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Regulação e exercício das responsabilidades parentais no contexto de violência doméstica: análise prática e crítica

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Sara Carneiro Rodrigues Miguel

abril de 2017

Regulação e Exercício das Responsabilidades

Parentais no contexto de violência doméstica

- análise prática e crítica

Sar a Carneir o Rodrigues Miguel R egulação e Ex ercício das R esponsabilidades P arent ais no conte

xto de violência domés

tica - análise prática e crítica

UMinho|20

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Sara Carneiro Rodrigues Miguel

abril de 2017

Regulação e Exercício das Responsabilidades

Parentais no contexto de violência doméstica

- análise prática e crítica

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos

Relatório de Atividade Profissional

Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões

Universidade do Minho

Escola de Direito

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Nome: Sara Carneiro Rodrigues Miguel

Endereço de correio eletrónico: scmiguel@gmail.com Cartão de cidadão n.º11079709

Título do Relatório de Atividade Profissional: Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica.

Orientadora:

Professora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos abril, 2017

Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTE TRABALHO

Universidade do Minho 30/04/2017

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Ao meu filho Francisco

que merecia mais e melhor mas cuja felicidade tanto desejei ver espelhada no rosto das várias crianças com quem me cruzei

Ao meu marido Afonso

pelo seu carinho, apoio e paciência

À Professora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos pelos seus

ensinamentos e pelas palavras certas nos momentos mais difíceis

Aos meus pais e à minha “vó” Lena, as estrelinhas que me ensinaram o

caminho

À minha amiga Cecília por todo o

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“Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura” Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"

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Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica

Através do presente trabalho realizado no âmbito do Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões da Escola de Direito da Universidade do Minho propôs-se a autora a analisar a conciliação (possível) entre o fenómeno da violência doméstica e a regulação do exercício das responsabilidades parentais, norteando a abordagem que assim efetua pela sua prática enquanto magistrada do Ministério Público e, em concreto, com a aprendizagem teórica e processual que extraiu da sua dedicação quase exclusiva, durante dois anos, à investigação deste ilícito.

Optou-se por iniciar a referida análise com uma abordagem ao crime de violência doméstica e sua evolução legislativa, penas principais e acessórias aplicáveis e medidas de coação e outras medidas de proteção da vítima ao alcance dos magistrados do Ministério Público e Judiciais.

Partiu-se de seguida para um estudo crítico das alterações legislativas recentemente operadas no campo das medidas/providências tutelares cíveis, em concreto, a revogação da Organização Tutelar de Menores operada pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível identificando-se as questões que, na prática judiciária, podem vir a surgir com a aplicação deste novo conjunto normativo.

Passando para o patamar do direito substantivo analisa a autora os critérios que na prática judiciária maioritariamente presidem às decisões de Regulação das Responsabilidades Parentais, e as especificidades das decisões a tomar nesta matéria num contexto de violência doméstica.

Dentro deste último exercício analítico conclui-se este trabalho abordando, do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, a conciliação da execução de medidas de coação e /ou pena acessória (mormente de afastamento e proibição de contactos) com o exercício das responsabilidades parentais (regime e execução de visitas; exercício conjunto das responsabilidades parentais).

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Regulation and Exercise of Parental Responsibilities in the context of domestic violence - practical and critical analysis

Through the present work carried out within the scope of the Master's Degree in Children, Family and Succession Law at the University of Minho School of Law, the author proposes to analyze the (possible) conciliation between the phenomenon of domestic violence and the regulation of the exercise of parental responsibilities, guiding the approach that she makes by her practice as a magistrate of the Public Prosecution Service and, in particular, with the theoretical and procedural experience that she drew from her almost exclusive dedication for two years to the investigation of this crime.

It was decided to initiate this analysis with an approach to the crime of domestic violence and its legislative evolution, applicable main and accessory penalties and measures of coercion and other measures of protection of the victim within the reach of the magistrates of the Public Prosecutor and Judicial.

A critical study of recent legislative changes in the field of civil protection measures was then followed, specifically the revocation of the Guardianship Organization of Minors operated by the General Regime of the Civil Guardianship Process, identifying the issues that, in judicial practice may arise from the application of this new set of rules.

Moving to the level of substantive law, the author analyzes the criteria that in the judicial practice mainly govern the decisions of Regulation of Parental Responsibilities, and the specifics of the decisions to be taken in this matter in a context of domestic violence.

In this last analytical exercise, this work is approached from a doctrinal and jurisprudential point of view, conciliation of the enforcement of coercion measures and / or ancillary penalty (mainly removal and prohibition of contacts) with the exercise of parental responsibilities (regime and execution of visits; joint exercise of parental responsibilities).

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ÍNDICE

CAPITULO I……….15

O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva prática, doutrinária e jurisprudencial ... 15

1. Bem jurídico protegido e natureza do crime. ... 15

2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas acessórias aplicáveis a este tipo legal ... 16

CAPITULO II ... 35

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas com impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das responsabilidades parentais em contexto de violência doméstica ... 35

1. Princípios que nortearam o legislador ... 35

1.1. Celeridade Processual ... 36

1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência pelos métodos de consensualização ... 38

1.3. Incremento da proteção da criança ou jovem ... 39

2. A audição da criança... 42

CAPITULO III ... 47

Os critérios que maioritariamente presidem às decisões de regulação das Responsabilidades Parentais na prática judiciária – análise crítica. ... 47

CAPITULO IV ... 55

A Regulação das Responsabilidades Parentais (provisória e/ou definitiva) num contexto de violência doméstica – análise critica. ... 55

CONCLUSÃO ... 81

LISTA BIBLIOGRÁFICA ... 83

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xiii ABREVIATURAS Ac. - Acórdão Al. - Alínea Art. - Artigo CC - Código Civil

CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem CEJ – Centro de Estudos Judiciários

CNPCJ- Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens CPC- Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa Cfr.- Confrontar

DL – Decreto-Lei

DR – Diário da República

LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo LTE- Lei Tutelar Educativa

Ob. cit. – Obra citada

OTM- Organização Tutelar de Menores P. – página

PGR- Procuradoria Geral da República Proc. – Processo

RGPTC-Regime Geral do Processo Tutelar Cível STJ - Supremo Tribunal de Justiça

TC - Tribunal Constitucional V. - Vide

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CAPITULO I

O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva prática, doutrinária e jurisprudencial

«“Chaga social”, “défice de cidadania”, “fenómeno que contraia os princípios fundamentais do Estado de Direito” são clichés que auxiliam numa aproximação da definição [de violência doméstica1

1. Bem jurídico protegido e natureza do crime.

O bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física psíquica e mental e a dignidade humana no âmbito dos contextos existenciais previstos no artigo 152º, o que lhe vale a designação de crime pluriofensivo2.

Distanciando-se desta caraterização sobretudo jurisprudencial relativa ao bem jurídico protegido por este tipo legal de crime, afasta Nuno Brandão3 a dignidade humana, «valor fundante e transversal» da nossa ordem jurídica, como bem jurídico específico deste crime considerando que ainda que se pudesse atribuir à dignidade humana a condição de bem jurídico, seria mais seguro só considerar que esta estaria a ser posta em causa, quando a vítima fosse submetida a um tratamento infra-humano. Ora, tal exigência não existe no crime de violência doméstica ou de maus tratos. Segundo Nuno Brandão, aceitando-se a dignidade humana como bem jurídico deste tipo de crime, se considerarmos estar perante um crime de dano, esvaziamos o tipo de

1 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público,

102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49.

2 Cf.,a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (processo 632/10.9PBAVR.C1)

e mais recentemente o acórdão da Relação de Lisboa de 08 de Abril de 2015 (processo 2866/12.2T3SNT.L1-3), ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Cf. SARA MARGARIDA NOVO DAS NEVES SIMÕES, “O crime de violência doméstica-aspectos materiais e processuais”, Dissertação do 2ºCicilo de Estudos conducentes ao Grau de Mestre em Direito Forense, Universidade Católica Portuguesa,

Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, Março 2015, página 8

(http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.).

Cf. CARLOS CASIMIRO, MARIA RAQUEL MOTA, “O crime de violência doméstica: a al. b) do n.º 1 do art. 152º do Código Penal”, Revista do Ministério Público, 149, página 133.

3 Cf. NUNO BRANDÃO, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar nº12 (especial), ASJP, Lisboa,

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significado e se o encararmos como crime de perigo, este passa a abarcar uma incomportável multiplicidade de situações.

Por outro lado, carateriza-se também pelo facto de se tratar de um crime único de execução reiterada que, assim, apenas se consuma com o último ato de execução, aspeto que assume relevo, desde logo, no que toca à determinação da lei aplicável. Cada ato praticado de forma sucessiva preenche parcialmente o crime. A soma de todas essas situações parcelares deve ser considerada como evento unitário, ou seja, como um só crime. 4

2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas acessórias aplicáveis a este tipo legal

Apenas com o Código Penal de 1982, aprovado pelo DL n.º 400/82 de 23.09, no artigo 153º n.º 1 alínea a) e n.º 3, se criminalizou autonomamente o que, nessa altura, foi denominado «Maus Tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges». De tal normativo legal resultava, então, através da remissão efetuada pelo n.º 3 para a alínea a) do número 1, que será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou pena de multa até 100 dias quem infligir ao cônjuge «(…) maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres decorrentes das suas funções lhe impõem». Em complemento previa o artigo 154º do Código Penal que se daquelas descritas condutas resultasse para o cônjuge ofensa física grave ou a morte então a pena de prisão aplicável oscilava, respetivamente, entre os 6 meses e os 4 anos de prisão e os 3 anos e os 9 anos de prisão e o limite máximo da pena de multa aplicável elevava-se no primeiro caso para os 120 dias e no segundo para os 250 dias.

Note-se que na versão originária do Código Penal de 1982 este crime assumia natureza pública e apenas previa como maus tratos a cônjuge os atos praticados contra a sua integridade física e não ainda os atos contra o seu bem-estar e saúde psíquica, como mais tarde o legislador viria a consagrar.

Os mencionados normativos legais não sofreram alteração até à entrada em vigor do DL n.º 48/95 de 15.03, passando então a assumir a numeração 152º com a epígrafe

4Cf., a título exemplificativo, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2015 (processo

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«Maus tratos ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge». Para além de tal alteração previu o legislador um aumento sensível nos limites mínimos e máximos da pena de prisão aplicável ao mesmo tempo que deixava cair a aplicabilidade da pena de multa. Assim, passou este crime a ser punido com uma pena de prisão entre 1 a 5 anos e caso dos factos praticados viesse a resultar ofensas graves à integridade física da vítima ou a morte desta, a pena de prisão aplicável passava a ser, respetivamente de 2 a 8 anos e de 3 a 10 anos.

De assinalar também, para além do agravamento das molduras das penas aplicáveis, a inclusão das relações análogas às dos cônjuges na previsão deste tipo legal de crime que assim deixou de ser privativo dos factos praticados apenas dentro do matrimónio.

O juízo de censura jurídico-penal que terá presidido a esta decisão legislativa terá considerado, a nossa ver corretamente, que “mesmo sem vínculo formal do casamento, sempre que a mera relação de namoro evolui para uma relação análoga à dos cônjuges, numa comunhão afetiva potenciadora de uma maior desinibição, criam-se, entre os companheiros, deveres de cooperação, de respeito e de proteção, que se prolongam para além do fim da relação”. 5

Contudo - e cremos não acompanhando a preocupação legislativa que terá presidido às mencionadas alterações - fez agora o legislador depender a instauração de procedimento criminal da vontade da/o ofendida/o, ou seja, da apresentação de queixa por parte desta/e junto das autoridades competentes. Equivale isto por dizer que a sorte do referido procedimento dependia também da sua vontade, já que podia ela desistir do procedimento criminal, assim impedindo que o mesmo corresse os seus termos.

Porém, dando aquele que para nós terá sido o primeiro passo para a natureza pública que no futuro viria a reconhecer a este tipo legal de crime, veio o legislador através da Lei n.º 65/98 de 02.09, embora mantendo as molduras penais anteriormente fixadas, prever agora que apesar de o início do procedimento criminal continuar a depender da vontade da vítima e da queixa que esta viesse a apresentar, poderia o Ministério Público dar-lhe inicio caso entendesse que o interesse do ofendido o justificava e este não se viesse a opor a tal decisão até à dedução do libelo acusatório.

A Lei n.º 7/2000 de 27.07 que se seguiu foi, cremos, bastante inovadora nesta matéria. Na verdade, alargou ainda mais o leque das potenciais vítimas da prática deste

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tipo legal de crime e passou a prever a possibilidade de aplicação ao agressor, a par da pena principal, da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos.

Através desta alteração legislativa previu, então, o legislador que a vítima deste tipo legal de crime podia ser para além do cônjuge e da pessoa que com ele mantivesse relação análoga à dos cônjuges, também o progenitor de descendente comum em primeiro grau, deixando assim o ilícito em causa espraiar-se a contextos estranhos à divisão de cama, mesa e habitação, mas em que existisse entre agressor e vitima um descendente em primeiro grau como denominador comum.

De extrema importância também o facto de ter sido com a Lei n.º 7/2000 de 27.07 que se operou a verdadeira viragem na natureza deste tipo legal de crime, que reassumiu assim a natureza pública que o caracterizava na versão originária do Código Penal de 1982, deixando pois o procedimento criminal de estar inteiramente “nas mãos das vitimas” delas já não dependendo nem o seu inicio nem o seu prosseguimento.

Naturalmente que a exigência de queixa como condição de procedibilidade não garantiu que o procedimento pudesse prosseguir de forma totalmente independente da vontade da vitima, que continuava a poder, de certo modo, determinar o seu quase imediato desfecho através de um despacho de arquivamento, ao se resguardar, amiúde no seu chamado “direito ao silêncio” ou seja, direito a não prestar declarações quando ainda mantivesse o casamento ou a união de facto com o agressor e os factos tivessem ocorrido na pendência do matrimónio/relação análoga. 6

A autonomização do crime de violência doméstica aconteceu, porém, apenas com a Lei n.º 59/2007 de 04.09, mantendo-se o crime previsto, agora com essa epígrafe, no artigo 152º do Código Penal, comportando tal alteração legislativa, importantíssimas inovações.

A primeira constatação que a análise desta alteração legislativa impõe é o facto de, uma vez mais, o legislador ter considerado, para além dos que já vinham previstos, outros contextos nos quais podem ser praticados atos integráveis neste ilícito criminal. Referimo-nos precisamente à vitima considerada « (…) pessoa particularmente

6Tal direito a não prestar declarações encontra-se previsto no artigo 134º do Código de Processo Penal, sendo curioso salientar que este normativo legal não acompanhou a alteração legislativa operada relativamente ao artigo 152º n.º 1 do Código Penal, ao não atribuir igual direito à pessoa que mantenha ou tenha mantido com o agressor uma relação de namoro e relativamente a factos ocorrido durante esse relacionamento, quando estes passaram a poder ser enquadráveis no crime de violência doméstica.

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indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele [agressor] coabite» ainda que essa pessoa não esteja ao cuidado, sob a guarda, responsabilidade da direção ou educação.

Até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 04.09 a proteção penal da pessoa cuja condição (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica) impusesse considerar como pessoa particularmente indefesa, apenas podia ser alcançada quando estivesse em causa a prática de maus tratos físicos e/ou psíquicos, através do crime de violência doméstica (então maus tratos) caso sob o agressor impendesse um dever legal ou uma situação de facto que o colocasse na posição de cuidador, guardador ou educador.

Da existência de tal relação poderá resultar agora a prática do crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1 do Código Penal. Dito de outro modo, a vítima particularmente indefesa em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica está, agora, desde 2007, protegida em duas vertentes: quer quando não está ao cuidado, sob a guarda, responsabilidade da direção ou educação do agressor, bastando que coabite com ele (podendo então estar em causa a prática do crime de violência doméstica) quer quando está (podendo enão estar em causa a prática do crime de maus tratos).

Cremos ser esta a alínea que permite ao julgador uma maior subjetividade na decisão porque ao contrário dos restantes conceitos (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica) a integração do conceito «pessoa particularmente vulnerável» terá de ser preenchido casuisticamente, chamando naturalmente o julgador para tal, a sua experiência de vida, a sua sensibilidade, as suas opiniões pessoais.

Embora não exista definição legal para o conceito «pessoa particularmente vulnerável» cremos estar ele próximo do conceito «vítima especialmente vulnerável» que o artigo 2º alínea b) da Lei 112/2009 de 16.09 define como sendo «(…) a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social».

Tomemos como exemplo a seguinte realidade fáctica dada como provada (acórdão já transitado em julgado)7:

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«1.O arguido PO... e a ofendida AP... viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, na Quinta da J..., desta comarca, como se de marido e mulher se tratassem, desde Junho de 2008 a Julho de 2011, sendo que dessa união nasceu o menor AO..., a 2 de Maio de 2009.

2.A partir do primeiro trimestre do ano de 2011, o relacionamento entre ambos deteriorou-se por o arguido desconfiar que a AP... mantinha um relacionamento amoroso com outro indivíduo, seu colega de trabalho.

3. Na madrugada de 8 para 9 de Abril de 2011, como a ofendida chegasse a casa vinda dum jantar de colegas nas Caldas da Rainha, achando-se exaltado e irritado com a demora da mesma, o arguido gritou com aquela, dizendo-lhe que a matava e, enfurecido, partiu diversos objectos na habitação.

4. No período temporal que mediou entre o dia 9 de Abril de 2011 e meados do mês de Julho desse ano, por diversas vezes, a ofendida disse ao arguido que não pretendia continuar a viver com ele, instando-o a que abandonasse a habitação, pois que a Quinta da J... tratava-se de bem que ela e um irmão haviam herdado por morte dos pais.

5. Contudo, o arguido recusou-se sempre a fazê-lo, não aceitando que aquela quisesse pôr termo à relação e, suspeitando que a ofendida mantinha um relacionamento amoroso com um colega de trabalho, enciumado, o arguido gritava com ela, instando-a a revelar-lhe a identidade daquele, dizendo-lhe que a matava, o que fez por diversas vezes.

6. Contudo, apesar de tais atuações, o arguido vendo que não conseguia que a ofendida reatasse a vida em comum, acabou por concordar abandonar a residência, mas para tanto exigiu contrapartidas financeiras.

7. Acedendo às exigências do arguido, a ofendida celebrou com ele um acordo de separação, mediante o qual se comprometeu a entregar-lhe, como contrapartida pela separação, €75.000 em numerário e 4.400 Ações duma sociedade anónima da qual era accionista, sendo que a ofendida aceitou este acordo também porque desejava que o arguido não ficasse, após a separação de ambos, numa difícil situação económica.

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8. Tendo já recebido parte das aludidas contrapartidas, no dia 9 de Agosto de 2011 o arguido abandonou a casa da ofendida e viajou para Londres, a fim de ali estudar inglês e arranjar trabalho.

(…)

27. Assim, na noite de 27 para 28 de Agosto, a hora não concretamente apurada, mas já após as 23h25, agindo de modo similar ao anteriormente descrito, o arguido conseguiu entrar novamente no recinto da quinta e depois na residência da ofendida, isto porque não lograra abrir a fechadura da arrecadação com a chave que levara. 28. Ao entrar na casa, o arguido passou pelo armeiro embutido na parede do corredor do primeiro andar da habitação, justamente no trajecto entre a janela “de entrada” e o quarto da ofendida e dali retirou uma pressão de ar tendo com a mesma entrado no quarto onde a ofendida dormia na companhia do filho de ambos, os quais acordaram ante a chegada do arguido.

29. Face à presença inusitada do arguido naquele local e àquela hora, a arguida perguntou- lhe o que fazia ali munido de uma pressão de ar tendo o arguido, face a tal, regressado ao corredor, pousado a pressão de ar no corrimão, e retirado do armeiro, devidamente municiada, a espingarda caçadeira semi-automática, calibre 12, de marca FN/Browning, modelo B-80, com o número de série ...., que fora pertença do pai da ofendida AP....

30. Regressando de imediato ao quarto da ofendida, a qual ainda se achava deitada na cama na companhia do filho menor de ambos, o arguido empunhou a espingarda na direcção da mesma, questionando-a sobre a identidade do novo namorado.

31.O arguido insistiu com a AP... pela identidade do dito namorado durante algum tempo não obtendo desta a identificação da pessoa em causa. Findo este tempo o filho do casal acabou por sair da cama por um dos lados desta.

32. Como a ofendida, amedrontada, se levantasse da cama pelo lado contrário, o arguido, achando-se a cerca de 2 metros de distância, efectuou, sucessivamente, quatro disparos na direcção daquela, acertando-lhe nos membros superiores quando a mesma os pôs à frente do corpo para se proteger, bem como na região torácica e no abdómen. 33. Em consequência dos ferimentos que lhe foram provocados pelos disparos efectuados pelo arguido, a ofendida sofreu as lesões traumáticas descritas no relatório de autópsia de fls. 436 a 440, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, lesões essas que foram a causa directa e necessária da sua morte.

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34. O arguido quis agir do modo descrito com o intuito de tirar a vida à ofendida, tal como fez, motivado pelo facto da mesma não ter querido reatar a vida em comum consigo, bem como por o haver preterido a favor doutro homem a quem deixava pernoitar na casa onde residia o filho menor de ambos.».

Ao ser sujeito a julgamento no âmbito do processo comum n.º 641/11.0 JDLSB ia o arguido acusado, para além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) n.º 2 do Código Penal, um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 131.º e 132.º n.º 1 al. b) do Código Penal e um crime de maus-tratos p. e p. pelo art.º 152.º-A n.º 1 al. a) do Código Penal.

Embora, o enfoque neste processo não se destine, nesta parte do nosso trabalho, a apreciar a fundo tal matéria não podemos deixar de expressar o nosso ponto de vista relativamente à decisão tomada em primeira instância quanto à absolvição do arguido pela prática do crime de violência doméstica pelo qual ia acusado pelo Ministério Público (decisão que não foi analisada no Tribunal da Relação de Lisboa por não constituir objeto do recurso interposto pelo arguido).

Na verdade, embora aceitemos que a factualidade dada como provada e que terá ocorrido entre 9 de Abril de 2011 e 9 de Agosto desse mesmo ano (factos dados como provados nos pontos 4. a 8. do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância) pudesse pela sua natureza, gravidade e reiteração vir a não ser integrada no crime de violência doméstica, não compreendemos por que razão não procedeu o julgador à alteração não substancial8 dos factos nos termos do artigo 358º n.º 1 do Código de Processo Penal, condenando então o arguido pela prática de um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) Código Penal (pressupondo uma única resolução criminosa adotada quando o relacionamento começou a deteriorar-se com factos praticados ao longo do tempo).

Por outro lado, importa tecer alguns considerandos relativamente ao teor da acusação pública que contra o arguido foi deduzida, quando em face da factualidade dada como provada nos pontos 27. a 34 do acórdão proferido em 1ª instância, lhe era imputada a prática do crime de maus tratos previsto e punido no artigo 152º- A do

8 Cf. acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 14 de Maio de 2014 (290/12.6TAACN.C1), acórdão da Relação de Guimarães de 02 de Novembro 2015(processo 77/14.1TAAVV.G1), acórdão da relação de Évora de 05 de Março de 2013 (processo 43/09.9GBRDD.E1), disponíveis em www.dgsi.pt.

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Código Penal (homicídio da mãe do menor de dois anos e meio à data da prática dos factos e no interior do quarto, na sua presença) do qual o arguido veio a ser absolvido.

Consideramos, tal como constava do libelo acusatório, que os disparos deflagrados sobre a mãe do menor, na sua presença quando com ela dormia e que vieram a conduzir à sua morte constituem sérios maus tratos psicológicos infligidos àquela criança suscetíveis de integrar, consoante a natureza da situação, ou o crime de violência.9

Parece-nos, na realidade, inegável, que aquela experiência de vida naquela criança imprimirá nela e no seu desenvolvimento marcas difíceis de superar, sobretudo porque aliada à orfandade a que foi votada, aquela criança associará, mais cedo ou mais tarde, a sua situação de vida a um ato do seu pai, pessoa que o devia proteger.

Desconhecemos qual terá sido o fundamento para a absolvição do arguido quanto ao referido tipo legal de crime porque, como já tivemos oportunidade de afirmar, tal matéria não constituía objeto do recurso não tendo sido assim apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Uma vez que a razão subjacente a tal absolvição não pode ter sido a falta de prova (porque foi dado como provado que o arguido matou a mãe do menor na sua presença, quando com ela dormia) resta-nos avançar com outras duas hipóteses, tendo sempre presente que apenas disso se tratam.

A primeira hipótese que colocamos é não ter o julgador considerado tal experiencia imprimida pelo pai na vida do filho como um ato de mau trato psicológico.

Não podemos estar mais em desacordo com tal entendimento porque, pelos fundamentos que já expusemos, a gravidade desta concreta situação íntegra, para nós, de forma clara o conceito de maus tratos psicológicos praticados contra menor (neste caso também pessoa particularmente indefesa por ter apenas dois anos de idade à data da prática dos factos) não sendo bastante, a nosso ver, o recurso à mera agravante da pena aplicável prevista no n.º 2 do artigo 152º do Código Penal. E a ser assim justificar-se-ia (como parece ter também o Ministério Público em sede de inquérito) assacar ao agressor a responsabilidade criminal pela prática de um crime de violência doméstica contra a criança deixando, assim, de lado a mera agravante da pena.

9Cf. MARIANA MESQUITA VILAS BOAS, Violência Contra Menores- Análise Crítica dos Artigos 152º e 152º-A do Código Penal dissertação de mestrado, Universidade Católica, Porto, 2013.

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A segunda hipótese que avançamos é o facto de poder ter constituído um óbice à condenação do arguido, neste caso, a circunstância de o pai se encontrar já, à data, separado da mãe do menor (ainda que há escassos dias), tendo passado até a viver num país diferente.

Aceitamos que o facto de o arguido, naquela altura, já não coabitar com a criança, seu filho, afaste o preenchimento do crime de violência doméstica previsto no artigo 152º n.º1 alínea d) do Código Penal (que, recorde-se, não lhe era imputado pelo Ministério Público). Relativamente a esta matéria e quanto ao significado e peso jurídico do conceito de coabitação diz-se no acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 2016 10 que «Habitualmente abordada a propósito de relações matrimoniais, a coabitação é significante para, entre o mais, comunhão de residência e de mesa. Por conseguinte, em qualquer caso, será esta comunhão habitual, este convívio, esta partilha que estreita laços e confiança que caracteriza o conceito juridicamente relevante de coabitação (…)»

No entanto, tal circunstância não podia, a nosso ver, afastar a prática do crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1alínea a) do Código Penal já que tendo cessado a coabitação entre os progenitores que, até àquela data viviam em condições análogas à dos cônjuges, então as responsabilidades parentais cabiam a ambos em conjunto no tocante às questões de particular importância, ficcionando-se a manutenção daquela relação para este efeito.

Na verdade, determina o artigo 1911º do CC que «Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º» acrescentando o n.º 2 que «No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a 1908.º».

Ora, o mencionado artigo 1906º n.º 1 do CC estabelece, por sua vez, nesta matéria, que «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.». Por seu turno, dispõe o n.º 3 deste normativo

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legal que «O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.».

Ora, se assim é, como cremos ser, como afirmar que o arguido não tinha o filho ao seu cuidado, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, apesar de já não coabitar com ele?

Em conclusão diremos pois que, em nosso entender, e pressupondo que a decisão de absolvição assentou numa destas hipóteses ora analisadas, a absolvição do arguido pela prática deste ilícito criminal foi erradamente decidida.

Parece-nos relevante avançar ainda com um outro exemplo que cremos ser demonstrativo da plasticidade da norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 152º apreciado no muito recente acórdão da Relação do Porto de 12 de Outubro de 2016 em cujo sumário se lê «Pratica o crime de violência doméstica, o filho que, podendo, não presta ao pai a assistência adequada ao seu estado físico e mental, conduta que se traduz na ausência da prestação de cuidados alimentares, de cuidados de higiene pessoal, de limpeza da casa e na promoção de uma situação de abandono.»11.

Trata-se aqui a nosso ver de um resultado alcançado (crime de resultado) através da omissão de atos, sendo a conduta do arguido punível nos termos do artigo 10º n.º 2 do Código Penal, uma vez que sobre o filho recaía o dever de garante previsto no artigo 1874º do Código Civil que determina no seu nº 1 que «Pais e Filhos devem-se mutuamente respeito, auxilio e assistência» e que esta última, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo legal «(…)compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.».

Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque12 explicando, então, que «o tipo legal pode ser cometido por omissão, na medida em que sobre o agente impende um dever de garante. Este dever de garante pode até impender sobre os agentes da autoridade pública

11 Processo: 2255/15.7T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

12 Cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da

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(acórdão TEDH Kontrova v. Eslováquia, de 31.5.2007, sobre um caso de omissão de reação das autoridades públicas diante de suspeita de violência doméstica»

Retomando a análise às alterações legislativas operadas pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro salientamos agora, a introdução no texto normativo deste tipo legal de crime do segmento «(…)de modo reiterado ou não (…)».

Até então, e embora fosse já matéria objeto de querela13, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores e a doutrina14 vinha considerando necessário para o preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica a prática reiterada/continuada ao longo do tempo de maus tratos físicos ou psíquicos sobre a pessoa do cônjuge. 15( Importa, contudo, ter em conta como nos salienta Jorge Reis Bravo16 que a reiteração « (…) não se confunde com repetição homótropa (relativamente a factos de idêntica natureza), podendo ser de natureza diferenciada, e que perdure por um período de tempo suficientemente longo em que se exclua a consideração de se tratar de comportamento episódico ou pluriocasional, caso em que se subtrairia à previsão legal»

Com a redação introduzida pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro o crime de violência doméstica passou a poder ter-se por cometido mesmo que não haja reiteração de condutas, embora só em situações excecionais o comportamento violento único, pela gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito.17

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na origem da Lei n.º 59/2007, de 4/9, escreve-se «na descrição típica da violência doméstica e dos

maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa.» - vide Diário da

Assembleia da República, II Série -A, n.º 10, de 18/10/2006.

Em suma, passou-se a admitir que um singular comportamento possa integrar o crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela

13 Cf., a título de exemplo, o acórdão do STJ de 17 de Outubro de 1996 publicado na Coletânea de Jurisprudência acórdão do STJ,

Ano IV, T 3, pagina 170 e acórdão da Relação do Porto de 03 de Julho de 2002 disponível em www.dgsi.pt (processo 0210597)

14 Cf. TERESA BELEZA in «Maus Tratos Conjugais, o artigo 53º n.º 3, do Código Penal, A.A.F.D.L. Lisboa, 1989, página 21;

Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, página 334)

15 Cf., sobre a matéria e a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Outubro de 2012

processo 639/08.6GBFLG.G1 disponível em www.dgsi.pt).

16 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público

,102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49.

17 Cf. nesse sentido e antes quer da redação atual quer da que foi dada ao artigo 152º, pela Lei 7/2000, o acórdão do STJ de

14 de Novembro de 1997, ACS. STJ, V, III, 235 e baseando-se em tal entendimento o acórdão da Relação do Porto de 12 de Maio de 2004 onde se lê «Para se configurar maus tratos...exige-se uma pluralidade de condutas, ou no mínimo uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, v.g. crueldade, insensibilidade».

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consideração do outro como pessoa. Por outras palavras quando o comportamento singular só por si se revele claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge.

Neste sentido veja-se, a titulo de exemplo o acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Janeiro de 2013 em cujo esclarecedor sumário se lê que «Com a reforma do Código

Penal operada pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a descrição típica do crime de violência doméstica (autonomizado em relação ao tipo legal de maus-tratos a cônjuge, tal como estava consagrado no artº 152º, nº 2, do Código Penal) tem uma amplitude muito maior e prevê-se que, para o preenchimento do tipo legal, a inflição de maus tratos pode concretizar-se “de modo reiterado ou não, podendo afirmar-se que, com esta formulação, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas corporais já configura um crime de violência doméstica. II- No entanto, se o crime de violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade física, coação, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respetiva norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode servir toda e qualquer ofensa. III-Um único ato ofensivo só consubstanciará um “mau trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor (quer da ação, quer do resultado), que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido –a saúde física, psíquica ou emocional –pondo em causa a dignidade da pessoa humana. IV-O facto de o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou “ligeiramente negro de lado” e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante suscetível de configurar “violência doméstica”. É manifesto que essa conduta do arguido, mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então com 9 dias de vida) ao colo, não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que, com ele, foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente e, portanto, que o seu bem-estar

físico e emocional foi, intoleravelmente, lesado.»1819

De assinalar também que o legislador através da Lei n.º 59/2007 de 04.09 fez incluir no texto normativo alguns exemplos de comportamentos suscetíveis de serem considerados maus tratos físicos ou psíquicos, indicação que não existia anteriormente, referindo-se, então agora, aos castigos corporais, às privações de liberdade e às ofensas sexuais.

18 processo 1354/10.6TDLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.

19 Em igual sentido, veja-se também o acórdão da Relação de Coimbra de 02 de Outubro de 2013 (processo 32/13.9GBLSA.C1),

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Note-se contudo que, por força da mesma Lei, a inclusão no texto do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal do segmento «(….) se pena mais grave lhe não couber por

força de outra disposição legal» obriga o julgador nos casos em que tenha havido,

designadamente, sequestro, rapto ou ofensas sexuais, a avaliar casuisticamente a gravidade destas por forma a que se determine se tais comportamentos devem ou não ser autonomizados do crime de violência doméstica e justificar, por essa via, a imputação ao agressor, de um crime mais grave como seja, o crime de sequestro (artigo 158º n.º 2 e 3), o crime de rapto (artigo 161º do Código Penal), o crime de coação sexual (artigo 163º n.º 1 do Código Penal), o crime de violação (artigo 164º do Código Penal), em obediência ao principio da subsidiariedade. Se a gravidade de tais condutas justificar essa autonomização poderá acontecer um afastamento do crime de violência doméstica em virtude dos factos praticados apenas serem, por natureza, integráveis naqueles ilícitos de natureza mais grave (concurso aparente ou subsidiariedade expressa) ou termos uma situação de concurso efetivo entre tais ilícitos e o crime de violência doméstica, se existirem também outros atos integradores deste último.

Quando se tratem de factos integradores do crime de violência domestica mas que autonomizados corresponderiam a ilícitos criminais puníveis com pena de prisão inferior a cinco anos (como é o caso, designadamente, do crime de ofensa à integridade física simples, do crime de injúria ou do crime de ameaça) estaremos, então perante uma situação de concurso aparente entre eles e o crime de violência doméstica (relação de especialidade), que assim os afasta. 20

Alteração relevante foi também a introdução pela Lei n.º 59/2007 de 04 de Setembro da agravação prevista no nº 2 do artigo 152º do Código Penal aplicável quando os factos forem praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou da vítima. Em tais situações, prevê, então o legislador a agravação do limite mínimo da pena de prisão aplicável que passa de um para dois anos.

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque21 «o propósito do legislador foi o de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítima menores ou ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítima “indiretas” dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro

20Cf. acórdãos da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2010 (processo 512/09.0PBAVR.C1) e de 22 de Setembro de 2010

(processo179/09.6TAMLD.C1), disponíveis em www.dgsi.pt.

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lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunha»

Como circunstâncias agravantes que são elas operam no domínio da culpa e não da ilicitude, pelo que, à semelhança do que acontece com o crime de coação previsto no artigo 154º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea b) do Código Penal, a sua aplicação não é automática obrigando, assim, o julgador a ponderar, para decidir ou não pela agravação da pena aplicável, se a conduta do agressor ultrapassa os limites da simples censurabilidade e se se mostra reveladora de especial perversidade ou é merecedora de um juízo de especial censurabilidade. Tal ponderação passará, designadamente, pela consideração do contexto psicológico em que o arguido agiu, das suas concretas condições e experiências de vida, da personalidade que revelou antes e depois da prática dos factos e das suas capacidades intelectuais.

Veja-se a este propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 201622 no qual se pode ler que «Tais circunstâncias - e outras similares, como se infere da letra do preceito - poderão ou não revelar um maior desvalor da ação. Para aferir deste maior desvalor (a tal especial censurabilidade), há que olhar ao contexto da prática dos factos, em ordem a descortinar se, tendo em conta os motivos do agente, a sua inserção na sociedade, a sua responsabilidade, a sua maturidade intelectual, etc., a conduta reflete uma especial e acentuada desconformidade da sua personalidade com os valores jurídico-penalmente relevantes. Ou seja, em suma, se o arguido revelou uma tal indiferença para com o direito e os bens jurídicos em causa em particular que choque sobremaneira a consciência jurídica coletiva.»

As penas acessórias previstas no artigo 152º do Código Penal não são todas uma inovação da Lei n.º 59/2007 de 04.09, já que a pena acessória de proibição de contacto do agressor com a vítima havia sido já introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei 7/2000 de 27.05. No entanto, com a Lei 59/2007 de 04.09 algumas alterações foram operadas nesta pena acessória já prevista e outras penas acessórias foram criadas: a pena acessória de uso e porte de armas, a pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e a pena acessória de inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela.

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Quanto à pena acessória de proibição de contacto do agressor com a vítima, manteve-se a possibilidade dela incluir o afastamento do agressor da residência e acrescentou-se a possibilidade de se determinar através dela também o afastamento do agressor do local de trabalho da vítima. Outra alteração a assinalar foi o aumento do tempo durante a qual tal pena acessória pode vigorar, tendo-se passado do limite máximo de dois anos para o limite máximo de cinco anos.23

As penas acessórias previstas neste normativo legal não são de aplicação automática ao contrário do que acontece com outras penas acessórias como a que se encontra prevista no artigo 69º do Código Penal para os crimes aí previstos. A letra do artigo 152º é inequívoca ao estabelecer quanto às penas acessórias do n.º 4 que « (…) podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas (…)» e no n.º 6 que esta pena apenas deve ser aplicada quando tal se mostre justificado pela «(…) concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente». (solução diferente daquela que se consagrou em Espanha, onde o legislador decidiu que a pena de acessória proibição de uso e porte de armas. 24

Neste sentido, e no que concerne à pena acessória de proibição de contatos encontramos, nomeadamente, o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de Novembro de 2008 25 no qual se lê que «A aplicação da pena acessória de afastamento da residência

da vítima depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso». Neste

igual sentido, e debruçando-se sobre a não rara situação de reconciliação do agressor e da vítima e do retorno daquele à casa de morada de família, pronunciou-se o muito recente acórdão da Relação de Évora de 29 de Novembro de 2016 26. Consta então deste referido aresto: «Ao que consta dos autos, e como decorre da factualidade tida como assente em primeira instância (e não questionada por qualquer sujeito processual), a ofendida, de sua livre vontade, decidiu voltar a viver com o arguido, em condições

23 Em Espanha com a LO 11/2003 reconheceram-se ainda outros fatores de agravamento das penas aplicáveis ao crime de violência

doméstica quando fosse praticado com utilização de armas e/ou quando fosse levado a cabo violando as penas ou medidas de coação [em Espanha, medida cautelares] de afastamento ou comunicação com a vitima– cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 20.

24 Cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do

Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 23.

25 Processo 182/06.8TAACN, disponível em www.dgsi.pt. 26 Processo 195/15.9GCCUB.E1,disponível em www.dgsi.pt.

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análogas às dos cônjuges (pois está divorciada do arguido desde setembro de 2010). Do mesmo modo, da análise dos autos (e da factualidade neles tida por provada) não podemos concluir, minimamente, pela existência de um qualquer relacionamento conflituoso entre o arguido e a ofendida a partir do momento em que, de comum acordo, decidiram viver, de novo, em comunhão de leito, mesa e habitação.

Acresce que os factos delitivos cometidos pelo arguido, e dados como provados na sentença sub judice, não se revestiram, no essencial, de atitudes de violência física sobre a pessoa da ofendida, ou seja, não nos revelam uma personalidade do arguido especialmente perigosa ou invulgarmente violenta. (…) Neste enquadramento, e com o devido respeito por diferente opinião, as instâncias formais de controlo (nomeadamente os tribunais) carecem de legitimidade para, sem mais, proibirem a ofendida e o arguido de viverem, de novo, em comunhão de mesa, leito e habitação.

Por isso, e a nosso ver, não se pode aplicar, nessas circunstâncias, a pena acessória de proibição de contactos com a vítima (nomeadamente impondo o afastamento do arguido da residência onde vive com a ofendida), sob pena de ilegítima ultrapassagem da liberdade e da autonomia de vontade da própria ofendida.».

Não podemos deixar de sufragar o entendimento assumido neste acórdão por ser, numa situação como aquela em análise, inultrapassável a vontade da vítima (desde que livre e esclarecida) de se reconciliar com o arguido. Semelhante situação justificaria, cremos, caso a sentença ainda não tivesse transitado em julgado, a alteração da medida de coação de proibição de contactos com a vítima e afastamento da sua residência, caso esta eventualmente lhe tivesse sido aplicada, porque embora continuasse a haver perigo de continuação da atividade criminosa (perigo esse que normalmente fundamenta a aplicação desta medida de coação nesta tipologia de crimes), o certo é que a própria vitima decidiu que não era assim, determinando um outro rumo para a sua vida.

A decisão de aplicação ou não da pena acessória de afastamento da vítima ou de proibição de contactos com esta e particularmente a decisão sobre o seu quantum deve ser ainda, a nosso ver, precedida por uma particular ponderação quando a vitima e o agressor tenham filhos em comum e aquele não foi inibido ou limitado quanto ao exercício das responsabilidades parentais (no próprio processo através da pena acessória prevista no n.º 6 do artigo 152º do Código Penal ou em processo autónomo de regulação/alteração do exercício das responsabilidades parentais).

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Por último, importa salientar que a violação de qualquer uma destas penas acessórias apenas poderá fazer o arguido incorrer na prática de um novo crime, a saber, o crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353º do Código Penal. Nunca o incumprimento dessa pena poderá constituir fundamento para uma eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão que tiver sido aplicada ao arguido. Neste sentido veja-se, nomeadamente, o acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Janeiro de 201527.

Interessante e diferente situação (com a qual já nos deparamos) é, por exemplo, o arguido condenado na pena acessória de proibição de contatos com vigilância através dos mecanismos de teleassistência, não se aproximar da vítima conforme lhe havia sido imposto mas opor-se e impossibilitar por todos os meios a colocação de tais meios de vigilância. Ora, somos de entendimento que tal conduta não é suscetível de integrar a previsão do artigo 353º do Código Penal porque apesar de o arguido com a sua conduta obstaculizar a vigilância da pena acessória ele não praticou ou levou a cabo o ato que lhe estava vedado por tal pena acessória, precisamente, a aproximação à vítima. Note-se com interesse para a apreciação jurídica desta matéria, que a colocação de tais dispositivos depende do consentimento prévio do arguido e até das pessoas com idade superior a 16 anos que com ele coabitem, podendo ser revogado a todo o tempo (artigo 4º n.º 1, 4 e 6 da Lei 33/2010 de 02 de Setembro).

Da última alteração legislativa operada ao crime de violência doméstica com a Lei n.º 19/2013 de 21 de Fevereiro resultou, uma vez mais, um alargamento do leque de vítimas suscetíveis de serem abarcadas por este tipo legal. Com a referida modificação passou também a considerar-se integrar o crime de violência doméstica, os maus tratos físicos e psíquicos aí descritos praticados no âmbito de uma relação de namoro ainda que sem coabitação. 28

Relativamente a estas relações de namoro encontramos alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores considerando que abrangem também, para efeitos da incriminação por este tipo legal de crime, as relações de namoro extraconjugais.29

27 Processo 112/09.5GASJP-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.

28 Igual alteração fora já operada em Espanha no ano de 2003 com a LO 11/2003, conforme – cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La

violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 20.

29 Cf. a titulo exemplificativo acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2013 (processo83/12.0GCGRD.C1) e acórdão

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Uma última referência que importará fazer relativamente ao crime de violência doméstica prende-se com a tendência jurisprudencial maioritária dos nossos tribunais superiores no sentido de considerarem, por regra, afastada a prática deste tipo legal de crime quando existam agressões mútuas.30 E concordamos com esta posição.

Na verdade, o que justifica a autonomização da violência conjugal é uma questão de exercício de poder arbitrário do mais forte sobre o mais fraco. Aliás, este tipo legal de crime pressupõe “a consolidação no estado vivencial da vítima de um

estado de compressão na sua liberdade pessoal e de um apoucamento da dignidade que

a um qualquer ser humano é devida”31 pelo que, havendo agressões mútuas de similar

natureza, não podemos deixar de considerar não preenchidos os elementos objetivos e, muito menos, subjetivos, do crime de violência doméstica. Nestas situações poderá estar em causa qualquer um dos outros tipos legais de crime que se encontram, como já referimos, em situação de concurso aparente (relação de subsidiariedade) com o crime de violência doméstica.

30 Cf. a título exemplificativo, o acórdão da Relação do Porto de 09 de Janeiro de 2013 (processo 31/09.5GCVLP.P1), disponível em

www.dgsi.pt.

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CAPITULO II

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas com impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das

responsabilidades parentais em contexto de violência doméstica

1. Princípios que nortearam o legislador

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08 de Setembro revogou a Organização Tutelar de Menores (OTM) que então vigorava no nosso sistema jurídico através do DL n.º 314/78 de 27 de Outubro 32, sendo aplicável nos termos do artigo 5º (aplicação no tempo) «aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior.».

Os objetivos que presidiram ao “nascimento” do Regime Geral do Processo Tutelar Cível foram, claramente, a obtenção de maior celeridade através da simplificação da instrução e preferência dada à oralidade dos atos praticados33, agilização e eficácia na resolução desses conflitos privilegiando-se a consensualização na tomada de decisões 34

Na verdade, salientando-se até a especifica realidade das crianças que crescem no epicentro do fenómeno da violência doméstica pode ler-se na proposta de Lei n.º 338/XII que « (…) foi tida em conta a realidade dos graves danos psicológicos potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de rutura conjugal e, consequente, perturbação dos vínculos afetivos parentais, especialmente agravada nas situações de violência doméstica intrafamiliar. Essa realidade não é compaginável com delongas da marcha processual, nem com a inerente dilação das decisões.

O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e da família.

32Alterado até à entrada em vigor da Lei 141/2015 de 08 de Setembro pela Declaração de 14/12 de 1978, Declaração de 07/02 de

1979, DL n.º 185/93, de 22/05, Retificação n.º 103/93, de 30/06, DL n.º 48/95, de 15/03, DL n.º 58/95, de 31/03, DL n.º 120/98, de 08/05, Retificação n.º 11-C/98, de 30/06, Lei n.º 133/99, de 28/08, Lei n.º 147/99, de 01/09, Lei n.º 166/99, de 14/09 e Lei n.º 31/2003, de 22/08).

33Artigo 4º n.º 1 alínea a). 34Artigo 4º n.º 1 alínea b).

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Na concretização desse objetivo são definidos novos princípios e procedimentos destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando, valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica aos tribunais, nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.»35

1.1. Celeridade Processual

No tocante à pretendida celeridade processual através da simplificação da instrução salientam-se as seguintes alterações/inovações:

a) O RGPTC prevê no seu artigo 15º que as notificações e convocatórias para comparecer em tribunal devem ser efetuadas por qualquer meio mais expedito que a remessa via postal, que só deve ser efetuada quando os outros meios não se mostrem viáveis. Quanto a esta inovação, defende Paulo Guerra 36 que o legislador devia ter concretizado quais os meios que considera poderem ser utilizados e os que considera mais expeditos.

b) Estabelece-se (artigo 21º n.º 5) que na fase de instrução só deverá haver

lugar à solicitação de relatórios às equipas de assessoria técnica relativamente às diligências a que assistiram, esclarecimentos que prestaram, exames ou pareceres que elaboraram, «(…) quando a sua realização se revelar de todo indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de instrução, nomeadamente se forem insuficientes os depoimentos e as informações a que se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1»

c) Estabelece-se no artigo 27 n.º 1 do RGPTC que «As decisões que apliquem

medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisória devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança». Quanto a este particular aspeto importa também ter em consideração a inovação que, com a mesma finalidade, foi introduzida na Lei

35Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39542.

36Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível

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147/99 de 1 de Setembro37 com o aditamento do artigo 112º A 38 no qual se estabelece que «Na conferência e verificados os pressupostos legais, o juiz

homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a

constar por apenso.». Salienta Paulo Guerra39, quanto a este aspeto, que as

medidas tutelares cíveis têm também que se harmonizar com as medidas tutelares educativas face ao que dispõe o artigo 43º n.º 3 da LTE.

d) Prevê-se no artigo 31º n.º 2 do RGPTC que não sendo possível concluir numa só data a audiência de discussão e julgamento, a mesma pode ser suspensa e marcada para a data mais próxima, que não deverá exceder os 30 dias, salvo se houver algum impedimento do tribunal ou dos mandatários em virtude de outro serviço judicial já marcado, situação que deverá ficar vertida em ata com especificação da identificação do processo em que tal diligência terá lugar e a natureza desta. Semelhante disposição encontramos também no artigo 29º n.º 4 e 5 do mesmo diploma relativamente ao adiamento do inicio da audiência de discussão e julgamento.

e) Prevê o artigo 35º n.º 4 do RGPTC que os progenitores que não compareçam pessoalmente à conferência poderão ser condenados em multa, sendo apenas admissível a sua representação40 por mandatário judicial, ascendentes ou irmão munidos de poderes especiais para tomarem, em seu nome, decisões nesta diligência processual. Admite-se também a “presença” do progenitor através de teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua residência 41

f) O legislador previu no artigo 38º do RGPTC prazos máximos para a duração das fases de mediação familiar e audição técnica especializada estabelecendo que, terminadas as mesmas, o juiz, após ter sido informado dos resultados

37 Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LTE). 38 Aditamento operado pelo DL 142/2015 de 8 de Setembro.

39 Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível

em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.

40 Caso estejam impossibilitados de comparecer ou residirem fora do município da sede da instância central ou local onde a

diligência se realize).

41Solução que melhor se adapta, em nosso entender, à centralização das secções de família e menores operada pela Lei da

Organização Judiciária de 2014 agora mitigada pela recentíssima reforma judiciária do novo mapa judiciário que previu a reabertura de secções locais de família e menores).

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alcançados, notifica as partes para continuação da conferência a realizar nos cinco dias imediatos.

1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência pelos métodos de consensualização

Prevê-se no artigo 38º do RGPTC que, caso os pais (pessoalmente ou devidamente representados para o efeito) não alcancem um acordo quanto à regulação do regime das responsabilidades parentais que há-de vigorar, o juiz, após decidir provisoriamente sobre o pedido 42 remete-os para a mediação ou para audição técnica especializada.

Parece-nos bastante evidente a utilidade destas soluções que o tempo dos tribunais não permitiria ou não facilitaria. Na verdade não se nos afigura que seja papel do juiz trabalhar afincadamente na obtenção de acordo entre os progenitores, embora naturalmente seja o seu papel abordá-los e procurar concilia-los nesta matéria. O acordo entre os progenitores tem de ser alcançado por equipas especializadas que os ajudem a solucionar ou minorar o conflito que ainda persiste entre eles, fazendo-os entender que a relação amorosa entre ambos terminou mas que a relação parental irá perdurar e que por isso, é premente, alcançar a concórdia em nome do interesse dos filhos.

Não obstante tais vantagens o certo é que já se fazem sentir algumas dificuldades na execução prática de tais soluções de consensualização.

Na verdade, por um lado, e embora se compreenda que o legislador tenha tido necessidade de estabelecer prazos curtos para a mediação43 (período máximo de três meses) ou para a audição técnica especializada (período máximo de dois meses) atenta a almejada celeridade processual e necessidade premente de resolver a situação daquela criança cujo tempo não é igual ao nosso, suscitam-se-nos algumas dúvidas sobre a possibilidade de alcançar uma solução consensualizada, sobretudo em casos de conflito mais enraizado (como acontece, designadamente, nos contextos de violência doméstica), em tão curto espaço de tempo.

42O estabelecimento de um regime provisório já não é, nesta fase do processo [embora pareça continuar a ser em qualquer outra fase

-cf. artigo 28º n.º 1] uma faculdade do juiz como era na Organização Tutelar de Menores. Enquanto vigorou entre nós este regime jurídico o juiz apenas decidiria a título provisório caso o estabelecimento de tal regime não lhe fosse requerido ou pelas partes ou pelo Ministério Público em representação da criança ou jovem (cf. artigo 157º da OTM).

Referências

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