A Montanha
Encantada
A Montanha Encantada
© Maria José Dupré, 1971 Diretor editorial adjunto Editora-chefe Editor assistente Preparação dos originais Coordenadora de revisão Revisoras
Femantjo Paixão Claudia, Morales Emílio Satoshi Hamaya Lizete hjercadante Machado Ivany Pícasso Batista
Ana LLi/sa Franca, Glair PkoIo Coimbra e Barbara Borges Arte
Proieto gráfico Editora Editor assistente Editoração eletrônica Edição eletrônica de imagens
Marcos usboa Suzana LMb Antônio Paulos Studio 3 e Eduardo Rodrigues César
CIP-8RASIL CATA10GAÇA0 NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE UvRqjr. D947m
29.ed
Dupré. Maria José. 1898-1984 A Montanha Encantada / Mana lose Dupre.
ilustracOes Cm e *an - 29 ed - Si> Paulo : Atra, -éooo 128p. 4 - (Cachorrmho Sambai
ISBN 978-85-08-08177-6
1 Literatuia iníamofusenll I. Eich, Cns. 1965-. u lean III Titulo IV Série
09-0202 COt) 028 5
COtl 087 5 ISBN 978-85-08-08177-6
Código da obra Cl 731767 CAE: 218615-Al 2015 29
* ediçôo 19’ impressão
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SUMÁRIO
1. Uma luz cor de luar... 7
2. Projetos ... 12
3. A excursão... 17
4. O primeiroacampamento ... 25
5. Amontanhaque canta... 32
6. O alto da montanha... 37
7. Um pequeno mundo dentro da montanha . 46 8. A cidade mais rica domundo... 53
9. A cidademais pobre do mundo... 62
10. A vida dos habitantesda montanha... 67
11. A festa docasamento... 76
12. O banquete ... 81
13:. Onde estáPingo?... 90
14. Asdespedidas... 96
15. Atempestade...102
16. Padrinho quasenãoacredita...111
17. Eles querem voltaralgum dia . ...121
18. Fim dasférias...125
1
UMA LUZ COR DE LUAR
Depoisdaaventura na Ilha Perdida*,ascriançaspas
saram uma temporadasem novidades. Henrique, o “he rói dailha”, como o chamavam, era convidado todas as noitespara falar sobre Si mão e os bichos; após o jantar, sentavam-setodos à volta deHenrique para ouvi-lo.
• A HPa Perdida i um romance infántojuvenil de muilo sucesso, rambém escrito por Maria José Dupré.
Durante o dia,passeavam a cavalo. Iam até à beirado Paraíba oupescavam no riozinho e,quando não havia nada a fazer, ficavamno pomar comendofrutas e brin
cando nos balanços que Bento tinha armado paraelesnos galhosmaisfortesdas mangueiras.
A fazenda do Padrinho era muito bonita e rodeada de montanhas altíssimas; umadelas, a que ficava do lado norte, eraamaisalta de todas. Muitas vezes as crianças olhavam para a montanhae diziam quetinham muita vontadede ir até o seu cume para de lá admirarem o pa norama dos arredores.Devia ser uma vista magnífica.
Uma tarde, estavam todos sentados nos degrausda es cadadoterraço, olhando a montanha e conversando. De repenteCecília,umaprima que tinha ido também pas
sar as férias na fazenda,levantou-se muito espantada e disseaos outros:
— Vi umaluzbrilhando lá em cima damontanha agora mesmo.
Oscar e Quico começarama rir pensando que Cecí lia estava inventando isso para fazer graça. Eduardo perguntou:
— De que lado viu a luz?
Ela apontou o dedinho:
—Vocês estão vendo aquele monte deárvores do lado direito? Parece quehá uma pedra grande junto às árvores. Poisvi passar uma luz lá agora mesmo.
Henrique perguntou, desconfiado:
—Que espéciedeluz? Fogueira?
—Não sei—disse Cecília. — Vi passar uma luz as sim de repente, nãosei que luz podeser, mas acho que não era fogueira.
Vera riu:
— Seusolhos estão vendocoisas impossíveis.
Eduardo disse:
— Quem sabe o sol refletiu em alguma pedra e fez a pedra brilhar?
Todos concordaram; devia ser aquilo mesmo. O sol estava se escondendo no horizonte; talvez seus raios vermelhos batessem nalguma pedra,refletindo o brilho queCecíliatinha visto.Ela continuou a afirmar que ti nha visto a luz, e parecia uma luz diferente, assim da cor do luar.
No dia seguinte, ninguém mais falou sobre o brilhoda montanha; só Cecília olhava para lá de vez em quando procurando ver novamente a luz.
Passaram-se dias. Uma noite, achavam-se todos no terraço contandoas estrelas; a noite estava linda e havia milharesdeestrelinhasbrilhando nocéu. Quico e Os
car, deitados no chão, olhavam para cima; Henrique e Eduardo estavam sentados nosdegraus da escada; Vera, Lú
cia e Cecília, sentadas em cadeirinhas de lona. Vera disse:
—Já contei mais de quinhentas, estou até cansada.
— Só? — disse Quico. —Já contei setecentas e trinta e quatro.
—Poiseujá contei mile noventa — afirmou Oscar.
Ninguém acreditou. Setodoshaviamcomeçado a con
taraomesmotempo,como é queOscar podia ter conta domais?
— Ah! —disse ele. —Eu conto mais depressaque vocês.
De repente Cecília levantou-se e apontoua montanha:
— Parece que asestrelas brilham maisemcima da montanha. Vejam só!
Eduardo começou a rir:
— Cecília vive olhandopara amontanha pensando na história da luz...
Eduardo parou de falar, mudo de espanto; olharam Eduardo, depois olharam a montanha; todosviram então uma luz passar e repassarno cume da montanha; era uma luzazulada um pouco pálida, parecia cor de luar.
Ficaram sem falar alguns instantes; depois Henrique deuum grito chamando Padrinho:
— Padrinho! Venhadepressa ver uma coisa!
Padrinho estava lendo na sala de jantar;saiu acom panhadopor Madrinha e chegaramà porta doterraço.
As crianças estavam de pé, excitadas,olhandopara o alto, mas a luz havia desaparecido.
Ficaram ainda umameiahoraali de pé comentando o acontecimento, mas a luz nãoreapareceu nessa noite.
Já era hora de dormir e Madrinha mandoutodospara seusquartos. Cecília, quedormia com Verae Lúcia, es
tava impressionada e falava a todo o momentona luz es
quisita que havia lá no alto. Lúciabocejou e perguntou:
— Oque será aquilo?Seráque mora gente em cima da montanha?
— Achoque sim —disseVera.—Se não morasse ninguém, não severia luz.
— Eubem tinha vontade de ir até láver o queé— disse Cecília. — E vocês?
— Nóstambém.
Cecília estava radiante:
— Eu fui a primeira a ver...
— Grandecoisa—disse Lúcia.
Nodia seguintelevantaram mais cedo;logo depois docafé, saíram para o terraço epara o jardim da frente da casa; Eduardo jáali estava, mostrando a Bento o cume da montanha.
— Oqueserá, Bento? Alguma pedraque tem um brilho fora do comum? Alguma mina de ouro?
Bento coçou a cabeça:
— Não sei. Pra dizer que épedra... pedra podebri
lhar com osol, mas com o luar nunca vi... Pra dizer que é mina de ouro... Assim à mostra tambémnunca vi. É um mistério.
Padrinhoapareceu comum binóculo entre as mãos;
olhou e passou o binóculo à Madrinha;nada viram. O binóculo passou de mão emmão e todos olharam com atenção procurando algum sinal,alguma coisa que pu
desseindicar a causa da luz. Não haviaindício algum.
Viam apenas mato cerrado epedras, haviagrandes pedrasentre as árvores. Decerto as pedras brilhavam, não podia ser outracoisa. Bento deu sua opinião:
— Mas pedranãobrilha assim àtoa, deve haver al
gummotivo.
O que seria? Passaram alguns dias sem esquecer a luz;
todosfalavam em fazer uma excursão ao alto da monta
nha — seria formidável.
2
PROJETOS
Henrique e Eduardo ficaram muitoimpressionados.
Por queas pedras da montanha brilhavam? Nunca ouvi ram falar em pedras brilhantes, a não ser aspedras precio sas:diamantes,safiras,rubis.Mas pedra comum não bri lha assimeaquelasbrilhavam. Quem sabe haverialá um tesouro? Montesemontesde pedras preciosas?Ou uma mina de ouro?
Começaram a imaginar umaexcursãoatéoalto da montanha paradescobriremo mistério; Bento havia di
toque era mistério e eles tinham quasecertezade que aquela montanha guardava um segredo, um imensose
gredo. O que poderia ser?Não pretendiamir sozinhos comohaviam feito na Ilha Perdida. Não. Pediríam per missão aospadrinhose,se eles deixassem,iriamtodos, até as meninas.
Cecília, a priminha que foi a primeira a ver a luz, era a mais entusiasmada;todas as manhãs, quando acordava, ia olhar a montanha. E antesdeserecolheraoseuquar
to, à noite, tornava a olhar para o altoprocurandovera luz. Todas as criançascomentavam o fato com grande ani mação e faziam projetos.
Uns três dias depois, a luz tornou a brilhar; dessa vez em pleno dia.Estavamtodos no pomar chupando man gas; eram mangas deliciosas, bem amarelinhas. Quicoe Oscar apenas tiravam a casca e enterravam osdentesna polpa sumarenta; o caldo amarelo corria-lhes entre osde
dos. Eduardo cortavafatias com o canivete; Henrique tam bém. Astrês meninasdescascavamecortavam a manga com a faca que Eufrosina lhes havia dado.
Cecíliadisse,de repente:
— Estou com palpite deque a luz vai aparecer hoje.
— Por quê? — perguntouVera.
— Não sei. Palpite.
—Entãovamosverquem vê primeiro.
Asduas saíram correndo e deixaram o pomar; quando olharampara o alto, viram a montanhaazuladae, bem lá em cima,qualquercoisa muito brilhante. Deram gritos chamando os outros; todoscorreram e olharam. Quico fi cou parado, a boca aberta cheia de manga; quase engas
gou quando disse:
— Nossa Senhora! Estálá o negóciobrilhando...
Vera e Lúcia disseram ao mesmo tempo:
— Vamos até lá para vero que é?
— Se Padrinho deixasse...
Henrique propôs:
— E sefôssemos pedir ao Padrinho?
Oscarrespondeu:
— Acho que ele não vaideixar;sóse ele fortambém.
Cecíliadisse:
— E o que estamos fazendo aqui? Vamos correr e mostrar a luz ao Padrinho; assim ele acredita.
Ea menina saiu correndo em direção à casa; Vera gritou:
— Nãocorracom afaca namão; mamãe disse que é perigoso...
Foram todos atrás dela. Encontraram Padrinho fa
lando com Tomásio.Cecília foia primeira a falar:
— Padrinho, venha ver a luz da montanha, está brilhando.
PuxouPadrinho pela mão e apontou o alto da mon tanha; não havia mais luz.Os outroschegaram nesse momento;Cecíliatevevontadedechorar:
—Mas nós vimos a luz, Padrinho! Nós todos vimos lá do pomar.Foisó o tempodechegar aqui, ela desapareceu outra vez.
Eduardo teveumaideia:
—Quem sabe a gente vê só de um lugar? Faça o favor, Padrinho, venhaconosco.
Vendo a excitação das crianças, Padrinho acompa nhou-as atéaentrada do pomar e,no ponto certo dc onde elas haviam visto, olhouparacima: láestava a luz.
Osol dava em cheio sobrea montanha e a luz quaseo ofuscava de tão fone. Ficaram parados emudos de admira ção.“Oque será?”, “O quenão será?”, perguntavam todos.
Padrinho mandou chamar Madrinha; ela veio acompa nhada de Eufrosina e de Bento. Todosficaram olhando para o mesmoponto uma porção de tempo. Cada um di
zia uma coisa ou dava uma opinião, mas ninguémpodia saberao certo o que era aquilo. O fãto é que havia um bri
lhono alto da montanha, um brilhomuito mais fone, e isso ninguém podia negar. Eufrosinabenzeu-se:
— Cruz-credo! O que será aquilo?
Lembraramque,à noite, aluzera diferente, pálida como o luar; durante o dia,quando o sol brilhava, a luz era intensamente forte. Nem comeram mais mangas;
MadrinhamandouQuicolavar a boca, que estava toda amarela. Ele foi correndo e voltou correndo para não per der tempo,queriaver a luz outra vez, antes que ela desa parecessedenovo.
Num momento em que estavamconversando dis traídos,Bento deu um grito:
— A luz sumiu! A luz sumiu!
Olharam ansiosos; de fato, havia desaparecido. O alto da montanhaestavaigualaos outros picos; viam-se ape nasárvoresepedrascinzentas. Bento falou:
— Quer dizer que mora gente lá; faz a luz aparecer e desaparecer, isso só gente podefazer, bicho não pode...
— Mas quem pode morar lánaquele alto? Nunca ninguémsoubede nada por aqui; se morasse alguém lá, todo o mundo saberia—disseEufrosina, e benzeu-se de novo. Padrinho, quetinha ido buscar o binóculo, olhou
atravésdele, mas nada viu,além de árvores e pedras. Co mentaram o fato durante muito tempo. À noite, ao jan tar,deram muitas opiniões e Padrinhochegou a dizer:
— Quemsabe podemos organizar, um dia, uma ex
cursão até lá? Eu gosto muito de descobrir mistérios...
Os meninos chegaram a baterpalmasdeentusiasmo;
Cecíliaficou assustada e perguntou:
— Todos nós, Padrinho?
—Todos—disseele.— As meninas são tão boas com panheirasquantoosmeninos.
Vera, Lúcia e Cecília exultaram de contentamento. Após o jantar, fizeram projetos e mais projetos.Iriam todosa cavalo,pois era longe, e levariam Bento para auxiliá-los no quefosse necessário.Levariam cestas com coisaspara co merebarracaspara dormir. Seriamaravilhoso. Padrinho gostava de tais aventuras e as crianças, mais ainda.
Ficaram tão animados que ninguém pensou em dor mir;Cecíliaia a todomomentoespiaramontanhaatra
vés da porta do terraço; os outrosperguntavam:
— A luz voltou, Cecília?
Masnaquela noite, e nas noites seguintes, a luz não voltou a brilhar.
3
A EXCURSÃO
Uma semana depois a caravanaestava preparada para subir a serra. Foram indicados Tomásio e um outro empregado da fazenda, chamado Jeromão, para irem na frente abrindo caminho; em seguidairiam as crianças, Pa
drinho e Bento, todos a cavalo. Ixvariam ainda doisbur
ricos para transportar barracas, mantimentos, cobertas etc. Talvez lánoaltofizesse frio, apesarde ser janeiro;le
variamtambém toldos e capas de borracha para a chuva.
Padrinhopreparou também remédio e injeções con tra mordida de cobra, comotinha feito quando foram à IlhaPerdida. As crianças estavamem grande excita
ção:Vera, Lúcia e Cecília não dormiram bem de tanto pensar na excursão; osmeninos mais velhos não fala
vamnoutro assunto. Só discutiam e comentavama luz que havia no alto. Bentodizia que a montanhaguarda
vaum segredo e eles haviam de descobri-lo.
Na madrugada de umaquarta-feira havia grande mo vimento na casa da fazenda. Eufrosinapreparava quitutes na cozinha; fritava linguiça, faziasanduíchesdequeijo, colocava requeijões fresquinhos dentro de umacesta, preparava tudo com animação.Madrinhaia de um lado para outro, indicandoasroupas que as crianças deviam levar,aconselhando a não tomarem chuva, a terem cuida docomasaúde. Pingo ePipoca iriamtambém porque eram inseparáveisamigos de VeraeLúcia.
Estava ainda escuro quando montaram a cavalo na por ta da casa; Madrinhadespediu-sede todos, fazendomuitas recomendações acada um deles. Tomásio e Jeromão ha
viampartido uma hora antes. Ficoucombinado que es
perariam a caravanano ponto onde Padrinho havia de
terminado para a subida da serra.
Antes de montar a cavalo, olharam para o alto, masnão havia nada; a montanha conservava-se em completaes
curidão. Partiram.Todosfalavam ao mesmo tempo; riam alto, contentes com a aventura. Depois deatravessarem o riozinho pela pontequePadrinho havia mandadofazer' chegarama uma planície;quandooscavalosiam trotan
doatravés da planície, o solapareceuno horizonte e foi saudado com alegria pelas crianças.
Bento ia atrás de todosconduzindoos dois burricos car regados de tudo o que era necessário para armar o acampa
mento. Depois de atravessarem a planície, chegaram a um cafezal pertencentea uma fazenda vizinha; atraves- saram-notambém. Um cavalo marchava atrásdooutro por entre os pés de café.Só depois docafezal é que chega
ram à encosta da montanha, onde Tomásio e Jeromão es tavam esperando. Cada um deleslevava consigo um facão de mato, própriopara abrir picadas;pararam um pouco e Padrinho deu asordensmarcando o lugar por onde de
viam subir a serra.
Depois de breve descanso, começou a subida. Andaram umahora mais ou menos;os animais subiamdevagarpor
que a serraeramuito íngreme; de repente,Oscardisse que estava com sede. Pararam novamentepara tomar alguma bebida;abriram uma das cestas; nela havia várias garrafas cheias de limonada preparadapor Madrinha.
De súbito, Cecília lembrou-se de que os animais também deviam tersede e que elesnão tomavam limo nada. Olharampara Pingo e Pipoca; ambos estavam com aslínguas fora da boca, com jeito de quererem bastante água.Eduardo disse:
— Vamos experimentar dar limonada; quem sabe eles bebem...
— Nadadisso —disse Padrinho.—Eu cometium erro muito grande; esqueci-me de trazer água paraos ca valos, tambémisso não é possível. Temos quedar um jeito e procurar água por aquimesmo.
Jeromão falouque em todasasserrashánascentes;na
quela tambémdeveriahaver. Não seria melhor procurar desde já? Padrinho concordou; oscavalos e os cachor rinhos precisavamde água para beber. Como é que nin guém tinha selembrado desse detalhe tão importante?
Enquantoisso,Henrique,que tinha apeado, havia des pejado um pouco de limonada nocôncavoda mão e dava a Pipoca; Pipoca cheirou, experimentou e virou o focinho para um lado;veio Pingo; lambeuos dedos de Henrique, mas não bebeu a limonada. Cecíliadisse:
— Eles querem água, água pura.
Tomásio e Jeromão deixaram oscavalosamarradosnu
ma árvore e embrenharam-sepelo mato à procura deágua;
Bento,Eduardo e Henriqueforam paraoutro lado, en quantoasmeninas e os dois menores ficaram com Padri nho. Aqueleque encontrasse primeiro a água devia dar um assobio todoespecialparaavisarosoutros.
Padrinho e ascrianças apearam e sentaram-se no chão para esperar; osdoiscachorrinhos deitaram-se aolado deles. Todaa serra parecia deserta e o lugar era muito fresco.
Aespera prolongou-se por mais de uma hora. Padri nho estavaficandodesanimado e até falou em voltar para a fazenda quando Pingo,que havia saídonuma excursão pelosarredores, voltou todo molhado e sesacudindoener
gicamente parajogar fora a águadopelo. Vera gritou:
— Pingo, onde vocêesteve? Pingodescobriuágua, Padrinho!
Todosrodearam o cachorrinho e falaram com ele co
mo se Pingo pudesse responder; até Padrinho começou a perguntar comoseesperasseresposta:
— Conta,Pingo, ondeestá a água?
Procuraram Pipoca; também não estava; devia terido ao lugar onde Pingo esteve. Imediatamente Padrinho tirou um balde que estava dependuradono arreio deum dos burricos e disse:
— Vamosverondeesses heróis encontraram água.
Como se compreendesse, Pingo começou a trotar por entre asárvores; Quico e Oscarseguiramatrásdele,en
tusiasmados com a inteligência do cachorrinho. Padrinho recomendou:
— Cuidado!
Nesseinstante, Pipoca veio saindo do meio domato cerrado;vinha também sacudindo-setodo e muito satis feito; com certeza tinhabebido água até se fartar. Oscar, que ia na frente, gritou:
— Já estou sentindo o cheiro da água, não deve es
tar longe.
Cecíliarespondeu:
— Água não temcheiro!
— Mas estatem—respondeuOscar.
— Euestou sentindo que deste lado o ar é mais fresco
—disse Vera. — Deve ser por aqui.
Todos riram. Viramuma barracano meio das árvo
res, depois um grotão; lá embaixo corria uma água pura ecristalina. Com amaior facilidadeos dois cachorri- nhosdesceram e foram beber água outravez. As crian
ças ficaram olhando, sem coragem de descer. Padri nho disse:
— Vamos procurar ummeio de descer; deve haver um lugarporondese possa ir até lá embaixo.
Andaram com cuidado à volta do grotão, procurando um meio de chegar até a água; Padrinholembrou-sedo as sobio; devia assobiarpara avisar os outros: a água tinha sidoencontrada. Assobiou trêsvezes seguidas e esperou resposta;não veio resposta alguma.Oscarse lembrou de gritar; gritoucomtoda a força:
— En-con-tra-mosá-gua!Vol-tem!
Cecília, Vera e Lúciagritarampor sua vez e esperaram, nada de resposta. Enquantoisso,Padrinho teve uma ideia:
— Olhem,meusfilhos, vamos amarrar a corda no bal de e jogar daqui; o balde vem cheio, assim nãoprecisa
mos descer e oscavalosbebem água.
— Ondeestá a corda? —perguntouLúcia.
— Está amarrada numburrinho, eu voubuscar — respondeu Quico.
E voltou correndopara o lugar onde estavam amar
rados os cavalos; encontrou logo a corda,tirou e voltou correndo. Ouviram nesse momento três assobios; devia ser Bento, pois veio do lado para onde ele tinha segui do. Padrinhorespondeu bem alto:
— Voltem!Encontramoságua!
Amarrou a cordano balde e deixoucair no grotão com todo cuidado; todos ficaramolhando,e viram obalde encher-sede água, depois vir subindo, bemdevagar;os cachorrinhos já estavam de volta,sacudindo ascaudas de contentamento.O balde veio cheio; a água erafres
ca e limpa; todosbeberam, depoisPadrinhoencheuno
vamente o balde para dar aoscavalos, que beberam com vontade; estavammesmo sedentos.
Eduardo, Henrique e Bentovoltaramcansados e sua dos;contaram que não haviam vistonem sinal de água, e haviampercorridograndepartedaserra, naquele lado.
Eduardo passouolenço pela testae perguntou, muito admirado:
—Quem encontrou água?
Contaram que tinhasidoPingo.Os meninos acharam muita graçaedisseramque a ideiade trazer oscachorros havia sido ótima.Padrinho assobioumaisalgumasvezes para chamar Tomásio e Jeromão, ainda ausentes.
Logo maisapareceramosdoisdizendo nada haveren
contrado;já estavam ficando desanimadosquandoou
viram o primeiroassobio. Foram ver o grotão e tiraram mais um balde d’água, que também beberam; depoistor
naram a dardebeber aos cavalos. Padrinho olhou o re lógio e disse:
—Com essa história de procurar água, o tempo pas sou.Vamosentãodescansar e comer alguma coisa para depois continuarmos nosso caminho.
Acharam boa a ideia. Almoçaramsanduícheseovos cozidos;deram carne aos cachorros e milhoaos cavalos;
depoisde ligeirodescanso,resolveram continuar a su
bida. Já eram duas horas da tarde.
4
0 PRIMEIRO ACAMPAMENTO
Daqueleponto em diante, a subida tornou-se cada vez mais penosa; o caminhoera,àsvezes, tão íngreme que os cavalos escorregavam;entãoos cavaleiros apeavam e pu
xavamos animaispelas rédeas. Fizeram o possívelpara seguir o curso d’água. Padrinhorecomendou:
— Devemos seguir sempre nesta direção onde deveha
ver água; docontrário, não sóos animais passarão sede,co
mo nós também, pois a nossa limonada se acabará.
Assimforamsubindoentreárvoresgrandes, arbustos, cipós, plantas de todas as espécies. Havialugaresescor
regadiose perigosos; havia outros tão escuros e sombrios que parecia noite. De vez em quando beiravam um pre cipício e imaginavam que lá embaixo devia haver água;
assim foram caminhando atéque ouviram um barulho, cuja origem aprincípio não souberam definir;ficaram todos parados, escutando; depois Eduardodisse:
— É barulho de água correndo. Deve haver uma cas cata por aqui.
Ficaram quietos alguns instantes, Padrinho confirmou:
— Eduardo tem razão. Vamosna direção dobarulho, deve ser uma cascata.
Logo adiante, mais para adireita, havia umabonita cascata despencandode altura considerável e caindo em baixo, numa espécie depoço. Depois deterem admirado unsinstantes a bela cascata, Padrinho falou:
— Penso que não há melhor lugar para acamparmos hoje. Há água e lugar planoparaasbarracas.Vamos dor mir aqui.
Ascriançasficaram encantadas; todos procuraram au xiliar.Uns ajudaramBentoadescarregarosburricos,ou
tros foram encher novamente o balde no poço. Tomásio e Jeromão foramcortar paus para armar as barracas. As trêsmeninas foram cortar pauzinhos secos para fazer fogo para o jantar.
Duas horas depois tudo estavapronto: as barracas com suas camas deventoarmadas; o fogoardendo debaixo de uma frigideira, onde Bento preparava ovos e salsichas.
Jantaram muito bem, tomaramcafé fresco, pois Pa