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História Oral e Educação Matemática: Construindo uma metodologia de trabalho com narrativas sinalizadas

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Academic year: 2021

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História Oral e Educação Matemática: Construindo uma metodologia de

trabalho com narrativas sinalizadas

Daniel Duarte Silveira1

GD n° 5 – História da Matemática e Cultura

Resumo: O presente trabalho “História Oral e Educação Matemática: Construindo uma metodologia de trabalho com narrativas sinalizadas” é fruto da construção metodológica da dissertação que está sendo desenvolvida com a temática de “Memória de ex-alunos surdos sobre o processo de escolarização matemática”. Este trabalho apresenta reflexões sobre questões iniciais relacionados a quantidade e ao perfil dos participantes, além de abordar questões ligadas ao aspectos teórico-metodológicos da História Oral e as características éticas envolvendo as narrativas sinalizadas em Língua Brasileira de Sinais

Palavras-chave: História Oral; Narrativas Sinalizadas; Língua Brasileira de Sinais; Surdos;

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta algumas das reflexões que estão sendo realizadas durante minha pesquisa de Mestrado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Federal de Pelotas, orientada pelo professor Dr. Diogo Franco Rios. A investigação em andamento pretende produzir fontes orais e analisar as memórias de alunos surdos que passaram pelo processo de escolarização matemática, visando contribuir com um projeto de pesquisa mais amplo, o qual tem entre os objetivos produzir análises históricas a respeito das práticas de ensino e de aprendizagem de matemática no Rio Grande do Sul.

Convém esclarecer que meu interesse em relação à Educação Matemática e suas práticas para a comunidade surda ocorre em função da minha formação como licenciado em matemática e também pelo contato que tenho com comunidade surda da cidade de Pelotas (RS), desde o ano de 2005. A experiência com os surdos foi para mim fruto de grande estranhamento, devido as singularidades que este grupo possui. Ao participar da Associação dos Surdos de Pelotas (A.S.P.), aprendi que ela, além de ser um espaço de lutas

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pela identidade e pela cultura surdas, é também um espaço de compartilhamento da língua de sinais. Na A.S.P., aprendi com os surdos a Libras (Língua Brasileira de Sinais), e através dela tive a oportunidade de conhecer várias histórias narradas por eles, oferecendo-me perspectivas desconhecidas até aquele mooferecendo-mento. Além disso, despertou em mim o interesse pela área da Educação de Surdos.

Desta forma, ao ingressar no Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, tive o interesse em pesquisar o ensino de Matemática para alunos surdos, uma vez que minha aproximação com a comunidade surda, me fez perceber que existe uma perspectiva surda sobre o ensino e a aprendizagem da matemática, ainda pouco conhecida pela sociedade. No Brasil, assim como no mundo, a educação de surdos passou por mudanças significativas, as quais foram acompanhadas pelas alterações ocorridas na forma de comunicação utilizada por esses sujeitos. As línguas de sinais foram aceitas como forma de comunicação dos surdos até o ano de 1880, pois logo após foram substituídas pelo Oralismo, ou seja, o modelo de comunicação no qual os surdos utilizavam a fala através da modalidade oral da língua de seus respectivos países, bem como a realização de leitura labial. Na década de 1960, com os estudos da linguística, passou-se a utilizar a Comunicação Total como forma de comunicação de surdos. Essa abordagem utilizava a comunicação oral e o auxílio dos sinais para a comunicabilidade. Somente após este processo, as línguas de sinais voltaram a fazer parte da educação dos surdos (PEREIRA, 2011). Apenas em 2002, a Libras foi reconhecida com meio de comunicação da comunidade surda brasileira através da lei nº 10.436, e regulamentada posteriormente pelo decreto nº 5.626 no ano de 2005.

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Nos trabalhos mencionados, não há a indicação que se tenha considerado a perspectiva dos alunos surdos sobre suas experiências matemáticas, ou seja, não foram encontrados até o momento estudos que tenham possibilitado a esses sujeitos contarem suas vivências no processo de aprendizagem da matemática escolar.

Desta forma, o presente trabalho tem como pretensão contribuir com o preenchimento desta lacuna existente na área da Educação Matemática, oferecendo a oportunidade para que alunos surdos que viveram experiências com a matemática escolar, a partir da década de 1980, possam contar suas memórias sobre esse processo. Para isso, apresentarei neste trabalho algumas reflexões sobre a construção de uma metodologia de trabalho com narrativas sinalizadas, baseando-me nos aspectos teórico-metodológicos da história oral.

A escolha pela história oral neste trabalho se dá em função ao papel a que ela se propõe no âmbito da Educação Matemática, mostrando as diversas perspectivas existentes ainda não contempladas na historiografia.

No Brasil, há o Grupo de História Oral e Educação Matemática (GHOEM), criado em 2002, que fundamenta os trabalhos realizados no campo teórico da História Oral com metodologia na História da Educação Matemática (GARNICA, 2013). Os estudos realizados pelo GHOEM, apesar de não serem desenvolvidos especificamente com pessoas surdas, dialogam como minha proposta de trabalho, uma vez que apresentam na área da Educação Matemática uma nova perspectiva teórica.

A História oral dá ênfase aos discursos de sujeitos que possuem experiências de vida, e que passam despercebidas nos registros oficiais. Assim, utilizar

“A entrevista de História oral permite também recuperar aquilo que não encontramos em documentos de outra natureza: acontecimentos pouco esclarecidos ou nunca evocados, experiências pessoais, impressões particulares etc.” (ALBERTI apud VARELA, 2014).

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Faz-se relevante salientar que durante o processo de construção da investigação, foram encontrados alguns trabalhos envolvendo História Oral e narrativas de pessoas surdas, os quais foram realizados na área da Educação e na área de Letras. Um dos pioneiros no uso de História Oral com sujeitos surdos no Brasil é o trabalho de Luchesi (2003). Porém, recentemente, as dissertações produzidas por Leite (2004) e por Neves (2011) também utilizaram essa mesma perspectiva, possibilitando um espaço de visibilidade das memórias dos sujeitos surdos e de suas experiências.

Deste modo, este estudo, além de contribuir com a área da História da Educação Matemática, ao trazer em língua portuguesa as memórias que ex-alunos surdos contaram acerca do processo de escolarização matemática que vivenciaram, também possibilitou-me experimentar a realização de uma pequena prática de pesquisa com a metodologia da História oral envolvendo narrativas de entrevistados surdos.

A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

Ao iniciar a construção metodológica da dissertação é importante mencionar um processo experienciado em uma pesquisa piloto desenvolvida a partir de uma pergunta isolada, a qual teve como finalidade me servir de prática com a história oral a partir de narrativas sinalizadas. Nesse piloto verificou-se pontos importante na articulação de línguas de modalidades distintas, no caso, a Língua Brasileira de Sinais (visual-espacial) e a Língua Portuguesa (oral-auditiva), evidenciando a complexidade de estabelecer conexões entre as línguas.

Após serem gravadas em vídeos, cada uma das narrativas analisadas na atividade piloto foi Traduzida/Transcrita, tentando-se preservar ao máximo os elementos linguísticos, como por exemplo, as expressões faciais que são, não apenas parâmetros de composição de um sinal, mas também marcadores de intensidade em uma narrativa sinalizada.

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projeto piloto, cada narrativa possuía duração de aproximadamente de três a quatro minutos de sinalização, as quais se transformaram em cerca de duas páginas escritas em Língua Portuguesa.

A pesquisa piloto foi de certa forma, um norte para a construção da metodologia empregada na dissertação que está em desenvolvimento, na qual será realizada uma entrevista com base na História Oral (PORTELLI, 2010; THOMPSON, 2002), cujas análises irão dialogar com produções que envolvam História Oral e Educação Matemática (GARNICA, 2013) e os aspectos da construção da memória do sujeito que narra (BOSI, 1983). Acredito que na referida entrevista haverá maior volume de narrativas, uma vez que para a dissertação, a entrevista avançará em questões mais amplas e complexas sobre as experiências dos alunos surdos com o ensino de matemática, diferente do que foi realizado na pesquisa piloto.

Uma vez realizada a pesquisa piloto e tendo refletivo sobre as exigências e dificuldades de um projeto com História Oral, deparei-me com questões metodológicas que pareciam iniciais, mas que terão implicações importantes para o trabalho que estou propondo.

O primeiro aspecto a ser questionado é a quantidade de ex-alunos que serão entrevistados para realização da dissertação. Durante o desenvolvimento da dissertação de Neves (2011), que trabalhou com História Oral e narrativas sinalizadas, esta também foi uma questão que a preocupou:

[…]inicialmente, a ideia era entrevistar o máximo possível de pessoas, principalmente depois das primeiras entrevistas, pois era fascinante ir conhecendo as memórias daqueles sujeitos que se disponibilizavam a contar suas histórias de forma tão empolgada. Eu já havia sido avisada pela banca de qualificação do projeto de que oito pessoas era um número exagerado de entrevistados, mas minha teimosia de pesquisadora iniciante somente foi vencida após a tradução da primeira entrevista. Me vi obrigada a rever meus planos e abrir mão de realizar tantas entrevistas quando percebi que uma simples entrevista de uma hora demorava perto de catorze horas para ser traduzida.

Considerando tal peculiaridade, já mencionada sobre o trabalho com narrativas sinalizadas, pensei em entrevistar três ex-alunos surdos, uma vez que um número maior de entrevistados poderia tornar o trabalho inviável em função do tempo previsto para o cumprimento da dissertação.

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serão entrevistados, para isso tentei organizar três possíveis grupos, sendo eles, o primeiro: surdos formados em Licenciatura em Matemática; depois, o segundo: surdos que sejam professores da disciplina de Libras em cursos de Licenciatura em Matemática; e, por último: surdos participantes da comunidade surda, mas que não tenham um ligação profissional com matemática.

Antes de começar a pensar acerca dos possíveis desdobramentos que a escolha de cada grupo de sujeitos pode trazer ao trabalho, necessito esclarecer ao leitor que independente do perfil que apresentem, necessitarão fazer parte do “grupo” que se ajusta aa minha capacidade de entender suas sinalizações. Esclarecer tal fato é necessário, pois conhecer a Língua Brasileira de Sinais, como é o meu caso, não me garante compreender todas suas variações linguísticas dessa língua. Desse modo, preciso, enquanto pesquisador, além de pensar no perfil dos entrevistados, pensar na minha capacidade de compreensão da sinalização feita por eles, pois também farei a Tradução/Transcrição das narrativas sinalizadas para a Língua Portuguesa.

Não quero dizer com isso que os sujeitos da pesquisa sejam um grupo de pessoas muito próximas a mim, mas apenas que necessito conseguir me comunicar com eles de forma que seja capaz de compreender suas sinalizações.

A escolha dos sujeitos que pertencem ao grupo de surdos formados em Licenciatura em Matemática é bastante interessante, uma vez que eles por terem estudado e possuírem afinidade maior com a área da matemática, teriam, nesse aspecto, muitas experiências para narrar. Porém, acredito que ao entrevistar somente surdos licenciados em matemática, provavelmente predominarão experiências positivas sobre o processo de escolarização desta temática, uma vez que os sujeitos, posteriormente a essas vivencias, resolveram estudar ainda mais este assunto no curso de graduação.

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entrevistar indivíduos que possuem forte envolvimento acadêmico, como é o caso dos professores universitários, pode gerar um processo de perdas das caraterísticas linguísticas da língua de sinais ou relacionadas com a estrutura peculiar da produção oral ao ser registrada de forma escrita. Preocupo-me que, após a realização da tradução/transcrição os entrevistados, por possuírem certo “status acadêmico”, tenham a preocupação de “limpar” demasiadamente suas narrativas, tornando-as textos puramente acadêmicos, excessivamente preocupados em cumprir as regras ortográficas, coesão e coerência, em detrimento do conteúdo.

A escolha de surdos com possuam ensino superior é de alguma forma uma possibilidade de garantir que esses sujeitos sejam capazes de ler em Língua Portuguesa como segunda língua, o que ajudaria na etapa de acompanhamento da revisão das narrativas transcritas.

O terceiro grupo de entrevistados seria o de surdos participantes da comunidade surda, mas que não tenham uma ligação profissional com matemática, desta forma várias experiências poderiam ser narradas, porém, estes entrevistados poderão não possuir conhecimento em Língua Portuguesa para realizarem revisão da entrevista transcrita, comparando-a com o vídeo da sinalização suas narrativas em Libras. No caso de pessoas que desconhecem a língua escrita é possível que sejam acompanhados de uma pessoa de sua confiança para que realizem a verificação, confirmado se o que foi narrado por eles está realmente escrito em Língua Portuguesa, ainda que, no caso dos surdos, há a dificuldade em encontrar pessoas que dominem com fluência as duas línguas (Libras e Língua Portuguesa), dificultando o processo de retorno da entrevista.

Essa ressalva é importante, pois é de meu interesse que os sujeitos da pesquisa assistam suas narrativas e acompanhem a Tradução/Transcrição das mesmas em Língua Portuguesa, para que não reste duvida de que nada do que julgarem inapropriado seja publicado.

Faz-se importante expor que não estou supondo que entre os sujeitos desse terceiro grupo não exista um número considerável de pessoas com formação a nível superior atuando fora do campo da matemática, mas que escolherei alguém que não tenha atuação acadêmica, e, possivelmente, sequer tenha cursado o ensino superior.

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com os possíveis desdobramentos de escolher sujeitos de um único grupo, tentando dessa forma, escolher de forma a abordar as mais diversas experiências, a partir de grupos distintos. Essa escolha é também o esforço de criar uma amostra representativa que possa contemplar mais de um ponto de vista.

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo apresentar para o leitor a minha tentativa de construir uma metodologia de trabalho que contemple história oral com narrativas sinalizadas em Língua Brasileira de Sinais para realização de minha dissertação de mestrado. Tal proposta é desafiadora, uma vez que não encontro suporte de referenciais teóricos para a realização deste trabalho, no âmbito da História oral e Educação Matemática. Porém, busco desenvolver uma metodologia que atenda as peculiaridades envolvidas na diferença linguística da língua usada na narração das memórias e na transcrição delas, respeitando os aspectos teórico-metodológicos da História oral, além das questões éticas.

REFERÊNCIAS

BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembrança dos velhos. São Paulo: T. A. Queiroz; EDUSP, 1983.

Decreto nº 5626. Decreto de Libras. Presidência da República – Casa Civil, 22 dez. 2005. Acessado em 10 jun. 2015. Online. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm GARNICA, A. V. M. Sobre Historiografia: Fragmentos para compor um discurso. REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n. 12, p. 51-65, 2013.

ROCHA, K. M.; FERREIRA, A. L. A. Considerações sobre metodologias no ensino de matemática para surdos. In: FONSECA, M. S. (et al.) Matemáticas: educação e pesquisa. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2014. p. 125 - 144.

Lei nº 10436. Lei de Libras. Presidência da República – Casa Civil, 24 abr. 2002. Acessado em 10 jun. 2015. Online. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm

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LUCHESI, M. R. C. Educação de pessoas surdas: Experiências vividas, histórias narradas. Campinas, SP: Papirus 2003.

NASCIMENTO, P. R. Reflexões e considerações acerca da produção acadêmica, educação matemática e inclusão. Revista Espaço. Rio de Janeiro. Instituto Nacional de Educação de Surdos. 2013.

NEVES, G. V. Educação de surdos em Caxias do Sul de 1960 a 2010: uma história escrita por várias mãos. 2011. 197f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Curso de

Pós-Graduação em Educação, Universidade de Caxias do Sul.

PEREIRA, M. C. da C. (Org.) Libras: conhecimento além dos sinais. 1. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011.

PORTELLI, A. Ensaios de História Oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.

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