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PEQUENOS COMPRADORES: O CONSUMISMO E A BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

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Academic year: 2018

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Julia de Souza Delibero Angelo

PEQUENOS COMPRADORES: O CONSUMISMO

E A BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Julia de Souza Delibero Angelo

PEQUENOS COMPRADORES: O CONSUMISMO

E A BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação do Professor Doutor Antônio Carlos Giovinazzo Júnior.

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Banca Examinadora __________________________________

__________________________________

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RESUMO

Neste trabalho é analisado como o consumismo precoce está presente no ambiente escolar. Sob a ótica da Teoria Crítica da Sociedade e tomando algumas formulações elaboradas no âmbito da Sociologia da Infância, especialmente sobre a necessidade de investigar as peculiaridades que marcam a socialização das crianças e sobre o protagonismo delas no que se refere às suas formas de expressão, investiga-se de que maneira o acesso a determinados produtos, sobretudo aqueles considerados “da moda”, altera o comportamento dos “pequenos consumidores” no dia a dia da Educação Infantil, em especial nos momentos reservados às brincadeiras. O estudo se iniciou em 2012 com duas etapas conjuntas: 1) entrevistas com 11 crianças de 4 a 6 anos, matriculadas em uma mesma escola; e 2) observações no local (sala de aula, refeitório e áreas livres). Já em 2013, como complemento aos dados até então apurados, foi realizado um grupo focal. O ponto de partida do trabalho foi a identificação de padrões de consumo e sua interface com as brincadeiras, com foco no ambiente escolar. As questões formuladas levaram em conta hábitos cotidianos, vínculos de amizade e itens de consumo, como alimentos, brinquedos e atrações televisivas. Uma vez traçado o perfil dessa turma, foi possível demonstrar que os padrões de consumo das crianças respondem aos modismos impostos pela indústria cultural. No contexto da escola, essa influência se evidencia particularmente durante as brincadeiras entre os alunos.

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ABSTRACT

In this work is analyzed how consumerism is present early in the school environment. From the perspective of the Critical Theory of the Society and taking some formulations developed within the sociology of childhood, especially about the need of investing the peculiarities which mark the children socialization and the role of them in relation to their forms of expression, investigation that way access to certain products, especially those considered "fashionable", changes the behavior of "small consumers" in day to day kindergarten, especially in times reserved for playing. The study began in 2012 with two joint steps: 1) interviews with 11 children 4-6 years old, enrolled in the same school, and 2) observations on-site (classroom, cafeteria and free areas). Already in 2013, in addition to data previously obtained, was conducted a focus group. The starting point of the study was to identify patterns of consumption and its interface with the games, focusing on the school environment. The questions took into account daily habits, bonds of friendship and consumer items such as food, toys and television attractions. Once traced the profile of this class, it was demonstrated that the consumption patterns of children respond to fads imposed by the cultural industry. No school context, this influence is particularly evident during the playing moments among students.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha mãe, Talitha, que foi a minha principal incentivadora no mestrado e na vida. Foi ela quem insistiu para que eu fizesse a inscrição e me ajudou sempre que precisei, até mesmo ficando com meu filho para que a dissertação fosse concluída.

À minha avó, que, com sua alegria e disposição, sempre me mostra o lado bom da vida. Ao meu marido André, que, sempre ao meu lado, acompanhou todo o processo e foi o revisor atento de todo o trabalho. Só tenho a agradecer. Mais do que dividir todas as aflições do mestrado, você divide sua vida comigo. Te amo!

Ao meu filho Pedro, que com seu sorriso enche a minha vida de felicidade!

Aos meus amigos do EHPS, que dividiram comigo todas as angústias, mas também muitas risadas.

Aos meus professores durante o mestrado – Kazumi Munakata, Circe Maria Fernandes Bittencourt, Alda Junqueira Marin, Mauro Castilho Gonçalves, Antônio Carlos Giovinazzo Júnior e Luciana Maria Giovanni -, por me fazerem uma pesquisadora.

Ao meu sempre atento orientador Antônio Carlos Giovinazzo Júnior, que me apresentou a Teoria Crítica e fez importantes contribuições na construção deste trabalho.

A Daniela Olorruama, por todo apoio e principalmente pela revisão final.

A Neusely Silva Speakes, pela amizade e pela contribuição na tradução do resumo.

À querida Betinha, que com muita dedicação sempre contribuiu, auxiliando em tudo que fosse necessário.

À querida amiga Noêmia, que me indicou a escola onde foi realizada a pesquisa. Ao amigo Leandro, pelo empréstimo da filmadora e pela atenção dispensada.

À minha mais que querida amiga Anita, pela ajuda durante o grupo focal, mas principalmente pela amizade, risadas e cumplicidade dedicadas.

A Silvia, minha amiga de todas as horas, que mesmo longe se faz presente.

À banca de qualificação, pelas preciosas contribuições: Lucina Maria Giovanni e Edna Martins.

Ao CNPQ e à Capes, pela bolsa concedida.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

I. O CONSUMO E BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ... 13

1.1 A Questão do Consumo e o seu Impacto na Brincadeira entre Crianças a Educação Infantil... 13

1.2 Contribuições da Teoria crítica: indústria cultural, formação e experiência... 20

1.3 A brincadeira como constituinte da criança... 22

1.4 A criança segundo a Sociologia da Infância e a revisão de literatura... 25

1.5 Objetivos e hipóteses... 30

II. A PESQUISA COM CRIANÇAS ... 32

2.1 As dificuldades em dar voz às crianças nas pesquisas ... 32

2.2 Contextualização da pesquisa ... 35

2.2.1 A escola...,... 35

2.2.2 Espaços da escola onde foi feita a observação... 36

2.2.2.1 Pátio externo... 36

2.2.2.2 Sala de aula... 36

2.2.2.3 Refeitório... 38

2.3 Definição da Amostra ... 39

2.3.1 A turma do G4 ... 39

2.3.2 As Crianças ... 41

2.4 Procedimentos ... 44

2.5 Método ... 45

III. A BRINCADEIRA SOB A ÓTICA DOS ALUNOS ... 49

3.1 Padrões de Consumo ... 49

3.2 Brincadeiras ... 58

3.3 A escola ... 65

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 77

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 A regulamentação da Publicidade dirigidas às crianças em outros países .. 19

Quadro 2 Perguntas de Pesquisa, objetivos e hipóteses ... 31

Quadro 3 Cardápio do G4 na semana do dia 11 a 15 de junho de 2013 ... 38

Quadro 4 Rotina Diária da Turma G4 ... 40

Quadro 5 Perfil das Crianças que compõem o G4 ... 42

Quadro 6 Idade das crianças e Categoria dos Pais dos alunos do G4 ... 44

Quadro 7 Tempo de Duração das Entrevistas ... 47

Quadro 8 Programas ou Desenhos Favoritos das Crianças do G4 ... 50

Quadro 9 Outros Programas ou Desenhos Apreciados pelas Crianças do G4 ... 50

Quadro 10 Brinquedos Associados aos Programas ou desenhos Preferidos ... 51

Quadro 11 Coleção de Produtos ou Brinquedos ... 53

Quadro 12 Lanches Preferidos em Casa ... 55

Quadro 13 Identificação das Figuras de Frutas, Verduras e Legumes ... 56

Quadro 14 O que mais gosta de brincar em Casa ... 59

Quadro 15 Brinquedo Favorito das Crianças do G4 ... 62

Quadro 16 Brincadeira não Apreciada pelas Crianças do G4 ... 62

Quadro 17 Brinquedos levados para a Escola pelas Crianças do G4 ... 64

Quadro 18 Lanche que mais gosta de comer na escola ... 68

Quadro 19 Melhores Amigos na Escola ... 69

Quadro 20 Preferência dos amigos pelos mesmos desenhos ou programas ... 70

Quadro 21 O que prefere fazer junto com os amigos ... 71

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INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda um dos assuntos pelos quais mais tenho interesse como pedagoga e acadêmica: o consumismo na infância em geral e seus impactos no contexto da escola em particular. Mais especificamente, procuro expor como a indústria cultural, inserida no ambiente escolar, influencia as brincadeiras das crianças, alterando também seus comportamentos e sua própria cultura.

Fui despertada para o tema ao assistir, em 2008, o documentário Criança, a Alma do Negócio, de Estela Renner. Produzido um ano antes, a partir da gravação de vídeo-aulas para o projeto “Criança e Consumo”, o filme denuncia que as novas gerações estão submetidas, desde a infância, à lógica da sociedade de consumo. Depoimentos e estatísticas põem em xeque os princípios da publicidade. Tudo porque boa parte dos anúncios veiculados na grande mídia, sobretudo na TV, dirige-se às crianças, mas seus efeitos incidem nas relações familiares como um todo. É o que comprova uma das meninas entrevistadas no documentário: “Se eu vejo na televisão e acho bonito, eu peço para a minha mãe – e ela fala que não tem condições. Às vezes, eu tento entender. Às vezes, eu não consigo”.

Segundo o filme, a motivação é perversa. Uma vez persuadidas a adquirir certos produtos ou serviços, as crianças é que passam a influenciar seus pais. Estes, atolados no trabalho, constrangidos pela falta de tempo, acabam por ceder às solicitações, recorrendo ao consumo para compensar sua própria ausência. No final, até 80% do que é comprado em uma casa sofre influência dos filhos. A publicidade se converte numa arma por meio da qual a criança exerce sua pressão contra os pais. Para Estela Renner, já na infância o indivíduo está imerso na indústria cultural, com prejuízo para a sua formação. Assim, as crianças reduzem o tempo dedicado às brincadeiras e cada vez mais incorporam à sua rotina hábitos típicos da vida adulta, como fazer compras e ir ao salão de beleza.

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Em 2011, ao ingressar no curso de mestrado em “Educação: História, Política, Sociedade” na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), decidi transformar o impacto do consumismo na Educação Infantil em objeto central de minha investigação. Essa opção se deu no âmbito do projeto “Teoria Crítica, Formação e Indivíduo”, vinculado à linha de pesquisa “Escola e Cultura: Perspectivas das Ciências Sociais”.

Dessa maneira, o presente trabalho tem como foco os impactos do consumismo na escola de Educação Infantil, sobretudo no campo da brincadeira. Para isso, selecionada uma instituição, o trabalho se iniciou com a realização de 11 entrevistas individuais com crianças entre 4 a 6 anos de uma mesma turma, além de observações na escola. No ano seguinte, realizou-se um grupo focal com as seis crianças que ainda continuavam na escola.

A entrevista individual ocorreu em 6 e 7 de dezembro de 2012, e as perguntas aos alunos se relacionavam a seus hábitos de consumo e de brincadeira. Foram elaboradas questões sobre preferências por programas de TV, hábitos alimentares, brinquedos e brincadeiras, entre outras. Abordou-se, ainda, o que altera nos hábitos das crianças ao se passar do ambiente escolar para sua própria casa. Além dos dados das entrevistas, nos dias 13 de novembro e 6, 7, 10 e 12 de dezembro de 2012 foi feita a observação da turma da Educação Infantil, sempre das 8 às 18 horas, com ênfase em três momentos: brincadeiras livres, sala de aula e refeição.

Durante a observação e as entrevistas, ficou mais evidenciada a interação entre as crianças, seu líderes, conflitos e grupos, de modo a conseguir examinar o impacto do consumismo na Educação Infantil. No exame de qualificação foi sugerido pela banca examinadora a realização de grupo focal com as crianças para complementação dos dados. Assim, em 11 de junho de 2013, no período da tarde, aconteceu o grupo focal com as seis crianças do G4 que permaneceram na escola no ano posterior.

Como referencial teórico da pesquisa, foi utilizada a Teoria Crítica da Sociedade, por suas incisivas críticas à sociedade capitalista, centrada no consumo, foco principal desta pesquisa. “Indústria cultural”, “formação” e “experiência”, conceitos caros à Teoria Crítica, serviram de base para a pesquisa. Os autores de referência foram Adorno, por sua discussão sobre indústria cultural e formação, e Benjamin, dada sua contribuição no debate sobre a infância.

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Inicialmente, este trabalho tinha como objeto central identificar os padrões de consumo das crianças da escola de Educação Infantil e relacionar o padrão de consumo com os agrupamentos das crianças. Com os dados das entrevistas individuais e das observações, foi possível observar apenas dois grandes grupos: o das meninas e o dos meninos – o que impossibilitaria afirmar que a formação dos agrupamentos era influenciada pelo consumo.

Durante o exame de qualificação, a banca ressaltou que a questão da brincadeira era recorrente nos depoimentos das crianças e que a indústria cultural aparecia recorrentemente nos discursos relacionados ao brincar. Foi sugerido, então, mudar o objetivo da pesquisa para o consumo e seu impacto na brincadeira no contexto da Educação Infantil. Assim, o trabalho passou a ter três novas hipóteses: 1) Os padrões de consumo das crianças respondem àquilo que é difundido pela indústria cultural; 2) Nas brincadeiras, aparece a influência do consumo e da indústria cultural; e 3) Os padrões de consumo influenciam nas brincadeiras das crianças no ambiente escolar.

Em 2013, o tema voltou à tona com o veto do governador paulista, Geraldo Alckimin (PSDB), ao Projeto de Lei Estadual nº 193/2008, que regulamentava a publicidade de alimentos não saudáveis (com alto teor de sódio, gorduras e açucares) para crianças. Apesar de a regulamentação ser fundamental, o governador vetou o projeto com a justificativa de que a regulamentação da publicidade voltada a criança é competência da União. Já o Projeto de Lei 5921/2001 – que regulamenta a publicidade voltada à criança – tramita no Congresso Nacional há mais de dez anos.

Outra motivação desta pesquisa foi estimular o debate em torno do assunto escolhido. Embora se trate de uma temática atual, são poucos os estudos que relacionam o consumismo infantil e a Educação – e são ainda mais raros os trabalhos que estudam esse impacto na Educação Infantil. Existam estudos com temáticas correlatas – especialmente sobre a publicidade voltada para crianças –, mas não foi encontrada nenhuma pesquisa que abordasse, especificamente, os efeitos diretos do consumismo no ambiente escolar de alunos de 4 a 6 anos. Da mesma maneira, são poucas as referências de estudos em que as crianças despontam genuinamente como protagonistas, na condição de porta-vozes de suas próprias histórias – de seus hábitos e valores, suas preferências e idiossincrasias, como se buscou fazer nesta pesquisa.

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CAPÍTULO I

CONSUMO E BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

1.1A questão do consumo e o seu impacto na brincadeira entre crianças da Educação Infantil

Vivemos hoje em uma sociedade em que o consumo é extremamente valorizado. Consumimos até coisas de que não precisamos e, muitas vezes, o ato de consumir é mais importante do que o objeto consumido. Trabalhamos cada vez mais para poder consumir mais, fazendo do consumo (não só das mercadorias de primeira necessidade) o objetivo do trabalho. O ato de comprar se tornou diversão para muitas pessoas; e com as crianças não é diferente. Ao nascerem e crescerem nessa sociedade, as crianças estão sempre expostas ao consumo. Desde muito cedo, elas aprendem a consumir e a ostentar produtos, conforme aponta Galeano (2007) em artigo no qual sintetiza os hábitos das novas gerações de crianças e denuncia que artigos “da moda” chegam a prevalecer sobre gêneros de primeira necessidade. De acordo com o autor:

[...] crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e menos leite, o tempo de lazer vai se tornando o tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: casas muito pobres não têm cama, mas tem televisão, e a TV está com a palavra... As mercadorias em oferta invadem e privatizam o espaço público. A cultura do consumo, a cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada a serviço da necessidade de vender [...] (GALEANO, 2007)1.

A televisão e a propaganda são os grandes incentivadores do consumo para as crianças. Programas infantis expõem inúmeros anúncios dos mais diversos produtos – de roupas a brinquedos, passando por vídeo games e aplicativos de última geração. Personagens da televisão são licenciados e estampados em produtos voltados para o público infantil. De várias maneiras, o consumo chega até a escola, onde crianças vão vestidas com roupas e sapatos da “moda” e levam brinquedos dos personagens da TV. Suas brincadeiras são definidas muitas vezes pelos brinquedos comprados ou pelos programas de TV a que assistem.

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Como a infância é um período etário fundamental na definição de conceitos e valores para o indivíduo, as crianças se tornam mais suscetíveis aos efeitos nocivos de uma sociedade cuja publicidade praticamente impõe a lógica do consumismo como elo de pertencimento a grupos sociais.

Brilhos intensos emanam de mercadorias que são consumidas vorazmente. Informações e palavras de ordem referentes ao consumo imediato são absorvidas em um ritmo alucinante. Produtos são substituídos quase que instantaneamente por outros que prometem vantagens que nunca se poderia imaginar. Tudo que é produzido parece ser obsoleto, em virtude da velocidade perante a qual é removido, bastando, para tanto, apenas um piscar de olhos dos consumidores. Quem não usa a calça da moda ou não ouve o “hit” do momento não pode ser considerado um membro devidamente integrado à comunidade (ZUIN, 1994, p. 153).

Para verificar o impacto do consumo no ambiente escolar, sobretudo durante as brincadeiras, é preciso situar que, conforme aponta Zuin (1994), a base atual da sociedade capitalista é tecnológica. A velocidade das transformações ensejadas pelo avanço da tecnologia e pela circulação das informações tem provocado significativas alterações – não só no modo de produção, mas também na economia e na cultura. As promessas “embaladas” pela publicidade seduzem a todos:

Nos dias de hoje, quando as pessoas se encontram, cada vez mais dessensibilizadas, é praticamente impossível ficar insensível aos apelos sedutores feitos pela indústria cultural, numa sociedade cuja consolidação e reprodução da cultura prioriza o princípio da comercialização de seus produtos sob as mais variadas embalagens. No reino dos simulacros, estes produtos são revestidos por invólucros esplendorosos, proporcionando o fascínio e o deslumbramento coletivo. Com os olhos embasbacados no glamour geral, as pessoas os consomem de forma compulsiva, na esperança de adquirir imediatamente os atributos e qualidades vinculados, tais como sexualidade, sofisticação, etc (ZUIN, 1994, p. 153).

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ficam menores. As escolas de educação infantil se apresentam muitas vezes como um importante lugar para que as crianças possam experimentar o brincar.

Há educadores que consideram a brincadeira como eixo central do projeto pedagógico. Mas, para a maioria dos colégios, o brincar ainda é uma atividade paralela, marginalizada, de pura “perda de tempo” ou simplesmente recreação. Outras escolas ainda direcionam o brincar com propósitos meramente educativos, retirando as várias possibilidades que tal atividade pode oferecer às crianças. É importante que o ato de brincar se insira no projeto pedagógico da escola – e que os professores reconheçam sua importância para o desenvolvimento infantil. Porém, o que se percebe muitas vezes é que a oposição entre o brincar e o estudar se faz presente na escola. O brincar, associado à “não produção”, ocupa um lugar desvalorizado no ambiente escolar.

As crianças, de qualquer maneira, estão presentes de diversas formas na publicidade, em particular, e na indústria cultural, em geral, seja como público-alvo, seja como tema, seja como elemento mediador da relação entre produto e seu comprador. Para Adorno (1986a, p. 98), trata-se de um processo de infantilização da sociedade, do qual o cinema é uma das mídias mais emblemáticas:

Não é por nada que na América podemos ouvir da boca de produtores cínicos que seus filmes devem dar conta do nível intelectual de uma criança de onze anos. Fazendo isso, eles se sentem sempre mais incitados a fazer de um adulto uma criança de onze anos.

Sobre a percepção infantil acerca da posse de mercadorias, Benjamin (1984) afirma que o processo de fabricação industrial dos brinquedos fez com que se perdesse a relação mais estreita com aquilo com o que se brinca. Pode-se traçar um paralelo com a relação entre o homem e o produto do seu trabalho, que com o desenvolvimento industrial fez com essa relação fosse cada vez mais alienada. Dessa maneira, o processo industrial fez a criança perder o conhecimento do objeto com o qual brinca, da mesma maneira que fez o homem perder o conhecimento do produto do seu próprio trabalho. Assim, para Benjamim (1984, p. 93):

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É preciso salientar que a escola de educação infantil está inevitavelmente circunscrita no escopo das chamadas “leis de mercado” vigentes na sociedade capitalista. A lógica da concorrência no setor e os lobbies de grandes fornecedoras podem determinar escolhas de inúmeros materiais pedagógicos, interferindo nos padrões de consumo e até nas preferências das próprias crianças. Mas, embora o uniforme escolar, a lista de materiais e outros expedientes possam induzir à padronização, há atividades –como o “dia do brinquedo” – que dão margem a que as diferenças socioeconômicas entre alunos se imponham.

Exemplo disso é a desigualdade de acesso em relação à televisão (TV) por assinatura (paga) e à internet. Há desde crianças sem acesso algum a essas mídias até aquelas que dispõem de centenas de canais ou sites. O acesso a esses meios possibilita à criança mais informações sobre programas e desenhos de sua preferência ou do grupo – o que pode potencializar seu impulso consumista. É, sobretudo, nos canais fechados de TV que os anunciantes, beneficiados pela falta de regulação da publicidade infantil, procuram fazer uma comunicação mais direta, baseada num público-alvo com poder aquisitivo maior. Para Pereira (2002, p. 93):

Fazendo uso da imagem da infância, a publicidade tanto oferece produtos destinados a ela (brinquedos, roupas, doces, parques de diversão etc.) como também oferece produtos típicos do mundo adulto (locação de veículos, venda de automóveis, amaciante de roupas, cadernetas de poupança, seguros de vida etc.), num discurso dirigido ao adulto, porém, mediado pelos discursos que o mundo adulto construiu sobre a infância. Nessa perspectiva, encontramos tanto os anúncios que utilizam a criança como protagonista quanto os que elegem a criança como interlocutor ou mediador para o “convencimento” de seus pais. Recorrer à imagem da infância é, muitas vezes, um recurso de ilustração a um discurso no qual a própria criança não é reconhecida como sujeito.

Na escola se verifica que a criança “compra” materiais com personagens estampados ou de determinadas marcas não apenas para se utilizar deles – mas também para ostentá-los. O lanche e os brinquedos levados à escola, sobretudo no “dia do brinquedo”, são exemplos de como uma criança pode, por critérios materiais, aumentar ou diminuir seu status ante os colegas. A escola se torna o lugar onde os produtos consumidos podem ser mostrados e reconhecidos. Quanto mais “na moda” está a criança, mais status ela ganha entre colegas.

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assinatura, com seus numerosos canais, fazem com que cada vez mais anúncios sejam veiculados para esse público. Uma demonstração do apelo à infância é dado por Calazans (2001, p. 96). Segundo o autor:

Houve até um jingle brasileiro feito para os automóveis Chevrolet cujo ritmo melódico era um ciclo de 72 batidas por minuto, o que provocava, subliminarmente, memórias inconscientes no ouvido do ritmo cardíaco da mãe amamentando-o, persuadindo o telespectador a amar e sentir-se protegido pelo automóvel-mamãe. Este jingle pretende fazer o consumidor regredir a um estágio psicológico infantil, chantageando-o e criando nele o desejo pelo carro anunciado, de modo a fazê-lo sentir-se culpado se não puder comprá-lo.

Órgão regulador da publicidade no Brasil, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é financiado pelas próprias empresas do setor e não tem caráter governamental. Posiciona-se contrariamente2 à proibição total da publicidade infantil, por entender que esta contribui para a “educação” e a “formação” de cidadãos “responsáveis” e de consumidores “conscientes”. Além do Conar, também regulam a propaganda destinada a crianças no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor, bem como as ações normativas da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e as determinações do Código de Ética da Publicidade.

Entre as regras, está a proibição do uso dos imperativos em frases como “compre”e “peça para seus pais”, de conteúdos que desvalorizem a família, a escola, a vida saudável ou de propaganda com algum tipo de preconceito. É também proibido apresentar produtos que possam substituir as refeições e encorajar o consumo excessivo de alimentos e bebidas. Mas, apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, ainda há “brechas” que dão margem aos abusos. O quadro 1 abaixo, ilustra a regulamentação da publicidade dirigida às crianças em outros países e as respectivas restrições atribuídas a este tipo de propaganda.

Desde 1º de março de 2013, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária estabeleceu novas recomendações para a publicidade que envolve crianças e adolescentes. Proibiu-se, por exemplo, o merchandising (publicidade indireta) dirigido ao público infantil em programas criados ou produzidos especificamente para crianças em qualquer veículo. Já o Projeto de Lei 5921/2001 – que visa proibir a publicidade e a “comunicação mercadológica” dirigida ao público infantil – está em tramitação há mais de dez anos na Câmara Federal. A

2 A opinião do Conar foi retirada da entrevista concedida à Agência Brasil em 1º de março de 2013: “Novas

recomendações para publicidade em programas infantis começam a valer hoje” disponível em:

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falta de legislação sobre o assunto permite que a publicidade infantil seja vinculada livremente nos meios de comunicação do Brasil.

Outra iniciativa do tipo tramitou na Assembléia Legislativa de São Paulo. De autoria do deputado Rui Falcão (PT), o Projeto de Lei nº193/2008 proibia a publicidade para crianças de alimentos “não saudáveis”, o uso de celebridades ou personagens infantis para a venda desses alimentos e a distribuição de brindes junto a lanches em redes de fast-food. A proposta também proibia a veiculação, das 6 às 21horas, de anúncios de alimentos e bebidas com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio. Aprovado em dezembro de 2012, o projeto foi vetado em 2013 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que alegou que a atribuição de regular a publicidade no rádio e na TV é da União. Mas a oposição acusou o governador de ter cedido ao lobby das grandes empresas alimentícias, bem como à pressão da Maurício de Sousa Produções3, que potencializam seus faturamentos com a venda casada de lanches associados a brinquedos.

3 A Maurício de Souza Produções é a empresa fundada pelo cartunista brasileiro Maurício de Souza, que é

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Quadro 1. A regulamentação da publicidade dirigida às crianças em outros países.

Suécia

A lei proíbe toda e qualquer publicidade na TV logo antes, durante ou depois de programas infantis, além de vetar anúncios do tipo com uso de pessoas ou personagens. Antes das 21 horas, não são permitidos comerciais televisivos dirigidos aos menores de 12 anos.

Inglaterra

A publicidade infantil na TV não pode ter cortes rápidos e ângulos diferentes, nem a oferta de produtos ou serviços por telefone, correio, internet ou celular, nem efeitos especiais que insinuem qualidades que o produto não possui. Comerciais de alimentos com alto teor de gordura, sal e açúcar não podem ser dirigidos ao público menor de 16 anos. Antes das 21 horas, é proibido transmitir anúncios apresentando personalidades ou personagens de programas infantis, bem como endossar produtos de particular interesse das crianças.

Bélgica O país proíbe publicidade até cinco minutos antes ou depois de programas infantis. Nas regiões flamengas, a publicidade infantil é proibida.

EUA

A publicidade tem várias regulamentações, como os limites de 10 minutos e 30 segundos por hora nos finais de semana e 12 minutos por hora nos dias úteis. São proibidos o merchandising testemunhal e a exibição de programas comerciais, bem como a publicidade de sites comerciais dirigidos aos menores de 12 anos. Durante o intervalo de um programa infantil, seus personagens não podem aparecer em anúncios de produto algum. Um projeto de lei propõe o fim da publicidade de alimentos de baixo valor nutritivo nas escolas.

Alemanha

A lei proíbe a interrupção de programas infantis por anúncios e a participação de crianças em comerciais inadequados ao público infantil. O conteúdo de um programa não pode estar sujeito à publicidade ou ao anunciante, e os comerciais só podem ser exibidos nos intervalos das transmissões.

Noruega A publicidade não pode se dirigir aos menores de 12 anos, nem ser exibida durante programas infantis ou ocupar mais de 15% do tempo da programação diária.

Canadá

Durante programas infantis é proibido anunciar produtos não destinados a crianças ou usar pessoas ou personagens conhecidos pelas crianças para endossar ou promover produtos, prêmios ou serviços. A TV pública não pode exibir anúncios logo antes, durante ou logo depois de programas infantis. As emissoras em geral não podem exibir um mesmo produto em menos de hora, nem transmitir mais de 4 minutos de publicidade comercial a cada meia-hora de programação para as crianças – ou mais de 8 minutos a cada 1 hora quando os programas forem de duração maior. Em Quebec, a publicidade infantil é proibida.

Irlanda A TV aberta não pode exibir publicidade durante programas infantis.

Dinamarca Veta comerciais de 5 minutos antes à 5 minutos depois dos programas infantis. Holanda As TVs públicas não podem ter publicidade durante a programação infantil.

Áustria, Luxemburgo

e Portugal

A lei proíbe publicidade nas escolas.

Itália As emissoras de TV não podem exibir anúncios durante desenhos animados.

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É do conjunto de elementos e referências acima que este trabalho parte para estudar como o consumismo impacta o brincar no dia a dia das crianças nas escolas de Educação Infantil. Levanta-se a hipótese de que a aquisição e a posse de produtos “da moda”, em níveis diferenciados dentro de uma mesma sala de aula, alteram o comportamento dos “alunos -consumidores” e suas brincadeiras.

1.2Contribuições da Teoria Crítica: indústria cultural, formação e experiência

Do ponto de vista teórico, a presente pesquisa utiliza o referencial da Escola de Frankfurt, mais precisamente a perspectiva da Teoria Crítica, por sua consonância com o tema, já que seu centro é a crítica à sociedade capitalista de base tecnológica. São conceitos fundamentais neste trabalho “indústria cultural”, “formação”e “experiência”. Para Adorno (1986a, p.92):

A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com prejuízo para ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total.

Ao conceituar a indústria cultural, Adorno (1986a, p. 93) aponta que o consumidor “não é sujeito dessa indústria, mas seu objeto”. Segundo o autor:

Pode-se supor que a consciência dos consumidores está cindida entre o gracejo regulamentar, que lhe prescreve a indústria cultural, e uma nem mesmo oculta dúvida de seus benefícios. A ideia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dúvida, jamais pretendeu ser (ADORNO, 1986a, p. 96).

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[...] y se provee a lasmasas, a través de innumerablescanales, de bienes de formación cultural que, por neutralizados y petrificados, ayudam a mantenerse em supostura a aquellos para los que no hay nada demasiado elevado ni caro. [...] Pero si no sirve de antíteses a lapseudoformación, que se encuentraélmismo sometido a crítica, ello expressa la miséria de uma situación que no cuenta com critério algunomejor que aquél, tan problemático, pues há descuidado sus possibilidades (ADORNO, 1986b, p. 181-83).

O autor completa asseverando que a “perennizante sociedade del status absorbe los restos de laformación y los transforma em emblemas de aquél” (ADORNO, 1986b, p.188). Na sociedade capitalista, a indústria cultural está presente no cotidiano – no cinema e na TV, nos anúncios publicitários e nas músicas, nos alimentos e na moda. Assim, os indivíduos estão sob sua constante influência – o que leva à criação de padrões de consumo.

A TV é a grande fomentadora da indústria cultural e a maior veiculadora de anúncios de publicidade. Músicas, programas e filmes ali veiculados se tornam rapidamente em “produtos” consumíveis, e notícias divulgadas na televisão ganham eco na opinião pública. O que é visto na TV ganha veracidade, e as pessoas passam a reproduzir a informação sem reflexão ou questionamento. Para Adorno (1995a, p. 77), a TV “seguramente contribui para divulgar ideologias e dirigir de maneira equivocada a consciência dos espectadores”. Adorno (1995a, p. 80) compreende:

[...] [a] “televisão como ideologia”, simplesmente como o que pode ser verificado, sobretudo nas representações televisivas norte-americanas, cuja influência entre nós é grande, ou seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos, enquanto a formação a que nos referimos consistiria justamente em pensar problematicamente conceitos como estes que são assumidos meramente em sua positividade, possibilitando adquirir um juízo independente e autônomo a seu respeito.

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poder refletir sobre tudo nos cerca. Adorno (1995b, p. 150) sustenta que “a constituição da aptidão e da experiência consistiria essencialmente na conscientização”.

É também por meio da experiência que a criança elabora seu repertório para a constituição da consciência. A educação (que tem lugar na família ou na escola) tem papel fundamental na construção das experiências para as crianças – é a partir delas que ocorrem a conscientização e a educação para a emancipação. Para Adorno (1995b, p. 151), “pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais”, ao passo que “a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação”. Assim, tais experiências podem formar as crianças e ajudá-las a fugir das imposições da indústria cultural, possibilitando novas oportunidades e alternativas.

1.3A brincadeira como constituinte da criança

Para Brougère (2010), a infância é o momento de apropriar imagens e representações diversas da cultura. O autor associa cultura e brinquedo, entendendo este como produto de uma sociedade de traços culturais específicos e revelador da própria cultura. Segundo Brougère (2010, p. 13):

[...] a brincadeira escapa a qualquer função precisa e é, sem dúvida, esse fato que a definiu, tradicionalmente, em torno das ideias de gratuidade e até de futilidade. E, na verdade, o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial, desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança; além do mais, é uma atividade livre que não pode ser delimitada.

Outra preocupação do autor é o modo como a criança se apropria do brinquedo, particularmente no contexto da globalização – e da “cultura comum internacional”. Esse elemento se dá “na medida em que se trata da materialização de um projeto adulto destinado às crianças (portanto, vetor cultural e social)” (BROUGÈRE, 2010, p. 67). Os brinquedos viram posses das crianças, que têm autonomia para usá-los como desejarem. Mas, em meio a isso, o desenvolvimento da indústria do brinquedo, que impõe pressões no mundo ocidental, conduz “a um crescimento da dimensão simbólica do brinquedo, fator de personalização e de variação dos modelos” (BROUGÈRE, 2010, p. 50).

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obrigando-a a responder “às solicitações que lhe são destinadas, construindo uma estratégia diante da autonomia limitada que dispõe em nível financeiro” (BROUGÈRE, 2010, p. 71). No ato de brincar, a criança atribui ao brinquedo diferentes significados. É na brincadeira, também, que se revelam diferenças de gênero:

O mais provável é que ela [a criança] vá procurar imagens sedutoras de seu futuro estado adulto, através da beleza, da riqueza ou da aventura. A diferença sexual é, aqui, essencial na valorização das imagens. [...] o universo feminino parece ficar junto da família e do cotidiano, enquanto o do menino, que começa, sem dúvida, com a miniatura do automóvel, traduz a vocação para a descoberta dos espaços longínquos, escapando do peso do cotidiano (BROUGÈRE, 2010, p. 21).

Um exemplo esclarecedor dado por Brougère (2010) diz respeito às brincadeiras com boneca – uma tradição que passou por diversas transformações ao longo da história. Concebida, inicialmente, como representação de um adulto, a boneca se tornou, no final do século passado, a representação de um bebê. Hoje, mais do que nunca, tem-se a boneca-manequim, uma nova representação de um adulto, cuja principal representante é a célebre Barbie4.

Brougère (2010) é crítico do papel desempenhado pela mídia na formação do imaginário infantil, acusando veículos como a TV de prejudicar as referências de vida e de cultura da criança, sobretudo sua cultura lúdica. Segundo o autor, ainda que a televisão possa auxiliar as crianças a formular ou agregar elementos às suas brincadeiras, é preciso garantir um senso crítico diante dos conteúdos assimilados. Para o autor, trata-se de uma atribuição para os pais e a escola. A programação televisiva pode conferir um aspecto positivo ao ato de brincar, uma vez que a TV “não se opõe à brincadeira, mas alimenta-a, influencia-a, estrutura-a na medida em que a brincadeira não nasceu do nada, mas sim daquilo com o que a criança é confrontada” (BROUGÈRE, 2010, p. 60).

Outro autor que contribui para a discussão da brincadeira como produto da cultura é Walter Benjamin (1984). Este analisa os processos de memória dos brinquedos e do brincar, apontando para a crescente massificação própria da evolução industrial, que inscreve o brinquedo numa dimensão homogeneizante. Ele discorda da visão segundo a qual a criança representa o adulto miniaturizado, sendo ela, na realidade, capaz de demonstrar tanto pureza e ingenuidade quanto agressividade, resistência, perversidade e vontade de domínio. As

4Criada em 1959, nos Estados Unidos, Barbie, a boneca mais vendida e icônica do mundo, foi baseada numa

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crianças são, potencialmente, sujeitos da história, podendo recriar a tradição cultural da qual são originárias. Elas falam do seu mundo a partir não só de sua própria ótica – mas também da ótica do mundo adulto e da sociedade contemporânea. No ato de brincar, as crianças respondem aos brinquedos, cuja função varia de acordo justamente com o uso que fazem durante a brincadeira. É por isso que os brinquedos representam traços da cultura na qual estão inseridos. “A essência do brincar não é um ‘fazer como se’, mas um ‘fazer sempre de novo’, transformação da experiência mais comovente em hábito” (BENJAMIN, 1984, p. 75).

O autor contextualiza ainda os brinquedos e os livros infantis, registrando sua história e suas mudanças ao longo do desenvolvimento da indústria. Antes da industrialização, o brinquedo era feito em casa conjuntamente por pais e crianças – os primeiros brinquedos nasceram nas oficinas de entalhadores de madeira. Com o avanço industrial, há um distanciamento da criança e de seus pais da produção. No século XVIII, surgiram os primeiros brinquedos de fabricantes especializados. A partir da segunda metade do século XIX, os brinquedos ficaram maiores, perdendo aos poucos seu elemento discreto e minúsculo. Suas versões modernas se tornaram mais estranhas às crianças e a família. Com essa “emancipação do brinquedo”, os adultos passam a impor modelos às crianças, distanciando-as dos materiais naturais que eram utilizados na fabricação dos brinquedos e do processo de produção que ligava pais e filhos.

Benjamin chama a atenção para os efeitos da fabricação industrial de brinquedos em série. Para ele, “quanto mais atraentes (no sentido corrente) forem os brinquedos, mais distantes estarão de seu valor como instrumentos de brincar” (BENJAMIN, 1984, p.70). Nessa nova conjuntura:

[...] as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provém. Da mesma forma seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e especial; são, isso sim, um mudo diálogo simbólico entre ela e o povo (BENJAMIN, 1984, p.70).

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Madeira, ossos, tecidos, argila, representam nesse microcosmo os materiais mais importantes, todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais, quando o brinquedo significava ainda a peça do processo de produção que ligava pais e filhos (BENJAMIN, 1984, p.69).

Por ser mais contemporâneo, Brougère (2010) discute questões atuais que impactam na brincadeira, como a globalização, a televisão e a supervalorização do brinquedo em detrimento da brincadeira. Para o autor, esses elementos precisam ser discutidos pelos educadores, pois tais questões estão presentes hoje na sociedade e na escola. Uma forma de entrar em contato com o assunto é tentar fazer o resgate da memória do brincar. Essa atividade pode ser experimentada em inúmeras possibilidades, sendo educativa ou tão-somente “um lugar de conformismo, de adaptação à cultura, tal como a cultura existe” (BROUGÈRE, 2010, p. 110). Mas não deve ser apagado, pois constitui a memória viva de uma cultura.

O brincar é uma atividade genuinamente infantil, mas não necessariamente educativa. A única ação de respeito com brincadeira que deve ser realizada é a intervenção no contexto, fora da brincadeira, por meio do ambiente ou da própria cultura da criança. Essa intervenção não deve ser reduzida à pedagogização do brincar, mas caminhar para as múltiplas possibilidades de sua existência.

1.4A criança segundo a Sociologia da Infância e a revisão de literatura

Por muito tempo, as pesquisas sobre crianças na Sociologia foram feitas de forma indireta, por meio de observações ou de depoimentos de pais e professores. Embora as crianças fossem o foco dos estudos, sua voz não estava presente nas pesquisas, conforme aponta Ventura (2007, p. 82):

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Essa abordagem está relacionada à visão tradicional de socialização, em que a criança tinha papel puramente passivo. É um ponto de vista baseado na concepção comportamentalista do desenvolvimento infantil, que é duramente criticada pela Psicologia do desenvolvimento. Tanto Piaget como Vygotsky destacam o papel ativo da criança. Essas teorias reorientaram a sociologia de modo a perceber a criança como agente, mas falham, segundo Corsaro (2011), na compreensão da complexidade da estrutura social e das atividades coletivas da criança, pois partem de uma visão linear do processo de desenvolvimento. A reprodução interpretativa rompe com essa visão linear, como afirma a autora:

A reprodução interpretativa fornece uma base para a nova sociologia da infância. Ela substitui os modelos lineares de desenvolvimento social individual da criança pela visão coletiva, a visão produtiva-reprodutiva, ilustrada pelo modelo de teia global. No modelo, as crianças participam espontaneamente como membros ativos das culturas da infância e do adulto (CORSARO, 2011, p. 40).

Essa perspectiva mudou a Sociologia da Infância. Nos últimos 20 anos, as pesquisas passaram de uma visão sobre crianças para estudos com ou para as crianças, reposicionando-as como sujeitos (em vez de objetos) de pesquisa.

Quando aplicadas à sociologia da infância, as perspectivas interpretativas e construtivistas argumentam que as crianças, assim como os adultos, são participantes ativos na construção social da infância e na reprodução interpretativa de sua cultura compartilhada. Em contraste, as teorias tradicionais veem as crianças como “consumidores” da cultura estabelecida por adultos (CORSARO, 2011, p. 19).

O presente trabalho compartilha com a Sociologia da Infância algumas dessas preocupações, pois entende-se a criança não apenas como consumidor, mas também como alguém que produz a cultura e cria expressões próprias. Como enfatiza Delgado e Müller (2005, p. 03):

Esta noção de socialização na sociologia da infância estimula a compreensão das crianças como atores capazes de criar e modificar culturas, embora inseridas no mundo adulto. Se as crianças interagem no adulto porque negociam, compartilham e criam culturas, necessitamos pensar em metodologias que realmente tenham como foco suas vozes, olhares, experiências e pontos de vista.

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funcionamento da sociedade e a formação de classes) e na teoria psicanalítica (que explica a formação do indivíduo). O método usado para entender a sociedade pela teoria crítica é a dialética, buscando uma investigação analítica dos fenômenos estudados, relacionando tais fenômenos às forças sociais que os provocam.

A questão da indústria cultural, do consumo e da publicidade e sua relação com a Educação já foi explorada em outros estudos do gênero, por autores como Maia (1998; 2000), que tem diversos trabalhos sobre a questão da indústria cultural e sua relação com a educação. No artigo, Arte, técnica e indústria cultural (2000), Maia recorre a filósofos da Escola de Frankfurt – como Horkheimer e Adorno – e também a Marx para mostrar como os “papéis sociais” da arte e da técnica se alteraram profundamente. Um dos impactos dessa mudança foi a cristalização da indústria cultural, por meio, sobretudo da TV, com desdobramentos na vida social. Nesse cenário, arte e técnica perdem sua feição emancipadora, e os produtos culturais são atingidos pelo “fetichismo de mercadoria”. Maia (1998) frisa a condição da instituição de ensino como “um campo potencialmente fértil para contradições, refletindo a própria ordem social”.

No artigo, Maia (1998) centra-se na educação para problematizar a função da indústria cultural, com base no conceito de “ideologia” de Adorno e Horkheimer. O processo de tecnificação atinge amplos setores da sociedade e interfere diretamente na realidade escolar. Adorno assinala que, na indústria cultual, os processos de empobrecimento da linguagem e das imagens “invadem o cotidiano escolar sob a forma de uma espécie de aversão à educação, de um querer se desvencilhar do ‘peso da experiência’” (MAIA, 1998, p. 29). A relação entre sujeito e objeto, segundo Maia (1998, p. 29), evidencia essa lógica:

Na verdade, os sujeitos rejeitam o que a eles foi reiteradamente negado: a possibilidade de uma experiência autêntica no contato com o objeto, o que evidentemente implica algum tipo de esforço e de dedicação ao objeto, que o contato com as mercadorias da indústria cultural impossibilita.

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Olhada inicialmente como filho de cliente que se relacionava com o mercado a partir do uso de bens materiais e culturais que se ofereciam a ela à margem da sua opinião, a criança é elevada ao status de cliente, isto é, um sujeito que compra, gasta, consome e, sobretudo, é muito exigente. Tão exigente que o mercado se moldou a ela, em nome de formar, desde cedo, um cliente fiel: carrinhos de supermercados em tamanho pequeno, shoppings dedicados somente a crianças, espaços destinados para festas, o “reconhecimento” do seu lugar privilegiado de ser protagonista e espectador dos anúncios publicitários (PEREIRA, 2002, p. 82).

Marcaram acentuadamente esse processo o surgimento de novas formas de família, o avanço do capitalismo e sua concentração no consumo, o fortalecimento da mídia, a hegemonia das tecnologias na comunicação e a ampliação dos espaços de saber. Mais relevantes, os meios audiovisuais, sobretudo a TV, compartilham cada vez mais sua função educativa com a família e com a escola:

É no bojo dessas questões que a televisão, como a mais popular forma de mídia, assume um papel fundamental, não somente no que se refere à relação adulto/criança, mas em praticamente todas as áreas da vida humana – na arte, na produção de conhecimento, nas ideologias, na política. Presente hoje em mais de 98% das residências brasileiras (muitas vezes com mais de um aparelho em cada casa) a televisão transformou-se em referência simbólica dos sujeitos contemporâneos (PEREIRA, 2002, p. 86).

Ao conceber a publicidade como veículo difusor do consumo e expor a influência de anúncios televisivos, Pereira (2002) traz elementos que contribuem para as pesquisas sobre infância e consumo. Outros trabalhos da área, em geral, limitam-se a analisar o impacto no público infantil de anúncios comerciais e programas de TV. Esse tipo de abordagem pode ser encontrada, por exemplo, em Melão (2003), Osaki (2003), Pirola (2006), Prates (2008) e Versuti (2000).

O levantamento de trabalhos afins indicou estudos sobre a utilidade de programas educativos na escola – tema que por não estar diretamente associado ao objetivo deste projeto, não foi considerado em profundidade. Mas há ressonâncias possíveis no trabalho de Porto (2005), que aborda a relação família e mídia, destacando a importância de um mediador na relação entre criança e TV. Segundo esse estudo, a maioria dos pais responsabiliza a TV pelos comportamentos negativos dos filhos – telespectadores passivos no processo de recepção.

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programa Gente! Inocente?, veiculado de 2000 a 2002 pela TV Globo. A pesquisa procura compreender como o produto midiático infantil televisivo constrói a imagem da criança, porque a constrói e qual criança é essa. O autor identifica, assim, uma criança adultizada e erotizada.

Outro trabalho que merece destaque é o de Santos (2007). O autor fez uma pesquisa epidemiológica sobre a relação entre obesidade e propaganda. Epidemia mundial, a obesidade é caracterizada como problema de saúde pública. Segundo o estudo, 35,8% da população infantil pesquisada está com excesso de peso – e, destas, cerca de 14% estão obesas. Por outro lado, identificou-se que cerca de 9% da população da faixa etária estudada se encontra aquém do Índice de Massa Corporal (IMC) mínimo.

O final do século XX e início do XXI estão sendo marcados pelo “remédio” do consumo. Adquirir, possuir, acumular, enfim, consumir transformou-se no que Baudrillard define como signo para a sociedade moderna. A Organização Mundial de Saúde aponta que apenas 30 segundos de propaganda já são suficientes para exercer forte influência sobre as crianças, pois transforma os produtos anunciado sem necessidades, conferindo-lhes significado (SANTOS, 2007, p.13).

Segundo as famílias pesquisadas, a publicidade captura as crianças, e a mídia interfere em valores, hábitos e gostos. Na sociedade contemporânea, toda forma de consumo significa prazer, e comer virou brincadeira. Graças à associação com brindes, super-heróis, coleções e prêmios, a faixa entre 3 e 6 anos responde às maiores solicitações por produtos. A análise das informações indica que a obesidade está diretamente relacionada com qualidade da alimentação. À medida que as crianças crescem, o consumo de alimentos saudáveis decai e os índices de obesidade aumentam – o que sugere que o problema do peso deve ser combatido desde cedo, por meio de políticas e programas em saúde, educação e assistência. Para a autora, mesmo a televisão – que vem contribuindo para a divulgação de hábitos alimentares incorretos – também pode ser uma aliada na batalha contra a obesidade, especialmente a infantil.

A questão da violência também apareceu em trabalhos sobre a temática aqui considerada. Um estudo de Ristum e Bastos (2003), por exemplo, relaciona o fenômeno da violência urbana e o papel da mídia na concepção de professoras do ensino fundamental – as autoras comparam as visões dos docentes nas escolas públicas com as opiniões de profissionais de ensino de escolas particulares.

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criança vê na TV? Qual é o papel do Estado na regulação da publicidade?Já sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, um estudo interessante é o de Britto (2010), que discute conflitos de interesses entre publicidade (iniciativa privada) e proteção à infância (dever do Estado):

O mercado publicitário, a serviço da oferta de produtos e serviços infantis ou adultos, quando desenvolvido para cooptar crianças às práticas modernas de consumo, por utilizar técnicas que se favorecem da inocência, ingenuidade e credulidade dos menores é alvo de constantes críticas das organizações civis de defesa dos consumidores e das crianças, mas também do próprio Poder Público em algumas de suas esferas. Trata-se de um público “consumidor” formado por indivíduos facilmente convencidos e manipulados pelas mais simples técnicas de persuasão e sedução. Quando o discurso publicitário se volta para as crianças, a relação entre anunciante e consumidor se demonstra demasiadamente desleal e desequilibrada, tanto em decorrência da natureza da infância (credulidade, inocência, ingenuidade e em desenvolvimento cognitivo e da personalidade), como pela própria natureza da publicidade (persuasiva e sedutora, com fins à manipulação e criação de demandas) (BRITTO, 2010, p. 12).

A pesquisa bibliográfica realizada indica que a presença do consumo na escola é muito pouco estudada, e os trabalhos encontrados apresentam temas que tangenciam o objetivo da presente pesquisa. Outro dado a ser destacado: invariavelmente, as pesquisas encontradas têm datas recentes, o que mostra uma grande atualidade do tema.

1.5Objetivos e hipóteses

Para analisar como o consumo impacta o brincar, no âmbito da indústria cultural e no dia a dia do grupo em estudo – crianças de 4 a 6 anos de uma mesma escola de Educação Infantil –, foi preciso partir de questões e conceitos iniciais predeterminados. Um dos pontos de partida foi identificar padrões de consumo – ou seja, modelos constantes na aquisição de produtos ou serviços, relacionados à satisfação de necessidades, de acordo com fatores condicionantes. Esta se constituiu na questão-chave do trabalho.

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idade) da escola analisada. Ao traçar o perfil consumidor dessa turma, levantou-se a hipótese de que os padrões de consumo das crianças respondem à indústria cultural.

Também se procurou identificar quais brincadeiras estavam associadas ao padrão de consumo das crianças. Para isso, as crianças foram questionadas acerca das suas brincadeiras e brinquedos favoritas, em casa e na escola, e também sobre quais brinquedos levam para a escola. Tal questão foi contrastada com a observação sobre os brinquedos oferecidos pela escola, dos brinquedos trazidos pelas crianças para a escola e pelas brincadeiras ali executadas (seja por iniciativa das crianças ou por proposta pelas professoras). A partir desses dados, levantou-se a hipótese de que, nas brincadeiras, há forte influência da indústria cultural. As brincadeiras favoritas e mais observadas se relacionam a desenhos, programas de TV e filmes; a posse e o consumo de materiais alusivos a personagens estão presentes nas brincadeiras. Esses aspectos também são temas de conversa entre as crianças, assim como músicas e jingles são frequentemente cantados.

A última questão que se procurou responder foi como os padrões de consumo interferem nas brincadeiras, dentro da escola. As crianças responderam se gostam dos mesmos desenhos ou programas que seus amigos e se brincam com colegas que não gostam desses programas. Também responderam quais brincadeiras elas gostam de brincar na escola. Foi observado do que as crianças brincam e como se organizam para a brincadeira, de modo a se fazer uma associação entre padrões de consumo e sua influência na brincadeira na escola. Com base nesses dados, testou-se a hipótese de que no ambiente escolar, os padrões de consumo influenciam na escolha das brincadeiras pelas crianças. Segue abaixo no quadro 2 as perguntas de pesquisa, objetivos e hipóteses.

Quadro 2 Questões de pesquisa, objetivos e hipóteses.

Questão de pesquisa Objetivo Hipótese

Quais os padrões de consumo das crianças?

Identificar os padrões de consumo.

Os padrões de consumo das crianças respondem àquilo que é difundido pela indústria cultural.

Quais brincadeiras estão associadas ao padrão de consumo das crianças?

Descrever como as brincadeiras estão associadas aos padrões de consumo.

Nas brincadeiras, aparece a influência do consumo e da indústria cultural.

Dentro da escola, os padrões de consumo interferem nas brincadeiras?

Relacionar padrões de consumo e sua interferência nas brincadeiras dentro da escola.

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CAPÍTULO II

A PESQUISA COM CRIANÇAS

2.1As dificuldades em dar voz às crianças nas pesquisas

Ao longo da história, os conceitos de “infância” e de “criança” passaram por transformações. Primeiramente, conforme aponta Santos (2013), a criança era vista como um “adulto em miniatura” e, portanto, a infância não passava de um período de crescimento físico, sem especificidade nenhuma. Com o passar do tempo, a definição de criança como uma espécie de “miniadulto” foi superada, e a infância passou a ser vista como um período que não se resume apenas à formação da criança. Seu “papel social” na sociedade mudou.

Silva, Barbosa e Krammer (2005) apontam que hoje temos o conceito de infância cada vez mais marcado pela indústria cultural. Segundo os autores, atualmente, “o infantil é marcado por uma visão de mercado (infantil é consumir determinado tipo de produto, o que evidencia a relação da infância com massificação e padronização cultural)” (SILVA et al., 2005, p. 53).

Diante desse cenário, há um impasse: como, efetivamente, dar voz às crianças para a realização de uma pesquisa? Como mostram Faria, Demartini e Prado (2004, p. 233):

Dar visibilidade às crianças: suas falas, expressões, sentimentos, gostos, gestos. Esse é um grande desafio que se tem colocado a professores e pesquisadores da educação, preocupados em entender a infância: o que pensam as crianças a respeito da escola, do trabalho, das brincadeiras, dos seus colegas, dos seus professores e dos adultos em geral? Enfim, o que e como a criança vê, sente, pensa a respeito desse mundo que já estava pronto quando ela chegou? E como interage com ele?

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1. Lógica adultocêntrica – As crianças veem os adultos como seres de fora do seu

“mundo”. Muitos pesquisadores, porém, tratam as crianças como meras portas de entrada para o mundo infantil (a fim de descobrir leis psicológicas universais) ou tão-somente como indicadores do efeito de tratamento de dados. É necessário negar essa visão e valorizar, na pesquisa, a criança e seu contexto. Em vez de abordar o que se passa “dentro” delas, é preciso verificar o que se passa “entre” elas.

2. Entrada no campo – As crianças são agentes ativos na construção da sua própria cultura e também contribuem para a construção do mundo adulto. Por isso, nas pesquisas orientadas

por adultos, devemos considerar as crianças como “pesquisadores de seu cotidiano”. Outro

desafio é a distância física, emocional, cognitiva e política entre adultos e crianças, tornando a

relação “adulto-criança” muito diferente da relação “adulto-adulto”. Devemos desafiar as ideias pré-concebidas pelas “autoridades adultas” – as leis universais que excluem a criança de seu contexto. Para isso, é necessário procurar as respostas em lugares que evitamos ou em processos pouco conhecidos.

3. Ética – A questão ética na pesquisa com crianças é fundamental, pois não podemos negar que a relação “adulto-criança” pressupõe poder desigual, uma vez que o adulto é maior e mais forte. As crianças têm o direito de consentir se quer ou não quer participar da pesquisa. Se participam, devem ser informadas de todos os aspectos das etapas de investigação – da entrada em campo e do uso de filmagem ou fotos à análise dos dados e sua posterior divulgação, além do retorno da pesquisa. Mas, poucas vezes, vemos pesquisas que pedem o consentimento para as crianças. Geralmente, o pesquisador se contenta em garantir apenas a anuência dos pais das crianças.

Postos esses desafios, é importante que a pesquisa com crianças constantemente retome as concepções teóricas que a norteiam, permeando assim todos os procedimentos e técnicas na investigação, desde as definições preliminares até a coleta, o registro e a análise dos dados. Durante esse processo, é fundamental não se afastar das concepções que consideram a criança como ser ativo – produto e, ao mesmo tempo, produtor de cultura, com direitos legais, linguagem própria e capacidade de falar de si mesma.

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estrutura familiar e na vida infantil; 2) as pesquisas em ampla escala, com coleta e análise de dados em grande escala, apontam os efeitos da globalização na vida das pessoas – da infância à idade adulta; e 3) os métodos históricos, que tem como um dos expoentes Philippe Ariès, responsável por romper, nos anos 1960, o desinteresse de historiadores pelo tema, ao introduzir o debate sobre o desenvolvimento histórico da concepção de infância. Nesse último tipo de pesquisa, recorre-se a inúmeras fontes para documentar e interpretar como foi a vida das crianças no passado.

Os métodos do nível micro se voltam, sobretudo, a documentar as relações sociais entre as crianças e suas manifestações culturais, mostrando como essa relação pode construir sentidos e impulsionar processos de reprodução e mudança social. Esse nível compreende, conforme o autor, três tipos de técnica: 1) entrevistas individuais ou em grupo, muito indicadas para explorar visões das crianças sobre suas vidas, bem como para estudar assuntos pouco frequentes na abordagem de seu dia a dia, tais como divórcio e violência; 2) etnografia e análise sociolinguística, em geral com prolongado trabalho de campo junto ao grupo, de meses ou anos, com observação intensiva de aspectos como o cotidiano, o ambiente e os valores da criança; e 3) métodos não tradicionais, que respondem à demanda por novas técnicas de pesquisa da infância, também valorizando a visão da criança sobre si mesma e a vida, por meio de desenhos, gravação, questionários feitos pelas próprias crianças, entre outros procedimentos.

O encontro direto do pesquisador com seu objeto – a criança – pode resultar numa atitude mais reflexiva a respeito dos “lugares sociais” que um e outro foram negociando, conforme Pereira, Salgado e Souza (2009). Para as crianças, as narrativas criadas aludem a divergências entre como ver a si próprias e como ver o mundo. Nessa relação, o “outro” pode se tornar até um obstáculo – mas também busca ou complemento.

(37)

2.2Contextualização da pesquisa

2.2.1 A escola

A pré-escola selecionada para realizar a pesquisa faz parte da Divisão de Creches de uma universidade pública de São Paulo e tem como objetivo atender gratuitamente aos filhos de funcionários, docentes e alunos da universidade. Além disso, objetiva dar apoio ao ensino e à pesquisa, oferecendo um campo de estágios e pesquisas para alunos e docentes. A Divisão de Creches administra, atualmente, cinco creches no Estado de São Paulo.

A seleção de crianças para o ingresso nas creches é de cunho socioeconômico, seguindo a distribuição pré-determinada de vagas, que destina aproximadamente 40% para filhos de funcionários, 40% para filhos de alunos e 20% para filhos de docentes, com algumas diferenças entre as creches, de acordo com as especificidades da população atendida.

A creche ainda mantém parceria com uma fundação de ensino de Medicina, atendendo aos filhos de funcionários dessa instituição. Em contrapartida, tal fundação contribui com a manutenção de parte do quadro de funcionários e a doação de materiais escolares. As crianças são divididas em grupos que vão do 1 (G1) ao 4 (G4), por ordem crescente de faixa etária. Excepcionalmente, o desenvolvimento cognitivo e motor também é levado em consideração para mudança de grupo.

A escola tem uma diretora e uma coordenadora, que cuidam da parte administrativa e pedagógica. Cada turma tem uma professora que fica responsável pelo grupo da entrada até a saída. Duas professoras volantes auxiliam determinadas turmas quando são solicitadas pelas professoras titulares, podendo eventualmente substituí-las. Além da equipe pedagógica, o quadro de funcionários da escola conta ainda com uma enfermeira, que é responsável por dar medicamentos previamente receitados para as crianças, observar pequenas alterações e cuidar de machucados mais leves. Ela também faz o controle mensal de peso e altura das crianças. A escola dispõe também de equipes de cozinha e de limpeza, além de uma estagiária de nutrição responsável pela elaboração do cardápio das refeições oferecidas aos alunos e pela supervisão do preparo.

Imagem

Tabela 1 Categoria dos pais do G4.
Tabela 2. Atividade preferida no shopping.
Figura  Resposta Paulo  Resposta Iasmin
Tabela 4. O que mais gosta de fazer em casa.
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Referências

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et Planctu Ecclesiae” In: BARBOSA, João Morais. O “De Statu et Planctu Ecclesiae”: Estudo Crítico.. Nele não poderá apoiar-se o historiador, embora o livro ofereça

[r]

conscienciais; as parapercepções das consciexes; as vibrações do estado vibracional (EV); as ma- nobras bioenergéticas profiláticas; as autorretrocognições; a memória