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XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR A concepção escatológica na religiosidade nórdica pré-cristã e cristã: um estudo comparativo

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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões

ABHR 2016

A concepção escatológica na religiosidade nórdica pré-cristã e cristã: um estudo comparativo

ANGELA ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA1

O presente estudo propõe uma discussão acerca da narrativa de Ragnarök que descreve o pensamento da crença nórdica da Era pré-cristã – citada na poesia éddica da literatura escandinava do século XIII – sobre a batalha final, anunciando o fim do cosmos e de alguns deuses. Nessa perspectiva histórico-cultural das religiões é que a análise será conduzida. Logo, parte-se de uma investigação sobre o mito referenciado, o qual compõe o ciclo de crenças de concepção pré-cristã na Escandinávia da Era Viking2 (séculos VIII a XI), tendo como recorte o período Medieval, no contexto do século X d. C., transformando-o num registro contributivo às Ciências das Religiões.

A ideia sobre o caráter escatológico permeia o que, usualmente, passou a se chamar de virada de século3, com previsões de como ocorreria o final dos tempos. A síndrome do fim do século tem sido ponto comum de discussão no que se refere à descrição de prognósticos de eventos cataclísmicos com registros e datas afixadas.

A pesquisa tem como objeto a investigação do mito de Ragnarök, provavelmente, conforme Langer (2012), narrado por meio da oralidade, na Era pré-cristã, séculos VIII a XI, tendo sido compilado mais tarde, após a cristianização dos nórdicos, visto que a escrita rúnica não era utilizada para esse fim.

1 Mestranda em Ciências das Religiões – PPG-CR/UFPB/PB e pesquisadora do NEVE – Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos. Contato: gel-oliveira1@hotmail.com.

2 A Escandinávia da Era Viking teria sido um período e uma região com uma unidade cultural pensada em termos absolutos. Citado por Johnni Langer, 2009, p. 5, em seu artigo História e Sociedade nas Sagas Islandesas: Perspectivas Metodológicas.

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A problemática ora levantada tem sido alvo de discussões no que concerne à possibilidade de similaridade com elementos do cristianismo na construção dessa narrativa em que o fim dos ciclos contempla uma regeneração do cosmos. Tendo em vista o exposto, o objetivo geral dessa pesquisa é analisar a narrativa de Ragnarök no contexto do século X d. C. O que, por sua vez, solicita a formulação dos seguintes objetivos específicos: examinar o mito e as influências sofridas por essa cultura no processo de expansão através do oeste e norte europeu, especialmente, das ilhas Britânicas; identificar a implicação de eventos cataclísmicos e naturais na construção de elementos da religiosidade nórdica; e estabelecer relações comparativas entre o mito de Ragnarök e o Apocalipse Cristão.

Como linha metodológica, o estudo em questão está inserido na abordagem qualitativa, com uma análise de comparação contextual entre a religiosidade nórdica pré-cristã e pré-cristã. Em consonância, será adotado o procedimento técnico de pesquisa bibliográfica e sistematizadora do tema, de caráter descritivo e documental, realizada através da análise de conteúdo. Vale destacar que este trabalho constitui uma parte de uma pesquisa maior que vem sendo desenvolvida no NEVE – Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos sob orientação do Prof. Dr. Johnni Langer. Estas religiosidades foram escolhidas como sujeitos da pesquisa pelo seu caráter influenciador na construção de ideias apocalípticas. Sendo assim, a comparação contextual:

Baseia-se na ideia de que uma comparação de fenômenos diferentes provinientes de difentes religiões deve não somente considerar o contexto dos fenômenos comparados, mas deve lhe atribuir uma importância especialmente alta: o lugar dos objetos comparados no sistema geral da religião, a ordem e as estruturas sociais, a forma econômica, a organização política etc. (HOCK, 2010, p. 95)

Para tanto, essa investigação recorrerá aos aportes documentais referentes à Escola Italiana da História das Religiões como fonte de subsídios teóricos. Utilizaremos como arcabouço teórico condutor do trabalho a produção teórica de pesquisadores como Agnolin (2013), Bernárdez (2010), Cardoso (2006), Davidson (2004), Franco Júnior (1999), Hock (2010), Langer (2009 e 2012), Schmidt (2007), Silva (2011) e Sturluson (2012). Perscrutaremos o conhecimento encontrado na Edda Maior ou Edda Poética, como principal

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fonte de informação sobre a tradição épica, crenças e mitos escandinavos pré-cristãos, examinando-se os poemas Völuspá e Vafþrúðinimál que norteiam essa narrativa; além de, na Edda Menor ou Edda em Prosa, a alucinação de Gylfi (Gylfaginning).

Em suma, pretendemos que esse estudo represente uma panorâmica sobre a análise do longo processo de construção de uma cultura, na qual os povos nórdicos, paralelamente, foram estabelecendo uma maneira de pensar em sua eterna batalha, o mito de Ragnarök.

1. RELIGIÃO: MUDANÇAS E RUPTURAS

Ao examinarmos esse conceito, constatamos que, nesse momento de profunda mudança cultural, as religiões encontram-se em meio às transformações tanto no que diz respeito à definição do seu conteúdo, quanto das suas funções. Nesse sentido, ponderamos quanto ao uso permanecente do termo religião, para denominar as tradições religiosas em geral, como se esse pudesse dar conta dos seus mais diversos significados e de todas as especificidades peculiares a cada designação nas ciências das religiões.

Schmidt (2007) ao referenciar Smith, no que diz respeito à restrição do uso desse termo, recomenda ao estudante e historiador da religião que a autoconsciência seja para eles sua especialização primária, seu objeto de estudo, enfatizando que

Não há data para a religião. Ela é tão somente uma criação dos estudos acadêmicos. É criada para os propósitos analíticos dos acadêmicos por meio de seus esforços imaginativos de comparação e generalização. A religião não tem existência independente fora da academia. Por esse motivo, o estudante da religião, e mais particularmente o historiador da religião, deve estar incansavelmente autoconsciente. (SMITH apud SCHMIDT, 2007, p. 56)

A cultura compreendida como o modo pelo qual uma determinada realidade social foi concebida, em lugares e históricos distintos, conduz a elaborações de diversos grupos, criações e vivências, produzindo realidades em permanente transmutação. Assim sendo, as representações do mundo social são decorrências de construções culturais e históricas, e, por conseguinte, não são neutras. Decerto que essas representações, que intencionam ser universais, foram pensadas e manipuladas por determinados grupos, interesses e em

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momentos históricos, sendo dotadas de subjetividade e indeterminação. Recomenda ao historiador examinar esse campo da religião que, progressivamente, universaliza-se, trazendo consequências em nível dos seus conteúdos, convertendo em gerais e imprecisos os seus limites. Desse modo, passamos a atribuir sentido ao conceito, seja com propósitos científicos, teológicos, filosóficos ou religiosos. Por tudo isso, Silva (2011, p. 225) adverte que esta conceituação não pode ser “arbitrária, devendo ser aplicada aos conjuntos reais de fenômenos históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo religião, extraído da linguagem corrente e do senso comum e introduzido como termo técnico”.

Ficou evidenciado que tal termo, provindo de um contexto histórico-cultural ocidental e vinculado à tradição cristã, sofreu transformações no seu processo de construção, não possuindo um conceito absoluto. Isso permite afirmar que a religião, como dimensão das representações culturais do mundo, encontra-se suscetível a modificações. É pertinente dizer que, tanto as religiões, quanto as crenças religiosas somente podem ser delimitadas em determinados conceitos espaciais e temporais.

2. O CONCEITO DE RELIGIÃO EM KLAUS HOCK

Com base no pensamento do historiador Klaus Hock (2010) acerca do conceito e do termo religião, um dos pontos centrais de sua proposta histórica sistematizada em uma leitura crítica realizada em sua obra Introdução à Ciência da Religião, reside na compreensão de que se estaria longe de pôr fim a essa discussão. Ao introduzir a temática, é feito referência às inúmeras definições existentes, desde aquelas mais restritas, passando pelas mais abertas. Em razão disso, o autor não teve como intuito apresentar mais uma definição sobre religião, acreditando ser de pouca utilidade aos seus propósitos. Ao examinar esse conceito, Hock tenciona, prioritariamente, tratar das questões fundamentais para que, assim, obtivesse um direcionamento, uma vez que penetraria no que ele denominou de mata fechada das definições de religião4.

Acentua, ainda, que um dos pontos a ser considerado na definição de religião diz respeito ao surgimento do termo religio que foi, primeiramente, utilizado em um contexto

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cultural e histórico específico, implicando em uma significação relativa à história intelectual ocidental. Na Ciência da Religião, há o entendimento científico-religioso de que religião não deva ter uma conotação religiosa e que, assim sendo, possa ocorrer uma circunspecção do discurso religioso e das construções científico-religiosas, através de um padrão de formações terminológicas formais, mediante uma metalinguagem, em que se constitua a linguagem científica, afora a linguagem religiosa. A derivação do termo latino religio pode ser compreendida como atuação com consideração ou observância cuidadosa. Cícero (106-43 a. C.) definia como culto aos deuses, relegere (observar cuidadosamente); Lactâncio (século III/IV), como religare, ligar (amarrar); Agostinho (354- 430), como religião verdadeira (ligar de volta); e, por fim, rem ligare (amarrar as coisas).

Klaus Hock (2010) adverte que a reflexão que insurge a respeito da derivação correta do termo religio demonstra a impossibilidade de uma definição mais precisa, objetiva, dada, associada a um contexto histórico cultural-específico, posto que tal termo seja um construto científico, correspondendo a uma realidade sociocultural. É pertinente dizer, ainda, que esse termo não vem sendo empregado de maneira uniforme. Assim sendo, a sua aplicação se dá, mesmo que em diferentes fenômenos, nos mais diversos contextos históricos e culturais, como termo universal.

A compreensão é de que esse termo tem dois aspectos a serem considerados: a sua vinculação ao contexto histórico-cultural do Ocidente; e um termo universal com pretensão de captar fenômenos correspondentes que não estão inseridos num mesmo contexto histórico-cultural. Sustenta-se também que o termo ou é estreito demais, ou largo demais para abranger o que, nas diversas tradições religiosas e culturais, é descrito com nomenclaturas que parecem corresponder a eles, bem como significados não explícitos. Para além, tanto as definições substancialistas (o que a religião é, o essencial de uma religião em determinados conteúdos), como as funcionalistas (qual seu empenho e quais as funções que a religião tem nas formações sociais), ou mesmo a combinação desses dois métodos, apresentam limites e insuficiências. Desse modo, no contexto ocidental cristão, uma definição de religião vai se orientar pelo que se denomina religião na conjuntura de sua história cultural (ibid., p.24-26).

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É preconizado que se deve renunciar a tendência de definir o termo religião como conceito aberto, mas que a impossibilidade de definir religião não deveria representar uma renúncia à Ciência da Religião como disciplina independente e dissolvê-la em disciplinas parciais. Para tanto, não é preciso uma definição estreita, apenas que se estabeleça uma caracterização aproximativa de religião, em que se discerne entre o discurso religioso e construções científico-religiosas, apresentando um padrão de composições terminológicas formais (uma metalinguagem), uma linguagem específica científica, afora uma linguagem religiosa.

Hock (2010) opta por não dar nenhum conceito pronto de religião, mais do que isso, apresenta, com clareza, os aspectos que, nessa definição, deveriam ser contemplados, a saber: encontrar-se dentro do complexo geral da cultura; e encontrar-se, na diversidade das religiões, algo como o menor denominador comum que pudesse ser representado pelo termo religião como universal. Considera, por fim, que, com todas essas mudanças e rupturas que ocorreram sobre esse conceito, e de suas funções, um novo termo seria mais acertado.

3. A ESCOLA ITALIANA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: PERSPECTIVA E MÉTODO

A Escola Italiana (romana) de História das Religiões, de concepção historiográfica, impulsionada pelo seu idealizador Raffaele Pettazzoni (1883-1959), bem como pelas produções de intelectuais como Angelo Brelich (1913-1977), Ernesto de Martino (1908-1965), Vittorio Lanternari (1918-2010), Dario Sabbatuci (1923-2002), Marcelo Massenzio (1942) e Nicola Gasbarro (1954), ganhou visibilidade, principalmente, pela elaboração de estudos que ofereciam metodologia e instrumentos de pesquisa voltados à perspectiva histórico-religiosa, objetivando sobrelevar a historicidade das religiões e dos fatos religiosos através da comparação antropológica e etnológica, tendo que se confrontar com escolas que defendiam a Filologia e a Fenomenologia ou de abordagens não históricas e des-historicizantes (AGNOLIN, 2013, p. 57).

Pettazzoni sistematiza a compreensão da manifestação do religioso como elemento de investigação histórica. Pontifica que qualquer phainómenon é um genómenon, dito de

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outro modo, cada manifestação religiosa é um produto histórico e cultural. O método da comparação histórico-religiosa utilizada por essa escola pressupõe uma comparação através de um instrumento adequado a diferenciar e a determinar as particularidades essenciais de cada processo histórico (Id.Ibid., p. 65 e p.188).

Nesse processo, salientamos a contribuição das discussões entre religião, cultura e história, somando-se aos subsídios propiciados pelos intelectuais dessa Escola para a história cultural das práticas religiosas, que resultou na desconstrução da categoria generalizante de a religião como

Um código cultural com sentidos variados, investigando mediações, empréstimos, cruzamentos, difusões, hibridações e mestiçagens como construções culturais. Os objetos intelectuais de pesquisa da história das religiões não são, dessa forma, estruturas essencializantes de um espírito humano com conteúdo universal em formas diferenciadas. Ao contrário, são produtos históricos em relações específicas que se comunicam através de processos de generalizações. Ao contrário, são produtos históricos em relações específicas que se comunicam através de processos de generalizações. (SILVA, 2011, p. 233)

Ficou evidenciado que Pettazoni concebeu a dilatação do conceito de religião com o intuito de torná-lo funcional às culturas particulares pesquisadas, propiciando a universalidade da investigação histórico-religiosa. Postulava que toda religião seria um produto histórico, culturalmente condicionado pelo contexto e, por conseguinte, adequada a condicioná-lo. Assim sendo, de modo recíproco, a pluralidade das religiões conduziria à pluralidade das histórias. Os estudos de Ernesto De Martino (1908-1965) apresentam a metodologia e teoria sobre em que âmbito específico se situa a religião e, assim, ele concebe que

Não é possível aceitar a explicação de uma interpretação religiosa da religião: há que distinguir a historiografia religiosa da visão religiosa e, sobretudo, jamais negar ou ocultar a história. A dimensão temporal é o pano de fundo das tramas simbólicas das religiões, dos mitos, dos ritos que sempre são fenômenos culturais. (SILVA, 2011, p. 228-229)

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Na pesquisa histórico-religiosa, a aplicação de um procedimento destinado à comparação histórica deve, prioritariamente, diferenciar e determinar as particularidades de cada processo histórico. Averiguamos que Lanternari empreende em torno do sistema mítico-ritual em perspectiva escatológica, e de Martino, no campo mítico ritual, a partir do contexto histórico-cultural. Marcello Manssenzio propõe em volta da dialética entre mito e história, de modo a contribuir para o avanço da perspectiva do etnocentrismo crítico. No que tange a perspectiva histórica e comparativa, Gilberto Mazzoleni tinha como foco estabelecer, com os seus pressupostos metodológicos e seus objetivos precedentes, uma Antropologia Histórica na dimensão histórico-religiosa. A contribuição historiográfica de Paolo Scarpi se deu a partir da tradição dos estudos clássicos, realizando um deslocamento mais enredado e geral, em algumas interpretações, quando empreende um estudo sobre a história e a mitologia da viagem. Nicola Gasbarro tratou de questões que estão presentes no entrelaçamento das disciplinas História das Religiões, da História tout court e de Antropologia na perspectiva da comparação histórico-religiosa e antropológica. O seu argumento para estabelecer um novo confronto crítico e de cooperação metodológica entre Antropologia e História se origina da visão de Sabbatucci, o qual concebe como a história se constitui como um fato distinto da experiência cultural do ocidente (AGNOLIN, 2013, p.119-145).

Cabe frisar que essa temática, acompanhada de uma abordagem da disciplina História das Religiões proposta por uma Historiografia italiana, através das mudanças historiográficas e das proposições metodológicas dos autores aqui elencados - com ênfase na objetivação da religião e dos fenômenos que lhe concernem -, elucidam como uma perspectiva histórico-religiosa revela mecanismos interpretativos particulares.

4. O MITO DE RAGNARÖK

A mitologia nórdica é marcada pela narrativa de Ragnarök, consumação dos destinos dos poderes supremos, ou, ainda, Ragnarökkr, crepúsculo dos poderes supremos, que descreve a crença nórdica da Era pré-cristã, sobre a batalha final ─ eventos futuros em que sinais, seguidos de desastres na natureza, pronunciariam-se, havendo de ocorrer até a

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submersão do mundo nas águas, anunciando o fim do cosmos e de alguns deuses ─ citada na poesia éddica da literatura escandinava, do século XIII (LANGER, 2012, p. 3).

Sobre a sociedade escandinava, importa dizer que tem origem nos povos germânicos que, devido a uma expansão migratória, entre os séculos IV e VII, habitaram os reinos da Dinamarca, Noruega, Suécia, Islândia e Finlândia. É pertinente lembrar que já havia representações visuais sobre a mitologia nórdica, as quais, em sua maioria, reportavam-se a figura de Odín, porém não foram encontradas imagens pré-cristãs, da Era Viking, a respeito do tema do Ragnarök (Id.Ibid., 2012, p. 8).

No poema Völuspá (estrofe 45), da Edda Poética (1984, p. 32-57), a personagem que é

advinha, ressuscitada por Odín, o deus supremo dos escandinavos, alertou-o a respeito desses sinais: ocorreria um tempo de horrores, com contendas entre irmãos, provocando lutas e mortes, em que parentes entrariam em discórdias e se ocupariam de atos incestuosos, bem como da prática de adultérios. O cosmos passaria pelas Eras de machados, de espadas, de ventos. E, por último, a fúria cósmica, a Era de lobos, Fenrir, Skol e Hati, que traria uma desintegração desse universo escandinavo. Fénrir, o lobo que irá devorar Odín. O céu seria tingido de sangue quando os lobos Skol e Hati (estrofes 40-41) – que são, reconhecidamente, os perseguidores de Sol e Mani desde o princípio da criação do universo nórdico -, os devorassem no Ragnarök. Além disso, haveria a morte de alguns deuses que lutariam contra os monstros, em que ambos pereceriam. A terra seria imersa na escuridão. O vento e o fogo se uniriam, levantando chamas, rachando-se o céu (estrofe 52). As estrelas (estrofe 57) cairiam do firmamento, evidenciando o fim do cosmos e de alguns deuses. Somente a alguns filhos dos deuses e a um casal de humanos a vida seria permitida.

Atualmente, estudos de enfoque historiográfico demonstraram que há três abordagens a respeito dessa narrativa: o texto seria de base totalmente pagã; ocorreram interferências cristãs sobre uma composição pagã e a recontaram após o registro escrito; e que o compositor original foi um pagão que sofreu influências de ideias cristãs durante o período de conversão (LANGER, 2012, p.4).

Como origem comum ao mito de Ragnarök, alguns pesquisadores evidenciam a influência de elementos do Cristianismo na construção dessa narrativa, afirmando guardar

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semelhanças com o Apocalipse (Juízo Final), ou com as teorias milenaristas. Enfatizando que, segundo pesquisas recentes, o Pré-cristianismo nórdico trata-se de uma religião complexa, com estruturas próprias. Esse conjunto de crenças e práticas se fazia distinto do Cristianismo (CARDOSO, 2006, p.36).

Ao contrário do Apocalipse, o fim do mundo nórdico não concebe nenhum juízo final em que são separados os bons dos maus para que pudessem receber os seus castigos. O mito de Ragnarök já era esperado sem nenhuma outra justificação. Sublinhamos, assim, que a narrativa evidencia este fato dos deuses não poderem salvar a si mesmo nem ao cosmos. Para a regeneração do cosmos, haveria de se passar por uma destruição total, livrando-se de todo o caos, seguindo, então, a renovação desse universo escandinavo (BERNARDÉZ, 2010, p. 298-299).

Por se tratar de um tema em que há divergências quanto à origem desse mito, há estudos que comungam do pensamento de que a maioria do material encontrado no Völuspá é proveniente de fontes cristãs. Em razão das estrofes finais, desse poema, pode-se averiguar que alguns pesquisadores atribuem, nesses relatos, haver indícios de extinção da antiga fé pelo Cristianismo. Ainda que os sermões dos padres a respeito do Juízo Final possam ter influenciado o pensamento em torno daquele contexto, não teria sido suficiente para elucidar a ideia do fim do mundo entre os nórdicos, acrescentando que a destruição do cosmos e a liberação dos monstros faziam parte do pensamento pré-cristão (DAVIDSON, 2004, p.171-173).

Em função do nosso objeto de estudo, pretendemos, adiante, a partir desse referencial teórico, trazer subsídios à compreensão da religiosidade nórdica pré-cristã e cristã.

4.1 O MITO DE RAGNARÖK NAS FONTES LITERÁRIAS

Considerando a possibilidade de aproximação desse tema através da investigação dos conhecimentos literários de herança oral, recompondo a historicidade a partir da perspectiva das fontes literárias, buscaremos os textos proféticos que anunciam o acontecimento cataclísmico do Ragnarök. Estes estão inseridos nos poemas Völuspá e

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Vafþrúðnismál, ambos no estilo fornyrðislág5, e na Edda em Prosa, o Gylfaggining, o que sustentará a nossa reflexão teórica. Convém ressaltar que esses conhecimentos foram sendo transmitidos por escaldas cristãos, na maioria homens, para uma platéia também pré-cristã em meado do século IX. Nas cortes dos líderes da Escandinávia e Islândia, poetas pertencentes a uma elite conhecedora da cultura oral compunham poemas com temas diversificados sobre a mitologia e os deuses, laudatórios, viagens, sagas dos reis (século XII), entre outros (LANGER, 2009, p. 11).

Analisaremos, na Edda Poética (1270) - poesia popular de autores desconhecidos, em nórdico antigo, da literatura nórdica escandinava, encontrada em vários manuscritos islandeses -, o primeiro poema do manuscrito Códice Régio, do ciclo mitológico, o Völuspá. O enfoque será sobre a visão da Advinha ressuscitada por Odín, com informações relevantes sobre o mundo em que estão inseridos os escandinavos, iniciando-se por um relato cosmogônico, seguido da destruição do mundo e do fim dos deuses, compondo 66 estrofes (o passado 3-27, o presente mítico 30-43, o futuro até o Ragnarök 44-58 e, após esse evento, 59-66). O Völuspá descreve sobre o caos estabelecido entre os deuses, expandindo-se por todo o universo, em que as forças contrárias plantaram um tempo de acontecimentos tenebrosos precedentes à destruição do mundo, os sinais do Ragnarök. Igualmente, descreve o terceiro poema éddico Vafþrúðnismál (Os ditados de Vafþrúðnr), que, por sua vez, apresenta os diálogos entre os deuses Odín, sua esposa Frigga e o gigante Vafþrúðnr (voltado para o passado 20-35, o presente 36-43 e o Ragnarök 44-55). Esse poema (estrofe 44) anuncia, como primeiro sinal do Ragnarök, o grande inverno, não se referindo por quanto tempo perduraria. O lobo Skol devora Sol (estrofe 46), o qual tem uma filha que a substituirá (estrofe 47). Para além, esse poema trata do fim dos deuses de um modo geral, relatando sobre a luta travada por Thor com a serpente Jormungand (estrofe 51), bem como da morte de Odín (estrofe 53), que seria devorado por Fenrir e vingado por Vidar;

juntamente, sobre a morte de Balder (estrofe 54) e o fim dos deuses (estrofe 55).

5 Estilo fornyrðislág – forma estrófica própria dos cantos éddicos citada por Luis Lerate (2012, p. 13) em sua tradução do islandês para o espanhol da Edda em Prosa.

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A Edda em Prosa (1220), compilada pelo historiador, político e intelectual cristão Snorri Sturluson (1178-1241), a partir de fontes orais e escritas na Islândia, trata-se da segunda fonte mais importante para esse estudo . A edição espanhola é composta por um prólogo, o Gylfaggining e o Skáldskaparmál, discurso da formação de poetas. Dessa maneira, sondaremos o Gylfaggining que discorre sobre a narrativa da vinda de Gylfi (rei dos suecos) à Asgard (morada dos deuses), com a temática da origem e destruição do mundo, apresentando um personagem que pergunta e que, ao longo do diálogo, vai obtendo as suas respostas, método próprio do medievo. Esse rei pergunta a três outros personagens: “Altíssimo, Igual de Altíssimo e Terceiro” (DAVIDSON, 2004, P.21). Essa narrativa menciona um terrível inverno, o Fimbulvetr, com duração de três anos, que antecederia o momento final dos deuses, com discórdia e morte entre famílias. Os lobos devorarão o sol e a lua, as estrelas desaparecerão do céu, o lobo Fenrir se libertará, bem como o navio Naglfari. Junto ao lobo, estará a serpente de Midgard que cuspirá veneno manchando o céu e o mar. Surt lançará fogo sobre a terra. O céu racha-se. Após o Ragnarök, a renovação do mundo relatado no Völuspá (estrofes 62-63) se dará através da linhagem de Odín, Balder e Hoder e seus filhos. Odín será substituído pelo grande sacerdote Hónir . O Vaftrúdnismál (estrofe 45-51) sublinha que Sol conceberá uma filha antes de ser devorada pelo lobo. Além do casal de humanos Lif e Liftrásir, sobreviveram Vidar e Vali (filhos de Odín), e Modi e Magni (filhos deThor). No Gylfaginning, Vidar,Vali, Modi, Magni, Balder,

Hoder, Lif e Liftrásir repovoariam o mundo (Edda em Prosa Gylfaginning, 2012, p. 125-133). Entendemos que esse estudo representou uma reflexão sobre as principais fontes de

informação, a Edda Poética e a Edda em Prosa, a respeito da concepção apocalíptica da mitologia nórdica, a saber, o mito de Ragnarök.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de todas estas postulações acerca da ampliação do conceito de religião que, anteriormente, limitava a inserção de estudos diversificados sobre mitos e divindades como um todo, reforça-se a importância que aqui foi proposto, uma vez poder ser enquadrado em um ramo de estudos-científicos, hoje, mais abrangente e de possibilidade comparatista.

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Dessa forma, a Escola Italiana de História das Religiões, ao propor a dilatação desse conceito, para que o mesmo pudesse contemplar na sua universalidade as culturas particulares, proporcionou que esse estudo fosse aprofundado e que se estabelecesse um diálogo entre perspectiva e metodologia.

Nesse sentido, apresentou-se um panorama sobre os fundamentos básicos da disciplina História das Religiões e metodologia de estudos, objetivando estabelecer uma interlocução entre várias disciplinas e vertentes, em que se deu o liame entre Antropologia e História como condição necessária para uma comparação sistemática entre culturas, histórica e diferentemente orientadas, e, para cumprir com a exigência dessa comparação, a História das Religiões.

A partir de uma nova concepção para os estudos das religiões − presente em sua característica epistemológica no que se refere à perspectiva cultural e a preocupação em definir o conceito de religião como categoria interpretativa e conceitual –, essa Escola reproduziu uma visão de seu propósito de ser uma escola líder, com pretensões de se sobrepor às de correntes contrárias, a exemplo da historiografia positivista, defensora da inexequibilidade da religião como objeto de análise histórica, como também da fenomenologia. Além disso, essas inovações teóricas serviram de eixo orientador para o cumprimento da missão que se fazia preeminente de inovações no tocante a alguns aspectos gerais de afirmação metodológica que permitiram identificar sua abordagem a respeito das religiões. O método da comparação histórico-religiosa, utilizada por ela, pressupõe uma ação através de um instrumento comparativo adequado a diferenciar e a determinar as particularidades essenciais de cada processo histórico. Klaus Hock admite que, na contemporaneidade, visto todas as mudanças que ocorreram a respeito desse conceito no tocante a sua definição e de seu conteúdo, bem como de suas funções, já não condiz à aplicação do termo religião, sugerindo que outro termo possa vir a ser mais apropriado. Por fim, com vistas ao fortalecimento da investigação aqui inserida, a concepção escatológica da religiosidade nórdica pré-cristã e cristã do século X, através de uma comparação contextual, o referencial teórico percorrido, do conceito de religião às questões

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metodológicas, trouxe subsídios necessários ao desenvolvimento do estudo comparativo a que nos propomos realizar em nossa pesquisa.

REFERÊNCIAS

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CARDOSO, Ciro Flamarion. Aspectos da cosmogonia e da cosmografia escandinava. Brathair - Revista de Estudos Celtas e Germânicos, São Luís, vol.6, n. 2, p.32-48, 2006.

Disponívelem:<http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/viewFile/557/482>. Acesso em: 09 fev. 2015.

DAVIDSON, Hilda Roderick Ellis. Deuses e mitos do Norte da Europa: uma mitologia é o comentário de uma era ou uma civilização específica sobre os mistérios da existência e da mente humanas. Tradução de Marcos Malvezzi Leal, 2ª ed. São Paulo: Madras, 2004.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. O ano 1000. Virando Séculos. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

HOCK, Klaus. Introdução à ciência da religião. 1ª ed. São Paulo: Edições Loyola, São Paulo, 2010.

LANGER, Johnni. História e sociedade nas sagas Islandesas: perspectivas metodológicas. Alétheia - Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, Natal, vol. 1, n. 1, p. 1-15, 2009.

______.Johnni. A morte de Odin? As representações do Ragnarök na arte das Ilhas Britânicas (séc. X). Medievalista, n.11, Lisboa, p.1-30, 2012.

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