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Hálux valgo ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

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Academic year: 2021

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HÁLUX VALGO

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Hálux valgo

C AIO A UGUSTO DE S OUZA N ERY

1

1. Professor Adjunto Livre-Docente do Departamento de Ortopedia e Trau- matologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Me- dicina; Integrante do Setor de Medicina e Cirurgia do Pé.

Copyright RBO2001

ETIOLOGIA

Participam na gênese das deformidades fatores extrínse- cos e intrínsecos. Estes últimos estão sendo valorizados a cada dia, à medida que nos aprofundamos no entendimen- to da fisiopatologia desta complexa deformidade e na pro- porção da sofisticação das exigências terapêuticas atuais.

Fatores extrínsecos

O fator etiológico extrínseco mais importante na gênese do hálux valgo é o uso de calçados inadequados, razão pela qual a deformidade aparece quase exclusivamente em so- ciedades que utilizam calçados

(3)

. A acomodação do ante- pé, de forma trapezoidal, em calçados cuja câmara ante- rior freqüentemente é triangular, produz a aproximação das cabeças dos metatarsianos (compressão médio-lateral) e desvios lateral do hálux e medial do V artelho. A utiliza- ção de saltos elevados tende a agravar essa situação atra- vés da compressão axial, forçando cada vez mais o antepé contra a ponta do calçado.

Fatores intrínsecos

Embora o uso de calçados inadequados seja a principal causa do surgimento do complexo de deformidades, exis- tem fatores predisponentes intrínsecos que tornam o indi- víduo mais vulnerável à ação dos fatores extrínsecos. Os principais fatores intrínsecos são:

1) Varismo do I metatarsiano – O metatarsus primus varus é condição congênita, responsável pelo surgimento da maioria dos casos de hálux valgo juvenil

(4)

. No hálux valgo adquirido o varismo do I metatarsiano pode surgir como deformidade secundária em decorrência de forças atuantes sobre a cabeça do I metatarsiano.

2) Fórmula digital do tipo egípcio – O hálux é maior do que os demais artelhos, recebendo durante a marcha, espe- cialmente com calçados, a ação de forças valgizantes

(5)

.

3) Fórmula metatarsial index minus – O I metatarsiano é menor do que o II e, freqüentemente, em situação de varis- mo mais acentuado, especialmente quando combinada com a fórmula digital egípcia

(5)

. Em sua forma mais acentuada, o encurtamento congênito do I metatarsiano desencadeia a ABSTRACT

Hallux valgus deformity

The author presents a revision of the etiology, anatomy, pathology, diagnosis, and treatment of the hallux valgus deformity. The criterion for the decision making process was established based on a careful evaluation and radio- logical assessment to determine the correct procedure for each patient. The most popular and useful surgical proce- dures are presented and discussed, including technical tips and postoperative details. The author stresses that the use of only one method of treatment is not sufficient to correct all bunion deformities. Different deformities have different pathological components and magnitudes needing differ- ent operative techniques if good results are to be achieved.

Unitermos – Hálux valgo; diagnóstico radiológico; tratamento ci- rúrgico; técnicas cirúrgicas

Key words – Hallux valgus; radiological diagnosis; surgical treat- ment; surgical techniques

INTRODUÇÃO

O primeiro relato científico a respeito da deformidade conhecida como hálux valgo é devido a Volkmann

(1)

, em 1856, muito mais interessado na natureza e gênese da exos- tose medial da cabeça do primeiro metatarsiano, relacio- nada ao atrito e compressão pelos calçados, do que pro- priamente no complexo de deformidades.

A definição desta deformidade coube a Carl Hueter

(2)

, em 1871, que a descreveu como o desvio lateral (em val- go) do hálux, acompanhado de um desvio medial da cabe- ça do primeiro osso metatarsiano.

Vários autores contribuíram para chegarmos à compreen-

são do complexo de deformidades primárias e secundárias

que caracterizam o hálux valgo como é visto hoje, mas sua

primeira definição continua sendo a mais adequada e atual.

(2)

síndrome de insuficiência do I raio, que favorece o apare- cimento do hálux valgo

(6)

.

4) Superfície articular distal do I metatarsiano arredon- dada – Permite o deslocamento da falange proximal de acordo com as forças que atuem sobre o hálux. As superfí- cies articulares irregulares ou planas, por outro lado, ten- dem a resistir às forças deformantes

(7)

.

5) Inclinação lateral da superfície articular distal do I metatarsiano – Esta deformidade estática favorece o des- vio lateral de todo o conjunto, manifestando-se, principal- mente, pelo valgismo do hálux. É muito importante ressal- tar que, em virtude da inclinação lateral da superfície arti- cular da cabeça do primeiro metatarsiano, apesar do des- vio lateral do hálux, a articulação metatarsofalangeal per- manece congruente

(8)

(fig. 1).

6) Inclinação das superfícies articulares da falange pro- ximal do hálux – Estes desvios induzem ao desvio lateral do hálux sem, contudo, influenciar no grau de congruência da articulação metatarsofalangeal. Na maioria das vezes, determinam o aparecimento do hálux valgo interfalangeal (fig. 2).

7) Obliqüidade acentuada da I articulação tarsometatar- siana – Favorece o varismo do I metatarsiano, colabora com o desvio em valgo do hálux

(7)

.

8) Primeira articulação tarsometatarsiana arredondada – Aumenta a mobilidade do I raio, facilitando o desvio em varo do I metatarsiano sempre que aplicadas forças valgi- zantes sobre o hálux

(7)

.

9) Faceta articular lateral na base do I metatarsiano (re- gião de contato entre as bases do I e II metatarsianos) – A presença desta faceta articular favorece o varismo do I metatarsiano e impede seu deslocamento lateral

(9)

.

10) Pés planos valgos – O valgismo do retropé prona o hálux, obrigando-o, na fase de desprendimento do passo, a apoiar sua face medial. A resultante é uma força valgizante que atua sobre o hálux

(10,11)

. Hoje, acredita-se que os pés planos influenciem muito pouco na gênese do hálux valgo em função da grande diferença entre incidência e fraca coin- cidência, de ambas as deformidades

(7,12-14)

.

11) Frouxidão ligamentar exagerada – Faz com que as forças deformantes atuem de modo mais efetivo, por não encontrarem resistência das estruturas estabilizadoras das articulações

(15)

. Em associação com a forma e inclinação da articulação tarsometatarsiana do I raio, pode surgir o quadro de hipermobilidade do I raio, importante na gênese das formas juvenis do hálux valgo.

12) Doenças sistêmicas (neuromusculares e reumáticas) – Causam alterações no equilíbrio da musculatura intrín-

Fig. 1 – Vistas aproximadas de radiografias em AP de pacientes porta- dores de hálux valgo. Nota-se, à esquerda, a perfeita congruência arti- cular, enquanto, à direita, é nítida a subluxação lateral da falange so- bre a cabeça do metatarsiano.

Fig. 1 – Approximate view of AP X-rays of patients with hallux valgus.

On the left side, a perfect joint congruence can be seen, whereas on the right side the lateral subluxation of the phalanges over the metatarsal head is clearly observed.

Fig. 2

Radiografia em

AP de paciente

portador de

hálux valgo

interfalangeal,

em que se nota a

inclinação lateral

da superfície

articular distal da

falange proximal

do hálux

Fig. 2 – AP X-ray

of a patient with

interphalangeal

hallux valgus, in

which the lateral

inclination of the

distal joint surface

of the hallux

proximal phalanx

is observed

(3)

HÁLUX VALGO

seca e extrínseca do pé, nas estruturas capsuloligamenta- res e articulares que favorecem o aparecimento de defor- midades várias, incluindo o hálux valgo.

HEREDITARIEDADE E INCIDÊNCIA

A deformidade do hálux valgo, principalmente nas for- mas juvenis, mais dependentes dos fatores intrínsecos, apre- senta tendência familial e é transmitida por herança autos- sômica dominante com penetrância incompleta

(15)

. Lam e Hodgson

(16)

demonstraram a presença de taxas de 33% da deformidade nos povos habituados ao uso de calçados, contra 1,9% nos povos que não os usam.

Incide especialmente no sexo feminino em proporção de 2:1 quando se estudam populações infantis

(17)

, mas esta proporção se altera substancialmente quando se avaliam populações de adultos: Hardy e Clapham

(18)

detectaram uma relação de 15 mulheres para cada homem portador da de- formidade. Esses achados sugerem que a freqüência au- menta em função do uso de calçados cujas características facilitem e estimulem a deformidade no sexo feminino.

ANATOMIA DA ARTICULAÇÃO METATARSOFALANGEAL I (MTF I)

Ossos, ligamentos e músculos

A cabeça do I metatarsiano tem forma arredondada e sua superfície é recoberta por cartilagem articular que se relaciona com uma superfície elíptica, côncava e de meno- res dimensões, da base da falange proximal do hálux. Em sua face plantar, a cabeça do I metatarsiano exibe dois sul- cos, separados por uma crista central, por onde correm os sesamóides tibial e fibular. Estes, por sua vez, encontram- se envoltos por resistente moldura fibrosa – aparelho gle- no-sesamóideo – que se insere na região plantar da falange proximal do hálux.

Das regiões epicondilares da cabeça do metatarsiano partem ligamentos triangulares que se dirigem para a base da falange proximal (ligamentos colaterais medial e late- ral) e para o aparelho gleno-sesamóideo (ligamentos sesamóideos medial e lateral).

Os tendões dos músculos responsáveis pela movimenta- ção do hálux são dispostos ao redor da articulação meta- tarsofalangeal em quatro grupos: 1) Os extensores curtos e longos situados dorsalmente; 2) Os flexores curtos e lon- gos, localizados plantarmente; 3) O abdutor do hálux si- tuado medialmente; e, 4) O adutor do hálux localizado la- teralmente. Estes dois últimos tendões encontram-se em situação mais plantar, de forma que a porção dorsal da ar-

ticulação metatarsofalangeal é recoberta apenas pelas duas bandas fibrosas do capuz extensor que mantém o tendão do extensor longo do hálux em sua posição normal.

Fisiologicamente, enquanto os tendões flexores e exten- sores atuam produzindo o movimento desejado, os múscu- los adutor e abdutor estabilizam o hálux, usando como ful- cro a cabeça do I metatarsiano. Enquanto o abdutor tracio- na a falange medialmente, fazendo com que a cabeça do I metatarsiano se aproxime da cabeça do II, o adutor exerce ação antagônica e, do equilíbrio entre eles, resulta a poten- cialização da função dos flexores e extensores.

É importante notar que não há nenhuma estrutura dinâ- mica inserida na cabeça do I metatarsiano, estando todas ligadas à base das falanges do hálux. As únicas estruturas capazes de impedir a deformidade do hálux valgo seriam a porção medial da cápsula, o ligamento colateral medial e o tendão do músculo abdutor do hálux

(19)

.

Irrigação extra e intra-óssea

A irrigação extra-óssea do I metatarsiano provém da pri- meira artéria metatarsial dorsal, da primeira artéria meta- tarsial plantar e de um ramo da artéria plantar medial, que se subdividem em extensa rede de capilares que se distri- bui pelo periósteo e cápsula articular (fig. 3).

A primeira artéria metatarsial, principal fonte de irriga- ção para o I metatarsiano, provém da artéria dorsal do pé.

Ela emite ramos para as regiões da base, diáfise e cabeça deste osso. Por cursar na região dorsolateral do I metatar- siano, seus principais ramos penetram no osso por sua face lateral.

A primeira artéria metatarsial plantar origina-se do ramo perfurante da artéria dorsal do pé. Emite vários ramos para a base e diáfise do I metatarsiano e pequenos ramos para a região da cápsula MTF-I , irrigando suas porções plantar e lateral.

Na altura do colo do I metatarsiano, um ramo da artéria plantar medial faz uma anastomose com a primeira artéria metatarsial plantar. A partir desta anastomose, surge uma rede capilar que envolve os sesamóides do hálux e irriga toda a face plantar da cápsula articular. Várias anastomo- ses entre os três ramos arteriais citados delimitam o “anel extracapsular”, que parece não participar da irrigação da cabeça do metatarsiano.

A circulação intra-óssea deriva de três fontes principais:

1) Sistema arterial periostal, derivado de ramos das três

artérias citadas anteriormente; 2) Artéria nutriente princi-

pal, originária da primeira artéria metatarsial dorsal, pene-

(4)

tra na diáfise na face lateral do terço médio ou distal do metatarsiano. Na região medular, a artéria nutriente se di- vide em um longo ramo proximal que se dirige à base do osso e um ramo curto que se dirige à cabeça. Na região cefálica, este ramo da artéria nutriente se subdivide em extensa rede capilar que se anastomosa com as artérias metafisocapitais; 3) Artérias metafisocapitais são ramos

perfurantes das artérias capsulares derivadas das fontes extra-ósseas.

O sistema de artérias metafisocapitais é a principal fonte de irrigação da cabeça do I metatarsiano (fig. 4). Dois ramos penetram na cabeça em sua face dorsal e irrigam os 2/3 dorsais da cabeça. Dois ramos menores penetram na face plantar e irrigam o 1/3 plantar da cabeça. Artérias capitais, de menor calibre, penetram nos quatro quadrantes da ca- beça do I metatarsiano, responsabilizando-se, principalmen- te, pela irrigação das regiões medial e lateral da cabeça

(20)

.

Inervação

Existem quatro ramos nervosos relacionados com a re- gião do I raio e MTF-I :

1) Nervo fibular superficial – corre medialmente sobre o dorso do I metatarsiano.

2) Ramo sensitivo do nervo safeno – ocupa posição cen- tral, passando bem próximo à face medial da articulação metatarsofalangeal.

3) Ramo medial do nervo plantar medial – contorna a borda medial do sesamóide tibial, indo inervar a face me- dial do hálux em sua face plantar.

Fig. 3 – Irrigação do I metatarsiano – 1) artéria dorsal do pé; 2) pri- meira artéria metatarsial dorsal; 3) ramo perfurante da primeira arté- ria metatarsial dorsal; 4) artéria nutriente principal; 5) primeira arté- ria metatarsial plantar; 6) ramo halucal da artéria plantar medial; 7) anastomose em “cruz” entre o ramo halucal da artéria plantar medial e a primeira artéria metatarsial plantar; 8) ramo longo proximal da artéria nutriente principal; 9) ramo curto distal da artéria nutriente principal.

Fig. 3 – Irrigation of the I metatarsus – 1) dorsal artery of the foot; 2) first dorsal metatarsal artery; 3) ramus perforans of the first dorsal metatarsal artery; 4) main nutrient artery; 5) first plantar metatarsal artery; 6) hallucal branch of the medial plantar artery; 7) cruciate anas- tomosis between the hallucal branch of the medial plantar artery and the first plantar metatarsal artery; 8) long proximal branch of the main nutrient artery; 9) short distal branch of the main nutrient artery.

Fig. 4 – Irrigação da cabeça do I metatarsiano – 1) artérias metafiso- capitais dorsais, responsáveis pela irrigação dos 2/3 dorsais da cabe- ça; 2) artérias metafisocapitais plantares, responsáveis pela irrigação do 1/3 plantar da cabeça; 3) artérias capitais, responsáveis pela irriga- ção dos 1/4 medial e lateral da cabeça metatarsial.

Fig. 4 – Irrigation of the head of the I metatarsus – 1) dorsal metaphy-

seal and head arteries, responsible for the irrigation of the dorsal 2/3 of

the head; 2) plantar metaphyseal and head arteries, responsible for the

irrigation of the plantar 1/3 of the head; 3) head arteries, responsible

for the irrigation of the medial and lateral 1/4 of the metatarsal head.

(5)

HÁLUX VALGO

4) Ramo lateral do nervo plantar medial – localizado entre o I e II metatarsianos, passa sob o ligamento interme- tatarsiano e inerva a face lateral do hálux em sua face plan- tar

(21)

.

FISIOPATOLOGIA DO HÁLUX VALGO

O conhecimento da fisiopatologia do hálux valgo vem sendo o resultado da somação dos esforços de vários estu- diosos. No entanto, foram Haines e McDougall

(22)

que re- sumiram de forma mais clara e objetiva os diversos passos da evolução do complexo de deformidades.

No início do desenvolvimento do hálux valgo, a falange proximal é desviada lateralmente sobre a cabeça do I me- tatarsiano (fig. 5-1). As mesmas forças que atuam produ- zindo esse desvio exercem força varizante sobre a cabeça do I metatarsiano, que se desloca progressivamente (fig. 5- 2). Pela ação do tendão do músculo adutor do hálux, que se insere na região plantar-lateral da falange proximal e na porção lateral do aparelho gleno-sesamóideo (fig. 5-3), este não pode deslocar-se medialmente a fim de acompanhar a cabeça do I metatarsiano. A cabeça do metatarsiano prati- camente “desce” do aparelho gleno-sesamóideo que man- tém sua relação com o II metatarsiano (fig. 5-4).

À medida que esses desvios ocorrem, a porção medial da cápsula e o ligamento colateral medial alongam-se, tor- nando-se insuficientes (fig. 5-5), e o tendão do músculo abdutor do hálux assume posição plantar (fig. 5-6). Ao

mesmo tempo, a crista intersesamóidea vai-se desgastan- do a ponto de não se constituir mais em obstáculo para a luxação completa dos sesamóides.

Nas deformidades mais grosseiras (ângulos de valgismo do hálux iguais ou superiores a 35º), enquanto a cabeça do I metatarsiano se desloca medialmente e a base da falange juntamente com o aparelho gleno-sesamóideo permanecem firmemente aderidas ao tendão do músculo adutor do há- lux, o tendão do músculo abdutor assume posição plantar (fig. 5-6), tornando-se um flexor débil e um potente prona- dor do hálux (fig. 5-7).

A eminência medial, nos casos mais leves, é resultante da exposição da cabeça do metatarsiano pela lateralização da falange proximal. À medida que a deformidade progri- de, ocorre proliferação óssea na face medial da cabeça e surge um sulco sagital que separa a superfície articular da neoformação óssea. Quanto mais intensa a deformidade, mais lateral é o sulco sagital que pode induzir o cirurgião a erro grave, se tomá-lo como referência exclusiva para a exostectomia

(8)

.

Os tecidos moles que recobrem a porção medial da ca- beça do I metatarsiano e a exostose sofrem processos in- flamatórios e tornam-se espessos, frágeis ou completamente rotos. Surgem, freqüentemente, bursas na região da emi- nência medial.

Em função do valgismo progressivo do hálux, desviam- se lateralmente os tendões flexor longo e extensor longo

Fig. 5 – Fisiopatologia do hálux valgo – ver texto.

Fig. 5 – Pathophysiology of the hallux valgus – see text.

(6)

Fig. 6 – Complexo do hálux valgo: notar o desvio lateral e pronação do hálux, a saliência medial da exostose na cabeça do metatarsiano e a subluxação dorsal do segundo dedo que se encontra sobreposto e supi- nado com relação ao hálux; os III e IV dedos apresentam deformidade em “taco de golfe” e clinocamptodactilia, respectivamente.

Fig. 6 – Hallux valgus complex: observe the lateral deviation and pro- nation of the hallux, the medial prominence of the exostosis in the meta- tarsal head and the dorsal subluxation of the second toe which is over- lapped and in supination as compared to the hallux; toes III and IV present golf club deformity and clinocamptodactyly, respectively.

do hálux, que passam a ter, além do decréscimo de suas funções originais, o poder de agravar a deformidade. Este mecanismo de ação é conhecido como “corda de arco”.

A cabeça do I metatarsiano, na vigência dos fenômenos que acabamos de descrever, vai sendo progressivamente

“empurrada” medialmente, agravando o varismo do I me- tatarsiano (fig. 5-8).

DIAGNÓSTICO Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico do hálux valgo está baseado na constatação da presença do desvio em valgo e graus varia- dos de pronação do hálux, acompanhados da presença de massa que se projeta medialmente, na altura da cabeça do I metatarsiano (fig. 6). A pele que recobre a eminência medial pode apresentar sinais inflamatórios locais, espes- samento da camada queratinizada ou mesmo ulcerações.

As deformidades intensificam-se durante a ortostase.

O paciente queixa-se, principalmente, de dores sobre a região da eminência medial quando do uso de calçados mas, nos estágios mais avançados, podem surgir metatarsalgias dos raios centrais em virtude da progressiva insuficiência do I raio.

A palpação local é dolorosa e a mobilidade da articula- ção MTF-I pode estar diminuída em função da gravidade da deformidade ou de alterações degenerativas. Deve-se ten- tar estabelecer o grau de mobilidade articular da MTF-I bem como a redutibilidade da deformidade através da manobra de correção do valgismo do hálux. Dessa forma, pode ser determinado o grau de contratura da porção lateral da cáp- sula articular e do tendão do adutor do hálux e a eventual necessidade de liberação dessas estruturas.

Cabe ainda determinar o grau de frouxidão ligamentar geral e a presença ou não de hipermobilidade da articula- ção tarsometatarsial do I raio, através da mensuração goni- ométrica de seus movimentos de flexão e extensão. Sem- pre que o arco de movimento dessa articulação superar a marca de 30º (flexo-extensão), deve ser considerada a ne- cessidade de estabilização do I raio

(7)

.

O antepé assume a forma triangular e convexa, em virtu- de do deslocamento dos artelhos para a linha média e pela projeção plantar das cabeças dos metatarsianos centrais.

Acompanha freqüentemente o hálux valgo o desvio com subluxação do II dedo, que pode assumir posição em val- go, dorsiflexão exagerada e sobreposição ao hálux ou em varo com flexão plantar e sotoposição ao hálux (fig. 6).

Os demais dedos, freqüentemente, evoluem para defor- midades em garra e o V dedo pode acentuar seu varismo fisiológico, dando origem a um “joanete lateral”, conheci- do como “joanete do costureiro”.

A análise da marcha demonstra a redução da duração e da amplitude do passo e a nítida tendência ao varismo e supinação de todo o pé, no sentido de evitar a distribuição de cargas na região do I raio. O hálux perde, progressiva- mente, sua atividade funcional, passando a não participar do desprendimento do passo, que se faz através dos dedos laterais ou mesmo sob as cabeças dos metatarsianos late- rais.

É imperativa a avaliação do estado circulatório e da sen- sibilidade periférica dos pés acometidos pelo hálux valgo.

O tratamento cirúrgico das deformidades pode ser contra- indicado em condições circulatórias insatisfatórias.

A deformidade global do pé que mais freqüentemente acompanha o hálux valgo é o pé plano valgo, sendo impor- tante sua tipificação detalhada, a fim de que as medidas terapêuticas cabíveis sejam adotadas.

Diagnóstico radiológico

Seguindo a orientação do Comitê de Pesquisa da Ameri-

can Orthopaedic Foot and Ankle Society

(23)

, devem ser uti-

lizados vários parâmetros radiográficos, obtidos a partir

de radiografias nas incidências ântero-posterior e lateral

(7)

HÁLUX VALGO

em posição ortostática, para o diagnóstico, estadiamento e avaliação do tratamento do complexo de deformidades do hálux valgo (fig. 7).

Eixo mecânico do I metatarsiano – é o segmento de reta que passa pelo ponto central da cabeça do I metatarsiano e pelo ponto mediodiafisário proximal do mesmo osso. Para a obtenção do centro geométrico da cabeça do I metatar- siano, servimo-nos de um goniômetro dotado de círculos concêntricos, procurando fazer com que um deles coinci- da com a superfície articular da cabeça do I metatarsiano (excluindo-se a exostose medial). O ponto mediodiafisário da porção proximal do I metatarsiano é obtido pela mensu- ração direta da região estudada com uma régua milimetra- da. Com a utilização desse método podemos comprovar a correção do eixo mecânico do I metatarsiano após a apli- cação de técnicas cirúrgicas que se servem de osteotomias distais, nas quais o eixo anatômico do metatarsiano não é alterado

(24)

.

Ângulo de valgismo do hálux ( AVH ) – é o ângulo forma- do entre os segmentos de reta que correspondem ao eixo mediodiafisário da falange proximal do hálux e o eixo mecânico do I metatarsiano obtido pelo método que aca-

bamos de expor. Consideramos como normais os valores situados abaixo de 15º

(18)

.

Ângulo intermetatarsiano I-II ( AIM ) – é o ângulo forma- do entre os segmentos de reta que correspondem aos eixos do I e II metatarsianos traçados conforme o método descri- to anteriormente. Consideramos como normais os ângulos cujos valores sejam iguais ou inferiores a 9º

(18)

.

Desvio sesamóideo ( DS ) – é a medida do grau de sublu- xação lateral dos sesamóides. Utilizamos o critério de gra- dação de Smith et al

(23)

, no qual se toma como base a posi- ção do sesamóide tibial com relação ao eixo mecânico do I metatarsiano, podendo ser obtidas quatro gradações: Grau 0 – o sesamóide tibial está localizado medialmente ao eixo mecânico que ocupa o espaço entre os dois ossículos; Grau 1 – o sesamóide tibial é cortado pelo eixo utilizado, mas em proporção menor do que 50% de sua largura; Grau 2 – o sesamóide tibial é cortado pelo eixo utilizado e mais de 50% de sua massa total encontra-se lateralizada; e Grau 3 – quando ocorre a luxação lateral completa do aparelho gleno-sesamóideo.

É importante conhecer o sistema de classificação do há- lux valgo que leva em consideração apenas o ângulo de

Fig. 7 – Parâmetros radiológicos básicos para a avaliação do hálux valgo

Fig. 7 – Basic radiological parameters to evaluate hallux valgus deformity

(8)

valgismo do hálux, o ângulo entre o I e II metatarsianos e o grau de subluxação dos sesamóides

(25)

. Sem dispensar ou diminuir a importância dos demais parâmetros, esta classi- ficação auxilia na descrição do quadro clínico e na identi- ficação dos fatores envolvidos, facilitando o planejamento da conduta a ser adotada

(7)

:

1) Deformidade leve – é caracterizada por AVH menor do que 20º, AIM menor do que 11º e sesamóides luxados menos do que 50%.

2) Deformidade moderada – é caracterizada por AVH

entre 20º e 40º, AIM entre 11º e 16º e sesamóides luxados de 50 a 75%.

3) Deformidade intensa – é caracterizada por AVH supe- rior a 40º, AIM superior a 16º e sesamóides luxados acima de 75%.

Diferença de comprimento dos I e II metatarsianos ( DC1- 2 ) – é a medida em milímetros entre os segmentos de reta perpendiculares ao eixo mecânico do II metatarsiano e que tangenciam as superfícies articulares das cabeças do I e II metatarsianos. Como a relação estabelecida é do I para o II metatarsiano, a obtenção de um número negativo indica uma fórmula metatarsial do tipo index minus. A fórmula metatarsial index plus-minus é representada pelo valor zero e um número positivo é indicativo de uma fórmula index plus.

Congruência da articulação MTF do hálux ( CA ) – este parâmetro refere-se ao deslocamento lateral da superfície articular da falange proximal com relação à superfície da cabeça do I metatarsiano. Consideramos como congruen- tes as articulações nas quais há perfeita correspondência entre as superfícies côncava da falange e convexa da cabe- ça do metatarsiano, de forma que suas margens laterais estejam alinhadas entre si. Incongruentes são as articula- ções nas quais ocorre o deslocamento lateral da falange, o que determina o afastamento, superior a 2mm, das mar- gens laterais das superfícies articulares.

Ângulo articular distal do metatarsiano ( AADM ) – medi- do entre a linha que liga os dois pontos extremos da super- fície articular distal do I metatarsiano e a perpendicular ao eixo mediodiafisário deste mesmo osso (fig. 8). Nos pés normais, esse ângulo não supera os 8º

(*)

.

Ângulo interfalangeal do hálux ( AIF ) – medido entre os eixos mediodiafisários das falanges proximal e distal do hálux. Quando acima de 14º, firma o diagnóstico de hálux valgo interfalangeal.

Ângulo articular proximal da falange proximal ( AAPFP ) – medido entre a linha que une os pontos mais extremos da superfície articular proximal da falange proximal do hálux e a perpendicular ao eixo mediodiafisário desse mesmo osso. Consideram-se como normais ângulos de até 8º

(*)

.

Ângulo articular distal da falange proximal ( AADFP ) – medido entre a linha que une os pontos mais extremos da superfície articular distal da falange proximal do hálux e a perpendicular ao eixo mediodiafisário desse mesmo osso.

Consideram-se como normais ângulos de até 10º

(*)

.

TRATAMENTO

Tratamento conservador

O tratamento conservador do hálux valgo tem sido ba- seado na educação e orientação para a escolha e uso de calçados mais largos e de saltos baixos, a fim de evitar o surgimento das deformidades. Uma vez instaladas, resta- nos o uso de calçados especiais com câmaras anteriores amplas e mais profundas (extra depth shoes), palmilhas compensatórias e órteses noturnas.

Exceto nos casos de hálux valgo juvenil de instalação e diagnóstico precoces, em que se pode contar com a plasti- cidade das estruturas capsuloligamentares e com o poten- cial de crescimento ósseo, o uso de órteses nas deformida-

Fig. 8 Método de mensuração do AADM Fig. 8 – AADM measurement method

(*)

Netto A.A., Nery C.A.S., Benevento M., Ressio C.R.: Avaliação radio-

gráfica do halux valgo. Acta Ortop Bras – no prelo.

(9)

HÁLUX VALGO

des estruturadas não tem oferecido resultados muito ani- madores

(26)

.

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico do hálux valgo tem sido objeto de inúmeros trabalhos na literatura. Kelikian

(27)

relacionou mais de 130 técnicas descritas, cada qual com suas vanta- gens, limitações e riscos. Em levantamento realizado há dois anos, conseguimos identificar 150 procedimentos di- ferentes.

Os objetivos que devem nortear o tratamento cirúrgico do hálux valgo foram delineados por Lapidus

(28)

e revistos por Mann

(29)

e são:

1) Corrigir o valgismo e pronação do hálux através de medidas que reequilibrem os agentes estáticos (superfícies articulares, cápsula e ligamentos) e dinâmicos (músculos) da região MTF-I .

2) Corrigir o varismo primário ou secundário do I meta- tarsiano.

3) Corrigir a subluxação lateral do aparelho gleno-sesa- móideo.

4) Reduzir o tamanho da eminência medial através da ressecção da exostose e pelo reposicionamento da cabeça do I metatarsiano.

5) Corrigir os fatores etiológicos predisponentes preexis- tentes.

Esses objetivos devem observar os seguintes princípios básicos: a) Corrigir as deformidades sem produzir incapa- cidade residual; b) Restaurar o padrão normal de distribui- ção de cargas no antepé; c) Manter a mobilidade articular sempre que possível; e d) Dispor de métodos de salvamen- to para o tratamento das eventuais complicações.

Com isso em mente, seguimos o algoritmo de tratamen- to do hálux valgo proposto por Mann

(29)

. Apesar de respei-

Fig. 9 – Esquemas das técnicas cirúrgicas utilizadas no algoritmo atual (ver detalhes no texto): a) exostectomia com capsuloplastia; b) osteotomia de Akin; c) osteotomia em chevron clássica; d) osteotomia em chevron biplana; e) reparação de partes moles distais; f) osteotomia de Mitchell; g) osteotomia da base combinada com a reparação de partes moles distais; h) artroplastia de Keller; i) artrodese metatarsofalangeal; j) artrodese tarsometatarsial.

Fig. 9 – Scheme of surgical techniques used in the current algorithm (see text for details): a) exostectomy with

capsuloplasty; b) Akin’s osteotomy; c) classical chevron osteotomy; d) biplane chevron osteotomy; e) repair of

the distal soft tissue; f) Mitchell’s osteotomy; g) base osteotomy combined to repair of distal soft tissue; h)

Keller’s arthroplasty; i) metatarsophalangeal arthrodesis; j) tarsometatarsal arthrodesis.

(10)

tar os limites angulares originais, por vezes são incluídas novas alternativas técnicas que significam, em última aná- lise, ampliação do arsenal terapêutico e novas respostas ao avanço na compreensão da fisiopatologia da deformidade.

Nesse algoritmo, a primeira diferenciação que deve ser feita é exatamente a respeito da qualidade da articulação meta- tarsofalangeal do hálux – devemos diferenciar as articula- ções congruentes das incongruentes e daquelas em que já se detectam os sinais degenerativos.

Articulação MTF-I congruente

Quando predomina a exostose medial com valgismo dis- creto ou inexistente do hálux, a melhor tática é representa- da pela exostectomia simples acompanhada da reparação de tecidos moles distais (capsuloplastia).

Quando o ângulo de valgismo do hálux ( AVH ) é inferior a 20º, o ângulo intermetatarsiano ( AIM ) inferior a 15º e o ângulo articular distal do primeiro metatarsiano ( AADM ) inferior a 8º, indica-se a osteotomia em chevron clássica.

Na vigência de AADM superior a 8º, está indicada a aplica- ção de técnica que corrija ao mesmo tempo todas as defor- midades. Embora já tenha surgido na literatura a indicação de osteotomias duplas ou triplas para essa finalidade (os- teotomia de Akin combinada com osteotomia distal do metatarsiano – Mitchell ou Reverdin e osteotomia de adi- ção na cunha medial)

(8)

, parece-nos que a adoção da técnica de osteotomia em chevron biplana é bastante mais adequada.

Ainda dentro desse mesmo grupo, quando ao hálux val- go metatarsofalangeal se associa o hálux valgo interfalan- geal – ângulo de valgismo interfalangeal superior a 14º, faz-se necessária a mensuração dos ângulos de inclinação das articulações proximal ( AAPFP ) e distal ( AADFP ) da fa- lange proximal do hálux. Com essa informação, podere- mos determinar o local ideal para a realização da osteoto- mia de Akin que complementará a correção. Se o AAPFP

superar 8º, a osteotomia de Akin deverá ser realizada na região metafisária proximal da falange proximal do hálux;

se o AADFP for igual ou superior a 10º, a osteotomia será localizada na região metafisária distal; se ambos os ângu- los apresentarem valores acima do esperado, a osteotomia diafisária deverá produzir a redução de ambas as deformi- dades a um só tempo.

Articulação MTF-I incongruente

Quando se associam AVH inferiores a 30º e AIM inferio- res a 15º, podemos aplicar a técnica de reparação de partes moles ou a osteotomia em chevron distal. Diferentemente de outros autores, não limitamos a realização da osteoto-

mia em chevron a indivíduos abaixo de 50 anos. Ainda desta vez, se houver anormalidades das inclinações das superfí- cies articulares distal do I metatarsiano ou falangeal, po- derão ser aplicadas as técnicas de osteotomia em chevron biplana ou a osteotomia de Akin, conforme as sugestões já apresentadas.

Quando o AVH se situa entre 30º e 40º e o AIM entre 15º e 20º, podem ser utilizadas a técnica de Mitchell ou a repa- ração e tecidos moles distais associada à osteotomia da base do I metatarsiano.

Quando a deformidade é mais intensa e o AVH supera os 40º, ao mesmo tempo em que o AIM supera os 20º, apenas as osteotomias diafisárias ou metafisárias proximais são capazes de corrigi-las. A reparação de tecidos moles dis- tais associada à osteotomia da base é a técnica mais difun- dida, embora grande número de alternativas esteja encon- trando adeptos, especialmente por reduzir algumas dificul- dades inerentes à osteotomia metafisária proximal.

Articulação MTF-I degenerativa

Nos estágios iniciais de degeneração articular, está indi- cada a artroplastia de ressecção de Keller com as modifi- cações propostas por Mann

(29)

. Quando as alterações são mais intensas, com grande destruição da cartilagem, resta- nos a alternativa da fusão articular. A artrodese da MTF-I

pode ser obtida por diferentes métodos, cujos objetivos básicos devem ser a obtenção de grandes áreas de contato entre o metatarsiano e a falange e a estabilização firme dos segmentos a serem fundidos.

Situações especiais

Na vigência de hálux valgo moderado ou intenso ( AVH

de 30º ou mais e AIM de 16º ou mais) em associação com a hipermobilidade da articulação cuneometatarsial do I raio, deve ser considerada a possibilidade de artrodese desta ar- ticulação. Apesar da subjetividade dos métodos utilizados para a mensuração dessa “hipermobilidade”, sugere-se que o cirurgião lhe dispense atenção especial, sob pena de ver comprometido o resultado do tratamento empreendido.

Em todas as circunstâncias apontadas anteriormente, é

necessária a avaliação da saliência dorsal da cabeça do I

metatarsiano e, quando necessário, sua cuidadosa ressec-

ção durante o ato operatório. O “joanete dorsal”, menos-

prezado pelo paciente e pelo médico na fase pré-operató-

ria, pode ser o desconcertante motivo de resultados insa-

tisfatórios. Sugerimos sua avaliação rotineira e o “rebaixa-

mento” do perfil dorsal da cabeça do metatarsiano sempre

que, durante a manobra de hiperflexão da MTF, surgir sa-

liência considerável.

(11)

HÁLUX VALGO

TÉCNICAS

A seguir, descreveremos com detalhes as técnicas utili- zadas para o tratamento do hálux valgo, conforme os crité- rios que acabamos de especificar, por sua ordem de entra- da na seqüência de indicações e não por ordem cronológi- ca ou de importância.

Exostectomia e capsuloplastia

1) Incisão curvilínea de concavidade dorsal na face me- dial da região MTF-I .

2) Abertura em transversal da cápsula, mantendo-se um forte retalho capsular aderido à base da falange proximal do hálux. Pode ser necessária a excisão de um pequeno segmento capsular para obter-se a tensão desejada.

3) Exostectomia utilizando-se como guia o sulco sagital que separa a superfície articular do tecido ósseo neofor- mado. É muito importante ressaltar que a utilização deste sulco como indicação para a realização da ostectomia só é segura nos casos de deformidades leves. Nas deformida- des mais intensas o sulco desloca-se medialmente, ocu- pando posição cada vez mais lateral. Ao usar esse ponto de referência para a realização da ostectomia, podemos estar ressecando, exageradamente, uma grande porção da cabe- ça do I metatarsiano, induzindo à instabilidade articular.

Para esse tempo cirúrgico podem ser usados formões lami- nares ou serra elétrica de pequenos ossos.

4) Podem ser realizados ou não o alongamento capsular lateral e a tenotomia do tendão conjunto do abdutor do hálux, através da incisão medial.

5) Capsulorrafia corrigindo o valgismo do hálux.

Pós-operatório – Após o fechamento da incisão, é apli- cado curativo gessado capaz de manter o correto posicio- namento do hálux, que permanece por duas semanas. Após esse tempo, são retiradas as suturas e utiliza-se de espaça- dor de espuma entre o I e II artelhos para proteção da sutu- ra capsular até a 8

a

semana. O paciente é autorizado a deam- bular com tamancos de madeira com solas convexas a par- tir da segunda semana.

Estudo crítico – A técnica de Silver

(30)

é bastante limita- da em sua capacidade corretiva do hálux valgo sendo re- servada aos casos de intensidade leve ou para os pacientes portadores de complicações gerais importantes para os quais seja imprescindível intervenção rápida. A técnica oferece baixos riscos de complicações, mas, se aplicada a deformidades grosseiras, apresenta baixa capacidade cor- retiva e alta taxa de recidiva da deformidade. A complica- ção mais grave resulta da interrupção da irrigação do há-

lux no momento da capsulotomia lateral através da incisão medial, que deve ser realizada com extremo cuidado e em casos bem selecionados.

Osteotomia da falange proximal de Akin

1) Incisão cutânea medial, retilínea ou arqueada, desde o terço distal da falange proximal do hálux até a região da

MTF-I .

2) Abertura longitudinal do periósteo da falange e da cápsula MTF-I . A dissecção periostal na diáfise da falange deve ser econômica a fim de reduzir o risco de retardo de consolidação do foco de osteotomia.

3) Demarca-se uma cunha de base medial na região da falange proximal do hálux em que se situe o ápice da de- formidade e realiza-se sua ressecção com serra elétrica para pequenos ossos. A magnitude da cunha a ser ressecada depende da deformidade a ser corrigida. Para evitar des- vios rotacionais, toma-se o cuidado de preservar a cortical lateral no momento da osteotomia. No momento da corre- ção da deformidade, o foco de osteotomia é fechado, usan- do como fulcro a cortical lateral deixada intacta. De ma- neira prática, recomendamos que os traços próximos às articulações sejam paralelos a estas, enquanto os traços diafisários sejam perpendiculares ao eixo mediodiafisário da falange. Dessa forma, para corrigir angulações da su- perfície articular proximal, desenhamos o braço proximal da osteotomia paralelo à superfície articular proximal. O outro braço é desenhado perpendicularmente ao eixo mé- dio da falange. Quando a deformidade incide sobre a su- perfície articular distal, traçamos o corte distal paralelo à superfície articular distal, enquanto o corte proximal se mantém perpendicular ao maior eixo da falange. Quando ambas as superfícies articulares estão alteradas, realiza-se osteotomia diafisária com cada traço da osteotomia para- lelo a uma das superfícies articulares da falange proximal do hálux.

4) O foco de osteotomia é fixado com um ou dois fios de Kirschner finos que não ultrapassam a articulação MTF-I

ou com amarrias de aço passadas através de pequenos ori- fícios ósseos.

5) A cápsula e o periósteo são suturados de maneira a garantir a cobertura das estruturas envolvidas na cirurgia.

Pós-operatório – Após o fechamento da incisão é aplica-

do um curativo com bandagens simples e a deambulação

com tamancos de sola convexa ou botas pós-operatórias é

permitida tão logo o paciente deseje. A sutura de pele é

removida no final da segunda semana e os fios de Kirsch-

(12)

ner, quando existentes, são retirados ao final de quatro se- manas.

Estudo crítico – A técnica de Akin

(31)

foi originalmente desenvolvida para o tratamento do hálux valgo, pois, na visão de seu idealizador, modificava o eixo de atuação dos tendões FLH e ELH , interrompendo o fenômeno da “corda de arco”. Seus resultados, no entanto, foram bastante insa- tisfatórios. A técnica foi “redescoberta” a partir da valori- zação do valgismo interfalangeal como achado exclusivo ou integrando o complexo de deformidades do hálux val- go. A técnica é geralmente utilizada em associação com as demais, sempre que houver participação da articulação in- terfalangeal do hálux agravando o valgismo do hálux. Sua principal complicação é o retardo de consolidação e pseu- dartrose da falange, de ocorrência rara.

Osteotomia em “chevron”

1) Realiza-se incisão de aproximadamente 5cm levemen- te côncava dorsalmente, sobre a face medial da região me- tatarsofalangeal do hálux, na transição entre a pele dorsal e a pele plantar.

2) Realiza-se incisão em forma de “Y”, de modo a man- ter um retalho triangular de cápsula aderido à base da fa- lange proximal do hálux que será utilizado, no momento da capsulorrafia, para a correção do valgismo do hálux. Os dois lábios da incisão são dissecados de forma a permitir sutura firme no momento do fechamento, com o cuidado de não comprometer a circulação lateral do colo e cabeça do metatarsiano.

3) A exostectomia é realizada com o auxílio de serra oscilatória com lâmina especial para pequenos ossos, ten- do-se o cuidado de observar o sentido dorsoplantar, consi- derando como limite máximo de ressecção o sulco sagital.

Além disso, o plano de corte deve ser paralelo à linha ima- ginária que tangencia a margem medial do pé e não à linha imaginária que tangencia o I metatarsiano. Dessa forma, evita-se a retirada exagerada de massa óssea e o envolvi- mento da diáfise do metatarsiano na área ressecada, o que iria pôr em risco a estabilidade do futuro foco de osteotomia.

4) Marca-se o centro da cabeça do metatarsiano na re- cém-produzida área cruenta que resultou da exostectomia.

Aí são demarcados os braços da osteotomia em “V” com 60º a 70º de abertura entre seus braços.

5) Uma vez completada a osteotomia, promove-se o des- locamento sagital lateral da cabeça do metatarsiano, utili- zando-se para isso uma pinça de campos aplicada sobre o fragmento proximal e o polegar do cirurgião no fragmento

distal. Uma vez atingido o deslocamento pretendido, reali- za-se discreta pressão axial com o intuito de promover a impacção da região osteotomizada. Este deslocamento não deve exceder a metade da largura total da cabeça do I me- tatarsiano, para não comprometer a estabilidade do foco de osteotomia.

6) Em decorrência do deslocamento lateral da cabeça do metatarsiano, torna-se proeminente, medialmente, um triân- gulo que inclui parte do “V” osteotomizado e uma peque- na porção metafisodiafisária do metatarsiano. Este triân- gulo remanescente é ostectomizado com o auxílio da serra oscilatória, observando-se a orientação dorsoplantar, no plano paralelo à margem medial do pé.

7) Realiza-se a capsulorrafia com fios de absorção tar- dia (poligalactina 0), tomando-se o cuidado de manter o hálux em discreta hipercorreção (10º de varo e 15º de fle- xão plantar).

8) Após a sutura dos planos superficiais, um chumaço de gaze é colocado entre o I e II artelhos, mantendo a cor- reção obtida, e aplica-se curativo gessado, que permanece por quatro a cinco dias.

Pós-operatório – Após a retirada do curativo cirúrgico, mantém-se um espaçador entre os I e II dedos e permite-se a deambulação com tamancos de sola convexa ou órteses pós-operatórias de Barouk, assim que o paciente se dispu- ser a isso. O retorno ao uso de calçados normais deve ser retardado para a 6ª semana pós-operatória.

Estudo crítico – A técnica da osteotomia distal em che-

vron, descrita por Corless

(32)

e redescoberta por Austin e

Leventen

(33)

, é a técnica mais utilizada na atualidade para o

tratamento do hálux valgo em suas formas leves e modera-

das. Recebeu críticas, logo de sua introdução, em função

das dificuldades técnicas para sua realização, fator consi-

derado absolutamente desprezível atualmente. Apresenta,

por suas próprias características arquitetônicas, grande es-

tabilidade intrínseca, que dispensa fixação interna e garan-

te rápida recuperação ao paciente. Em função de sua capa-

cidade corretiva limitada a 3º para o AVH e 1,5º para o AIM ,

para cada milímetro de deslocamento lateral da cabeça do

I metatarsiano, aplica-se aos casos cujas deformidades se

restrinjam aos limites apresentados

(34)

. “Forçar” os limites

de indicação desta osteotomia significa correr alto risco de

complicações e de insatisfação dos pacientes

(7)

. Sua prin-

cipal complicação é o risco de necrose asséptica da cabeça

do I metatarsiano, que ocorre em taxas que variam de zero

a 50% conforme o método utilizado para o diagnóstico

(35)

.

Os autores que se serviram da ressonância magnética para

(13)

HÁLUX VALGO

estabelecer o diagnóstico determinaram as mais altas taxas de necrose que, curiosamente, não se acompanharam de manifestações clínicas nos pacientes que as apresentaram.

Sabe-se, em função desses achados, que as possíveis com- plicações vasculares são contornadas pela farta circulação local, desde que tenham sido respeitados os limites de dis- secção e desperiostização da porção lateral da cabeça do I metatarsiano

(7,20)

. Em nossa experiência, não observamos nenhum caso de necrose da cabeça do I metatarsiano com sua utilização

(34)

. Com esta técnica, não se consegue a cor- reção da pronação do hálux nem tampouco a melhora de quadros degenerativos articulares, razão pela qual não se pode utilizá-la na presença desses achados.

O encurtamento relativo do I metatarsiano com a utili- zação dessa técnica é de pequena monta (média de 0,59mm), não se constituindo em preocupação real

(36)

. Não é comum o aparecimento de metatarsalgia de transferência quando a osteotomia em chevron distal é aplicada adequa- da e corretamente.

Osteotomia em chevron biplana

A osteotomia em chevron biplana inicia-se da mesma forma que a técnica original, até o momento da demarca- ção e realização das osteotomias (tempos 1, 2 e 3 de osteo- tomia em chevron). Relataremos, portanto, a técnica cirúr- gica a partir daquele ponto.

4) Marca-se o centro da cabeça do metatarsiano na re- cém-produzida área cruenta que resultou da exostectomia.

Aí são demarcados os braços da osteotomia em “V”, que agora seguem a seguinte orientação: o braço inferior é pa- ralelo à linha do solo e é mais longo do que o originalmen- te descrito; o braço superior é mais curto e quase perpendi- cular ao inferior (80º).

5) Uma vez completada essa fase da osteotomia, reali- za-se novo corte, agora de orientação dorsoplantar, envol- vendo apenas a região do braço dorsal da osteotomia em

“V”. A orientação desse corte é paralela à superfície arti- cular distal do I metatarsiano, de forma que, ao ser retirada a cunha dorsal de base medial, ocorra a rotação interna do fragmento cefálico, corrigindo o AADM alterado. Promo- ve-se o deslocamento sagital lateral da cabeça do metatar- siano ao mesmo tempo em que se observa sua rotação in- terna. Uma vez atingidas as correções pretendidas, realiza- se discreta pressão axial com o intuito de promover a im- pacção da região osteotomizada.

6) Ao mesmo tempo em que se mantém a correção obti- da com o pressionamento das partes, realiza-se orifício dor-

soplantar, no qual será passado parafuso de pequenos frag- mentos para a fixação da osteotomia com técnica de com- pressão interfragmentária.

7) Com o auxílio da mesma serra utilizada na realização da osteotomia, procede-se à regularização da borda medial da região metafisária do primeiro metatarsiano.

8) A capsulorrafia, a sutura dos planos superficiais e a colocação do curativo operatório seguem os mesmos cui- dados já apontados na descrição da técnica original.

Pós-operatório – Apesar da inclusão de mais um plano de osteotomia, os cuidados e os prazos pós-operatórios são idênticos aos observados para a técnica original. A utiliza- ção de síntese interna, ao invés de se constituir em obstá- culo, favorece a deambulação precoce por aumentar a es- tabilidade do foco de osteotomia.

Estudo crítico – A técnica descrita veio complementar a osteotomia em chevron, ampliando-lhe a capacidade cor- retiva. Não são poucos os casos em que se percebe a parti- cipação do AADM na gênese da deformidade e que, até en- tão, não eram adequadamente tratados. A valorização dos fatores intrínsecos na gênese do hálux valgo exigiu a cria- ção de recursos capazes de permitir sua abordagem. Ape- sar do pequeno número de casos descritos na literatura, podemos inferir que esta modificação será largamente uti- lizada em futuro próximo, em virtude da qualidade de re- sultados que oferece

(37,38,39)(*)

.

Reparação de tecidos moles (técnica de McBride, modificada por DuVries)

1) Através de uma incisão cutânea levemente côncava, sobre a face medial da MTF-I , expõe-se a cápsula articular.

2) Realiza-se uma capsulotomia em “Y”, mantendo-se um retalho firmemente aderido à base da falange proximal do hálux.

3) Realiza-se a exostectomia medial com formão ou ser- ra elétrica, tomando o cuidado de não ressecar demasiada- mente osso da cabeça do I metatarsiano. Atenção para o exagero que pode ser induzido pela utilização do sulco sa- gital como guia da exostectomia.

4) Realiza-se uma incisão retilínea dorsal sobre o pri- meiro espaço interdigital e, através de dissecção romba, identifica-se, isola-se e tenotomiza-se o tendão conjunto do músculo adutor do hálux.

5) A partir da tenotomia, o hálux é capaz de deslocar-se medialmente e pratica-se, se necessário, a capsulotomia da porção lateral da MTF-I .

(*)

Nery C.A.S., Barroco R., Réssio C.: Biplanar “chevron” osteotomy. Foot

and Ankle – no prelo.

(14)

6) Realiza-se a sutura do tendão do adutor do hálux à cápsula lateral da MTF-I com fios de absorção lenta (poli- galactina 0.0).

7) A capsulorrafia medial é realizada com o hálux man- tido em posição de discreta hipercorreção e as incisões ci- rúrgicas são suturadas de maneira habitual.

Pós-operatório – O curativo gessado aplicado após a ci- rurgia deve ser mantido por 15 dias, ocasião em que são retirados os pontos de pele. A partir daí, o paciente é enco- rajado a iniciar marcha com tamancos de sola convexa, mantendo os I e II dedos afastados até a 8ª semana de pós- operatório.

Estudo crítico – A técnica de McBride

(40)

, tal como foi descrita em 1935, já não encontra adeptos, principalmente por recomendar a ressecção do sesamóide fibular, fato que causa, à luz da biomecânica, mais malefícios do que a pa- tologia original. No entanto, os demais tempos da técnica e as modificações sugeridas por DuVries

(41)

, representadas especialmente pela reinserção do tendão conjunto do mús- culo adutor do hálux à porção lateral da cabeça do I meta- tarsiano, fizeram por manter esta técnica como uma im- portante arma no arsenal para o tratamento do hálux valgo.

Os tempos descritos podem ser utilizados isoladamente nos casos moderados, ou associados a outras técnicas nos ca- sos mais graves. É uma técnica praticamente isenta de com- plicações, já que todos os tempos são realizados sob visão direta, mas apresenta taxa relativamente alta de recidivas quando realizada em pacientes portadores de metatarsus primus varus congênito (primário) acentuado.

Osteotomia de Mitchell

1) Através de uma incisão cutânea levemente côncava, sobre a face medial da MTF-I , expõe-se a cápsula articular.

2) Realiza-se uma capsulotomia em “Y”, mantendo-se um retalho firmemente aderido à base da falange proximal do hálux.

3) Realiza-se a exostectomia medial com serra elétrica, usando como guia o sulco sagital.

4) Expõe-se a região da cabeça e colo do I metatarsiano, tomando-se o cuidado de evitar comprometer a irrigação que entra pela face lateral da articulação.

5) Realizam-se dois orifícios dorsoplantares, na região do colo do I metatarsiano, afastados 1cm entre si. O distal é posicionado mais medialmente e o proximal, mais late- ralmente, de forma que, quando a cabeça for deslocada la- teralmente, os orifícios se encontrem alinhados. Por eles é passado fio de aço trançado (aciflex 0).

6) No espaço compreendido entre os dois orifícios são realizadas duas osteotomias dorsoplantares. A osteotomia proximal é completa e pode ser inclinada ântero-posterior- mente para produzir uma flexão do fragmento distal quan- do se pretende aumentar a ação do I raio no suporte do peso corporal

(42)

. A osteotomia distal é incompleta de for- ma a criar um degrau lateral que será usado para a estabili- zação do foco de osteotomias.

7) Uma vez completadas as osteotomias, o fragmento cefálico é deslocado lateralmente até que o degrau em sua porção lateral apóie na cortical lateral da diáfise do meta- tarsiano. A sutura metálica é, então, tensionada de modo a estabilizar os fragmentos entre si.

8) A capsulorrafia é realizada com o hálux mantido em posição de hipercorreção, os planos superficiais são sutu- rados de maneira usual e é aplicado um curativo gessado.

Pós-operatório – O primeiro curativo é trocado em qua- tro a cinco dias, mas o paciente é impedido de caminhar por três semanas. No 15º dia as suturas de pele são retira- das e, no final da 3ª semana, são aplicados aparelhos ges- sados suropodálicos para a marcha. Estes serão mantidos por outras três semanas, após as quais se inicia o programa de reabilitação funcional.

Estudo crítico – A técnica de Mitchell

(42)

foi introduzida

para melhorar a estabilidade do foco de osteotomia da re-

gião do colo e cabeça do I metatarsiano, originalmente pro-

posta por Hohmann

(10)

. Apresenta o grave inconveniente

de requerer ampla dissecção da região do colo e cabeça do

I metatarsiano para sua correta realização, fato que contri-

bui para o aumento do risco de necrose do fragmento cer-

vical distal. Além disso, promove o encurtamento do I

metatarsiano que, quando superior a 5mm, pode desenca-

dear o aparecimento de metatarsalgia de transferência dos

raios laterais

(42)

. Sua capacidade corretiva é superior à da

osteotomia em chevron

(43)

(média de 10º a 25º para o ângu-

lo de valgismo do hálux e 5º a 10º para o ângulo intermeta-

tarsiano I-II

(7)

), mas seu uso deve ser baseado no princípio

da manutenção de uma fórmula metatarsial harmônica,

evitando a sobrecarga dos raios centrais. A alteração do

plano dorsoplantar da osteotomia proximal, favorecendo

flexão do fragmento distal, pode ser um recurso útil nas

eventualidades em que o hálux valgo já se faz acompanhar

de metatarsalgias laterais

(44)

. A estabilidade do foco de os-

teotomia é bastante satisfatória, mas o tempo de incapaci-

tação para a obtenção da consolidação é bastante longo,

constituindo-se em um obstáculo importante para sua acei-

tação.

(15)

HÁLUX VALGO

Osteotomia da base do I metatarsiano

1) A osteotomia cupuliforme da base do I metatarsiano é usualmente utilizada em conjunto com a técnica de repa- ração de tecidos moles já mencionada; portanto, sua des- crição se inicia após o tempo quatro daquela técnica.

2) Realiza-se incisão retilínea dorsal sobre a região tar- sometatarsial do I metatarsiano, expondo-se sua base.

3) Com o auxílio de uma serra elétrica com lâmina se- micircular, realiza-se a osteotomia em cúpula no sentido dorsoplantar. (Na ausência desse equipamento, pode-se

“desenhar” a osteotomia desejada com pequenos orifícios de broca e complementá-la com osteótomos laminares es- treitos).

4) Uma vez completada a osteotomia, desloca-se o me- tatarsiano lateralmente, usando como fulcro o centro da osteotomia.

5) Atingido o deslocamento pretendido, fixa-se a osteo- tomia com fio de Kirschner ou parafuso.

Pós-operatório – Os curativos e as suturas são trocadas como já descrito para a RTM , mas não se permite a marcha até o final da 6ª semana.

Estudo crítico – A osteotomia da base do I metatarsiano é, indubitavelmente, a técnica que melhor e mais direta- mente atua sobre o principal fator etiológico intrínseco do hálux valgo, caracterizado pelo varismo do I metatarsiano.

A técnica de osteotomia cupuliforme é superior às demais (osteotomias cuneiformes de ressecção ou de adição), por produzir alterações mínimas do tamanho do I metatarsia- no, por ser relativamente mais estável e por criar maior área de contato ósseo que favorece a consolidação

(7,8,25,29)

. A realização da osteotomia “em crescente”, com a conca- vidade dirigida anteriormente, determinava algum grau de dificuldade para a osteossíntese entre os fragmentos. Em função disso, Mann

(7,8,25,29)

, seu maior defensor, sugere a realização da osteotomia com sua concavidade dirigida posteriormente, de forma a garantir a permanência de maior estoque ósseo no fragmento proximal (base do metatarsia- no), facilitando a colocação e estabilização dos parafusos.

Os inconvenientes da sua aplicação são sua relativa difi- culdade técnica, a necessidade de fixação interna, a neces- sidade de várias vias de acesso para o tratamento dos de- mais componentes da deformidade e o longo tempo de in- capacitação necessário para a consolidação. Por esses mo- tivos, sua aplicação, em nossa experiência, fica restrita aos casos em que o varismo do I metatarsiano supere a capaci- dade corretiva das osteotomias distais.

Artroplastia de ressecção – Técnica de Keller 1) Realiza-se incisão levemente côncava, dorsalmente, desde o terço distal da falange proximal do hálux, até a região da MTF-I .

2) Pratica-se a capsulotomia em forma de “C”, de modo a produzir um retalho capsular aderido à cabeça do I meta- tarsiano.

3) Realiza-se a desinserção e reparação do aparelho gle- no-sesamóideo da porção plantar da base da falange e, a seguir, inicia-se a ressecção da base da falange e da exos- tose da cabeça do I metatarsiano com o auxílio de serra elétrica.

4) Com o auxílio de uma broca de 2mm, realizam-se dois orifícios na face plantar e um orifício na face medial da falange remanescente.

5) Sob visão direta, introduz-se retrogradamente um fio de Kirschner no canal medular da falange, exteriorizando- o na extremidade distal do hálux.

6) Nos orifícios plantares, reinsere-se o aparelho gleno- sesamóideo e, no orifício medial, sutura-se o retalho cap- sular, que deve incluir o tendão do músculo abdutor do hálux.

7) Com o hálux mantido na posição de correção, o fio de Kirschner é passado através da cabeça do I metatarsiano, com o intuito de manter o alinhamento e o distanciamento entre a superfície articular da cabeça e a área cruenta da falange.

Pós-operatório – Após a sutura dos planos superficiais, aplica-se curativo gessado, que permanece por uma sema- na. As suturas são removidas no 15º dia e o paciente é en- corajado a deambular com tamancos de solas convexas. O fio de Kirschner deve ser mantido por quatro a seis sema- nas, se possível.

Estudo crítico – A artroplastia de Keller

(45)

(1912) foi,

sem dúvida, a técnica mais popular para o tratamento do

hálux valgo no passado. Da forma como foi descrita, prati-

cava-se uma ressecção exagerada da falange proximal e

permitia-se a migração proximal do aparelho gleno-sesa-

móideo, fatos que contribuíam para o agravamento da in-

suficiência do I raio, gerando deformidades secundárias,

como o halux extensus. A prática de uma ressecção econô-

mica da falange proximal e a reinserção do aparelho gle-

no-sesamóideo e do músculo abdutor do hálux à falange

remanescente reduziram esses inconvenientes. A utiliza-

ção de métodos de fixação no sentido de garantir o alinha-

(16)

mento e o comprimento do raio, dando ensejo ao preenchi- mento do espaço criado pela ressecção da base da falange por tecido fibroso, reduziu o aparecimento de deformida- des iatrogênicas. Em nossa experiência, essa técnica se res- tringe aos portadores de hálux valgo com degeneração e rigidez articulares leves ou moderadas.

Artrodese da metatarsofalangeal (McKeever, 1952) 1) Realiza-se uma incisão medial, levemente côncava, dorsalmente, desde o terço médio da falange proximal, passando pelo centro da eminência medial, até o colo do I metatarsiano.

2) A capsulotomia é realizada longitudinalmente, de for- ma a expor a diáfise e a base da falange proximal e a região da cabeça e colo do metatarsiano.

3) Expõem-se as superfícies articulares da base da fa- lange e da cabeça do I metatarsiano. Com uma cureta ou raspa, retira-se todo o tecido cartilagíneo dessas superfí- cies, tomando-se o cuidado de expor o osso subcondral.

4) Posiciona-se a falange proximal do hálux em 10º a 15º de dorsiflexão com relação ao solo (25º a 30º com rela- ção ao I metatarsiano) e em 15º de valgismo.

5) Com o hálux mantido na posição correta, faz-se um orifício com broca da porção medial ou plantar da falange proximal até o metatarsiano e introduz-se um parafuso de 6cm (do tipo maleolar ou esponjoso) que vá situar-se no canal medular do I metatarsiano, comprimindo o foco da artrodese.

6) Originalmente, é recomendada a ressecção do sesa- móide tibial para tornar possível o fechamento da cápsula, o que não é, invariavelmente, necessário.

Pós-operatório – Após o fechamento dos planos superfi- ciais, aplica-se um curativo gessado, que permanece até o 4º ou 5º dia pós-operatório. As suturas cutâneas são retira- das em 15 dias e o paciente é autorizado a deambular com aparelho gessado suropodálico com descarga posterior até a 8ª semana.

Estudo crítico – Várias técnicas já foram propostas para a artrodese da MTF-I , mas aquela descrita por McKeever

(46)

tem-se mostrado bastante satisfatória e segura, por não pro- duzir grandes encurtamentos no I raio e permitir perfeita coaptação das superficiais a serem artrodesadas. A estabi- lidade é garantida por fixação temporária ou definitiva, sendo que temos optado pela última. Sua aplicação res- tringe-se aos casos com intensa degeneração articular e

como medida de salvamento nos insucessos graves de ou- tras técnicas.

Artrodese da articulação cuneometatarsial do I raio (Lapidus)

A artrodese da articulação tarsometatarsial para o trata- mento do hálux valgo acompanhado de hipermobilidade do I raio é realizada em conjunto com a técnica de repara- ção de partes moles descrita anteriormente. Considera-se, portanto, que o primeiro tempo da artrodese siga o sétimo passo descrito para aquela técnica.

1) Através de incisão retilínea dorsal de aproximadamen- te 3cm, identifica-se a articulação cuneometatarsial do I raio.

2) Com o auxílio de osteótomos laminares, decorticam- se as superfícies articulares, tomando-se o cuidado de orien- tar os planos de osteotomia de forma a lateralizar e fletir le- vemente o I metatarsiano. Dessa forma, corrige-se, a um só tempo, o varismo do I metatarsiano e a insuficiência do raio.

3) Uma vez certificados da correção das deformidades e do máximo contato entre as superfícies osteotomizadas, realiza-se a fixação interna com dois parafusos corticais.

O primeiro é orientado segundo o eixo longo do raio e fixa o I metatarsiano à cunha medial. O segundo, oblíquo, fixa a base do I metatarsiano à cunha intermédia.

Pós-operatório – Aplica-se curativo gessado bem acol- choado por quatro ou cinco dias, que é substituído por bota em posição neutra. Não se permite a descarga do peso cor- poral sobre o membro operado por, pelo menos, seis a oito semanas. À medida que surgem sinais radiográficos de consolidação da artrodese, inicia-se programa de treina- mento de marcha e reabilitação. O parafuso oblíquo e que limita a mobilidade da articulação intercuneiforme pode ser retirado, especialmente se houver queixa de dor persis- tente sobre a região dorsal do pé.

Estudo crítico – Diferentemente do proposto original-

mente por seu criador

(47)

, esta técnica é formalmente con-

tra-indicada em jovens com a epífise metatarsial ainda aber-

ta, em pés com fórmula metatarsial index minus, na ausên-

cia de hipermobilidade articular generalizada ou quando

haja sinais de degeneração da articulação MTF-I . Por basear-

se na fusão de importante articulação, deve ser cuidadosa-

mente planejada e executada. O período pós-operatório é

prolongado e turbulento, em função do edema residual e

da relativa dificuldade para o retorno às atividades corri-

queiras, razão pela qual se sugere seleção rigorosa dos pa-

cientes.

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