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A TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E A MÁXIMA FAVOR DEBILIS NO SÉCULO XXI: A APLICAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

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FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

BRENO VINCE FREITAS COSTA ARAÚJO

A TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E A MÁXIMA FAVOR DEBILIS NO SÉCULO XXI: A APLICAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS

ELETRÔNICOS

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A TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E A MÁXIMA FAVOR DEBILIS NO SÉCULO XXI: A APLICAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS

ELETRÔNICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

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A TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E A MÁXIMA FAVOR DEBILIS NO SÉCULO XXI: A APLICAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Consumidor. Orientadora: Profª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Prof. William Paiva Marques Júnior

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________

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Embora não seja humano, meus primeiros agradecimentos são para Deus, que sempre me permitiu lutar e caminhar, mesmo enfrentando dificuldades desde antes do nascimento. Sobrepujar todos os obstáculos só foi possível com sua vontade e auxílio, pois ninguém é nada sem Deus. Obrigado, meu Deus, por este sonho que o Senhor permite que aconteça! Toda honra e glória ao Senhor!

Existem diversas pessoas que, mesmo que com singelas atitudes, contribuíram para o presente trabalho, mesmo que com apenas um simples “bom dia” ou um “tudo bem com você?”, entretanto, é inegável que existem àquelas que merecem maior destaque, não só pela contribuição direta no presente trabalho, mas por toda a sua importância em minha vida, caráter e futuro.

Aos meus pais, em especial à minha mãe, que sempre fizeram seu melhor, cada um ao seu estilo, no intuito de garantir a conclusão do presente sonho. Se hoje sou capaz de me graduar no sonho do direito em uma federal e conseguir o diploma com o qual tanto sonharam comigo, é pelo apoio que sempre me ofereceram e até pelas cobranças, mesmo que exageradas, e pela confiança, sobretudo de me permitir reger, desde sempre, meus estudos. Eu não estaria onde estou se não tivesse percorrido o caminho que percorri e tido a confiança que me foi depositada. Para definir a sua importância no Status que estou a alcançar com o presente trabalho, lembro de uma marcante frase de atribuída a Júlio Cesar: “Veni, Vidi, Vici”. Obrigado!

Aos meus amigos de época de colégio, em especial a Kildary Pontes, Yan Martins, Yuri Martins e outros amigos que levo para sempre, que muito me apoiaram, sobretudo em momentos difíceis. Sem a ajuda de vocês em diversos momentos críticos, eu não teria suportado. Obrigado!

Ao grande amigo Jefferson Queiroz, que em muito me auxiliou na realização deste trabalho, com sua orientação calma, precisa e perfeita! Este trabalho, com toda certeza, seria mui mais árduo seu auxílio! Obrigado!

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luta. Você não vai deixar isso te derrubar. Então, bora, luta!”. Obrigado! Eu vou lutar para sempre!

Ao meu chefe e mentor profissional, Dr. Matheus Ximenes, que acreditou em mim em um momento onde muitos não acreditavam e me permitiu ver que meu sonho de ser advogado estava, passo a passo, aproximando-se e tornando-se realidade. Obrigado!

Ao meu irmão mais novo, de sangue!, que mesmo que não saiba, sempre me fez buscar ser o melhor exemplo possível, o maior alvo possível a superar e tudo o mais que se espera de um irmão mais velho. Mesmo que ainda não siga os caminhos corretos do libertarianismo e da fé cristã, sabia que lhe amo e que todos os dias peço a Deus que guie teus passos. Obrigado!

Impossível também esquecer os gigantes professores que me ajudaram na caminhada. Se é verdade que muitos serviram de pedra no sapato e são memórias esquecíveis, também é verdade que há os que fazem o peito encher de esperança e vontade de lutar pelo direito! Dentre esses, meu especial agradecimento a William Paiva, que mui além do direito, ensinou-me que o direito possui pessoas de bom coração e que podemos ser felizes mesmo lidando com uma infinitude de problemas com força e coragem; a Fernanda Cláudia, que mostrou-se muito mais que uma professora, mas uma amiga, mãe e avó (falo em referência às pequenas modelos que, com razão, tanto se orgulha!); a Raul Nepomuceno, que mostrou um gigantesco coração, uma plenitude assustadora (mesmo diante de um espírito beligerante!) e uma humildade sensacional, e também, à minha professora favorita e maior exemplo no mundo jurídico, a fabulosa Janaína Soares Noleto Castelo Branco, que encanta a todos com gentileza, profissionalismo e carisma! A confiança que tenho hoje tem por base a sólida base que me passaram e o poderoso exemplo que construíram, não só enquanto juristas, mas, sobretudo, enquanto pessoas! Se sou não só melhor jurista hoje que ontem, mas também melhor homem, devo muito a seus exemplos! Os senhores são e sempre foram fabulosos! Muito obrigado!

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alimentará seu ego ao dizer que foi para “fechar com chave de ouro”), gostaria de agradecer àquele que sempre tive como irmão mais velho, Rui Filho, que sempre foi mais que um exemplo, embora eu nunca tenha conseguido jogar um milésimo do futebol que o vi jogar. Seu papel nessa história é gritante, desde memórias inapagáveis que me trazem lágrimas aos olhos de lembrar, como a caravela de lego com um motor que o vi construir que até hoje é um exemplo de que eu sempre devo buscar à perfeição. Mesmo que possa parecer sem sentido para um terceiro, essas memórias preenchem o coração com a coragem inabalável que todos os dias me faz levantar da cama e tentar vencer o mundo e o que vier! “Observa e aprende” foram as palavras que você me disse quando começou a “me ensinar a jogar vídeo game”, mas que carreguei para tudo o que aplico na vida em meu aprendizado. Essas palavras ainda ecoam em minha mente e ecoarão para sempre, pois são parte de mim. Obrigado!

Aproveito o espaço e dedico também o presente trabalho à mulher da minha vida e futuros filhos que, mesmo que não possam ler tais trabalhos nesse momento, já são minha vida! Espero que, um dia, quando eu finalmente estiver com vocês, possam sentir orgulho de mim, não só do homem que serei, mas também do profissional, do marido, do pai e de todas as características exemplares que eu sempre me dedicarei a ter bem como quero que possam se orgulhar de quem eu fui no caminho que percorri em minha vida, em todas as minhas aventuras, sejam as “pequenas grandes” vitórias ou “gigantescas pequenas derrotas”, e dos meus esforços e méritos, como o trabalho que o presente agradecimento introduz. As maiores vitórias não vem ao acaso: elas vem de uma dedicação diária seguindo um plano elaborado, claro e com objetivo determinado. A construção de um sonho de vida se faz todos os dias, inclusive nas pequenas escolhas diárias, sobretudo naquelas, que moldam o nosso caráter. Salvo insanidades ilógicas, todo sonho pode ser conquistado na realidade: a diferença entre o possível e o impossível é a fé, a determinação e a coragem do sonhador de encarar os desafios para chegar a seu objetivo! Sonhem com o melhor, preparem-se para o pior e encarem o que vier! Usque ad sidera! Assim, mesmo que não consiga vencer todas as batalhas, será um vencedor, com a felicidade e satisfação própria pulsando no peito. E eu sempre terei orgulho de vocês. Eu já os amo, ex toto corde.

Grande abraço!

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É inegável notar que as relações e negociações comerciais entre os indivíduos evoluíram junto à humanidade para o que atualmente se entende por Comércio eletrônico, o E-commerce. Tentando acompanhar tais evoluções, a legislação também evoluiu, de modo a tentar regular e proteger os indivíduos, por meio de regras claras e precisas. Se outrora o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, foi um considerável avanço por proteger um grupo hipossuficiente conforme lhe foi determinado pela Constituição Federal de 1988, atualmente temos o Decreto nº 7.962 de 15 de março de 2013, que expressamente traz proteção a esse citado grupo no gigantesco comércio eletrônico ao determinar a competência do CDC sobre o E-commerce, que, não só é globalmente estabelecido, como também é crescente e projeta-se como

o futuro. Diante de tais evoluções, tanto do comércio quanto da legislação que o busca acompanhar e regular, o presente trabalho busca analisar e apresentar o que é o crescente comércio eletrônico e o Marketplace, nova realidade no âmbito comercial eletrônico, bem como apresentar o modo como a legislação não só posiciona-se diante dessa novidade, mas também de como visa proteger os consumidores expostos e seus direitos.

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It is undeniable to note thar business relationships an negotiations between individuals habe evolved with mankind for what is now understood by, E-commerce, E-commerce. Trying to keep up with such developments, legislation has also evolved to try to regulate and protect individuals through clear and precise rules. If the Consumer Defense Code, instituted by Law No. 8,078 of September 11, 1990, was a considerable advance in protecting a hyposufficient group as determined by the Federal Constitution of 1988, we currently have Decree No. 7,962 of March 15 of 2013, which explicitly protects the aforementioned group in the huge electronic commerce in determining the competence of the CDC on E-commerce, which is not only globally established but also growing and projected as the future. In the face of such developments, both trade and legislation that seeks to follow and regulate it, the present work seeks to analyze and present what is the growing e-commerce and Marketplace, a new reality in the electronic commercial scope, as well as to present the way legislation not only stands in the face of this novelty, but also of how it aims to protect exposed consumers and their rights.

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Art.: Artigo

B2B: Business to business

B2C: Business to consumer

C2C: Consumer to consumer

CF: Constituição Federal

CDC: Código de Defesa do Consumidor

CPC: Código de Processo Civil

E-commerce: Comércio eletrônico

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1 INTRODUÇÃO...1

2 DOS CONTRATOS NO DIREITO ROMANO À SUA APLICABILIDADE NA CONTEMPORANEIDADE...4

2.1 CARTA MAGNA VERSUS LEX INTER PARTES: A PRIMAZIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988...7

2.2 CONTRATO ENTRE DESIGUAIS: O CONCEITO DE UMA RELAÇÃO CONSUMERISTA ...9

2.3 OS CONTRATOS POSSÍVEIS PARA UMA RELAÇÃO CONSUMERISTA...10

2.4 AS DEFINIÇÕES DE CONSUMIDOR...11

2.5 AS DEFINIÇÕES DE FORNECEDOR E PRESTADOR DE SERVIÇOS...16

2.6 O CONCEITO DE PRODUTO...19

2.7 O CONCEITO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS...20

3 OS CONTRATOS E AS RELAÇÕES CONSUMERISTAS: O USO DA INTERNET COMO FERRAMENTA DE REALIZAÇÃO CONTRATUAL...22

3.1 E-COMMERCE: A NOVA REALIDADE GLOBAL...23

3.2 MARKETPLACE: MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES NUM SÓ LUGAR...25

3.3 SEGURANÇA NO E-COMMERCE: O “CALCANHAR DE AQUILES” DO CRESCIMENTO...26

3.4 A LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014: O MARCO CIVIL DA INTERNET...27

3.5 A APLICABILIDADE DO DECRETO Nº 7.962 DE 15 DE MARÇO DE 2013...30

3.6 A LEI Nº 8.078 DE 11 DE SETEMBRO DE 1990: O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR...34

4 A MÁXIMA FAVOR DEBILIS NO SÉCULO XXI E SUA APLICABILIDADE NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS...37

4.1 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA...37

4.1.1 Allegatio et non probatio quasi non allegations versus favor debilis...37

4.1.2 Requisitos para a inversão do ônus da prova...38

4.2 A TEORIA DA DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA...39

4.3 DA RETIRADA FRAUDULENTA DE SÓCIO DA SOCIEDADE EMPRESARIAL...43

4.4 A PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE DANOS...45

4.4.1 Os danos materiais: conceito...46

4.4.2 Os danos morais: origem, fundamento ontológico e objetivos...47

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1 INTRODUÇÃO

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos” José Saramago em: Ensaio sobre a cegueira.

É humanamente impossível definir com real precisão quando se iniciaram relações e negociações entre indivíduos, sendo possível até afirmar que surgiram junto ao início da própria humanidade, tal como é impossível precisar, de fato, quando surgiu a ideia de “dívida”, isto é, um pagamento posteriormente cobrável que era devido pelo adquirente de algo em uma relação de compra e venda. Indiferente à tal impossibilidade, é um fato cabal que ambos os citados fenômenos são realidades corriqueiras em nossa atualidade nas diversas transações comerciais que ocorrem todos os dias. Tais relações comerciais podem se estabelecer entre diferentes tipos de pessoas, seja de natureza física ou jurídica; entre pessoas com poderes econômicos distintos; entre pessoas em locais distintos e dentro de uma série de outras possibilidades que se ampliam e tornam-se cada vez mais complexas em nossa sociedade globalizada.

Dentre esse conjunto de variáveis possíveis de combinações, uma relação comercial, contudo, ganha notório destaque dentro do ordenamento jurídico pátrio a ponto de, por tamanha importância que lhe é atribuída, ter previsão constitucional sobre sua tutela: a relação consumerista. É imperioso afirmar que importância atribuída a tal relação não é descabida e sem motivo, sendo em verdade de extrema relevância: o comércio gera o crescimento do país, gera empregos e, sobretudo, por ser, o consumidor, o elo mais fraco numa relação desigual que é a consumerista, o que muitas vezes resulta em abusos por parte do comerciante. Finalizando, tendo em vista cada vez mais o crescimento do comércio por meios digitais, o presente trabalho busca analisar as aplicações de todas essas teses nas relações consumeristas ocorridas no âmbito do universo digital, nos chamados marketplace e e-commerce, que cada vez mais são parte da realidade.

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São objetivos específicos do presente trabalho: (a) analisar e compreender a teoria geral dos contratos; (b) analisar e compreender os fundamentos e ferramentas possíveis de defesa do consumidor nas relações consumeristas; (c) investigar as principais implicações jurídicas no âmbito do direito processual civil por força do direito do consumidor expresso na Carta magna na relação jurídica existente entre o consumidor e o fornecedor; (d) analisar os recursos de proteção ao consumidor de danos oriundos de possíveis abusos cometidos pelo fornecedor numa relação consumerista, e (e) analisar as aplicações de todas essas teses nas relações consumeristas ocorridas no âmbito do universo digital, nos chamados marketplace e e-commerce.

Para que os propósitos desse trabalho sejam atingidos, tendo em vista a natureza puramente doutrinária e legislativa que envolve o mesmo, fora utilizado enquanto metodologia o método da revisão bibliográfica, por meio do qual será analisado e devidamente compreendido todos os conceitos e ferramentas necessárias para a compreensão da presente tese; assim como os métodos analítico e sintético – estes últimos por conta da necessidade de se promover uma divisão do assunto, seguida de uma reconstrução coerente das ideias; bem como recorreu-se também a comparações legislativas pertinentes, tendo em vista tocar dispositivos presentes na Constituição Federal, no Código Civil, no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

O tema se mostra relevante justamente por conta da sua utilidade e relevância prática, sobretudo quando em proteção de consumidores ainda mais “frágeis” sob a perspectiva legal, quais sejam os idosos que, por exemplo, são vítimas recorrentes de crimes de estelionato por meio de empréstimos bancários fraudulentos realizados em seu nome sem sua autorização e conhecimento. Além disso, as aplicações de todas essas teses nas relações consumeristas ocorridas no âmbito do universo digital, nos chamados marketplace e e-commerce, que cada vez mais são parte da realidade, são de crucial importância para toda a sociedade.

A tecnologia de nossa atualidade velozmente sucateia-se, torna-se obsoleta, sendo tão logo substituída por novos equipamentos, ideias e conceitos, em uma velocidade cada vez mais célere. Com essas novidades, o consumidor, almejando facilitar sua vida, cada vez mais utiliza-se de recursos eletrônicos para estabelecer relações comerciais e consumir produtos das mais diversas naturezas e complexidades. E tudo isso atualmente pode ocorrer com alguns cliques em um celular.

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muitos perigos são iminentes ao consumidor, que cada vez mais é bombardeado com um incalculável número de ofertas, nem todas seguras, críveis ou interessantes.

Nesse panorama, diversos indivíduos mal-intencionados, valendo-se de brechas que comumente encontram-se nesses equipamentos e aplicações, de artifícios enganosos e fraudulentos, conseguem enganar diversos consumidores e, quando não produtos de qualidade inaceitável, até cometer fraudes, como o infelizmente recorrente caso do envio de tijolos no lugar de celulares, como o caso da Ana Maria Navarro Vendramini ocorrido em 2016, que, segundo informou a CasasBahia.com.br, “o produto comprado pela cliente foi adquirido por intermédio da modalidade Marketplace, sendo vendido e entregue por uma empresa terceirizada”1.

Os capítulos estão divididos de modo a contemplar: (I) os conceitos de direito civil e direito do consumidor necessários à compreensão do tema, tais como a noção geral dos contratos e os conceitos de contratos específicos mais comuns no qual pode-se aplicar o direito consumerista; (II) os conceitos de direito do consumidor necessários à compreensão do tema, tais como o conceito de consumidor, o conceito de fornecedor, o conceito de relação consumerista; (III) os princípios aplicáveis em relações consumeristas, seus conceitos, a sua colisão com os princípios gerais dos contratos e do direito processual civil bem como os reflexos dessa colisão sobre o direito processual civil brasileiro no campo prático, e (IV) os métodos práticos mais comuns de proteção ao consumidor que submete-se a uma relação consumerista no comércio eletrônico.

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2 DOS CONTRATOS NO DIREITO ROMANO À SUA APLICABILIDADE NA

CONTEMPORANEIDADE

Premissa teórica base do presente trabalho é que a ideia de contrato não é algo moderna, sendo em verdade “moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a moral e o modelo econômico da época. O contrato, por assim dizer, nasceu da realidade social”2. Para a teoria jurídica, o contrato é mais que um conceito importante: é o “negócio jurídico por excelência, onde o consenso de vontades dirige-se para um determinado fim. É ato jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para as partes contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos e, em princípio, protegidos pelo direito”3.

Antes de adentrar, contudo, na teoria geral dos contratos em sua origem no Direito Romano, é importante afirmar que, ao lado do conceito de contrato, foram também conhecidos o conceito de pacto que, embora possuam inegável proximidade nos seus conceitos no Direito Romano, são distintos e devem assim ser devidamente diferenciados. Nesse sentido, leciona Venosa que o “contrato, a convenção e o pacto foram conhecidos no Direito Romano”4 e aduz Caio Mário que “Ao lado do Contractum, estruturou o Direito Romano outra figura que foi o pactum”5.

Caio Mario da Silva Pereira, leciona que “Contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”6. Tal acordo de vontades com finalidade de produzir efeitos quando pactuadas num Contractum, geram, necessariamente no instante que celebrado, obrigações que vinculam as partes e, no famoso brocardo romano, Rem persequendi in iudicio, isto é, gera, em tradução, o “Direito de exigibilidade em juízo”.

Divergindo do conceito acima exposto, aduz Sílvio de Salvo Venosa que, Pacto, quando não “reservado para cláusulas acessórias que aderem a uma convenção ou contrato modificando seus efeitos naturais, como o pacto de melhor comprador ou pacto antenupcial no casamento”7, é

2 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais / Claudia Lima Marques. 5. Ed. ver. Atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 49.

3 Ibidem, p. 50.

4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos / Sílvio de Salvo Venosa. – 13. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013 – (coleção direito civil; v. 2). p. 382.

5 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 3 Contratos / Atual. Caitlin Mulholand., 19. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.9.

6 Ibidem, p. 7.

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utilizado para “denominar um acordo de vontade sem força cogente”8, isto é “não permitia a rem persequendi in iudicio, não conferia às partes uma ação, mas gerava tão somente exceptiones, e,

portanto, não era dotado de força cogente”9. Assim, pode-se deduzir que, para o Direito Romano, existia uma crucial diferenciação entre um contrato e um pacto, sendo o primeiro exigível conforme se tem a definição atual ao contrário do segundo que, por mais que pudesse gerar exceptiones, não poderia gerar uma ação.

Tal distinção teórica, contudo, perdeu sua razão de existir dentro do direito moderno, sobretudo com o advento da teoria de Friedrich Carl von Savigny que, “afasta a distinção entre pacto e contrato, aproximando-os em sinonímia que o direito moderno traz quase perfeita”10. Interessante apontar que não se diz que há uma perfeita fusão entre os conceitos por persistirem em nosso ordenamento modalidades específicas de contratos acessórios que denominam-se “pacto”, tal qual o pacto antenupcial, pacto comissório na compra e venda e pacto adjeto à nota promissória. Assim, “Pacto não é mais, como no Direito Romano, a convenção desprovida de sanção”11.

Um importante fator a ser afirmado sobre os contratos no Direito Romano primitivo era que, como todo e qualquer ato jurídico, os contratos tinham um caráter extremamente sacramental e rigoroso, exigindo-se, para a sua validade e para que o mesmo tivesse força cogente, um perfeito cumprimento das formalidades da época. Nesse sentido, aduz Venosa que “as formas deviam ser obedecidas, ainda que não expressassem exatamente a vontade das partes”12. Tamanha é a verdade que, durante o período da Lei das XII tábuas, a vontade das partes materializava-se nas palavras pronunciadas corretamente13.

Uma vez celebrado o contrato, com estrita observância ao ritual para a sua validade, este “gerava obrigações, vinculava as partes e provia o credor da actio, fator da mais lidima essencialidade, sem o qual não haveria direito, já que este era nada, se não fosse munido da faculdade de reclamação em juízo”14. Tal obrigatoriedade, característica inerente aos contratos, é uma decorrência natural da função social e o Princípio da Obrigatoriedade. No tocante a isso e sua origem Romana, uma vez mais dispõe Caio Mario que:

8 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 382. 9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Op. cit. p. 9.

10Idem.

11 GOMES, Orlando. Contratos / Coordenador Edvaldo Brito, Atual. Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 11.

12 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 382.

13CORREIA e SCIASCIA, 1953, v.1: 274, apud VENOSA, 2013,v. 2 p. 382.

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O Direito Romano, resumindo talvez milênios de evolução da ideia contratual, já enunciara a regra, com o caráter absoluto e irrefragável, de um postulado de sua vida social e política, fundada no mais extremado individualismo. O seu Código Decenviral proclamava com toda a rigidez que se tornava em direito aquilo que a língua exprimisse:

Cum nexum faciet mancipiumque, uti língua nuncupassit ita ius esto” [“Quando alguém faz um juramento, contrato ou venda, anunciando isso oralmente em público, deverá cumprir sua promessa”]. Perdendo embora aquele sentido próprio do direito quiritário, a regra subsiste, não tão absoluta, mas verdadeira. O contrato obriga os contratantes.1 5

Assim posto, uma vez celebrado um contrato, estando ele em conformidade com os parâmetros legais vigentes evidentemente que estabelecem os requisitos de validade, tem, este, eficácia plena, isto é, impõem-se às partes as obrigações convencionadas entre si. Não cabiam mais aqui, portanto, reclamações das partes em relação às consequências, não cabia ao juiz interferir nas cláusulas impostas ou etc.: o contrato, era lex inter partes, isto é, lei entre as partes e deveria ser devidamente cumprido. Reverbera a nossa tese o posicionamento do Doutrinador Caio Mario que aduz:

Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não tem mais a liberdade de se forrarem às suas consequências, a não ser com a cooperação anuente do outro. Foram as partes que escolheram os termos de sua vinculação. E assumiram todos os riscos. A elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação de princípios de equidade, salvo a intercorrência de causa adiante minudenciada.

O princípio da força obrigatória do contrato contém ínsita uma ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, e tão imperiosa que, depois de aquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos.1 6

Divergindo do que se poderia esperar tamanha a exigência para as formalidades na celebração de um contrato, a sociedade romana não tinha dificuldades para a celebração de contratos, tendo pelo contrário certa facilidade, superando o uso da apropriação por meio da violência em seu âmbito interno: é o contrato “que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários”17. Tamanha é a realidade que os contratos celebrados já nesse período, dada a sua perfeição, complexidade e numerosidade, são ainda utilizados, com, eventualmente, as mudanças naturais que sofreram os contratos ao acompanhar as mudanças que permearam as sociedades no decorrer dos

15 PEREIRA, Caio Mario da Silva, Op. cit., p. 13.

16 Ibidem, p. 14.

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séculos. É importante falar que com o passar do tempo e o desenvolvimento natural da humanidade e das sociedades, o contrato, em sua função social e importância, evoluiu.

2.1 Carta Magna versus Lex inter partes: a primazia da Constituição Federal brasileira de 1988

O Direito Romano, estabelecendo enquanto regra absoluta, estabeleceu o princípio da obrigatoriedade dos contratos, segundo o qual o contrato estabelece uma obrigatoriedade entre os contratantes a cumprir a lei celebrada entre as partes. Nesse, o “contrato obriga os contratantes. Lícito não lhes é arrependerem-se; lícito não é revogá-lo senão por consentimento mútuo, lícito não é ao juiz alterá-lo ainda que a pretexto de tornar as condições mais humanas”18. Era a máxima da Pacta sunt servanda, isto é, os contratos deveriam ser adimplidos pelos pactuantes conforme fora

pactuado. Não caberia, no Direito Romano, intervenção estatal, mesmo que pela figura do juiz, no conteúdo do contrato: desde que obedecida as formalidades de validade, o contrato válido deveria ser executado. Seria, contudo, tal obrigatoriedade válida para o ordenamento pátrio vigente?

Existem diversos códigos, estatutos, jurisprudências em diferentes níveis hierárquicos e diversas outras fontes de direito dentro do ordenamento pátrio, que se integram e completam. Tais fontes, todavia, sob o prisma da visão clássica e predominante, não estão dispostas em mesmo patamar hierárquico, existindo prevalência de umas sobre as outras. Leciona Glauco Barreira que “A visão clássica e, ainda, predominante, entretanto, é a de Adolf Merkel, a qual foi popularizada por Hans Kelsen. Segundo Kelsen, o ordenamento jurídico tem uma estrutura hierárquica piramidal, como a hierarquia dos seres na concepção tomista”19.

Na famosa estrutura piramidal de Kelsen, próximo ao topo, no qual historicamente esteve a chamada “norma hipotética fundamental”, encontra-se a Constituição Federal que, segundo Glauco Barreira Magalhães Filho, não só sendo superior, mas que “no plano positivo fundamenta a validade de todas as outras normas. Do topo da pirâmide normativa para a base, ter-se-ia um escalonamento, partindo-se da norma superior e indo em direção à inferior”20.

Tais legislações, ordenamentos e demais fontes podem, eventualmente, entrar em conflito, real ou aparente, por incompatibilidade entre suas normas dentro do próprio código ou entre outros códigos. Aduz Norberto Bobbio que a “situação das normas incompatíveis entre si é

18 PEREIRA, Caio Mario da Silva, Op. cit., p. 13.

19 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira; Curso de hermenêutica jurídica 4 Ed. – São Paulo: Atas, 2013, p. 93.

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uma tradicional dificuldade da qual se encontraram os juristas de todos os tempos, e que tomou uma denominação característica: antinomia”21.

Sejam conflitos reais ou aparentes, o ordenamento deve apresentar uma resposta quando acionada, sendo necessária a solução para o conflito. Segundo Bobbio, são três as regras fundamentais para a solução de antinomias (A) o critério cronológico; (B) o critério hierárquico; (C) o critério da especialidade.

Tendo em vista serem, os contratos, “lei entre as partes”, enquadrar-se-iam, na estrutura piramidal, na parte mais basilar da estrutura, mui abaixo da Constituição Federal que, no lugar historicamente da norma hipotética fundamental, ocupa o topo. Desse modo, é de fácil compreensão que haveria uma diferença hierárquica entre as duas legislações, sendo condicionada a validade do contrato condicionada a sua adequação à Carta Magna, norma que lhe é superior e fundamenta. Em caso de colisão entre o determinado pelo contrato e pela Carta Magna, seria solucionada a querela por meio do critério hierárquico. Versando sobre tal método de solução de problema, leciona Bobbio que:

[…] critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferior. [...] Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo; essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior22.

Tendo em vista a estrutura piramidal tratada e ser a Constituição Federal a norma que fundamenta e da validade a tudo o mais que compõe o ordenamento jurídico, por aplicação direta do critério hierárquico para a solução de antinomias, qualquer conflito que se dê com qualquer norma da Carta Magna será resolvido com a exclusão da norma hierarquicamente inferior conflitante com essa por ser declarada a sua nulidade absoluta, pois, conforme aduz José Afonso da Silva, “todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal”23. Nesse sentido, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo afirmam que:

21 BOBBIO, Norberto; Teoria do ordenamento jurídico / tradução de Ari Marcelo Solon: prefácio de Celso Lafer; apresentação de Tercio Sampaio Ferraz Junior. – São Paulo: EDIPRO, 2. Ed. 2014, p. 85.

22 BOBBIO, Noberto. op. cit., p. 95.

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conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável. De acordo com a doutrina clássica, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta24.

Mitiga-se, assim, o princípio absoluto da obrigatoriedade dos contratos, tornando os contratos válidos tão somente se seu conteúdo estiver de acordo à Carta Magna. A validade do contrato está subordinada à sua conformidade com a norma basilar do ordenamento, podendo, em juízo, qualquer das partes ou um terceiro questionar a validade, integral ou parcial, dos termos de um contrato de acordo a presença ou a ausência dessa conformidade. Um dos mais famosos limites de validade é estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 7º, XXXII, que estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”25: o Direito do Consumidor.

2.2 Contrato entre desiguais: o conceito de uma relação consumerista

Assim como diversos conceitos, histórias e origens que, pelo tempo, acabam tendo sua origem imprecisa ou com informações a respeito perdidas, é impossível precisar quando surgiu a ideia do surgimento de uma “dívida”, isto é, um pagamento posteriormente cobrável que era devido pelo adquirente de algo em uma relação de compra e venda. Em direitos primitivos, era possível perceber a configuração de um fenômeno que, atualmente, é expressamente vedado: a possibilidade da imposição da cobrança da dívida por sobre a própria liberdade do indivíduo devedor ou de familiares. O devedor, portanto, podia chegar a ser preso ou escravizado por dívidas até a lex poetelia papiria.

É de conhecimento comum, contudo, que tais regras não são aceitas em nossa sociedade, sendo também vedadas por nosso ordenamento pátrio atualmente vigente. Tais vedações vieram no processo evolutivo natural às jurisdições em acompanhar a evolução da sociedade que rege e orienta. Um exemplo dessas evoluções e mudanças quanto ao direito é o posicionamento da legislação pátria em proteção especial a uma das partes em relação às relações consumeristas.

Opondo-se àquela cobrança por sobre o próprio indivíduo enquanto propriedade, surgiu uma forte ideia para suavizar sua aplicação: a máxima favor libertatis. Superando a ideia de igualdade absoluta, tal máxima, apregoando uma intervenção estatal limitadora por sobre o poder creditório, estabeleceu certos limites em favor dos mais fracos. Surgiu então uma nova ideia que foi o início da revolução em que se buscaria identificar grupos de sujeitos de direitos considerados 24 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional / Gilmar Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 9. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 108.

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como vulneráveis e os tutelar com normas especiais no intuito de garantir direitos de ordem pública: a máxima favor debilis. Nesse sentido, lecionam Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa que, in verbis:

O favor debilis é, pois, a superação da ideia – comum no direito civil do século XIX – de que basta a igualdade formal para que todos sejam iguais na sociedade, é o reconhecimento (presunção de vulnerabilidade – veja art. 4.º, I, do CPC) de que alguns são mais fortes ou detêm posição jurídica mais forte (em alemão, Machtposition), detêm mais informações, são experts ou profissionais, transferem mais facilmente seus riscos e custos profissionais para os outros, reconhecimento de que os “outros” geralmente são leigos, não detêm informações sobre os produtos e serviços oferecidos no mercado, não conhecem as técnicas da contratação de massa ou os materiais que compõem os produtos ou a maneira de usar os serviços, são, pois, mais vulneráveis e vitimas fáceis de abusos.26

Essa vulnerabilidade, para o ordenamento pátrio ora vigente, compreende a “vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica (ou econômica), vulnerabilidade fática (ou monopolística) e vulnerabilidade informacional”27. Diante dessa desigualdade que poderia comprometer a busca pela justiça, surgiu uma “nova definição igualdade dos mais fracos no direito privado, igualdade não apenas formal (na lei ou frente à lei), mas material ou total, uma igualdade dos desiguais (tratar desigualmente os desiguais e igualmente os iguais)”28. Um desses grupos de sujeitos vulneráveis aos quais se buscou específica e melhor tutela foi o grupo dos Consumidores e essa melhor tutela buscou-se trazer em mais específico pelo Código de Defesa do Consumidor, o CDC.

2.3 Os contratos possíveis para uma relação consumerista

Sendo, de modo amplo, um contrato um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos, encontramo-nos, no dia a dia, diante de uma infinidade de relações contratuais, das mais simples às mais complexas, como um contrato de compra e venda de balinhas em um sinal de trânsito ou um contrato de trabalho de professor na faculdade de direito em que algum conhecido estuda, entretanto, como regra, tem-se que nem todos esses contratos celebrados e executados são tutelados pelo direito do consumidor.

Existem, portanto, contratos que tem natureza puramente cível, outros que possuem natureza puramente trabalhista bem como existem aqueles que inserem-se em contratos

26 BENJAMIM, Antonio Herman, et. al. Manual de direito do Consumidor – 6. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 42-43.

27 MARQUES, 2011, p. 320-353 apud BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 43.

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consumeristas. Se por um lado, salvo pelo contrato cível de empreitada que até ilustres magistrados de direito confundem e erroneamente chamam de contrato de trabalho, pode-se afirmar que, via de regra, é fácil a separação de um contrato de natureza puramente cível de um outro de natureza puramente trabalhista, por outro não é tão simples diferenciar um contrato de natureza puramente cível de um que tenha natureza consumerista. Existindo tal maior dificuldade, encontramo-nos diante de uma importante pergunta: quais os contratos que podem ser incluídos em relações consumeristas?

É inquestionável que alguns contratos de natureza cível jamais poderão ter natureza consumerista, como os contratos de empreitada ou os contratos de doação, contudo, assim como não existem determinações legais que determinem que somente serão compreendidos enquanto contratos aqueles que forem impressos em papel, sendo possível e válida a existência de contratos verbais e contratos digitais, não existe um rol taxativo ou mesmo exemplificativo em meio o ordenamento pátrio determinando que somente serão considerados contratos consumeristas os contratos de compra e venda, empréstimo ou locação. Para ser considerado consumerista, portanto, mais importante que saber qual o contrato celebrado é saber se estão presentes ou ausentes certas características naturais a um contrato consumerista.

O Código de Defesa do Consumidor, conforme leciona a boa doutrina, é sempre aplicável nas em que se estabelece uma relação de consumo ou prestação de serviço entre um fornecedor ou prestador de serviço e um consumidor. Para mostrar configurada a relação consumerista citada, há que se configurar a presença de três requisitos, quais sejam (I) um consumidor, (II) um fornecedor ou prestador de serviço e (III) um produto ou serviço. Presentes os citados requisitos, encontra-se presente uma relação consumerista. Por outro lado, ausente os requisitos ou qualquer deles, não se configura uma relação consumerista, não podendo aplicar-se o CDC e as regras nele existentes.

2.4 As definições de Consumidor

Segundo o dicionário Aurélio, Consumidor é, entre outros conceitos, “aquele ou aquilo que consome”29, não havendo restrição quanto à natureza daquele que consome para ser entendido enquanto consumidor, entretanto, tendo em vista a natureza científica do direito, temos que a definição legal de consumidor deve advir do ordenamento pátrio e das demais fontes de direito, em especial a legislação pertinente, qual seja o Código de Defesa do Consumidor.

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Primeiro ponto elencado necessário para a configuração de uma relação consumerista, o conceito de consumidor é, afirme-se, complexo, não sendo definido em tão somente um artigo, mas em verdade em quatro dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam o artigo 2º, caput e parágrafo único, artigo 17 e artigo 29 do citado ordenamento. Reverberando ao exposto,

aduzem Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa e Antonio Herman que “o consumidor, que não é definido em apenas um artigo, mas em quatro dispositivos diferentes”30.

Por força dos citados dispositivos, são considerados consumidor, respectivamente, toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo; todas as vítimas do evento que tiveram danos causados por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos ou de serviços; e, por fim, todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais nele previstas. É possível constatar, portanto, que, por mais consagrado que seja o conceito exposto pelo dicionário Aurélio, o conceito jurídico de consumidor possível segundo o Código de Defesa do Consumidor é mui mais complexo e grandioso.

Com tantas definições de consumidor, busca, o ordenamento pátrio, tutelar e resguardar não só o consumidor que surge de uma definição meramente contratual, isto é, o adquirente de produto ou serviço, mas também um conjunto maior de indivíduos que possam ser afetados por elementos pré-contratuais abusivos, tais como uma publicidade enganosa ou ofensiva, ou mesmo grupos coletivos de pessoas que, embora nada tenham relação com o contrato, sejam vítimas de fato acidentes de consumo do produto ou serviço prestado com defeito, como as possíveis vítimas da queda de um avião que fazia transporte aéreo de passageiros sobre uma cidade que cai e acaba por matar a vida de locais que não estavam no avião e nem tinham relação com os passageiros. Trata-se, portanto, de um conceito amplo e complexo que permite englobar indivíduos, seja de modo individual ou coletivo, que estejam ligados à relação consumerista por meio de relações contratuais e extracontratuais.

Ponto crucial a se destacar, contudo, está no caput artigo 2º, que aduz que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser consumidor desde que seja destinatário final da utilização do produto ou do serviço, pois, embora abra o leque de possibilidades ao não restringir consumidor enquanto pessoa física, o citado dispositivo faz um extenso corte quanto àqueles que podem ser

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considerados consumidores, podendo inclusive, em situação fática, reconhecer que uma pessoa física adquirente de um produto ou serviço não é um consumidor: tem-se como característica restritiva que o adquirente seja destinatário final do produto ou do serviço. O que significa, entretanto, “ser o destinatário final do produto ou serviço”?

Como muitos outros conceitos dentro do direito, a resposta do questionamento posto acima dependerá de qual corrente doutrinária irá seguir o interrogado. Conforme Claudia Lima Marques identificou em seu livro “Contratos no CDC”, existiram duas correntes doutrinárias que não concordavam quanto à definição de consumidor em face a divergirem do significado da citada expressão, quais sejam os finalistas e os maximalistas. Ressoando ao exposto, o ministro Silvio Benetti lecionou que “Doutrina e jurisprudência frequentemente se referem aos diferentes pontos de vista sobre a questão, destacando-se duas correntes, a subjetiva (ou finalista) e a objetiva(ou maximalista)”31. Entretanto, sobretudo com o avançar do corpo jurisprudencial, novas teorias surgiram, dentre as quais vale destacar a teoria denominada “finalista aprofundada”, que seria a atual corrente dominante.

Para os finalistas, a definição de consumidor é a base do sistema que alicerça a proteção especialíssima concedida aos consumidores, tendo como fundamento de existência a própria vulnerabilidade da parte adquirente frente o mercado nas relações contratuais conforme aduz o artigo 4º do CDC, devendo por consequência a leitura da expressão “destinatário final” ser feita de modo restrita, não podendo o adquirente utilizar o bem para revenda ou para atividade profissional. Ressoando ao exposto, explica Claudia Lima Marques que:

Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu32.

Tomando o exposto como verdade, isto é, que não poderia, o adquirente, consumir o bem ou o serviço para seu uso profissional ou para revenda sob pena de, fazendo-o, perder a condição de consumidor e toda a proteção especial concedida a tal grupo. Nessa teoria, seria consumidor somente a pessoa física que viesse a adquirir produtos ou serviços para uso próprio, de sua família ou até de terceiros, desde que não houvesse revenda, pois somente em tais

31BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial, REsp: 1038645 RS 2008/0051397-6, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/10/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2010.

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possibilidades teóricas seria o bem (de consumo) encaminhado à sua destinação final, encerrando a cadeia produtiva. É imperioso destacar que, com tal posicionamento, parte da definição trazida pelo próprio artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor seria como letra morta, pois, por não ser destinatária final do produto ou serviço adquirido, não poderia, a pessoa jurídica, ser “consumidora” na definição do próprio dispositivo legal por não ser “destinatária final”.

Divergindo de tal posicionamento, os maximalistas entendiam que a definição trazida pelo artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor deveria ser interpretada da forma mais extensa possível, de modo que não importava a natureza do adquirente, isto é, se é pessoa física ou jurídica, ou o seu intuito, isto é, se é ou não aferir lucro diretamente ou indiretamente com o bem ou serviço adquirido, sendo consumidor toda pessoa física e jurídica que adquire um produto ou utiliza-se de um serviço, retirando-o em definitivo do mercado e consumindo-o em sua utilização.

Diante da colisão dessas duas teorias e eventualmente tantas outras menores que possam ter sido criadas em doutrinas perdidas, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se em 2004 em prol da corrente finalista, fazendo, contudo, uma inovação e modificações na leitura que era feita por tal teoria. Desse modo fora criada uma nota teoria, que seria uma leitura mitigada da teoria finalista, chamada de finalismo aprofundado que é “baseado na utilização da noção maior de vulnerabilidade, exame in concreto e uso das equiparações a consumidor conhecidas pelo CDC”33. Corroborando ao exposto, o STJ aduz no julgamento do REsp 1195642 RJ 2010/0094391-6 que “A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, (...), considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço”34.

Dentro dessa nova linha teórica posta pela atuação do Superior Tribunal de Justiça, adota-se como base a teoria finalista, segundo qual será consumidor a pessoa, física ou jurídica, que adquirir, bem ou serviço, enquanto destinatário final, contudo, mitiga a leitura dada naquela teoria que excluía a possibilidade de qualquer pessoa jurídica ser protegida enquanto consumidora, e estabelece que será aplicável sim o Código de Defesa do Consumidor às pessoas jurídicas que comprovem a vulnerabilidade e atue fora do seu campo de especialidade. Tem-se isso pois “o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade”35. Pode-se

33 BENJAMIN, Antonio Herman V. Op. cit., p. 102.

34 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial, REsp: 1195642 RJ 2010/0094391-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/11/2012, T3 – TERCEIRA TURMA.

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aferir o exposto no julgamento do REsp: 1038645 RS 2008/0051397-6 que, com sintética clareza, explica todo o exposto, in verbis:

(…) I - Não enquádravel como relação de consumo a prestação de serviços entre empresas de porte, não se caracterizando hipossuficiência da contratante de conserto de caminhão de transporte de cargas, situação em que não se tem consumidor final, mas, apenas, intermediário, afastase a incidência do Código de Defesa do Consumidor. II -Ainda que se aplicasse o Código de Defesa do Consumidor, a regra da inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) não seria suficiente para afastar a prova contrária à pretensão inicial, tal como detidamente analisada, inclusive quanto à perícia, pela sentença e pelo Acórdão. III - O Código de Defesa do Consumidor define consumidor como a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, noção que, como a de fornecedor, é idéia-chave para a caracterização da relação de consumo. IV - O fato de a pessoa empregar em sua atividade econômica os produtos que adquire não implica, por si só, desconsiderá-la como destinatária final e, por isso, consumidora. No entanto, é preciso considerar a excepcionalidade da aplicação das medidas protetivas do CDC em favor de quem utiliza o produto ou serviço em sua atividade comercial. Em regra, a aquisição de bens ou a utilização de serviços para implementar ou incrementar a atividade negocial descaracteriza a relação como de consumo. Precedentes. V - O reconhecimento da existência da relação de consumo, por si só, não implica presunção de prova. Presentes elementos de prova a indicar que as peças automotivas fornecidas e a prestação do serviço correspondente não são defeituosos, pode o Juiz concluir em favor do fornecedor a despeito da inversão do ônus da prova. (…)36

Definida a teoria aplicada pelos tribunais pátrios por força, sobretudo, da atuação do Superior Tribunal de Justiça, cumpre entender tal teoria e no que ela se diferencia da teoria subjetiva ou teoria finalista: o conceito de vulnerabilidade. Vulnerabilidade “é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos”37, resultando assim em um desequilíbrio na relação de consumo. Conforme posicionou-se o Superior Tribunal de justiça, in verbis:

4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).

5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº /90, mitigando os rigores da teoria

36 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial – Resp: 1038645 RS 2008/0051397-6, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/10/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2010.

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finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.38

Assim, o conceito principal de consumidor, portanto, liga-se, sobretudo, à ideia de vulnerabilidade de uma das partes na relação comercial, seja ela técnica, jurídica, fática ou informacional, coadunando-se à ideia principal de tal legislação, qual seja a tentativa de balancear uma relação desigual em prol de justiça.

Divergindo de toda a teoria acima exposta, há ainda que se falar na teoria do Consumidor equiparado que, em apertada síntese, são aqueles que não estavam em uma relação de consumo com o consumidor, mas que, expostas às práticas comerciais ou na execução de um serviço, são consideradas consumidoras, em pé de igualdade com os consumidores em sentido mais estrito. A doutrina, em casos clássicos, exemplifica para a presente questão o caso de pessoas que, estando em solo, perdem as suas vidas quando um avião realizando transporte aéreo de pessoas cai sobre eles: perceba que não estavam usufruindo de qualquer bem ou serviço, entretanto, foram atingidas pelo serviço da empresa durante a realização de uma relação consumerista. Nessa situação, haverá a ocorrência de uma relação consumerista por consumidores ditos equiparados, com fulcro ou no parágrafo único do artigo 2º ou com base no caput do artigo 17, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

2.5 As definições de fornecedor e prestador de serviços

Tal qual no conceito de consumidor, o conceito de fornecedor é um conceito amplo e complexo, que não só se limita à letra grafada da lei, devendo ser interpretado e compreendido por uma visão holística dentro de todo o ordenamento. Fornecedor, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 3º, é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Assim, antes da adentrar no conceito, é importante destacar que existe mais de um tipo de fornecedor, podendo este fornecer um produto ou fornecer um serviço e que “há uma diferenciação nos critérios para o fornecimento de produtos e serviços que vê definidos nos parágrafos do art. 3.º do CDC, também de maneira ampla”39.

O primeiro ponto a ser dito que não é expresso na leitura do dispositivo citado é que não basta simplesmente a vender um produto ou prestar um serviço para ser considerado fornecedor aos 38 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial – Resp: 1195642 RJ 2010/009431-6, Relator: MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/11/2012 – T3 – Terceira Turma.

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moldes de uma relação consumerista, existindo possibilidade de a venda de um bem ou a prestação de um serviço ser considerada matéria de um contrato civil, quais sejam um simples contrato de compra e venda cível e um contrato de empreitada, respectivamente: o critério caracterizador do fornecedor é “desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a produção, a importação, a comercialização, indicando também a necessidade de certa habitualidade, como transformação, a distribuição de produtos”40. É importante destacar tal crivo apontado pela doutrina, pois o mesmo é capaz de separar uma real relação consumerista entre um fornecedor e um consumidor e uma relação cível entre dois civis em situações similares em tudo que não o profissionalismo do vendedor ou prestador de serviço, como em uma venda de carros. Assim, tem-se que:

“fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual”.41

O segundo ponto a ser tocado é o conjunto de exceções aos quais não se aplicam o Código de Defesa do Consumidor. Existem duas possibilidades compreendidas como não sendo possíveis a aplicação do CDC: (a) o caso de venda de bem fora da atividade profissional e (b) uma relação estabelecida com o Estado em que este é o adquirente do produto e/ou serviço.

O Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência posicionou-se pelo entendimento de não aplicação do CDC em relações comerciais realizadas por um profissional quando o bem vendido é algo fora de sua atividade profissional ao afirmar que, “As normas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam às relações de compra e venda de objeto totalmente diferente daquele que não se reveste da natureza do comércio exercido pelo vendedor”42. A compreensão de tal posicionamento é bastante lógica: tal como parte-se do pressuposto de hipossuficiência do consumidor, pressupõem-se uma expertise do vendedor em uma relação consumerista, todavia, tal como é possível inexistir a vulnerabilidade do adquirente por deter conhecimentos necessários naquela área, é possível também inexistir expertise do vendedor na venda de um bem que é de área totalmente diferente da qual atua. É, por exemplo, o caso de uma empresa de venda de produtos de hortifrúti que, visando renovar seu maquinário, vende um de seus carros a um terceiro qualquer: é crucial perceber que o produto vendido, um carro, não é a área de expertise da empresa, que é especializada em produtos de hortifrúti. Em uma situação como essas, não se aplica o Código de 40 BENJAMIN, Antonio Herman V. Op. cit., p. 109.

41 GRINOVER, Ada Pellegrini… [et al.]; Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini… [et al.]. - 8. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 43

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Defesa do Consumidor, tratando-se tão somente de uma relação cível regida pelos dispositivos dispostos no Código Civil e outras legislações naturalmente aplicáveis, como a Carta Magna. No tocante a uma relação estabelecida entre um pessoa, física ou jurídica e o um Estado, por regra geral é de fácil compreensão que, divergindo do conceito base do consumidor, o Estado não é presumidamente vulnerável, sendo em verdade presumidamente consciente das relações que trata, não podendo, embora seja adquirente de produto ou serviço, ser considerado consumidor. Assim, inexistindo consumidor, inexiste fornecedor nos termos de uma relação consumerista.

O terceiro ponto a ser tocado versa sobre ao objetivo de lucro. Como é natural à natureza mercante, a perspectiva de busca de lucro, direto ou indireto, é uma certeza constante, não se presumindo que a atividade é exercida, via de regra, por caridade ou sentimentos, entretanto, conforme é possível no direito, nem todas as instituições existentes são ligadas, em tese, à ideia de lucro. Diante disso, seria aplicável o Código de Defesa do Consumidor aplicável a relações comerciais estabelecidas entre uma pessoa vulnerável e uma entidade sem fim lucrativo? O Superior Tribunal de Justiça, em resposta a tal querela, posicionou-se com uma resposta positiva,

afirmando que:

“1. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão. É cediço nesta Corte que "a relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado" (REsp 469.911/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 12.02.2008, DJe 10.03.2008). Incidência da Súmula 469/STJ”43.

Se fornecedor, portanto, é, grosseiro modo, a pessoa física ou jurídica que habitualmente fornece um bem para o mercado de consumo, prestador de serviço é, mutatis mutandis, a mesma definição, alterando-se tão somente que, em vez de um bem, o prestador de

serviço oferece um serviço. Interessante destacar que, por força de expresso dispositivo legal, qual seja o §2º do artigo 3º do CDC, entende-se também por prestação de serviço as atividades de natureza bancária, crédito, securitária e financeira, excluindo-se apenas as de caráter trabalhista. Ponto interessante de ser abordado é, uma vez mais, a questão da gratuidade. Como é mui comum, idosos possuem gratuidade no uso de transporte público, entretanto, seria ainda, tal prestação de serviço, uma relação consumerista? A resposta é positiva. Nesse sentido, lecionam Marques, Herman e Benjamin que

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“Efetivamente, o art. 3º e 2º, menciona apenas a ‘remuneração’ como necessária para serviços e, contrário senso, conclui-se que os produtos podem ser gratuitos e estar sujeitos ao CDC (inclusive alguns são considerados pelo parágrafo único do art. 39 como amostras grátis).

Essa conclusão acima exposta são de extrema importância, pois permitem incluir dentro do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor as relações estabelecidas de modo “gratuito” pelo prestador de serviço, sobretudo no âmbito eletrônico, onde muitas vezes são prestados serviços “gratuitos” onde o prestador do serviço ou fornecedor de um bem busca o lucro indireto. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em relação consumerista estabelecida na internet, posicionou-se afirmando que “o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. 3º, 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto”44.Isso posto, evidencia-se, além do exposto, a necessidade de compreensão da internet enquanto ferramenta de realização contratual e analisar os contratos realizados em seu âmbito.

2.6 O conceito de produto

O Código de Defesa do Consumidor preceitua em seu parágrafo 1º do artigo 3º que “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Nessa linha, conforme leciona Fábio Zabot Holthausen, temos que “a definição de produto tem caráter amplo, abrangendo uma infinidade de bens circuláveis”45. Reverberando ao exposto, aduz José Geraldo Brito Filomeno e outros na obra coletiva que “produto (entenda-se ‘bens’) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinada a satisfazer uma necessidade do aquirente, como destinatário

final”46. Cláudia Lima Marques, também alinhada ao exposto, afirma que “Em outras palavras, produto é qualquer bem, consumível fisicamente ou não, móvel ou imóvel, novo ou usado, material ou imaterial, fungível ou infungível, principal ou acessório”47.

Como é possível averiguar do consenso doutrinário que decorre da clareza do dispositivo legal que embasa o conceito de produto, temos que, por sua natureza, absolutamente qualquer bem pode ser considerado “produto” nos termos de uma relação consumerista. Frise-se que a natureza de um bem, isto é se é físico ou material, se é consumível ou durável ou qualquer outra distinção do gênero, não desconfigura o bem enquanto “produto”. Há que se salientar também

44 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial - REsp: 1186616 MG 2010/0051226-3, Relator: Ministra

NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/08/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2011).

45 HOLTHAUSEN, Fábio Zabot; Inversão do ônus da prova nas Relações de Consumo: momento processual / Fábio Zabot Holthausen. - Tubarão: Ed. Unisul, 2006, p. 61.

46 GRINOVER, Ada Pellegrini… [et al.] Op. cit., p. 48.

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que “os bens impossíveis e os ilícitos não podem ser objeto de uma relação de consumo. Ainda que haja um fornecedor e um consumidor, assim definidos pela norma, a relação não será de consumo, em ambas as situações há proibição legal de contratação”48.

2.7 O conceito de prestação de serviços

O Código de Defesa do Consumidor preceitua em seu parágrafo 2º do artigo 3º que “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Nessa linha, conforme leciona Fábio Zabot Holthausen, temos que “Serviço é o ato ou efeito de servir que, para fins de Código, deve ser investido do elemento remuneração e inserido no mercado de consumo, ou seja, praticado nos termos de uma relação de consumo, envolvendo a figura do consumidor e do fornecedor”49. Cláudia Lima Marques assevera por sua vez que:

o §2.º do art. 3.º define serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”, não especificando se o fornecedor necessita ser um profissional, bastando que esta atividade seja habitual ou reiterada. Segundo a doutrina brasileira, fornecer significa “prover, abastecer, guarnecer, dar, ministrar, facilitar, proporcionar” - trata-se, por exemplo, de uma atividade independente de quem realmente detém a propriedade dos eventuais bens utilizados para prestar o serviço e seus deveres anexos. A expressão “atividades”, no caput do art. 3.º, parece indicar a exigência de alguma reiteração ou habitualidade, mas fica clara a intenção do legislador de assegurar a inclusão de um grande número de prestadores de serviços no campo de aplicação do CDC, à dependência única de ser o cocontratante um consumidor. Sendo que, como serviço, o §2.º do art. 3.º entende também as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, ficando excluídas apenas as de caráter trabalhista.50

Dada a grafia do dispositivo legal em tela, grande discussão jurídica surgiu sobre a expressão “mediante remuneração” para uma situação que, cada vez mais, torna-se comum: o envio de brindes, prêmios e outras formas de captação de clientes de forma “gratuita”. A solução jurídica encontrada foi pela interpretação de “remuneração” incluir a remuneração direta e a indireta. Nesse sentido, afirma Cláudia Marques que:

No julgamento do REsp 1.316.921/RJ, destaca o STJ que “O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3.º, §2.º do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor”.51

48 HOLTHAUSEN, Fábio Zabot; Op. cit., p. 62.

49 Idem.

50 BENJAMIN, Antonio Herman V. Op. cit., p. 120.

51 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.06.2012, Dje 29.06.201

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