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A VIGÊNCIA EUGÊNICA E O DIREITO DE PUNIR E EXPULSAR O INDESEJÁVEL : ENTRE AS JUSTIFICATIVAS RACIAIS, MORAIS E JURÍDICAS ( ) 1

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A VIGÊNCIA EUGÊNICA E O DIREITO DE PUNIR E EXPULSAR O “INDESEJÁVEL”: ENTRE AS JUSTIFICATIVAS RACIAIS, MORAIS E

JURÍDICAS (1907-1934)1

Fernando Tadeu Germinatti Mestre em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).

Resumo: A eugenia esteve presente no mundo desde o fim do século XIX quando

(r)elaborada por Francis Galton (1822-1911) e presente fortemente nas primeiras décadas do século XX na imaginação e no pensamento intelectual brasileiro entre médicos, juristas, educadores, jornalistas, escritores e cientistas, para tanto, dividiu-se em discursos de amplas vertentes que abarcaram e voltaram-dividiu-se ao dedividiu-sejo de modernidade e civilidade, da mesma forma, amparada no anseio em construir a identidade nacional buscavam o fortalecimento da raça e da nação. Desse modo, este trabalho apresenta como finalidade analisar o discurso imigratório em prol da “boa raça”, concomitantemente, instaurado pelas políticas imigratórias e eugênicas, parte-se a discutir as leis de imigração e deportação dos chamados imigrantes “indesejáveis”, condição que sugere um olhar atento do estado às ações e possíveis delitos dos estrangeiros em terras brasileiras, especialmente, quando estas, de alguma forma, atingissem ou ferissem a moral e os costumes desejados. Os que eram tidos indesejáveis acabavam classificados nos crimes tipificados em leis e decretos como seres indignos, infames, sendo processados e por fim expulsos do Brasil. Nessa perspectiva, textos de jornais brasileiros do período recortado e obras da historiografia e ciências sociais serão instrumentalizadas tencionando compor uma análise contextual mais abrangente e crítica.

Palavras-chave: Imigração; Expulsão; Indesejáveis; Moralidade; Eugenia.

1 O presente artigo aqui apresentado e exposto, é resultado das leituras desenvolvidas em dissertação:

“A nação no papel: intelectuais, raça e eugenia no Correio Paulistano (1918-1930)”, defendida em 2020, sob orientação do professor Dr. Vanderlei Sebastião de Souza, junto ao Programa de Pós-Graduação

em História – PPGH-UNICENTRO, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

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Introdução/justificativa

Parte-se do pressuposto de que a eugenia, enquanto termo, ideia e teoria científica, fora desenvolvida pelo antropólogo e matemático inglês Francis Galton (1822-1911), primo do naturalista Charles Darwin (1809-1882), assim, um ponto crucial a ser tomado aqui, ainda que de forma introdutória e primária, é a eugenia enquanto estratégia político-discursiva, que é concebida em momentos singulares, pensada em/para propósitos e espaços distintos, incluindo a ação que os ideais eugênicos manifestam através dos corpos, que expõem e carregam forças de repressão.

E é em consonância com tais sinalizações teóricas, que as políticas higiênicas e eugênicas, estudadas e aplicadas no Brasil no início do século XX, pareciam moldar os sujeitos à imagem de uma lógica estrutural de pensamento. Conforme raciocina o historiador Vanderlei de Souza, a eugenia em sua amplitude de aplicações e variâncias: “[...] apresentava uma grande capacidade para criar novos conceitos que se popularizariam nas primeiras décadas do século XX, como [...] higiene, genética, diferenças raciais, controle matrimonial, imigração, nacionalismo e gênero” (SOUZA, 2019, p. 137).

Ou seja, uma teoria social e científica extremamente flexível, moldada em imagem e condição, variando do modelo de sociedade em que fosse incluída, com peculiaridades, objetivos e problemáticas conjunturais próprias. É claro que, mantida essa linha de análise, uma parte dos eugenistas brasileiros, adeptos da visão evolucionista, ainda acreditava que o branco seria superior por suas supostas capacidades psicossociais e pelo próprio arranjo biológico. Segundo a antropóloga Giralda Seyferth: “O imigrante ideal, portanto, é um branco adjetivado, cabendo ao Estado o fomento da imigração europeia dentro dos parâmetros da eugenia, da convivência política e das tendências à assimilação” (SEYFERTH, 2003, p. 143).

Contudo, vale indicar que, naquele início de século XX, nem toda imigração europeia era considerada como aceitável, de boa qualidade, ao suposto projeto de melhoria da nação, tanto que para boa parcela dos eugenistas, assim como por grande parte da elite e do poder público, havia ficado a lição de que nos séculos anteriores, a imigração descontrolada trouxera para o Brasil sujeitos de índoles, ditas,

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duvidosas, tais como: criminosos, ciganos, aleijados, doentes, loucos, prostitutas, judeus, comunistas e anarquistas, cabendo ao judiciário a construção de leis visando brecar esses “perigos”.

Assim, o sistema penal procurou escorar-se em suportes que lhe garantissem legitimação de ação “[...] a partir do século XIX, em um saber sociológico, psicológico, médico, psiquiátrico: como se a própria palavra da lei não pudesse mais ser autorizada, em nossa sociedade, senão por um discurso de verdade” (FOUCAULT, 2014, p. 18). Neste sentido que, delineia a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, em A imagem do imigrante indesejável (2003):

Ao longo do século XX, um conjunto de estigmas foi reabilitado pelo Estado, interessado em ‘domesticar’ o fluxo imigratório e controlar a mobilidade do estrangeiro radicado em território nacional. Uma série de leis promulgadas desde o final do século XIX incluíram no ‘rol dos culpados, o proletariado do sexo (gigôlos e meretrizes) e o operariado rebelde (anarquistas, socialistas e comunistas), distintos por seu trabalho, moral e ideias. O elemento estrangeiro era, na maioria das vezes, visado como mentor e promotor de ações contra a ordem social e política (CARNEIRO, 2003, p. 5).

O Paradoxo de raciocínio trazido por Maria Luiza Tucci Carneiro (2003), incutia buscar o melhoramento físico e moral da raça, as duas questões em plena sintonia levariam à uma suposta regeneração. Faz-se averiguar o caráter, dito moral, presente nas ideias eugênicas, aqui no Brasil implantadas. Argumentando nesse sentido, a face moral da eugenia, em sua amplitude, permitia considerar a imigração europeia ocidental como uma aplicação de conduta moralizante a um país racial e moralmente degenerado. Ainda, pela análise de Carneiro (2003):

A adoção de normas sanitárias (preventivas) e de repressão (punitivas) demonstram que uma das precauções do governo republicano era regulamentar o comércio do sexo e proteger a mulher ‘honesta, mãe de família’, segundo ditames da moral católica. Definido como crime pelo Código de 1890 e sujeito a expulsão com o Decreto nº 1.641, de 7 de janeiro de 1907, o lenocínio tornou-se crime inafiançável por meio da Lei nº4.269, de janeiro de 1921. [...] A relação direta entre prostituição e imigração, assim como entre imigração e política prestou-se como parâmetro de julgamento para as autoridades dedicadas a higienizar os grandes centros urbanos [...] (Idem, p. 5).

Interessante estabelecer, e reforçar, que conforme citado no texto da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro (2003), desde 1890, havia espaço no Código

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Penal que previa e oferecia condição de expulsão aos imigrantes, a depender da sua conduta, concretizado pelo Decreto n. 1.641, aprovado em 7 de janeiro de 1907, de autoria do político republicano paulista -Adolfo Afonso da Silva Gordo (1858-1929), que previa em seu Art. 1º:

[...] a expulsão do estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurança nacional ou a tranquilidade pública, pode ser expulso de parte ou de todo o território nacional. II. Quando tiver sido condenado ou processado pelos tribunaes extrangeiros por crimes ou delictos de natureza commum, ou quando tiver soffrido pelo menos, duas condemnações pelos tribunaes brasileiros por crimes ou delicto da mesma natureza. III. Quando for vagabundo, mendigo ou praticar actos de lenocínio[...]. Art. 2º. A expulsão prevista pelo n.1 do Art. 1º, poderá ser ordenada pelo governo federal, toda vez que o indivíduo se mostre, segundo o critério exclusivo do mesmo governo, prejudicial aos interesses da segurança nacional ou da ordem pública, em qualquer parte do território da União (Correio Paulistano, 1 de junho de 1907, p. 2).

Ademais, insta expor que o decreto. 1.641, ao longo dos anos, fora sendo aprimorado, e serviu de incentivo à novos projetos ao selecionamento dos imigrantes desejados. Volta-se atenção às ideias políticas dos imigrantes e suas ações, quando tidas como perturbadoras da ordem pública e da produção econômica, em especial, quando eram estes grevistas anarquistas e/ou comunistas (ou acusados de serem).

Dentro desse debate, é necessário lembrar das sucessivas greves que agitavam a cidade de São Paulo no fim da década de 1910, como por exemplo, a Greve Geral desenrolada em julho de 1917. Seguindo esse raciocínio, aliás, um caso que o ilustra o pensamento no Correio Paulistano de imigrante “perigoso e imoral” é registrado na edição de 6 de Dezembro de 1919, em texto intitulado Expulsão de anarchistas, e assinado por padre Tabosa, que elogia a atuação das autoridades públicas no tratamento aos imigrantes “desordeiros-agitadores grevistas”, expondo:

Fracassada a greve, sobrevieram os monstruosos incêndios dos armazéns de Prado Chaves e Comp. E de Matarazzo e Comp., lançados por mãos mysteriosas causando prejuízos de centenários de contos de réis. Esses agitadores, todos extrangeiros, expulsos de suas pátrias e que aqui vieram no objectivo de anarchizar a existência pacífica do Brasil pelos meios mais violentos imagináveis, encontraram na energia e na sabedoria das autoridades paulistas as necessárias medidas de repressão (Correio Paulistano, 6 de dezembro de 1919, p. 1).

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O artigo, mais do que significativo para análise, é simbólico, posto que evidencia a busca pela eliminação de “indesejáveis”, no caso retratado, dos operários grevistas e ditos anarquistas, fazendo-se, pois, preciso aos eugenistas, levantar a imigração como mecanismo de estratégia eugênica por instrumento de ação da lei. A imigração do ponto de vista eugênico, teria de ser estudada e analisada com fins a evitar maior degradação da “raça nacional”, em aspectos amplos: raciais e morais. O projeto de imigração pensado por autoridades públicas, juristas, médicos, intelectuais, eugenistas, e empregadores do campo e da cidade, consistia em atrair os “desejáveis”, que projetava por sua vez uma visão negativa, direta ou indiretamente, sobre negros, asiáticos, comunistas, deficientes físicos e/ou mentais e outros “fora do padrão de qualidade” posto e exigido ao imigrante desejado pelo pensamento elitista.

No ano de 1919, nas páginas Correio Paulistano, em artigo intitulado: Os indesejáveis, é tratado do projeto de lei do político paulista Arnolpho Azevedo acerca da expulsão dos estrangeiros indesejados ou perigoso ao projeto de nação. Expunha, logo no Art. 1º, a responsabilidade do poder executivo em impedir a entrada no território nacional “[...] de todo extrangeiro mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo ou portador de moléstia incurável, [...] de toda extrangeira que procure o paiz para entregar-se à prostituição [...] de todo extrangeiro de mais de 60 annos” (Correio Paulistano, 8 de outubro de 1919, p. 4).

Por fim, o Decreto n.º 4247 fora aprovado em 6 de Janeiro de 1921, concedendo aprovação legal à expulsão de imigrantes. Em texto encontrado no Correio Paulistano, de janeiro de 1921, trazia não só a respeito da expulsão do estrangeiro como também demonstrava as condições legais de sua permanência no Brasil, pelos seguintes termos:

Art. 2º - Poderá ser expulso do território nacional dentro de cinto annos a contar de sua entrada no paiz o extrangeiro a respeito de quem se provar: 1.0) que foi expulso de outro paiz, 2.0) que a polícia de outro paiz o tenha como elemento pernicioso à ordem pública, 3.0) que dentro do prazo acima referido provocarem actos e violências para, por meio de factos criminosos, imporem qualquer seita religiosa ou política, 4.0) que pela sua conduta se considera nocivo à ordem pública ou à segurança nacional. 5.0) que se evadiu de outro paiz por ter sido condemnado por crime de homicídio, furto, roubo, bancarrota, falsidade, contrabando, estellionato, moeda falsa ou lenocínio. Art. 3º - Não pode ser expulso o extrangeiro que residir no território nacional por mais de cinco annos ininterruptos (Correio Paulistano, 7 de janeiro de 1921, p. 4).

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Destarte, o excerto acerca do projeto de decreto-lei dos políticos do Partido Republicano Paulista (PRP), leva à conclusão de que, tanto os projetos do deputado paulista Arnolpho Azevedo, quanto do senador Adolpho Gordo, ajudam a caracterizar o momento do pensamento imigratório proposto, em que novamente, surge a perspectiva de se pensar o elemento do bom sujeito aliado ao aspecto moral, enquanto contribuição para o fortalecimento da raça da nação. E para tanto, como percebe-se, o pensamento jurídico acompanhara os anseios em contar com estrangeiros de “boa qualidade” através da inclusão de decretos-leis.

Isso, torna-se aqui, de particular interesse, visto a constância de decretos e projetos que são propostos tanto na Primeira República (1889-1930), quanto na Segunda República (1930 a 1937), afim de selecionar as supostas melhores raças ao Brasil, fazendo do Código Penal um dos instrumentos para alcançar as mudanças. Essas discussões envolviam questões que iam, da suposta, necessidade da imigração para as lavouras paulistas, até a imigração “adequada” e “inadequada” para o melhoramento da raça brasileira.

É ainda, pertinente de ser evocado, que as primeiras décadas do século XX conviveram com os ideais eugênicos de branqueamento, que por seu turno, visavam a importação de europeus para o clareamento da raça nacional, inviabilizando o uso de mão de obra do não branco, e sua possível ascensão na sociedade, como no caso de ex-escravizados e seus descendentes. Não por acaso, o jurista e sociólogo carioca Oliveira Vianna publica no jornal Correio Paulistano, em 1926, um texto intitulado - selecção immigtantista, no qual deixa explícita a necessidade de pensar a imigração sob bases eugênicas, feita com estudo e análise:

O problema da seleção immigrantista, tal como pretende resolve-lo o illustre deputado sr. Alfredo Ellis, está dependendo, portanto, de pesquisas preliminares realizadas em nosso meio sobre eugenismo positivo e negativo das variadas raças aqui confluentes. Desta politica seleccionista só uma pequena parte poderemos realizar desde já: é a que interessa ao que os anglo-saxões chamam sellecionista negativo. Nós podemos, com effeito, e devemos, desde já, vedar a entradaa em nosso paíz aos indivíduos que pertencem àquella classe [...] surdos, mudos, loucos, retardados, criminosos, etc (Correio Paulistano, 21 de setembro de 1926, p. 3).

Assumindo que a seleção imigrantista deveria ser rigorosa ao obedecer certos critérios, Oliveira Viana se dispõe a pensar não apenas na raça como indesejável, mas a todos os chamados - “inqualificados”, de imperfeição do corpo físico e índole

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moral, em sua visão, tal qual ele os cita: “surdos, mudos, loucos, retardados, criminosos, etc”. Fundem-se, portanto, mediante essas afirmações, constatações que permitem refletir a questão imigratória para além da raça, que passam a abarcar o corpo em qualidades perfeitas de funcionamento para o trabalho e para a procriação.

Assim, portanto, constituía-se um desejo de contar com as “características adequadas” dos imigrantes, que incluiriam além da sua raça, religião, capacidade adaptativa, boa qualidade de trabalho, obediência ao seu patrão, perfeição física e moral. É inegável, entretanto, que além dos interesses para o trabalho ou para o fortalecimento da raça nacional, o imigrante europeu fora tomado por um corpo de características conjunturais, que apresentava as qualidades físico-corporais e laborais mais admiráveis pela elite nacional. Certamente, contudo, a condição que antes na vigência da teoria racista era a crença de superioridade racial, passa a valer também a condição moral do sujeito e das suas posições políticas, religiosas e adaptabilidade à sociedade brasileira, que mostram-se relevantes e pontuais. A imigração, pois, deveria ser pensada e importada visando os mais diferentes prismas de sua efetivação.

Na verdade, portanto, conforme trabalha e dialoga o historiador paulista Boris Fausto em sua obra - Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo: 1880-1924: “O crescimento do número de estrangeiros quando se trata de pessoas incriminadas é indicativo de que estes correspondem menos a uma ‘pobre gente deserdada’ e mais aos contornos da criminalidade” (FAUSTO, 1984, p.45). Em pauta, portanto, além da questão econômica, estava a seleção de povos “adequados/ desejados” a vir a compor uma raça brasileira fortalecida, eugênica, que fosse capaz de assimilar e adaptar ao contexto brasileiro, e que por fim, pudesse vir a desenvolver a identidade nacional.

Em vista das propostas de seleção imigratória, obedecendo aos princípios dos, supostamente, mais adequados, era implícito na fomentação da imigração, por parte dos eugenistas, a ideia de que o Brasil não atingiria um estágio de desenvolvimento moderno caso uma cota de imigrantes, de “boa qualidade”, ressalte-se, não viessem ao país, que deveriam obedecer a alguns propósitos e critérios, dentre os quais: ser bom no trabalho, em especial na lavoura, mas também no laboro manual para as fábricas, além de boa índole moral.

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Além disso, outras questões começavam a impetrar como fatos distintivos, como preferência de religião, não apegado à ideias políticas tais como comunismo, e demais “degenerados morais”, que naquele contexto, incluía, por exemplo, alcoólatras e meretrizes. Contando em formar a desejada identidade nacional, incluso também havia uma sinalização eugênica de preocupação moral para o avanço da nação, buscando aplicar olhar vigilante da lei, prevendo repelir os imigrantes considerados subversivos, perigosos, imorais, indesejados e/ou incivilizados.

O tema da imigração, com fins produtivos, raciais e morais, foi tratado com cuidado também na campanha para eleição presidencial brasileira de 1930, tendo o cargo em disputa por Júlio Prestes pelo Partido Republicano Paulista (PRP), e Getúlio Vargas pela Aliança Liberal (AL). Em texto publicado no Correio Paulistano, intitulado Um programma de governo, de 1929, trazia as palavras de Júlio Prestes acerca da imigração, dizendo: “O problema da immigração deve ser encarado, principalmente, sob o ponto de vista de formação da nacionalidade, antes que o seja como o de braços para a producção” (Correio Paulistano, 29 de dezembro de 1929, p.3).

Nessa vertente, conforme em texto trazido do Correio Paulistano, e do raciocínio levantado pelo presidenciável paulista Júlio Prestes, a questão da imigração, parecia naquele contexto, essencial aos homens públicos e demais autoridades que se dispusessem a encarar de frente o tema pela busca de “braços para a lavoura”, mas não só, pois como coloca Prestes, a questão se voltava a pensar os sujeitos mais aptos para fomento da nacionalidade.

Ademais, há que se tratar nessas linhas, da condição de assimilação e adaptação dos imigrantes ao Brasil, em que é preciso ter em vista, as condicionalidades intrínsecas ao processo imigratório que foram impostas, fosse sobre os imigrantes desejados, fosse sobre a nação pensada. Conforme veremos, essa discussão ganha ainda mais consistência quando a discussão entra no terreno da eugenia, temática que ganhou destaque nas páginas do Correio Paulistano, sobretudo na virada dos anos 1920 para os anos 1930.

Ainda, sobre o pensamento imigracionista, conforme exposto em texto de março de 1929, o Correio Paulistano replica artigo intitulado - Terra agradecida, originalmente publicado no jornal Commercio de Santos, em coluna dedicada a Julio Prestes, que dizia: “o critério selectivo, enfim, como base da politica immigratoria,

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envolve em si um sentimento de respeito e veneração à terra que pisamos e denuncia a intenção de povoal-a com os homens de que é digna”(Correio Paulistano, 27 de março de 1929, p.2). Pelos dizeres de Júlio Prestes, fica explícita uma condição moral de intenção de imigração.

No ano seguinte, ainda em andamento das propostas levantadas políticas no processo eleitoral-presidencial, observa-se a questão imigratória tomada como um dos pontos recorrentes de problemática nacional tratada na eleição de 1930. Em outro texto, escrito por Rangel Moreira em 1930, e intitulado: As duas plataformas, são transcristas as palavras do gaúcho Getúlio Vargas acerca da imigração em tais linhas: “Para aqui, chegavam diariamente levas de immigrantes, arrebanhados entre a escória dos portos europeus, [...] sem préstimos para o trabalho dos nossos campos, sem disciplina moral sem valor de nenhuma espécie” (Correio Paulistano, 10 de janeiro de 1930, p.1).

O texto de Rangel Moreira, com transcrição da fala de Getúlio Vargas em plena campanha eleitoral, representa a ânsia em contar com a imigração europeia, mas que fosse de “boa” classificação racial-moral, que se adaptasse aos valores culturais e históricos do Brasil, uma imigração coordenada, e dita valorosa tanto ao povo brasileiro quanto ao nacionalismo que pretendiam elevar. Importante deter que, Vargas não abre mão do pensamento racial, mas o realoca sob consideração moral e préstimo ao trabalho no campo. Em particular, já no fim de 1920 e início da década de 1930, a citação acima retratando a fala de Getúlio Vargas ajuda a desmistificar que todo europeu, fosse por si só considerado de “boa qualidade” por pertencer ao mesmo continente, fazendo-se preciso levar em conta outros critérios, que voltavam-se ao “bom cidadão” e ao olhar ainda mais rigoroso e punitivo aos “indesejáveis”.

Em janeiro de 1930, é publicado no jornal Correio Paulistano, o relatório anual referente ao ano de 1929, pela chamada Delegacia de Costumes e Jogos, em que o então delegado responsável, Juvenal Piza, vai tratar a prostituição como mal moral a ser combatido, expondo: “Mediante a applicação de certas medidas policiaes é sempre possível diminuir a libertinagem excessivaa e a consequente dissolução dos costumes. É o que temos procurado fazer [...] contra o meretrício [...]” (Correio Paulistano, 22 de janeiro de 1930, p.7). E de fato, o momento vivido parecia constituir em um olhar de regulação moral sobre a vida e práticas dos brasileiros, e mais

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incisivamente, sobre os imigrantes no Brasil. O jornal Correio Paulistano, trazia em 1930, artigo intitulado - Vão ser expulsos do paiz como indignos e indesejáveis, dizendo:

O indivíduo de nome José Roston, syrio, de 34 annos de edade, e sua mulher Genoviele Ramentier Roston, franceza [...] vão ser expulsos do paiz como elementos indignos e indesejáveis. Publicamos abaixo o relatório em que o sr.dr. Juvenal Piza, delegado da Delegacia de Costumes e Jogos, historia o crime de ambos [...]. ‘Consta deste inquérito que José Roston se casou há cerca de dez annos, em Paris, com Genoviele Rarmentier, também residente nesta capital onde exercia o meretrício. Esta tinha uma filha, [...] emquanto menina, o padrasto a tratou com respeito, porém, tendo ficado moça, com edade de 20 annos, apaixonou-se pela enteada e no Rio de Janeiro onde residiam, a perdeu, contaminando-a com moléstia’ (Correio Paulistano, 16 de fevereiro de 1930, p. 6).

Ainda acerca dos “indesejáveis” ou “maus elementos”, como tratados pelo jornal, o Correio Paulistano, em 1930, trazia texto intitulado: Mais três vão ser expulsos do paiz, dizendo: “Devidamente processados pelo sr. dr. Juvenal Piza, delegado da delegacia de costumes e jogos, conforme portaria assignada pelo sr. Ministro da justiça, os indivíduos de nomes Pedro Huber, José Morad e José Jakevitzh” (Correio Paulistano,12 de abril de 1930, p.7). Interessante apontar, portanto, que os três imigrantes foram expulsos por motivos díspares, enquadrados em diferentes delitos penais puníveis e possíveis de expulsão do país, assim sendo, conforme aponta o noticiado no jornal:

Morad é um indivíduo sem profissão definida e dado ao vício da cocaína [...]. Foi preso na occasião em que tentava convencer a uma mulher com quem se achava, que devia tomar cocaína. Pedro Huber yoguslavo, de 45 annos de edade, casado, filho de João Huber, é proprietário de um bar, na estrada de Santo Amaro a Itapecerica. Esse indivíduo sem nenhum escrúpulo, nem sentimentos moraes [...] tinha em companhia uma filha Catharina Huber, de 20 annos de edade, que foi seduzida por um frequentador do bar, e tem o nome de Benedicto Leite. Em vez de defender a honra de sua filha, lançando-a à prostituição dentro de seu próprio estlançando-abelecimento[...]. José Jlançando-akevitzh vem para o Brasil, em companhia de Miquelina Biriukas, Lithuana. Miquelina e José Jakevitzh se amasiaram e elle resolveu explorar sua amante, de quem fazia passar por irmão, algumas vezes, ou primo outras vezes (Correio Paulistano, 16 de fevereiro de 1930, p. 6).

Cabe interpretar que, a lei era aberta à inclusão de vários tipos de delitos agressivos à moral nacional. Aqui, abre-se um parêntese ao refletir a prostituição e o lenocínio no contexto das primeiras décadas do século XX em que, estavam em jogo

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a moral e a saúde burguesa, que deveriam ser protegidas (MAZZIEIRO, 1998). Aliás, o lenocínio (exploração, facilitação e/ou prostituição de outras pessoas), passara a deter olhares do Estado. No andar dos anos 30, já verifica-se no Correio Paulistano, um olhar mais crítico quanto a presença de alguns grupos no Brasil, tais como ciganos, anarquistas/comunistas, prostitutas.

Como exemplo, em nota da Polícia Civil, de 1930, publicada pelo jornal Correio Paulistano dizia: “A vigilância exercida sobre indivíduos extrangeiros, que se dizem communistas e que pretendem arrastar o operariado a manifestações subversivas, se fez sem excessos, mas, também, sem contemporizações [...]” (Correio Paulistano, 4 de maio de 1930, p.3). Em outra nota, intitulada Campanha contra os ciganos, de 1930, tratando dos ciganos no Rio de Janeiro: “[...] o 4.ª delegado determinou que fossem batidos os acampamentos de ciganos em várias ruas, o que foi feito hoje. Os ciganos vão ser obrigados a abandonar nossa capital com destino a outros paizes” (Correio Paulistano, 1 de junho de 1930, p.18).

A imigração, atuando enquanto medida eugênica corretora, que perpassava entre as primeiras décadas do século XX, assim entendida pelos eugenistas, provinha buscando/ projetando a face do suposto melhoramento da raça nacional em níveis diversos (raça, moral, religião, costumes, corpo físico-mental), e da população brasileira, mediante ventilação dos ideais eugênicos imbricados nas políticas imigratórias, adotando quando fossem necessárias, as ações de expulsão dos estrangeiros, além do maior rigor na seleção imigratória.

Em verdade, também, a constatação das leis que voltavam-se ao estrangeiro, tinham em sua característica, avaliar o comportamento do imigrante no Brasil e a disposição do mesmo em se adaptar às normas morais, políticas e religiosas da sociedade brasileira, evitando assim, de dar espaço e legitimidade para a vinda e permanência dos “indesejáveis” ao Brasil. Levando-se em conta esse cenário, é em sua tese de doutoramento, de 2007, intitulada O Perigo Alienígena: Política Imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945), que a historiadora Endrica Geraldo destaca que: “Desde o primeiro ano do Governo Provisório, os decretos sobre a entrada e a presença de trabalhadores estrangeiros revelavam a intensificação de um combate à imigração” (GERALDO, 2007, p. 61-63).

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Assim caminhando, o que se destaca nesse raciocínio da historiadora Endrica Geraldo (2007;2009) é o tratamento da imigração por parte dos eugenistas como política restauradora e regeneradora da população brasileira. Por outro lado, como gesto de controle, as medidas de análise e avaliação dos imigrantes “perigosos”, permitem ter em mente um processo de encaminhamento a uma política mais seletiva e rigorosa na imigração dos estrangeiros, especialmente no fim da década de 1920 e na Era Vargas no Governo Provisório (1930-1934).

Considerações Finais

À guisa de conclusão, por vias amplas, cedendo atenção aos aspectos de prisma religioso, racial, moral e criminal, as primeiras décadas do século XX, no Brasil, conviveram com os ideais da advindos da eugenia, que por seu turno, tiveram na instrumentalização da imigração, uma das principais vias de efetivação dos projetos de branqueamento da raça nacional, intrínsecos ao desejo elitista de moralização das práticas (e) dos brasileiros. Em suma, é pertinente destacar o manuseio das leis enquanto mecanismos de regulação populacional, como sendo parte do projeto de construção de “uma nova nação”, calcada em preocupações raciais, morais, e políticas, e orientadas, certamente, pelas diretrizes eugênicas.

Referências

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “A imagem do imigrante indesejável. Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo”. Seminários –nº 3: Crime, Criminalidade e Repressão no Brasil República. São Paulo.

CORREIO PAULISTANO (SP). São Paulo: 1854-1939. Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/docmulti.aspx ?bib=090972&pesq=. Acesso em 12 jan 2021.

FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo: 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 11ª ed. - São Paulo: Ed. Loyola, 2014. GERALDO, Endrica: O perigo alienígena: política migratória e pensamento

racial no governo Vargas (1930-1945). 2007. Tese (Doutorado em História)

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

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_____. A “lei de cotas” de 1934: controle de estrangeiros no Brasil. Cadernos da

AEL, Capinas, v. 15, n. 27, p.173-209, 2009.

MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e outros delitos. Disponível em:

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