue que foi derramado na Batalha de Solferino. A título de curiosidade, este símbolo tem semelhança com a bandeira suíça, mas com inversão das cores, por corresponder à nacionalidade do seu fundador.

A Cruz Vermelha Portuguesa, adiante identificada por CVP, foi fundada em 1865 após a participação do Dr. José António Marques na Convenção de Genebra de 1864. Este tornou-se o fundador da organização em Portugal, então designada por «Comissão portuguesa de socorros a feridos e doentes militares em tempo de guerra»18. Nessa época

conturbada, concretamente a partir de agosto de 1866, a organização adquire a denominação de «Comissão Provisória para Socorros a Feridos e Doentes em Tempo de Guerra»19 com

a nomeação do primeiro presidente. Curiosamente a data coincidiu com a promulgação da Carta de Lei que ratificou a então Convenção de Genebra de 1864.

A CVP está integrada no Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, com quem partilha o conhecimento e segue as orientações internacionais nas áreas formativa e de intervenção. Tem por missão «prestar assistência humanitária e social,

17 PINTO, M. - A Delegação do Porto da Cruz Vermelha Portuguesa, 1997, p.33. 18 Idem, p.12.

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em especial aos mais vulneráveis, prevenindo e reparando o sofrimento e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da dignidade humana»20.

Ao longo da história, esta organização tem tido múltiplas intervenções na área da saúde, não só no apoio a feridos e a doentes militares, mas também a pessoas civis, vítimas de pandemias e em diversos pontos do território nacional. Em 1897 emerge a necessidade de implementar delegações regionais, sendo a primeira instalada na cidade do Porto, nesse mesmo ano.

A CVP é uma organização humanitária de grande relevo na sociedade portuguesa, quer decorrente da sua intervenção no socorro às populações, intervindo também em situação de catástrofes naturais no território continental e nas regiões autónomas, mais intensamente nos Açores, quer no acompanhamento e transporte de pessoas doentes, no apoio a pessoas sem-abrigo, a reclusos e a múltiplas situações de vulnerabilidade, associando a prestação de serviços e a de cuidados de saúde. Inclui o apoio domiciliário, serviços de teleassistência para idosos e para pessoas dependentes no domicílio visando a sua segurança através de monitorização à distância, entre muitas outras atividades dirigidas a pessoas em qualquer fase do percurso vital.

No âmbito formativo e educacional, esta mesma organização tem implementado, ao longo de vários anos, cursos de socorrismo para a população em geral, para colaboradores no mundo empresarial e, na área profissionalizante, cursos destinados a tripulantes de ambulância e a técnicos de socorrismo, incluindo ainda cursos para recertificação destes profissionais ou voluntários. Os cursos que leciona têm certificação nacional e internacional.

20 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 281/2007 de 7 de agosto. DR I Série, Nº 151, 7 de agosto de 2007. Estatutos da Cruz

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Ainda na área de formação, mas com outro impacto, a CVP é entidade instituidora da Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa em Oliveira de Azeméis e, em Lisboa, da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, onde são lecionados diversos cursos de formação superior em saúde integrados no Ensino Superior Politécnico.

Para além destas áreas de formação e de intervenção, a CVP tem, em Lisboa e sob a sua direção, o Hospital da Cruz Vermelha e o Lar Militar da Cruz Vermelha Portuguesa, sendo este destinado a adultos portadores de deficiência física grave associada ao exercício militar.

Ao longo da sua história de 150 anos, esta instituição tem-se envolvido em projetos e estalecido parcerias com algumas empresas, com finalidades diversas incluindo o apoio aos mais vulneráveis, visando o patrocínio de eventos, a angariação de fundos ou até mesmo a participação de gestores e de colaboradores nas atividades que desenvolvem, também eles como voluntários. De acordo com a informação disponível21, a CVP tem cerca de 10 000

voluntários com intervenção em cerca de 100 000 pessoas.

Também em Portugal, mas em finais do séc. XIX, surgiu um movimento mutualista, legalmente regulamentado em 1891, através da publicação da primeira lei mutualista22,

reformulada em 1896, que permitia a constituição de associações por classe profissional. Formam-se então as Associações de Socorros Mútuos. No entanto, só a partir do séc. XX é que proliferam na sociedade portuguesa os movimentos e as organizações com finalidade solidária, formados a partir da constatação de carências da população, quer relacionadas com

21 Voluntariado da Cruz Vermelha. Disponível em: http://www.cruzvermelha.pt 22 PORTUGAL. Decreto de 9 de maio de 1891.

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situações de emergência na saúde, quer de âmbito social; existe ainda o apoio à pessoa idosa e a atribuição de um subsídio de funeral ao familiar sobrevivente.

Ainda em Portugal e concretamente a partir da década de 80 do séc. XX, houve incentivo a atividades de voluntariado e emergem iniciativas em diversas áreas. Surge a regulamentação das denominadas Instituições Particulares de Solidariedade Social, adiante denominada por IPSS que, propostas por iniciativa de particulares e sem fins lucrativos, têm por finalidade o apoio a pessoas com necessidades em saúde, sociais ou outras, assim como a prestação de serviços à comunidade23; estas últimas suas atividades recebem apoio

financeiro de entidades governamentais, concretamente no âmbito da Segurança Social. Neste tipo de instituições impera a necessidade de trabalhadores remunerados, em substituição parcial de pessoas voluntárias, apesar de se manter ainda a necessidade de pessoas que, em regime de voluntariado, complementam algumas das atividades iniciadas. Nestas se inclui o acompanhamento e o diálogo com os utentes, o desenvolvimento de atividades lúdicas que por vezes também têm cariz terapêutico e que, em algumas instituições, dificilmente seriam executadas por profissionais.

Há ainda outras situações em que se torna necessária a realização de determinadas atividades no seio da comunidade, levadas a efeito por pessoas voluntárias, e que incluem campanhas de sensibilização e de angariação de alimentos, de fundos materiais e de outros meios, apoio a pessoas sem-abrigo, assim como atividades de prevenção na área da saúde e de comportamentos de risco.

23 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 119/83 de 25 de fevereiro. DR I Série, Nº 46, 25 de fevereiro de 1983. Várias reformulações

ao estatuto das IPSS, sendo a última publicada através da Lei nº 76/2015 de 28 de julho. DR I Série, Nº 145, 28 de julho de 2015.

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Na sociedade portuguesa emergem também novos domínios do voluntariado relacionados quer com a luta pelos direitos humanos, quer com a necessidade de cooperação para o desenvolvimento local, quer ainda na CPLP e relacionados com a imigração para o território nacional português. Este tipo de atividade implica a mudança e ajustes culturais da sociedade bem como integração dos migrantes, para além da preocupação pela defesa do ambiente, da natureza e do património, entre outros. Mantêm-se em paralelo as atividades voluntárias até então realizadas, tais como as de âmbito social, educativo, da saúde, do desporto e recreio, da religião, da proteção civil, do sindicalismo e da política, assim como ações relacionadas com as coletividades locais e o associativismo em diversas áreas, como é bem o exemplo da atividade levada a efeito por movimentos ditos juvenis24 e por

corporações de bombeiros voluntários, entre outras instituições/organizações.

Em 2002 surgem em Portugal os Bancos Locais de Voluntariado (BLV), que atualmente estão implementados em todo o país e vários por distrito. De modo organizado, as organizações promotoras de projetos de voluntariado colocam ao dispor da comunidade as necessidades de intervenção voluntária, possibilitando, de modo interativo e através das redes sociais, para que qualquer pessoa interessada se possa candidatar, de acordo com a sua preferência quanto ao tipo de atividade e local de ação. Deste modo, existe como que uma ponte entre quem necessita de ajuda e quem a quer dar, integrando assim os seus interesses, as suas capacidades e competências pessoais e profissionais, com a sua motivação e o tempo disponível. É uma forma rápida e eficiente de a pessoa se colocar ao dispor da comunidade, indo ao encontro das necessidades de trabalho voluntário.

24 Incluímos o Corpo Nacional de Escutas, a Associação dos Escoteiros de Portugal e a Associação Guias de Portugal, uma

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1.2 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO VOLUNTARIADO

A atividade voluntária tem subjacente um conjunto de documentos oficiais e legais quer de âmbito nacional quer internacional, alguns dos quais envolvendo diversos países em simultâneo. Entre eles, destacamos os que provêm da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

A Organização das Nações Unidas, adiante designada por ONU, foi criada em 1945, após o final da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de promover e manter a paz e a segurança internacionais. Portugal aderiu a esta organização dez anos mais tarde, em 1955, pelo que, desde então, tem um grupo de missão constituído e um representante permanente junto das Nações Unidas, em Nova Iorque. Atualmente, o secretário-geral da ONU é português, facto que muito nos honra. A Assembleia Geral da ONU, atualmente constituída por representantes de 19325 Estados membros, é um órgão deliberativo. Tem exercido

influência muito significativa com repercussão mundial, no sentido da cooperação internacional, alertando para a necessidade de atividades de voluntariado em diversos setores da sociedade e contribuindo para a minimização de injustiça social e para a harmonia das sociedades.

É a partir das orientações deste organismo que, em diversos países, têm surgido múltiplas iniciativas e a necessidade de existir enquadramento jurídico específico para o exercício de voluntariado.

25 Site oficial da ONU: http://www.un.org/

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O Programa de Voluntariado das Nações Unidas26, criado pela Assembleia Geral das

Nações Unidas em 197027, estabelece parcerias com os governos, as agências da ONU do

respetivo país, as ONG’s e outras instituições, visando o apoio a ações de paz nas nações, mobilizando ações de socorro e de promoção de desenvolvimento em cerca de 140 países28.

Tem por objetivo a cooperação para o desenvolvimento da população e das nações, aproveitando as competências, as capacidades e os recursos das diferentes comunidades, reforçando para tal a importância da atividade de voluntariado e implementando programas mais adequados a cada contexto. Estes são monitorizados e muitas vezes subsidiados por organismos internacionais, tais como a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), a Organização Internacional de Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), a United Nations Children’s Fund (UNICEF), o Banco Mundial, entre outros.

Ao longo dos anos têm-se multiplicado as iniciativas de voluntariado com origem na Assembleia Geral das Nações Unidas, divulgadas através da publicação de diversos documentos, motivando e envolvendo a sociedade civil dos diversos países membros. A título de exemplo, adiante são enunciadas algumas, com reflexo em iniciativas de âmbito internacional, com empenhamento dos Estados-Membros e envolvendo pessoas da sociedade civil e da vida empresarial.

Há marcos internacionais que influenciaram a atividade voluntária, com repercussão também em Portugal:

26United Nations Volunteers. O programa prevê a promoção de ações de voluntariado e mobilização de voluntários que

aderem aos programas.

27 Disponível em http://www.un.org/es/globalissues/volunteerism/

28 Disponível em http://www.un.org/es/globalissues/volunteerism/. Texto original: «apoya la paz, ofrece socorro y

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– No final do ano de 1985, a ONU29 convida os governos dos países-membros a celebrar, anualmente, o dia 5 de dezembro como Dia Internacional dos Voluntários para o Desenvolvimento Económico e Social, bem como desenvolver esforços para a promoção do voluntariado no seu país.

– Baseada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 e na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, os voluntários reunidos em Paris, na 11ª Conferência Bienal da International Association for Volunteer Effort (IAVE), definiram os princípios fundamentais do voluntariado, compilados na Declaração Universal do Voluntariado30.

Em Portugal, a existência de legislação que de algum modo incida na atividade de âmbito social e voluntária, data do ano de 1989 e é relativa à «protecção integral da população portuguesa face aos riscos sociais»31. O objetivo deste decreto-lei centrava-se na

instituição de «um único regime facultativo de segurança social - o seguro social voluntário»32, como «regime contributivo de carácter facultativo que visa garantir o direito

à Segurança Social das pessoas»33 não integradas no regime contributivo e que, entre outras

situações, desenvolviam atividades relevantes de cariz social e humanitário. Posteriormente, este documento foi objeto de adaptação ao voluntariado34.

29 UNITED NATIONS. A/RES/40/212, 17 de dezembro de 1985. Fortieth Session, 1986, p.172.

30 IAVE, 14 de setembro de 1990. «Preâmbulo: 1 - Os voluntários, inspirados na Declaração Universal dos Direitos do

Homem de 1948 e na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, consideram o seu compromisso como um instrumento de desenvolvimento social, cultural, económico e do ambiente, num mundo em constante transformação. Fazem seu o princípio de que Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião e associação pacífica».

31 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 40/89 de 1 de fevereiro. DR I Série, Nº 27, 1 de fevereiro de 1989. 32 Idem, p.416.

33 Idem, Capítulo I, Artigo 1º, p.416.

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No entanto, em 1993, surgiu legislação portuguesa diretamente relacionada com o trabalho voluntário, mas direcionada para o voluntariado jovem e que, de modo sequencial, se passa a identificar:

– Para além do «enquadramento de projectos de solidariedade, de natureza social ou cultural, com incidência no território nacional, bem como o regime aplicável aos jovens voluntários que neles se integrem»35, define os termos áreas de

voluntariado, projetos e entidades que promovam atividades de índole voluntária;

– Medidas para a concretização de ações e da proteção de jovens voluntários no âmbito do desenvolvimento em países africanos, através da definição do «enquadramento de projectos de cooperação para o desenvolvimento a estabelecer com os países africanos de língua oficial portuguesa, no âmbito das políticas de cooperação»36, para cidadãos portugueses com idades

compreendidas entre 18 e 30 anos a intervir nesses países;

– Regulamento de Execução do Voluntariado Jovem para a Solidariedade37, relacionado com a legislação anterior, referindo-se aos projetos e sua duração, requisitos para a sua candidatura, entre outros;

– Regulamento de Execução do Voluntariado Jovem para a Cooperação38, igualmente relacionada com a legislação referida anteriormente, apresentando os

35 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 168/93 de 11 de maio. DR I Série-A, Nº 109, 11 de maio de 1993, p.2475. 36 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 205/93 de 14 de junho. DR I Série-A, Nº 137, 14 de junho de 1993, p.3163. 37 PORTUGAL. Portaria nº 685/93 de 22 de julho. DR I Série-B, Nº 170, 22 de julho de 1993, p.3967. 38 Idem, p.3968.

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requisitos para o processo de candidatura a projetos e regras para a sua implementação, formação, direitos e deveres dos candidatos aos projetos. No entanto, o motor para o empenhamento do Estado português face à atividade de voluntariado por parte do cidadão, parece ter emergido a partir de 1997, ano em que, por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas39, em que participaram representantes de

123 países, entre eles Portugal, é definido o ano de 2001 como Ano Internacional dos Voluntários. Esta iniciativa visa o envolvimento dos Estados-Membros, ao desenvolvimento e implementação de programas de promoção do voluntariado, atividades com a participação dos cidadãos, incluindo pessoas idosas e com deficiência. Incentiva ao envolvimento de entidades oficiais e privadas e de meios de comunicação adequados à divulgação de eventos, para que contribuam para o desenvolvimento social das comunidades. Pretende ainda melhorar o reconhecimento do trabalho voluntário, bem como envolver esforços para a preparação e a celebração do Ano, de modo a «facilitar, coordenar e promover»40 atividades

de voluntariado a nível local, nacional e internacional. Como estado membro, Portugal aderiu ao desafio.

Com origem no Parlamento Europeu e no Conselho da União Europeia (UE), é criado o programa comunitário de ação denominado «Serviço Voluntário Europeu para Jovens», «relativo às actividades de serviço voluntário europeu no interior da Comunidade e em países terceiros, para os jovens que residam legalmente num Estado-membro»41, a adotar

entre 1 de janeiro de 1998 e 1 de dezembro de 1999.

39 UNITED NATIONS. A/RES/52/17, 20 de novembro de 1997.

40 Idem, ponto 2. Texto original: «(…) organisations communautaires à collaborer en vue de définir les moyens de mieux

faire connaître, faciliter, coordonner et promouvoir le volontariat, dans le cadre des préparatifs et de la célébration de l'Année».

41 JORNAL OFICIAL das CE. Decisão Nº 1686/98/CE, 20 de julho de 1998. JO L 214/1-6, 31 de julho de 1998, Artigo

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Nesse mesmo ano e com origem na Assembleia da República Portuguesa, foi aprovada a lei que estabelece as bases do enquadramento jurídico do voluntariado42 (Anexo

I) que «visa promover e garantir a todos os cidadãos a participação solidária em ações de voluntariado e definir as bases do seu enquadramento jurídico»43 em Portugal. O documento

apresenta algumas definições de conceitos, tais como o de voluntariado e de voluntário. Quanto ao primeiro, o voluntariado é definido como «o conjunto de ações de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas»44.

Analisando o documento, verificamos que se exclui o denominado voluntariado não dirigido, isto é, a atividade voluntária realizada de modo esporádico e espontâneo, por pessoas não associadas a instituições/organizações, atividade que parece corresponder a grande parte do de trabalho voluntário em Portugal.

No que se refere ao segundo termo, voluntário, é definido como o «indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de voluntariado no âmbito de uma organização promotora»45.

Para além de definir conceitos, o mesmo documento também descreve os princípios orientadores para a atividade voluntária, incluindo os direitos e os deveres dos voluntários46,

bem como o estabelecimento de regras nas relações entre o voluntário e as organizações

42 PORTUGAL. Lei nº 71/98 de 3 de novembro. DR I Série-A, Nº 254, 3 de novembro de 1998. 43 Idem, Artigo 1º, p.5694.

44 Idem, Artigo 2º, ponto 1, p.5694.

45 PORTUGAL. Lei nº 71/98 de 3 de novembro. DR I Série-A, Nº 254, 3 de novembro de 1998, Artigo 3º, ponto 1, p.5694. 46 Idem, Capítulo III, Artigos 7º e 8º, pp.5694-5695.

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promotoras de voluntariado, quer no âmbito do planeamento quer na implementação de programas de voluntariado, conforme descrição no Capítulo IV. São ainda enumerados os princípios que estão na base da atividade voluntária, como o «da solidariedade, da participação, da cooperação, da complementaridade, da gratuitidade, da responsabilidade e da convergência»47, especificando também o conceito subjacente a cada um deles.

Em 1997 é publicado o Tratado de Amesterdão48, posteriormente ratificado por

Portugal49,50, «que altera o Tratado da União Europeia (…), bem como a Acta Final com as

declarações»51, outrora assinado em Amesterdão. Neste documento reconhece-se o valor do

voluntariado «para o desenvolvimento da solidariedade social (…) das organizações de voluntariado, destacando especialmente o intercâmbio de informação e experiências, bem como a participação dos jovens e dos idosos nas actividades de voluntariado»52.

No nosso país é regulamentada53 a Lei nº 71/98, emanada do Ministério do Trabalho

e da Solidariedade. São definidas as condições para promover e apoiar o voluntariado, os «instrumentos operativos que permitam efectivar direitos dos voluntários e promover e consolidar um voluntariado sólido, qualificado e reconhecido socialmente»54, sendo

relevada a importância da atividade de voluntariado e a necessidade de empenhamento da sociedade civil. Este documento cria o Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado (CNPV), define o âmbito das suas competências e atribuição de responsabilidades na

47 PORTUGAL. Lei nº 71/98 de 3 de novembro. DR I Série-A, Nº 254, 3 de novembro de 1998, Capítulo II, Artigo 6º,

ponto 1, p.5694.

48 UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Amesterdão, 1997.

49 PORTUGAL. Decreto nº 65/99 de 19 de fevereiro. DR I Série-A, Nº 42, 19 de fevereiro 1999, p.864. 50 PORTUGAL. Resolução nº 7/99 de 19 de fevereiro. DR I Série-A, Nº 42, 19 de fevereiro 1999. 51 Idem, Artigo 1º, p.864.

52 UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Amesterdão, 1997, ponto 38, p.139.

53 PORTUGAL. Decreto-Lei nº 389/99 de 30 de setembro. DR I Série-A, Nº 229, 30 de setembro de 1999. Regulamenta a

Lei nº 71/98 de 3 de novembro, cria o Conselho Nacional de Promoção de Voluntariado e define as suas competências, pp.6694-6698.

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