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4º Seminário de Relações Internacionais: As Diretrizes Curriculares Nacionais e seus impactos para as Relações Internacionais no Brasil

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Academic year: 2021

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1 4º Seminário de Relações Internacionais: As Diretrizes Curriculares Nacionais e

seus impactos para as Relações Internacionais no Brasil Foz do Iguaçu, 27 e 28 de setembro de 2018.

Área temática: Análise de Política Externa

O PRESIDENTE E SEU PARTIDO IMPORTAM: O PAPEL DA DIPLOMACIA PRESIDENCIAL E DOS PARTIDOS DOS PRESIDENTES NA ATUAÇÃO DO

BRASIL PARA A CONSTRUÇÃO DA PAZ EM ANGOLA E MOÇAMBIQUE (1995 - 2010)

Autora: Thaíse Kemer

Universidade Federal do Paraná (UFPR)

CURITIBA 2018

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2 RESUMO

Ainda que a Análise Política Externa (APE) seja considerada uma subárea consolidada das Relações Internacionais, sua aplicação no contexto da atuação externa do Brasil para a construção da paz se encontra em fase de desenvolvimento no país. O conceito de construção da paz, criado por Johan Galtung, evidencia a paz como sinônimo não apenas da cessação de conflitos violentos, mas também da presença de condições estruturais que viabilizem o desenvolvimento, o qual é considerado imprescindível para assegurar uma paz duradoura. Assim, para contribuir com os esforços acadêmicos relacionados à APE e aos Estudos para a Paz, o presente artigo analisa o papel da diplomacia presidencial e dos partidos dos presidentes no âmbito das iniciativas do Brasil para a construção da paz em países africanos lusófonos. Para tanto, analisam-se os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luís Inácio Lula da Silva relativamente às iniciativas do Brasil para a construção da paz em Angola e em Moçambique, entre 1995 e 2010. A metodologia da pesquisa promove: (1) um debate teórico sobre o conceito de diplomacia presidencial; (2) uma revisão teórica sobre o papel dos partidos políticos para a política externa e; (3) a análise de fontes primárias sobre projetos de cooperação brasileiros em Angola e Moçambique disponíveis na base de dados “Concórdia”, do Ministério das Relações Exteriores, com vistas a elucidar a relação entre as variáveis “diplomacia presidencial” e “partido dos presidentes” no contexto das iniciativas internacionais do Brasil para a promoção do desenvolvimento nesses países, o qual constitui meio necessário para a construção da paz. Na conclusão, o artigo evidencia que tanto a diplomacia presidencial quanto os posicionamentos partidários dos presidentes são relevantes para compreender a atuação internacional do Brasil para a construção da paz, ainda que as dimensões práticas desse conceito possam ser objeto de ulteriores debates.

Palavras-chave: Construção da Paz, Desenvolvimento, Análise de Política Externa, Diplomacia Presidencial, Partidos Políticos.

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3 Introdução

O presente artigo promove um debate que busca inter-relacionar três dimensões das Relações Internacionais: os Estudos para a Paz, a Análise da Política Externa e a Cooperação para o desenvolvimento. De forma mais específica, o trabalho avalia duas variáveis domésticas – o papel da diplomacia presidencial e dos partidos dos presidentes – no contexto das iniciativas do Brasil para a cooperação para o desenvolvimento em dois países africanos lusófonos, Angola e Moçambique, entre 1995 e 2010. Os estudos para a paz estão presentes nessa agenda de pesquisa na medida em que a cooperação para o desenvolvimento é percebida como uma forma de operacionalizar a noção de “construção da paz”. Esse conceito foi desenvolvido por Johan Galtung no contexto da Guerra Fria e seu sentido é o de compreender a paz não apenas como a ausência de conflitos violentos, como guerras civis ou conflitos bélicos interestatais, mas também como a presença de condições básicas, como o acesso à alimentação, saúde e educação, para que as pessoas desenvolvam, de forma plena, suas capacidades. Assim, o conceito de construção da paz possibilita compreender a paz tanto a partir de sua dimensão negativa – a ausência de conflitos – quanto a partir de sua agenda positiva – a criação de estruturas que viabilizem o desenvolvimento humano, o que remete, respectivamente, às noções de paz negativa e positiva, também concebidas por Johan Galtung (1969).

A noção de construção da paz foi difundida em âmbito internacional a partir do documento Uma Agenda para a Paz (A/47/277, 1992, KEMER et al, 2016), que foi publicado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas Boutros Boutros-Ghali em 1992 e, de acordo com Kemer et al (2016), levou ao estabelecimento de um novo paradigma para o engajamento de países em processos de paz. Entre outros conceitos referidos por esse documento para tratar a paz, devem ser destacado os conceitos de “manutenção da paz” e de “construção da paz”. Em linhas gerais, enquanto o primeiro termo guarda relação com o envio de tropas das Nações Unidas, popularmente conhecidas como “capacetes azuis”, para países nos quais a atuação de pessoal civil e militar pode contribuir para a manutenção do cessar-fogo e dos acordos de paz pré-estabelecidos, o conceito de construção da paz enfatizou o

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4 desenvolvimento como forma fundamental para o estabelecimento da paz (KEMER et al, 2016). Assim, conforme será discutido o presente artigo, embora o envio de tropas constitua parte das iniciativas do Brasil para a promoção da paz, a análise da contribuição do Brasil para a promoção da paz internacional com base, exclusivamente, nesse dado, revelar-se-ia incompleta, haja vista que, conforme afirma Kai Kenkel, a cooperação para o desenvolvimento do Brasil constitui, segundo Kenkel (2013, p. 16), “(…) a maior contribuição conceitual do Brasil para a construção de uma paz sustentável” (KENKEL, 2013, p. 16). Assim, o presente artigo busca, precisamente, contribuir para a compreensão das iniciativas de promoção da paz propostas pelo Brasil meio da análise de variáveis domésticas.

É nesse contexto que se insere a Análise da Política Externa (APE), uma subárea das Relações Internacionais cujo propósito é o de compreender a política externa a partir de variáveis domésticas (SALOMON e PINHEIRO, 2013, p. 41). Nesse sentido, a APE revela-se útil para operacionalizar a agenda de pesquisa proposta, haja vista que, conforme desenvolvido em trabalho anterior (KEMER e PEREIRA, 2018a), se, por um lado, construção da paz tem o desenvolvimento como premissa básica, por, outro, o desenvolvimento, no caso da política externa brasileira, pode assumir distintas conotações e implicar diferentes iniciativas em termos de políticas públicas, a depender do governo em exercício e, também, de sua orientação partidária. Assim, depreende-se que a análise da diplomacia presidencial e da orientação partidária dos presidentes revela-se central para compreender o tipo de desenvolvimento operacionalizado por diferentes líderes do Executivo e, como corolário dessa análise, obter subsídios para problematizar a agenda de política externa decorrente dessa análise. Ainda que a presença de uma agenda de desenvolvimento não implique, necessariamente, a materialização de uma agenda de construção da paz – há autores que pontuam que o Brasil não possui nem mesmo um documento guia que trate da construção da paz, a análise das iniciativas relacionadas à primeira pode fornecer valiosas ferramentas de análise da segunda, a qual é concebida, no contexto dos discursos diplomáticos do Brasil, como uma forma de promover a paz.

Nesse contexto, o período dos governos de Fernando Henrique Cardoso, ou FHC (1995 – 2002), e de Luís Inácio Lula da Silva, ou Lula (2003 –

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5 2010), foi selecionado para a análise porque, conforme Vilela e Neiva (2014, p. 70), esses governos foram os primeiros a conferir maior ênfase à ideia de diplomacia presidencial, na medida em que buscaram não apenas avançar suas respectivas agendas de política externa, mas também o fizeram por meio de suas figuras pessoais, por meio de viagens e por meio da condução pessoal de suas agendas diplomáticas. Além disso, o recorte partidário revela-se relevante para a análise, na medida em que o partido de FHC, o PSDB, e o partido de Lula, o PT, revelam orientações ideológicas distintas em termos de políticas de governo, as quais imprimiram diferentes traços no contexto das iniciativas de política externa, conforme é analisado no presente artigo (VILELA e NEIVA, 2014, p. 71).

Por fim, o recorte geográfico escolhido revela-se instrumental para o presente debate, pois, segundo a literatura, os países africanos receberam pouca atenção no governo de FHC e destacada atenção no governo de Lula. A baixa atenção dispensada por FHC relativamente a países africanos ocorreu a despeito de a fundação da Comunidade dos Países Africanos Lusófonos (CPLP), ter sido realizada no segundo ano de seu mandato, em 1996 (SARAIVA, 2010, p. 68). Foi, contudo, no governo de Lula que a dimensão africana da política externa ganhou força. Essa diferença entre os governos permite debater em que medida é possível estabelecer inter-relações entre a diplomacia presidencial e a orientação dos partidos relativamente à política externa brasileira para os países lusófonos selecionados. Além disso, segundo Milani et. al. (2016, p. 13), Moçambique e Angola estão entre os principais destinos da cooperação para o desenvolvimento empreendida pelo Brasil no contexto dos países africanos lusófonos.

Para avançar essa agenda de pesquisa, a metodologia adotada utiliza a análise de fontes primárias sobre projetos de cooperação brasileiros em Angola e Moçambique disponíveis na base de dados “Concórdia”, do Ministério das Relações Exteriores e em fontes primárias e secundárias. Assim, o artigo divide-se em duas partes, além da introdução e da conclusão. A primeira parte promove um debate sobre o conceito de diplomacia presidencial e sobre o papel dos partidos políticos para a política externa. A segunda parte, por sua vez, apresenta um contexto da cooperação brasileira com Angola e Moçambique, com vistas a possibilitar um debate sobre as variáveis discutidas

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6 na seção precedente no que se refere à atuação brasileira para a promoção da paz.

Diplomacia presidencial e orientação partidária: um debate sobre seu potencial como variáveis explicativas da política externa

A Análise de Política Externa vem sendo um instrumento crescentemente utilizado pela comunidade científica nacional para explicar como e porque a política externa de um determinado país assume determinados direcionamentos e conotações. De fato, no nível doméstico, por exemplo, um estudo dos artigos relacionados à Análise de Política Externa na Scielo, que contém artigos dos extratos mais qualificados da produção acadêmica nacional (KEMER e PEREIRA, 2018b), revela que a produção de

papers científicos nessa temática vem crescendo no Brasil. Nesse sentido, o

papel do presidente e de seu partido são relevantes para a análise das variáveis domésticas, haja vista que, por um lado, a primeira permite aprofundar a compreensão sobre o papel exercido pelo líder do Executivo e, por outro, a análise do partido permite o debate sobre o rationale, ou a ideologia, que orienta a condução da agenda externa.

A escolha dos presidentes FHC e Lula revela-se relevante para a análise das variáveis propostas na medida em que, segundo Cason e Power (2009, p. 126) , ambos os presidentes contribuíram ativamente para a construção de seus partidos, respectivamente, o Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB) e o Partido Trabalhista (PT). De acordo com Cason e Power (2009, p. 127), o Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980 e teve início como um partido socialista que mantinha ligações como movimentos anti-imperialistas em âmbito internacional. Segundo Amaral (2011, p. 2) o PT originou-se na organização de atores variados da sociedade civil, entre os quais membros de organizações sindicais, da Igreja Católica (Comunidades Eclesiais de Base) e militantes de grupos de esquerda e líderes de movimentos populares urbanos. O PSDB, por sua vez, foi fundado em 1988 e mantinha inclinação ao mercado e ao Estado de Bem-Estar Social (CASON e POWER, 2009, p. 127). Segundo D’Araujo (2011, p. 67), o PSDB sucedeu o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que consistiu no partido de oposição durante o regime de

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7 bipartidarismo no Brasil, que vigorou de 1965 a 1979. Assim, conforme D’Araujo (2011, p. 67): “(...) PT e PSDB originavam-se, portanto, no campo da

oposição ao autoritarismo e assumiram em suas origens e trajetórias características distintas em seu formato institucional e vínculos com a sociedade e com o parlamento”.

Segundo Cason e Power (2009, p. 127), embora o PT e o PSDB colaborassem esporadicamente entre as décadas de 1980 e 1990, essa colaboração deu lugar a uma competição acirrada entre esses partidos durante o governo de Itamar Franco (1992-1994), período no qual FHC exerceu o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil (Cason e Power, 2009, p. 127). Segundo D’Araujo (2011, p. 67), o surgimento dessa rivalidade decorreu em razão de divergências de paradigma com o PT, partido que, segundo a autora, tinha como palavra de ordem “mudar tudo”. Assim, de acordo com D’Araujo (2011), essa postura que levou o partido a não apoiar o governo de Itamar Franco, durante o qual fora estabelecido um pacto de estabilidade entre os principais partidos políticos do país, com vistas a superar o cenário de crise que se seguiu ao contexto do impeachment de Collor de Mello (idem, p. 167).

No que se refere à diplomacia presidencial, o estudo seminal sobre essa temática no Brasil foi organizado por Danese (2017), que explorou o tema em profundidade em seu livro “Diplomacia Presidencial: História e Crítica”. Nesse livro, Danese apresenta o conceito de diplomacia presidencial como: “(…) um

fenômeno político que obedece também a uma intensa lógica extradiplomática, ligada ao papel e ao projeto político internos do presidente” (DANESE, 2017, p.

33). Assim, segundo Danese, a diplomacia presidencial consiste não apenas na dimensão das obrigações de ofício do líder do Poder Executivo, mas, também, revela uma dimensão adicional de sentido, qual seja: a relevância dos traços da personalidade do presidente e de sua condução da política externa e o papel dessa liderança pessoal na condução da política externa. Da mesma forma, segundo Vilella e Neiva (2014, p. 70), a diplomacia presidencial pode ser compreendida da seguinte forma: “Trata-se de um tipo de política externa

em que o presidente participa ativa e pessoalmente, dirigindo as negociações cruciais, participando da solução dos conflitos mais críticos e tornando-se o seu principal condutor”.

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8 Segundo Cason e Power (2009), os governos de FHC e de Lula da Silva conferiram impulsos decisivos para esse conceito, na medida em que não apenas cumpriram suas obrigações de mandatários em matéria de política externa, como também envidaram esforços adicionais para materializar as agendas de política externa propostas. De fato, tanto no caso de FHC quanto no caso de Lula, a literatura aponta que o número de viagens feitas por esses líderes superou, em larga medida, aquelas realizadas por presidentes brasileiros precedentes – FHC deixou o país 92 em 8 anos de mandato, e Lula deixou o Brasil mais de 60 vezes apenas no primeiro mandato (CASON E POWER, 2009, p. 122). Ainda que as viagens não devam ser compreendidas como as únicas evidências capazes de apresentar a dimensão prática da diplomacia presidencial, elas revelam, de fato, o esforço pessoal de FHC e de Lula em conferir maior protagonismo internacional para o Brasil.

No que se refere aos temas avançados na presente pesquisa, Neiva e Vilela (2014) propuseram uma análise relevante relativamente aos principais temas de pesquisa e regiões geográficas tratados no contexto dos discursos dos presidentes FHC e Lula. Para tanto, os autores partiram de mais de 1000 pronunciamentos, como artigos, discursos e declarações, de FHC e Lula, e com base nesse corpus, propuseram como ferramenta metodológica a análise de conteúdo dos discursos (NEIVA E VILELA, 2014, p. 76). Nesse sentido, um primeiro resultado trazido por esses autores e a ser destacado na presente análise refere-se às diferentes ênfases conferidas por esses presidentes relativamente às diferentes regiões geográficas relacionadas à política externa brasileira, o que pode ser observado no Gráfico 1:

Gráfico 1: Citações sobre países/regiões, por FHC e Lula

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9 Conforme destacam Neiva e Vilela (2014, p. 81) o gráfico evidencia uma diferença significativa entre FHC e Lula no que se refere às expressões públicas desses presidentes relativamente a diferentes regiões do mundo: enquanto FHC concentrou sua atenção na Europa, Lula ampliou sua atenção para o continente africano, asiático e o Oriente Médio. Em termos das temáticas mais tratadas pelos presidentes FHC e Lula, Neiva e Vilela (2014, p. 81) apresentam o Gráfico 2:

Gráfico 2: Temas mais citados por FHC e Lula

Fonte: Neiva e Vilela (2014, p. 80).

No Gráfico 2, os autores destacam que: (1) o tema da economia apareceu mais vezes no discurso de Lula do que no discurso de FHC, o que decorreu da necessidade daquele presidente de obter apoio político frente ao público nacional e internacional no contexto dessa temática (idem, p. 82); (2) os temas da democracia e dos direitos humanos receberam maior atenção no governo de FHC, o que pode ser relacionado tanto ao processo de consolidação da democracia no Brasil quanto à adesão do Brasil aos instrumentos jurídicos internacionais de direitos humanos, a qual decorreu dessa agenda de democratização (idem); (3) o governo Lula deu maior atenção ao tema da desigualdade social do que FHC, o que é relacionado, por Neiva e Vilela, a uma das principais preocupações internas do governo de Lula (idem). Além disso, no que se refere ao tema do presente artigo, percebe-se, segundo Neiva e Vilela (2014) que o tema da cooperação internacional esteve mais presente nos discursos de Lula do que nos de FHC, embora a agenda de paz e de segurança internacionais tenha seguido uma tendência inversa – maior

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10 presença nas falas de FHC do que nas de Lula. A distribuição dessa análise no tempo revela, contudo, que os temas da paz e da cooperação para o desenvolvimento ocuparam espaços proporcionais das falas dos dois presidentes, conforme o Gráfico 3:

Gráfico 3 : Evolução dos temas Paz e segurança internacional e cooperação internacional (1995-2010)

Fonte: Neiva e Vilela (2014, p. 80).

De acordo com Neiva e Vilela (2014, p. 80), o Gráfico 3 revela uma relativa constância discursiva em termos das agendas de paz e de cooperação, e o ápice destacado no gráfico está relacionado ao ataque às torres gêmeas de 11 de setembro, quando o tema da paz e da segurança internacional teve sua relevância ampliada no contexto dos pronunciamentos oficiais de FHC. Assim, ainda que a análise e Neiva e Vilela (2014) sugira uma certa continuidade no que se refere ao tema da paz e da cooperação ao longo dos períodos FHC e Lula, a análise de Mendonça e Faria (2015) aponta que houve, na prática da cooperação brasileira com países africanos, importantes diferenças em termos dos projetos de cooperação que foram realizados com esses dois países. Nesse contexto, propõe-se investigar as variáveis da orientação partidária e da diplomacia presidencial para compreender as diferentes ênfases dos presidentes FHC e Lula quanto à cooperação para o desenvolvimento junto aos países africanos selecionados para a análise. Nesse sentido, Burges e Bastos (2017, p. 278) argumentam que a liderança política constitui componente essencial para permitir mudanças na política externa brasileira. Segundo esses autores: “(...) Mudanças substanciais na política externa brasileira são

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meio de um engajamento presidencial concreto e sustentado” (BURGES E

BASTOS, 2017, p. 278).1 Assim, a literatura apresentada enfatiza o papel do presidente relativamente à condução da política externa.

No que se refere à orientação partidária, Contrera e Hebling (2017, p. 194) destacam a centralidade dos partidos políticos como os mais relevantes direcionadores de opiniões, na medida em que, por meio da divulgação de seus programas, permitem a representação dos diferentes interesses que compõem uma democracia. Nesse contexto, a análise dos partidos possibilita a investigação de uma ulterior camada analítica em termos da APE, haja vista que, segundo Contrera e Hebling (2017, p. 195), o Presidente representa o partido no contexto do Poder Executivo e, nesse sentido, “(...) é responsável

perante seu eleitorado a promover no governo as políticas defendidas pelo seu partido na eleição” (CONTRERA E HEBLING, 2017, p. 195).

Nesse sentido, a presente análise adota posicionamento similar ao de Oliveira e Onuki (2010, p. 145), segundo os quais os partidos políticos têm posições específicas em matéria de política externa, as quais são capazes de alterar a inserção internacional do país. Segundo os autores, os partidos políticos são relevantes em matéria de política externa por, essencialmente, dois meios: (1) influência partidária sobre os processos de tomada de decisão em curso no Poder Executivo e; (2) por meio da atuação dos partidos no contexto do Poder Legislativo, no contexto da formulação de políticas (OLIVEIRA E ONUKI, 2010, p. 146). Ao aprofundar o debate sobre diplomacia presidencial e política externa, o recorte analítico proposto no presente artigo aprofunda o estudo do primeiro meio. O segundo meio vem sendo progressivamente debatido na academia brasileira, como mostram as análises, entre outros autores, de Neves (2003), Pinheiro (2008); Ribeiro et al., (2009); Anastacia et al. (2012); Diniz (2012) e de Cope (2016).

Nesse sentido, Saraiva (2010, p. 63) argumenta que as dinâmicas do processo decisório de política externa e a inserção internacional do Brasil apresentaram, de fato, diferenças no que se refere aos governos de FHC e Lula. De acordo com a autora, cada um desses governos coadunou-se a duas

1 Tradução da Autora. Original em inglês: “Substantial changes in Brazil’s foreign policy direction are relatively rare, and when they do take place, we argue, it is through concrete and sustained presidential engagement” (BURGES E BASTOS, 2017, p. 278).

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12 correntes distintas de pensamento que passaram a coexistir no seio do Ministério das Relações Exteriores na década de 1990. Essas correntes foram (1) os institucionalistas pragmáticos, aos quais pode ser associado FHC, e; (2) os autonomistas, aos quais pode ser associado Lula (idem, p. 65). Segundo a autora, os institucionalistas pragmáticos podem ser caracterizados: (a) do ponto de vista da política externa, por conferirem destacada relevância à adesão do Brasil a regimes internacionais; (b) do ponto de vista econômico, por favorecerem a liberalização da economia e; do ponto de vista partidário, por estarem mais proximamente vinculados ao Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB) (idem, p. 65). No âmbito da política externa, a autora aponta que: “Dentro desta perspectiva, a diplomacia buscou um comportamento ativo

nos foros multilaterais caracterizado como global player e optou pela adesão a regimes internacionais na área de segurança internacional” (SARAIVA, 2010, p.

67). Esse ponto é relevante por que, durante a década de 1990, o Brasil ingressou como contribuinte de tropas para missões de peacekeeping das Nações Unidas tanto em Angola quanto em Moçambique, o que demonstra o comprometimento do país com a forma de promoção da paz que vinha sendo operacionalizada por aquela organização.

No que se refere à corrente autonomista, por sua vez, Saraiva (2010) afirma que a eleição de Lula conferiu destaque a essa corrente na política nacional. Essa corrente defende uma inserção autônoma do Brasil nas relações internacionais, por meio: (a) da reforma de instituições internacionais, com vistas a conferir maior espaço de atuação externa ao Brasil; (b) da busca de uma maior aproximação com países do Sul e; (c) da ênfase a projetos de integração, de forma a proporcionar o desenvolvimento econômico do país e de suas empresas (idem, p. 66). Assim, a autora destaca que a política externa de Lula trouxe inovações em termos de política externa, as quais se originaram nas lideranças políticas do Partido dos Trabalhadores (PT) (idem, p. 66). De fato, Saraiva (2010, p. 66) destaca o fato de que Marco Aurélio Garcia, que foi nomeado por Lula como Assessor da Presidência, ter sido Secretário de Relações Internacionais do PT (idem, p. 66).

De fato, segundo Oliveira e Onuki (2010, p. 167), os programas de governo do Partido dos Trabalhadores para os mandatos de 2003 e de 2010 expressaram, em linhas gerais, as agendas que foram materializadas nas duas

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13 gestões consecutivas de Luís Inácio Lula da Silva: (1) a ênfase da divisão internacional em torno do eixo econômico Norte-Sul, no qual os países do Sul estão distantes dos benefícios advindos do progresso técnico (idem, p. 167); (2) nesse contexto, as relações Sul-Sul passam a assumir centralidade para a inserção internacional do país (idem, p. 168); (3) a defesa do multilateralismo nas relações internacionais (idem, p. 168) e; (4) a defesa da maior intervenção estatal em temas da política externa como o comércio exterior e a área de segurança e defesa (idem, p. 169).

Dessa forma, após essa breve exposição das variáveis relativas à diplomacia presidencial e à orientação partidária, a próxima seção apresenta as linhas gerais do contexto dos conflitos de Angola e de Moçambique. Assim, busca-se apresentar o plano de fundo para discutir a inserção do Brasil nesses contextos como parceiro da cooperação para o desenvolvimento nesses países.

Contexto geral da cooperação para o desenvolvimento do Brasil com Angola e Moçambique de 1995 a 2010

A presente seção apresenta o contexto geral da cooperação para o desenvolvimento do Brasil com Angola e Moçambique, com vistas a aprofundar a análise sobre o papel da diplomacia presidencial e da orientação partidária nesse contexto e, ainda, para debater o elo dessa cooperação com as iniciativas do Brasil para a promoção da paz. Assim, destaca-se, primeiramente, o fato de que Angola e Moçambique, a despeito de alguns pontos em comum, como o fato de pertencerem, ambas à CPLP, apresentam, também importantes diferenças geopolíticas e econômicas (ABDENUR E RAMPINI, 2015, p. 82). Nesse sentido, a Tabela 1 evidencia importantes diferenças relativamente a essas economias:

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14 Tabela 1: Indicadores selecionados do Banco Mundial relativos a Angola e a

Moçambique

Indicadores do Banco Mundial Angola Moçambique

2000 2010 2016 2000 2010 2016 População total (milhões) 16.44 23.37 28.81 18.07 24.22 28.83 % da população que vive com até USD 1,90 por dia N/A 30.1* N/A 80.6 69.1 62.9 PIB (USD) (bilhões) 9.13 82.53 95.34 5.02 10.15 11.01 Crescimento do PIB (anual %) 3.1 3.5 -0.8 1.7 6.7 3.8 Ajuda líquida oficial ao desenvolvimento recebida (USD)

(milhões)

302.2 235.2 206.8 907.4 1,943.1 1,531.4 Fonte: Banco Mundial (2018a; 2018b). Legenda: *Estimado. N/A: Dados não disponíveis.

Esses dados corroboram a análise de Abdenur e Rampini (2015, p. 82), Segundo os quais Moçambique é mais dependente da ajuda externa do que Angola, cuja economia é maior em termos de PIB e cuja taxa de pobreza, em 2010, revelou-se muito menor do que a taxa moçambicana. Segundo Abdenur e Rampini (2015, p. 83), essas diferenças interferem na natureza da cooperação brasileira com esses países, dado que essa cooperação é, segundo os autores, resultado dos contextos histórico, político e socioeconômico particulares de cada um desses países.

Assim, com vistas a ampliar a compreensão dos contextos mais amplos de Moçambique e de Angola, explora-se, brevemente, o panorama histórico desses países, os quais ensejaram o estabelecimento dos laços diplomáticos entre esses países. A despeito das diferenças em termos econômicos, a história política de Moçambique e de Angola apresentam algumas semelhanças, haja vista que, em ambos os países: (1) houve a colonização de Portugal; (2) os efeitos internacionais da Guerra Fria materializaram-se por meio do apoio externo a forças políticas que se opunham no plano interno; (3) os processos de independência tiveram início na segunda metade do século XX, e o enfraquecimento do governo português, no contexto da Revolução dos Cravos, revelou-se central para a consolidação desses processos e independência e; (4) ambos os países estabeleceram laços diplomáticos com o Brasil em 1975, em um contexto no qual o Brasil passou a assumir uma postura de maior protagonismo diplomático e econômico em países africanos, na esteira da política de Ernesto Geisel denominada de Pragmatismo Responsável e Ecumênico.

No que se refere ao contexto de Moçambique, de acordo com Rupiya (1998, p. 10) o primeiro partido político formado para lutar pela independência de Moçambique foi o Frente de Libertação Nacional de Moçambique

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15 (FRELIMO), que foi formado em 1962. A principal oposição ao FRELIMO, por sua vez, foi a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), criada em 1977 (RUPIYA, 1998, p. 13). Enquanto a Frelimo recebeu o apoio da União Soviética, os Estados Unidos, em conjunto com a África do Sul, apoiaram a RENAMO (OLIVEIRA, 2009, p. 24). As tensões crescentes entre esses partidos polarizaram as forças políticas nacionais e resultaram na Guerra civil moçambicana, que durou de 1976 a 1992 (JENTZSCH, 2017, p. 329), quando o Acordo Geral de Paz entre a RENAMO e a FRELIMO foi assinado (RUPIYA, 1992, p. 14).

No que se refere a Angola, os movimentos de independência desse país envolveram três partidos principais: (1) O “Movimento Popular para a

Libertação de Angola” (MPLA), criado em 1956; (2) A “Frente Nacional de Libertação de Angola” (FNLA), crido 1962, e; (3) a “União Nacional para a Independência Total de Angola” (UNITA), criada em 1966 (FONSECA et al,

2015, p. 10). Assim como no caso de Moçambique, a União Soviética apoiou um dos partidos, o MPLA, que possuía orientação marxista-leninista, enquanto a FNLA foi apoiada pelos Estados Unidos (idem). Além disso, a China engajou-se, também, no processo de independência angolano, por meio do apoio à UNITA (idem). Com o contexto da Revolução dos Cravos em Portugal, a MPLA dominou o cenário politico angolano e assegurou a independência do país em 1975. Ainda assim, as tensões políticas, sobretudo entre o MPLA e a UNITA, permaneceram parte da realidade angolana, e a guerra civil no país teve término somente no ano de 2002, deixando profundas marcas na economia e na sociedade angolanas (idem, p. 11).

No que se refere à atuação do Brasil no contexto dos processos de paz nesses países, é relevante destacar a atuação do Brasil por meio do envio de tropas para as missões de manutenção da paz das Nações Unidas tanto em Moçambique, de 1992 a 1994, quanto em Angola, entre 1989 e 1998. De fato, Fontoura (2005, p. 215-218) evidencia que Angola e Moçambique foram os dois países africanos que tiveram, entre 1957 e 1999, o maior total de contribuições brasileiras em termos de envio de militares, policiais e civis, com um total de, respectivamente, 4.432 indivíduos e 300 indivíduos. Em particular, de acordo com Nasser (2013, p. 217-218), as missões de peacekeeping que contaram com a atuação do Brasil nesses países foram, em Moçambique, a

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16 ONUMOZ, de 1992 a 1994, e em Angola, a UNAVEM I, de 1989 a 1991, a UNAVEM II, de 1991 a 1995, a UNAVEM III, de 1995 a 1997, e a MONUA, de 1997 a 1998 (NASSER, 2013, p. 217-218). Embora a análise da participação em missões de manutenção de paz seja um componente essencial para compreender a atuação brasileira no que concerne à promoção da paz internacional, a presente análise volta-se ao aprofundamento do debate dos projetos de cooperação para o desenvolvimento como mecanismo de promoção da paz.

Além da participação do Brasil nas missões de paz que ocorreram em Angola e em Moçambique, Mendonça e Faria (2015) analisam comparativamente os governos de FHC e de Lula em termos da cooperação para o desenvolvimento com países africanos, a qual é compreendida, no contexto do presente paper, como parte indissociável da ideia de construção da paz. Nesse contexto, é relevante destacar as diferenças encontradas por esses autores no que concerne à inserção da política externa brasileira na cooperação para o desenvolvimento com os dois países selecionados. Nesse sentido, os autores destacam que o governo de FHC promoveu um “processo

seletivo de articulação de parcerias”, no qual a África foi excluída das

prioridades do Brasil (MENDONÇA E FARIA, 2015, p. 9). Segundo os autores, isso tornou-se evidente, por exemplo, no contexto do fechamento de seis embaixadas do Brasil em países do continente (Etiópia, Tanzânia, Camarões, República Democrática do Congo, Togo e Zâmbia) (MENDONÇA E FARIA, 2015, p. 9). Ainda no contexto africano, Mendonça e Faria (2015, p. 9) destacam a criação da CPLP no contexto do governo de FHC, como outro exemplo dessa seletividade, haja vista que, segundo os autores, a criação desse organismo em 1996, prevista desde o governo de José Sarney, atenuou, de certa forma, o afastamento do Brasil com relação ao continente africano e, nesse contexto, houve, inclusive, o estabelecimento de alguns acordos de cooperação técnica entre o Brasil e países lusófonos (idem). Contudo, de forma geral, os autores destacam o distanciamento do Brasil com relação ao contexto africano e destacam, ainda, que esse distanciamento esteve diretamente associado ao projeto político de FHC:

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17

A diminuição da participação do Estado na economia, componente estratégico do projeto político implementado no período (grifo da autora), relegou a África ao restrito investimento privado no que toca ao fomento e à prospecção de investimentos no continente, principalmente no setor de construção civil. (MENDONÇA E FARIA, 2015, p. 8-9).

Da mesma forma que o projeto político de FHC guardou relação com sua política para países do continente, a análise dos anos Lula, de 2003 a 2010, no que concerne à cooperação do Brasil com países africanos, pode ser relacionada ao projeto político de Lula e de seu partido, conforme explanado na primeira seção. De fato, a cooperação com países do Sul, que constitui uma das principais características da agenda de política externa do Partido dos Trabalhadores (PT), foi reforçada por meio da atuação pessoal de Lula, o qual fez diversas viagens ao continente africano e, assim, deu início, pessoalmente ou por meio de seu Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a diferentes projetos de cooperação para o desenvolvimento (MAWDSLEY et al 2017, p. 10). De fato, segundo Mawdsley et al (2017, p. 10), a condução pessoal de Lula revelou-se central para catalisar a cooperação para o desenvolvimento, pois diferentes projetos de cooperação eram decididos por Lula e por seus Ministros, e, as burocracias nacionais relativas às áreas da cooperação eram, em seguida, chamadas a operacionalizar as decisões de suas lideranças.

Assim, de acordo com Costa et al (2014, p. 7), a cooperação Sul-Sul do Brasil cresceu de forma significativa durante o governo de Lula, saindo de US$160 milhões, em 2005, para mais de US$900 milhões, em 2010. Nesse contexto, Lula tornou a cooperação Sul-Sul em um dos principais tópicos da política externa brasileira (idem, p. 48). Abdenur e Rampini (2015, p. 88) corroboram essa perspectiva, ao argumentar que a cooperação técnica esteve entre as principais prioridades do governo Lula, a qual foi concebida como uma forma de consolidar o relacionamento entre o Brasil e outros países em desenvolvimento.

Em particular, a cooperação Sul-Sul com países africanos tornou-se um dos principais tópicos da política externa brasileira durante o governo de Lula. De fato, Abdenur e Rampini (2015, p. 94) argumentam que a relevância dos países africanos para a política externa de Lula foi observada, por exemplo, no contexto da abertura de embaixadas brasileiras em países africanos - os

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18 autores mencionam que 19 novos escritórios diplomáticos foram abertos durante o governo de Lula -, e, também, no contexto das frequentes viagens de Lula ao continente africano. No que se refere ao contexto específico dos países africanos lusófonos, Milani et. al. (2016, p. 13) enfatizam o papel desses países no contexto da cooperação do Brasil com a África, afirmando, por exemplo, que, em 2010, 76,5% da cooperação do Brasil foi direcionada a esse grupo de países (idem).

Nesse contexto, para apresentar os dados da cooperação do Brasil com Angola e Moçambique durante os governos de FHC e de Lula, a base de dados do Ministério das Relações Exteriores denominada “Concórdia” (MRE, 2018c) foi consultada. Para tanto, a seguinte metodologia de extração de dados foi adotada: (1) na base de dados Concórida, a busca foi realizada por meio dos nomes das partes que estabeleceram projetos com o Brasil, nomeadamente Angola e Moçambique; (2) na sequência, os resultados da busca foram baixados em formato de planilhas eletrônicas e; (3) por fim, os projetos de cooperação foram sistematizados de acordo com sua área e período de operacionalização. O resultado dessa análise está apresentado na Tabela 2:

Tabela 2: A cooperação do Brasil com Angola e Moçambique (1975-2010)

País Moçambique Angola

Área da Cooperação 1975 a 1994 1995 a 2002 2003 a 2010 Total 1975 a 1994 1995 a 2002 2003 a 2010 Total Administração Pública 4 4 1 3 4 Agricultura e Pecuária 1 4 5 1 6 7 Artes e Cultura 2 2 4 2 4 6 Ciência e Tecnologia 2 1 3 1 1 2 Educação e Esportes 3 9 12 1 1 7 9 Meio Ambiente 1 3 4 2 2 Outras* 1 1 11 13 3 1 5 9 Saúde 1 13 14 4 4 Defesa e Segurança 1 3 4 1 1 2 Treinamento profissional 1 1 2 2 1 3 Total 8 6 51 65 8 6 34 48

Fonte: MRE (2018a, 2018b).

Observação: *A categoria “outros” inclui projetos nas áreas de Turismo, Mineração, Saneamento, Pesca, Petróleo, Direitos Humanos, Energia, Comunicação, Comércio, Previdência Social, Urbanização e Alimentação.

Conforme apontado por Kemer (2017) e por Kemer e Pereira (2018a), a análise da Tabela 2 revela que, na passagem do governo de FHC ao governo de Lula, houve uma ampliação da diversidade e do escopo dos projetos de cooperação. De fato, esse resultado guarda relação com a diplomacia presidencial de FHC e de Lula, haja vista que, conforme evidenciado na tabela,

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19 enquanto 12 projetos foram realizados com Angola e Moçambique durante o governo de FHC, que dedicou pouco espaço à África no contexto de sua agenda externa, esse número saltou para 85 durante o governo de Lula, que conferiu grande prioridade às relações Sul-Sul e em especial, aos países africanos lusófonos. Assim, ainda que o tema da paz e da segurança internacional em proporções aproximadamente equivalentes entre os governos de FHC e de Lula (NEIVA E VILELA, 2014), a análise da cooperação para o desenvolvimento do Brasil com Angola e Moçambique sugere que houve uma mudança quanto à materialização prática do discurso de promoção da paz no contexto da política externa brasileira, haja vista que a cooperação para o desenvolvimento nesses países assumiu maior protagonismo no período analisado. Conforme discutido no presente artigo, é possível afirmar, portanto, que tanto a diplomacia presidencial quanto a orientação dos partidos constituem variáveis relevantes para compreender a política externa brasileira no tema da promoção da paz, haja vista que: (1) os presidentes empreenderam esforços diferenciados no contexto da cooperação com os países africanos selecionados; (2) as diferentes orientações partidárias produziram, também, diferentes inclinações do país quanto à cooperação Sul-Sul com Angola e Moçambique e; (3) a preocupação de Lula com a desigualdade social refletiu-se na ampliação do rol de áreas contempladas no contexto dessa cooperação. Assim, verifica-se que houve diferenças quanto à operacionalização prática do desenvolvimento, o que tem reflexos na agenda operacionalizada pelo Brasil em termos de construção de paz. É notório, no entanto, que essa análise merece um aprofundamento de cunho teórico-metodológico, haja vista que persistem dúvidas, no mínimo, quanto às seguintes questões: (1) quais diferenças de implementação apresentaram esses projetos de cooperação no terreno de Angola e de Guiné-Bissau? Quais os responsáveis pela concepção e operacionalização dos diferentes projetos desenvolvidos no período analisado?; (2) Em que medida a análise da cooperação para o desenvolvimento pode ser utilizada, de fato, como proxy para compreender a política do Brasil em matéria de construção da paz, haja vista que, conforme destacam Call e Abdenur (2017, p. 3), a política externa brasileira para a paz não possui um documento de referência, ou um White Paper, que delineie, especificamente, o entendimento do Brasil sobre o tema da construção da paz;

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20 (3) ainda que existam evidências sobre a relevância da diplomacia presidencial e do papel dos partidos no contexto da política externa, em que medida essas variáveis importam na comparação com, outros atores domésticos que exercem influência na agenda de política externa? Assim, embora a presente análise deixe diversas dúvidas, verifica-se que há muito a ser debatido tanto sobre o papel que é exercido pelo Brasil no contexto da cooperação Sul-Sul com Angola e Moçambique quanto sobre a natureza das demais variáveis domésticas que, juntamente com a liderança do presidente e de seu partido, alteram, na prática, o exercício desse papel.

Conclusões

O presente artigo analisou a cooperação para o desenvolvimento entre o Brasil com Angola e Moçambique, com vistas a compreender, no período dos governos de FHC e de Lula, o papel das variáveis domestica “diplomacia presidencial” e “orientação partidária” na formulação da política externa brasileira para a construção da paz. Ainda que o estudo de Neiva e Vilela (2014) tenha apontado para ênfases discursivas semelhantes entre esses dois presidentes no que concerne à agenda de paz e segurança, verificou-se, no presente artigo, que a cooperação para o desenvolvimento com os países selecionados apresentou pontos afins com as respectivas agendas presidenciais e partidárias. De fato, tanto o distanciamento de FHC relativamente ao continente africano quanto a ênfase na cooperação Sul-Sul, uma marca tanto do PT quanto das iniciativas pessoais de Lula, foram observadas no contexto da cooperação brasileira para o desenvolvimento com Angola e Moçambique. Assim, argumentou-se, na presente pesquisa, que a liderança presidencial e a orientação partidária importam na conformação das inciativas brasileiras para a promoção da paz, a qual foi compreendida a partir de sua dimensão prática da cooperação para o desenvolvimento. Não obstante o artigo aponte outras questões que devem ser aprofundadas relativamente à temática proposta, defendeu-se que compreensão da agenda brasileira de promoção da paz deve considerar não apenas a análise das missões de paz com tropas do Brasil, mas também os projetos de cooperação para o desenvolvimento com participação brasileira. Dessa forma, ao mobilizar a

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21 diplomacia presidencial e o papel dos partidos, o presente estudo constitui, ainda que de forma introdutória, um esforço nesse sentido.

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