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AMAZÔNIA: DESAFIOS AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL E À INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

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Academic year: 2019

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AMAZÔNIA: DESAFIOS AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL E

À INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

Silas Nogueira de Melo1 Francisco das Chagas do Nascimento Jr2

Resumo:

Este artigo analisa as transformações que ocorreram na Amazônia nas últimos décadas e destaca o novo papel ocupado por essa região no atual cenário político e geopolítico mundial. Trata das atuais possibilidades de integração sul-americana a partir da bacia amazônica e chama atenção para o atual imperativo da conservação/preservação dos recursos naturais amazônicos como vetor de desenvolvimento regional.

Palavras-Chave: Amazônia, Integração Regional, América do Sul, Geopolítica, Soberania.

Introdução

O presente trabalho busca, em linhas gerais, analisar as transformações ocorridas na região amazônica nas últimas décadas. Desde os anos 70, a Amazônia passa a ocupar um papel de destaque nos debates políticos e geopolíticos mundiais. A emergência da problemática ambiental, o clamor em torno da necessidade de preservação dos recursos naturais e, a intensificação dos processos de desenvolvimento econômico na região que conserva a principal reserva de natureza do planeta impuseram novas condições para se pensar e se executar o desenvolvimento regional na Amazônia. Por sua vez, os caminhos e os descaminhos desta porção do planeta, agora extremamente valorizada, passam a estar associadas aos interesses e a cobiça de atores políticos e econômicos nacionais e internacionais, o que evidencia um claro processo de internacionalização da chamada questão amazônica.

1 Graduando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus Rio

Claro. silas.melo@yahoo.com.br

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Ao se constatar tal amplitude de nosso objeto de estudo, o desafio particular que ora apresentamos é o de pensar um modelo de desenvolvimento específico para a região, considerando o atual contexto de integração sul-americana e o imperativo posto da conservação/preservação dos recursos naturais. Essas questões são muito delicadas, pois o desenvolvimento em uma região que possui um delicado equilíbrio ecológico, se constitui numa incógnita, enquanto que a questão relativa a integração entre países costuma ainda ser vista como uma homogeneização que resulta em um processo de perda de identidade e soberania nacional. A superação da noção clássica de soberania nacional e a necessidade de se forjar uma noção de soberania transnacional para a Amazônia sul-americana constituem-se numa questão geopolítica que emerge como um fato sui generis da atual ordem mundial.

Como percurso metodológico, deve-se aqui destacar que não nos atemos exclusivamente às denominações oficiais, muitas vezes apoiadas em critérios político-administrativos que buscam atribuir limites territoriais bem definidos a área compreendida pela floresta amazônica. Estes são os casos das noções de Amazônia Legal3 e Amazônia Internacional4 recorrentemente utilizadas e, por vezes, insuficientes para apreender os novos processos políticos e econômicos que redesenham a região. O que pretendemos é compreender os novos vetores que atuam no processo (trans) formação e integração do espaço regional amazônico, dentre os quais aquele que mais ganha força hoje - o denominado vetor tecno-ecológico (BECKER, 2005). Contudo, vale ressaltar que nossa região pode ser representada, grosso modo, pela área total ocupada pela bacia amazônica, isto é, uma área superior a sete milhões de km² que engloba partes do território de sete países da América do Sul (Brasil, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Peru, e Guiana). Porém, como ponto de partida para a análise será dado maior importância à Amazônia brasileira (onde se encontra mais de 60% dessa floresta equatorial) e, através dos processos de modernização que alcançam a região amazônica no território nacional buscamos estabelecer um debate sobre as evidências e as possibilidades de integração regional entre os países que compõem a região amazônica.

3 A Amazônia Legal é um conceito político-administrativo criado pelo Estado brasileiro ao longo das décadas de 50 e 60 para fins de planejamento regional. Os nove estados brasileiros que compõem a chamada Amazônia legal são: Amazonas, Rondônia, Acre, Amapá, Roraima, Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Dessa forma, procura-se uma fundamentação teórica atrelada a Geografia para entender não somente a Amazônia, mas também os conceitos de região, território, ordem mundial e integração regional, essenciais para a análise da nova Geografia Amazônica que se desenha neste início de século XXI. Tal fundamentação teórica nos habilita assim pensar os desafios que envolvem o desenvolvimento e a integração desta complexa região nos dias de hoje.

Região Amazônica: Ontem e Hoje

Ao contrário do que esse subtítulo parece indicar, não será relata a história da região, pois tal exercício, embora de extrema relevância, seria muito extenso, além de extrapolar os objetivos propostos neste trabalho. No entanto, é válido resgatarmos alguns elementos e variáveis do passado que são significativos para a compreensão da atual “Geografia” da Amazônia, pois todas as regiões dispõem de um passado, o qual, no presente, se apresenta como acúmulo de processos históricos. Em cada momento de modernização da região, estruturas sócioespaciais são cristalizadas, as quais tratam de se apresentar hoje como heranças físico-territoriais e sócio-culturais (SANTOS; SILVEIRA, 2001). Essas heranças, denominadas rugosidades espaciais (SANTOS, 2002), têm um papel importante na definição das dinâmicas políticas e econômicas do período atual, isto porque atuam em cooperação ou como obstáculo para a implantação das variáveis novas.

O elemento mais significativo da Amazônia, sem sombras de dúvidas, é a expressividade e a biodiversidade de sua floresta, a qual trata de atribuir importância e riqueza in situ a mesma. Correspondendo a 1/20 da superfície da Terra e a dois quintos da América do Sul, a Amazônia sul-americana contém ainda um quinto da disponibilidade mundial de água doce e um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas, mas somente 3,5 milésimos da população do planeta. Do mais, vale destacar que estão sob a soberania brasileira 63,4% da vasta área que representa a Amazônia sul-americana (BECKER, 2005).

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// econômico fundado no uso imediato dos recursos naturais não alcançou essa porção do território com a mesma intensidade com que se manifestou, sobretudo, na porção oriental das regiões nordeste e sudeste do Brasil.

Com um meio geográfico escasso em instrumentos técnicos a pujança da floresta amazônica se apresentou, durante séculos, como um obstáculo quase intransponível as ações humanas, o que limitou as possibilidades de exploração econômica da região. Pode-se dizer que os tempos “lentos” da natureza ditavam o ritmo de seus residentes e, ainda hoje, essa característica é marcante, mas não mais a define.

A partir do final do século XIX a região amazônica passa a ter uma maior dinamicidade, com o advento do “ciclo da borracha” e a incorporação subordinada da região à divisão internacional do trabalho. Tal produção desencadeou grandes mudanças na região, na medida em que a levou a um significativo processo de modernização, visto através da chegada da máquina a vapor e conseqüente aceleração dos fluxos de pessoas e mercadorias, a urbanização e a emergência de um novo modo de vida na floresta, além dos novos nexos político e econômicos estabelecidos pela região com o mercado internacional. No mesmo sentido, vale destacar ainda a transformação da própria malha político-territorial da América do Sul, com a compra pelo Estado brasileiro do Acre, importante produtor de borracha, cujo território foi adquirido da Bolívia, em 1903.

Verifica-se que até o fim da II Guerra Mundial a produção de borracha foi o principal vetor responsável por estimular o crescimento econômico da região, mas a partir daí com o aumento da concorrência internacional e a emergência do sudeste asiático como importante centro produtor, a atividade da borracha entra em crise e, dado o caráter extrovertido dessa produção a própria região entra em decadência. Somente no fim da década de 60 e começo da década de 70, com os governos militares, apoiados pelos Estados Unidos, a Amazônia volta a ficar em evidência, pois torna-se alvo direto dos planos de reordenamento do território elaborados pelo Estado brasileiro.

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// As transformações territoriais ocorridas na Amazônia nesse momento histórico são notáveis e evidenciam a emergência de uma nova realidade regional. Corrêa (1989), ao reafirmar a tese de Pedro Geiger - para quem haveria a existência de “Três Brasis”, define a Amazônia como a região de “fronteira do capital”. Corrêa (op. cit.) afirma que somente agora, haveria uma “integração real” da região, que passa a se submeter diretamente ao capital financeiro e industrial, nacional e internacional, e não mais se submete ao capital mercantil unicamente, diferentemente do que ocorreu no passado, quando do “boom” da borracha.

O processo de integração efetiva da hiléia5 ao Brasil foi acompanhado do movimento de expansão do grande capital na região, um movimento este conduzido e induzido pelo Estado brasileiro, através de suas políticas de planejamento. As atividades que ora se implantaram na região amazônica estiveram muito associadas aos recursos oferecidos de imediato para a promoção de uma rápida ocupação deste espaço e sua rápida incorporação aos circuitos produtivos nacionais e internacionais (GONÇALVES, 2002). Assim o processo de apropriação da Amazônia pelo capital monopolista esteve de início diretamente associado a exploração dos recursos naturais lá presentes, dentre os quais se incluem a própria terra, vista como reserva de valor para exploração futura, os diversos recursos minerais, vistos como matéria-prima para setores da indústria de base, entre outros.

Uma das implicações mais notáveis da implantação deste modelo de desenvolvimento fundado na idéia de ocupação de um “espaço vazio” foram os conflitos sociais e ambientais criados. Houve, em certa medida, uma dizimação física e cultural do espaço prévio, que refere-se, de um lado, aos índios (população nativa) e, de outro lado à população longamente enraizada na região (caboclos originados da primeira onda de migração á região dada durante o ciclo da borracha), dotada de um modo de vida próprio, integrado às ofertas da floresta. As invasões de áreas reservadas aos índios e o assassinato, nos anos 80 do líder seringueiro Chico Mendes são as expressões mais dramáticas deste processo de dizimação física e cultural. Segundo Corrêa (1989), “a dilapidação da floresta é a expressão material da dizimação social”.

Deste modo, conflitos sociais de diferentes tipos surgiram envolvendo a grande empresa capitalista, o latifundiário pecuarista, a população indígena, os pequenos produtores, seringueiros e garimpeiros. A propriedade da terra está no centro dos

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// conflitos entre a reprodução do capital e a reprodução do pequeno produtor, de um lado, e entre ambos e a população indígena, de outro (CORRÊA, 1989). É importante salientar que esses fatos só foram possíveis mediante o aval de políticas específicas dos governos militares fundada na chamada economia de fronteira, cujo paradigma de progresso é entendido como crescimento econômico e prosperidade infinita baseados na exploração de recursos naturais apreendidos como igualmente infinitos (BOULDING, 1966).

Atualmente, nota-se a emergência de novas variáveis que vêm influenciar significativamente o modelo de desenvolvimento da região amazônica. Todavia, as heranças daquelas estratégias de desenvolvimento têm um peso importante sobre a atual conjuntura que envolve em especial a Amazônia brasileira. É importante destacar que um dos motivos principais dessa mudança são as pressões internas e externas, principalmente aquelas vindas dos países desenvolvidos, que devido ao valor ambiental da Amazônia a colocam na agenda geopolítica global (GONÇALVES, 2002).

O papel estratégico da Amazônia na Nova Ordem Mundial

A revolução da microeletrônica e das tecnologias de comunicação, ocorridos nas últimas décadas do século XX, possibilitaram a emergência de um novo regime de acumulação e uma nova divisão territorial do trabalho, baseados na produção e no uso do conhecimento e da informação. Num quadro de economia mundial unificada, os investimentos tornam-se seletivos, verificando-se como tendência um verdadeiro zoneamento em escala global, onde se distinguem centros de inovação tecnológica, áreas desindustrializadas, áreas onde se difundem a indústria e a agroindústria menos sofisticadas, e também, áreas destinadas à preservação dos seus recursos naturais, visto que o novo modo de produzir valoriza a natureza como capital de realização atual e/ou futura (BECKER, 2002; 2006).

A emergência da problemática ambiental nos anos 706 e a maior preocupação com a preservação/conservação dos recursos naturais que acompanha essa questão foi responsável por consolidar uma nova e importante variável na remodelação dos espaços regionais hoje: o vetor tecno-ecológico (BECKER, 2002). Este vetor ganha força na medida em que as reservas de natureza do planeta como um todo, e dos países

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// desenvolvidos de maneira particular, se escasseiam num ritmo acelerado, comprometendo direta e indiretamente o próprio processo de acumulação realizado no interior do sistema capitalista. A preservação/conservação dos recursos naturais passa a se constituir numa ação reguladora das possibilidades de uso de parcelas dos territórios, repercutindo diretamente no próprio modelo de desenvolvimento econômico que tende a se efetivar em cada região.

A abrangência global da questão ambiental e os múltiplos interesses de agentes nacionais e internacionais que a regem, são também responsáveis por configurar uma nova geopolítica. Na atual ordem mundial “multipolar” são diversas as formas de coerção que se estabelecem, variando segundo o poder de influencia dos Estados mais poderosos e o papel político exercido pelas instituições e organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial (BM), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em linhas gerais, pode-se dizer que até a década de 1980, a política internacional se fazia individualmente, através das pressões promovidas pelos Estados hegemônicos (BECKER, 2005). Ao passo em que a partir dos anos 90 a disputa entre as potencias é estimulada e uma nova esfera de decisões é estabelecida, surgem novas formas de superação dos conflitos, novas formas de se exercer pressão sobre os países periféricos, novas formas de se estimular a adoção de posições políticas e econômicas articulada aos interesses das potências e, são elaborados novos mecanismos institucionais para se firmar o controle sobre o uso dos territórios. Muitos destes mecanismos normativos são estabelecidos através de organismos transnacionais, os quais buscam instituir, via

norma, consensos proclamados como “multilaterais” pelo discurso dominante. A mais

explícita dessas formas é a dos acordos internacionais, presentes claramente na Amazônia (BECKER, 2005).

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// da economia e da política (SANTOS, 2001). A produção dessa psicoesfera em escala global e a firmação de tratados e acordos internacionais tendem a enfraquecer a soberania dos Estados nacionais e torna o próprio território suscetível à ingerências

externas (BECKER, 2005; GONÇALVES, 2002).

Desde o pós Guerra Fria verifica-se, por exemplo, a intenção estadunidense de transformar a América do Sul em um ponto privilegiado de sua hegemonia internacional. Esta potência vale-se da própria instabilidade política especialmente dos países andinos e da proposta de criação de uma Área de Livre Comércio nas Américas (ALCA) como fundamento estratégico para ampliar sua influência na região. Essa política é patente quando se observa a realização de operações militares e a instalação de bases avançadas estadunidenses no Equador, no Peru, na Bolívia e no Chile, além da execução do “Plano Colômbia”, uma mega-operação realizada em nome da contenção da crise civil colombiana7. De certa forma um verdadeiro “cordão militar” se instala nas extremidades da bacia amazônica. O território brasileiro e, em especial a região amazônica de soberania brasileira se constitui, por enquanto, numa zona de resistência à presença militar estadunidense na América do Sul.

Todavia, isso não significa que o território nacional esteja imune às intervenções externas. As novas formas de ingerência externa sobre os territórios nacionais se fazem hoje presentes também na Amazônia brasileira, à medida que o Estado se torna signatário de diversos acordos e tratados internacionais, os quais instituídos em esfera internacional passam a regular o uso do território nacional. O próprio desenvolvimento da região amazônica no Brasil torna-se subordinado às lógicas, as condições e as restrições impostas por tais mecanismos de regulação das atividades econômicas realizadas em tal parcela do território nacional. Isso pode ser notado quando se vê, por exemplo, a ratificação pelo governo brasileiro de acordos e convenções que objetivam conter o desmatamento das florestas tropicais e preservar seus recursos genéticos. Este é o caso do Programa para a Proteção às Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (resultante da Convenção sobre Diversidade Biológica) e os chamados “Objetivos do Milênio” estipulados pela ONU, no qual a conservação dos recursos naturais se constitui numa das metas fundamentais.

Mais recentemente outros modos de pressão exercida com o fim de regular o uso do território na região amazônica tomaram forma no Brasil. Após a ONG internacional

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Greenpeace divulgar, no ano de 2009, um levantamento em que apontava frigoríficos e

produtores rurais que desenvolviam suas atividades agropecuárias de modo irregular na Amazônia brasileira, grandes empresas do varejo, tais como a estadunidense Wal-Mart e a francesa Carrefour e a brasileira Pão de Açúcar passaram a exercer pressões sobre seus fornecedores, e restringiram a compra de produtos, como carne bovina, oriundos de atividades irregulares desenvolvidas na região amazônica (GREENPEACE, 2009; GTA, 2009).

A criação de Unidades de Conservação (Ucs) e Áreas de Preservação Ambiental (APAs), a demarcação de Terras Indígenas (TIs) e Reservas Extrativistas (Resex), dados em ritmo e quantidade acelerados nas últimas duas décadas se constituem na própria expressão territorial do papel que o vetor tecno-ecológico assume na remodelação do território (BECKER, 2006). Da mesma maneira, a constituição destes novos compartimentos territoriais se, de um lado, evidenciam a força que a problemática ambiental instituída em escala internacional possui na definição das possibilidades de uso dos territórios nacionais, contraditoriamente, tal normatização dos territórios deve também ser visto como uma forma, ou ainda, um mecanismo político-institucional pelo qual os Estados nacionais podem assegurar sua soberania sobre os recursos naturais presentes na região amazônica. Isso porque a instituição de tais recortes territoriais (BECKER, 2005) reafirma a própria presença do Estado e da sua função reguladora do território nessas porções cobiçadas pelos recursos naturais que guardam.

Amazônia e Integração Sul-americana: a construção de uma nova noção de Soberania.

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Como vimos, a importância do capital natural da Amazônia sul-americana - uma das reservas de natureza mais extensas e valiosas do planeta, constitui um trunfo para o desenvolvimento da região, especialmente se tais recursos forem aproveitados adequadamente, a partir de uma concepção de exploração econômica distinta daquela

concebida pelo denominado modelo de economia de fronteira. A

preservação/conservação de seus recursos naturais se constitui num poderoso fator de “barganha” dos países amazônicos no cenário econômico e político internacional, ainda mais quando se percebe o agravamento da chamada crise ambiental, e a tendência ao aprofundamento da mercantilização do acesso aos recursos hídricos, a competição das indústrias químicas e farmacêuticas pelo acesso aos recursos genéticos das florestas tropicais, a expansão do comércio de carbono (créditos de carbono), entre outros.

A exigência conjunta dos países amazônicos pela regulação dos chamados mercados do “ar”, da “vida” e da “água” se caracteriza numa posição política que tende a beneficiar os países ricos em recursos naturais, indicando até certo ponto mudanças marcantes no atual tabuleiro geopolítico. Assim, a cooperação internacional pode ser um importante instrumento de integração e fortalecimento da região amazônica, desde que se estabeleçam negociações adequadas para eliminar uma cooperação assimétrica (BECKER, 2005; 2006).

Neste sentido é que o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em sua nova versão, assinado em 19958 , pode conferir substância institucional e superar resistências a integração regional. Desde 1998, o TCA, se constitui numa organização (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA) sediada em Brasilía, que representa os países Amazônicos e tem como objetivos básicos: promover o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável na região amazônica; promover a cooperação técnica e institucional entre os países membros com o fim de estimular pesquisas científicas e tecnológicas orientadas ao uso racional dos recursos naturais amazônicos; viabilizar a instalação de infraestruturas de transporte e comunicação com o fim de possibilitar o maior fluxo de pessoas, informações e mercadorias na região; fomentar o comércio entre as cidades situadas nas faixas de fronteiras dos países amazônicos, de modo a permitir a melhoria do nível de vida dessas populações (TCA, 1978;1995).

Embora todo processo de integração envolvendo países de uma mesma região tenda a ser controverso, sobretudo no que diz respeito aos seus impactos sobre as

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// identidades culturais, de acordo com Becker (2005), o processo de integração regional não significa necessariamente homogeneização espacial e perda de identidade nacional, ao contrário disso pode significar ganhos de sinergia entre os participantes. Todavia, a passagem da cooperação institucional para a integração de fato envolve o reconhecimento e a compatibilização das diferenças, atribuindo especial importância ao papel da negociação. No que tange à integração física têm-se, sobretudo na instalação de infra-estruturas o condicionante territorial capaz de gerar sinergia econômica e possibilitar a melhora da qualidade de vida, especialmente das populações situadas nas zonas de fronteira.

Por sua vez, a região amazônica guarda alguns elementos sui generis que atribuem uma maior complexidade à elaboração e a efetivação de projetos de integração. O primeiro deles diz respeito ao seu capital natural. Ao passo que seus recursos naturais tornam-se uma variável-chave para seu desenvolvimento regional no período atual, seu uso dado a partir da premissa conservacionista torna-se elementar para promover tanto a integração regional (fator de compatibilização de políticas de desenvolvimento transnacionais para a região) como para direcionar às populações locais (integradas em seu modo de vida à floresta) os benefícios de tal estratégia, sem que a governabilidade regional corra risco de ser afetada.

Todavia, não se pode também negar que uma integração regional há tempos já se sucede na região, a qual de uma forma ou de outra se constitui numa estrutura territorial prévia que deve ser levada em conta especialmente no caso da Amazônia. Esse, por exemplo, é o caso dos equipamentos territoriais existentes, constituídos pelas redes de circulação e comunicação que convergem para os principais núcleos urbanos da região, bem como a situação das economias solidárias de fronteira, onde as chamadas “cidades gêmeas” (cidades que localizam-se na zona de fronteira entre dois países) promovem fluxos transfronteiriços constituindo verdadeiros embriões de integração, os quais devem ser reforçados e geridos convenientemente (BECKER, 2005).

No mais, a prática rotineira de atividades ilegais no interior da região amazônica, tais como o narcotráfico, a pirataria, o contrabando de armas e o tráfico de espécies da fauna e flora típicos da Amazônia (a biopirataria) caracterizam um outro tipo de integração, que se constitui num desafio ao Estado de direito. A questão do narcotráfico é importante no que tange a constituição de uma rede ilegal que cristaliza, mesmo que de forma subversiva, uma integração entre os países amazônicos.

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// pesquisas anteriores sobre redes sugerem que nas últimas décadas aqueles que obtiveram relativo sucesso em fazer uso da Bacia Amazônica Sul-americana como unidade funcional e como região geográfica foram as firmas ou empreendimentos que exploram o comércio ilegal de drogas e o contrabando de mercadorias.

Ao contrário do que supõe o senso comum e algumas abordagens do pensamento geopolítico, não é o “fechamento” das fronteiras que assegura no longo prazo a defesa do território contra a ação de atividades ilegais (e outras, consideradas nocivas ao interesse de cada país), e sim a presença de alternativas viáveis e diferenciadas de vida social, econômica e cultural para seus habitantes. Para que essas alternativas sejam possíveis, a condição principal é o adensamento e diversificação das redes de interação, que só são possíveis mediante as economias solidárias de fronteira e uma intensa rede de circulação (MACHADO, 2003).

Deste modo, na nova “Geografia da Amazônia” é característica uma relação vertical desta com o mundo, pois boa parte das ações que são promovidas na região tornam-se mundialmente conhecidas e alvo de discussão. Através dos interesses dos agentes hegemônicos mundiais são promovidas intervenções na região, como no caso das ajudas econômicas do FMI, do BID e do Banco Mundial que fornecem empréstimos financeiros a projetos realizados na região, desde que determinadas formas de gestão dos recursos naturais amazônicos sejam cumpridos.

Contudo, hoje vem se alargando também as relações horizontais na região, não somente aquelas associadas às atividades ilegais, mas também outras associadas as políticas conjuntas construídas pelos países amazônicos, criando - mesmo que de forma embrionária, uma maior interdependência e uma integração política regional. Este, aliás, se constitui num dado novo do período atual. Trata-se da nova forma com que os países sul-americanos podem assegurar e reafirmar sua soberania sobre a região. Em outras palavras é forjada uma nova noção de soberania, onde os problemas próprios de uma região transnacional, que se apresenta como alvo do interesse e da cobiça dos grandes agentes internacionais, são abordados de maneira cojunta e integrada pelos países que compõem a região.

Um novo modelo de desenvolvimento regional nasce na Amazônia?

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// desenvolvimento regional em curso na Amazônia sul-americana. Ao longo de sua história, o modelo de desenvolvimento que sempre se fez presente na região esteve fundado na exploração intensiva dos recursos naturais disponíveis na região. No entanto, esse modelo, denominado de economia de fronteira é, nos dia de hoje, extremamente açoitado pela comunidade internacional, isto é pelos diversos movimentos sociais e organismos nacionais e internacionais que atuam sob o prisma da contenção da pronunciada crise ambiental.

Observa-se, especialmente através das novas normas que tratam de regular o uso do território amazônico, que gradativamente um novo padrão de desenvolvimento nasce na região, baseado na valorização e preservação do capital natural regional e no uso racional dos seus recursos naturais. Uma substituição do modelo de desenvolvimento regional se opera na Amazônia. A busca pelo “desenvolvimento sustentável” torna-se a expressão e o instrumento de um novo modo de produzir e um novo modo de regulação que se institui na Amazônia na aurora do século XXI (BECKER, 2002).

Novos atores (como por exemplo, o papel significativo das ONGs) e novas atividades econômicas vêm acentuando a diferenciação interna da Amazônia, rompendo de vez com o mito da região como um “espaço vazio”, e atribuindo ainda uma maior complexidade à sua estrutura produtiva. Novas formas de uso da terra se implementam através da criação de parques nacionais e reservas extrativistas, rumo a um padrão de desenvolvimento que se pretende “sustentável”, embora esse conceito seja apropriado de formas diversas pelos diferentes atores (BECKER, 2002).

Tais tendências transformam a Amazônia numa região com novas demandas e resistências próprias, as quais passam a constituir um fator a mais na composição do cenário político e econômico da América do Sul. É impossível não pensar em competitividade no atual sistema econômico globalizado, mas também torna-se hoje impossível implantar atividades que impliquem em riscos ambientais evidentes. Não há como desconsiderar a bandeira ambientalista erguida por parte da sociedade civil, partidos políticos, governos, e outras entidades. É certo que esse processo comporta fortes conflitos, mas trata-se de conflitos que induzem à compatibilização entre o desenvolvimento e a sustentabilidade (BECKER, 2002).

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// atuação não predatória e a valorização do capital natural da região. Estes são os casos de atividades como exploração de madeira certificada (obtida por meio do manejo florestal) as modernas plantações de açaí, a extração de borracha, o ecoturismo e a própria preservação da floresta para a comercialização de créditos de carbono. Em outros termos, na medida em que, numa situação extrema valoriza-se a conservação/preservação da natureza como fonte de lucro, adiciona-se um atributo novo à produção da mais-valia e altera-se, ao menos parcialmente, a própria constituição clássica da teoria do valor.

Hoje, as tendências prevalecentes na Amazônia revelam a consolidação do seu povoamento, o processo de urbanização contínuo e o aprofundamento do desenvolvimento econômico regional orientado pelo vetor tecno-ecológico (BECKER, 2006). Contudo, os países amazônicos perseguem estratégias diversas para consolidar o povoamento e alcançar o tão almejado desenvolvimento sustentável. Todos têm o ecoturismo como atividade básica, mas suas outras estratégias variam consideravelmente em função de seus contextos históricos, culturais e políticos, seus condicionantes geográficos e os níveis em que foram afetados pelo recente processo de ocupação.

Aqui é válido destacar a política de planejamento regional brasileira destinada à Amazônia. Denominada de Plano Amazônia Sustentável (PAS), esta política integra o Plano Pluri Anual do atual governo brasileiro e tem como meta construir uma “Amazônia moderna e ambientalmente protegida” (BRASIL, 2004). Para tanto este plano elenca cinco focos de ação prioritários que são apresentados no seu documento oficial: A execução de uma produção sustentável com tecnologias avançadas e adaptadas ao ecossistema amazônico; A gestão ambiental e ordenamento racional do território; A promoção da inclusão social da população regional; A definição de um novo padrão de financiamento da economia regional; A instalação de infra-estruturas para o desenvolvimento regional (BRASIL, 2004).

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// Sugere-se ainda que a integração das redes de circulação dos países amazônicos é a melhor solução de curto prazo para a questão de desenvolvimento regional e controle das redes ilegais, principalmente tendo em conta o fato de que grande parte do êxito das atividades ilegais deriva exatamente do saber explorar o potencial dessa integração face a fragilidade da economia legal (MACHADO, 2003). A questão que se coloca é como compatibilizar a expansão da infra-estrutura com o uso sustentável dos recursos naturais e o bem-estar das populações locais, de modo a superar o conflito entre as demandas nacionais e o direito da população à sua região.

Últimas Palavras...

Para entender a nova geografia que se desenha na região Amazônica é necessário levar em consideração sua atual condição de uma das principais reservas de natureza do planeta. A emergência da problemática ambiental nos anos 70 e a revalorização dos recursos naturais no interior do próprio sistema capitalista tornaram a Amazônia sul-americana uma região estratégica tanto do ponto de vista da economia quanto do ponto de vista da geopolítica internacional. É esse fato que faz com que a região se torne alvo de interesses dos agentes hegemônicos globais – Estados-potências e grandes corporações. Sua histórica caricatura de região periférica é hoje substituída pela centralidade que a chamada questão amazônica assume no período atual (GONÇALVES, 2002).

Alguns agentes globais, através dos mecanismos político-normativos que nascem com a consolidação da nova ordem mundial estabelecem novas formas de coerção dos Estados-nacionais, os quais passam a ter seu próprio território regulado a partir de normas instituídas “de fora”. Tal forma de regulação dos territórios nacionais muitas vezes responde a estratégias corporativas de apropriação das riquezas naturais da região.

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///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// valorização dos atributos característicos da região, mas também tem como origem as lutas e exigências de parcelas significativas da população amazônica (GONÇALVES, 2002; BECKER, 2005).

Referências Bibliográficas

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Referências

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