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Vivências interartes: encontros afetivos entre arte e literatura no ensino fundamental

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA – PPGEN

SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES

VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE

ARTE E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL

DISSERTAÇÃO

Londrina 2019

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SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES

VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE

ARTE E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Área de Concentração: Ciências Humanas

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marilu Martens Oliveira

Londrina 2019

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TERMO DE LICENCIAMENTO

Esta Dissertação está licenciada sob uma Licença Creative Commons atribuição uso não-comercial/compartilhamento sob a mesma licença 4.0 Brasil. Para ver uma cópia desta licença, visite o endereço http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, Califórnia 94105, USA.

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TERMO DE APROVAÇÃO

VIVÊNCIAS INTERARTES: ENCONTROS AFETIVOS ENTRE ARTE E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL

por

SIRLENE FELISBERTO RODRIGUES

Dissertação de Mestrado apresentada no dia 6 de dezembro de 2019 como requisito parcial para a obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza – PPGEN, Campus Londrina, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. A candidata foi arguida pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho Aprovado.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________ Orientadora- Prof.ª Dr.ª Marilu Martens Oliveira

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

__________________________________

Prof. Dr. Danillo Gimenes Villa

Universidade Estadual de Londrina

__________________________________

Prof. Dr. Maurício Cesar Menon Universidade Tecnológica Federal do Paraná

_________________________________

Profª. Drª. Sheila Oliveira Lima

Universidade Estadual de Londrina

Londrina, de 2019.

A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza.

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A arte ensina justamente a desaprender os princípio das obviedades que estão atribuídos aos objetos, às coisas.

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AGRADECIMENTOS

Algumas pessoas são exemplo e espelho para nós. Devemos, pois, agradecer pela sua presença inspiradora.

Sou grata à minha orientadora, Dra. Marilu Martens Oliveira, pelo seu amor contagiante pelas artes e pela oportunidade que me deu de cumprir essa etapa da minha formação, compartilhando ideais, conhecimentos e a sua forma especial de saber docente, que certamente me servirá de modelo para a vida.

Agradeço à Universidade Tecnológica Federal do Paraná Câmpus Londrina e aos professores, pela sua excelência e ensinamentos que contribuíram muito para a constituição desta pesquisa.

Aos membros da banca examinadora Danillo Gimenes Villa, Maurício César Menon e Sheila Oliveira Lima pelas reflexões instigantes e apontamentos pertinentes, a minha gratidão.

Agradeço também à minha mãe, o mais importante exemplo positivo e inspirador da minha vida, e ao meu companheiro, pelo apoio e colaboração.

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RODRIGUES, Sirlene Felisberto. Vivências Interartes: encontros afetivos entre arte e literatura no Ensino FundamentaL 2019. 157 fls. Dissertação – Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza. Universidade Tecnológica Federal do Paraná Câmpus Londrina. Londrina, 2019

RESUMO

Em que medida um ensino interartes, com enfoque nas linguagens contemporâneas das artes visuais, das artes cênicas, bem como a multimodalidade dos próprios meios de comunicação e na literatura infantojuvenil, pode contribuir para que estudantes do Ensino Fundamental se tornem aptos a compreender e se apropriar ativa e criativamente dos atuais códigos híbridos da leitura? Esse foi o questionamento principal que suscitou esta pesquisa, objetivando a compreensão das possibilidades oferecidas por um ensino que estabelecesse o multiletramento, a intertextualidade entre múltiplas linguagens artísticas e a literatura, posto que tal foco é minimamente explorado nas escolas. Para verificar as possíveis respostas à indagação, foram planejadas cinco situações pedagógicas nas quais houve a ligação interdisciplinar de linguagens artísticas – como o desenho, a poesia, o teatro, a performance, a arte conceitual, a ilustração, a expressão tridimensional e sonora, entre outras – com a leitura literária, abordando livros específicos destinados ao público infantojuvenil. Optou-se, então, pela seleção de obras de caráter híbrido, em suas linguagens, e com possibilidades para dialogar com diversas formas de expressão artística. Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida alicerçada na perspectiva qualitativa, com Tozoni-Reis e recorrendo-se à bibliografia específica, analítica e aplicada, de acordo com Gil e Bardin. Ela foi sintetizada nesta dissertação, dividida em quatro capítulos, incluindo também um apêndice: o Produto Educacional, publicação digital para professores. Devido à abordagem de temas variados e complexos, buscou-se apoio teórico em autores relacionados ao campo do ensino das artes e da literatura, em especial Barbosa, Hernández, Rojo, Bakhtin, Vygotsky, Candido, Clüver, Kristeva, Koch, Samoyault, Marcuschi, Merleau-Ponty, Rossi e Fischer, que foram consultados em várias fases do estudo. Ao final, a investigação permitiu observar que o ensino interartes pode oferecer ferramentas para desenvolver o potencial criativo e a leitura de mundo dos estudantes, o que pode ser verificado com base no registro de suas produções analisadas sob a ótica dos teóricos mencionados.

Palavras -chave: Leitura. Ensino e Literatura. Multiletramento. Diálogo Interartes.

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RODRIGUES, Sirlene Felisberto. Intervention living: affective encounters between art and literature in Fundamental Teaching. 2019. 157 fls. Dissertation – Professional Masters Program in Teaching Human, Social and Nature Sciences. Federal Thechnológical University of Paraná Campus Londrina. Londrina, 2019

ABSTRACT

To what extent does interartes education, with a focus on contemporary communication, contemporary languages of the Visual Arts, the Performing Arts, as well as the multimodality of the media themselves and children's literature, contribute to become able students of Elementary School who are able to understand and appropriate actively and creatively the hybrid codes of reading today? This was the main question raised by this research, aiming to understand the possibilities offered by a teaching that established multilearning, intertextuality between multiple artistic languages and children's literature, since such a focus is minimally explored in schools. In order to verify the possible answers to the question, five pedagogical situations were planned in which there was an interdisciplinary connection of artistic languages such as drawing, poetry, theater, performance, conceptual art, illustration, three-dimensional and sonic expression others - with the literary reading approaching specific books intended for children. The selection of works of a hybrid character, in their languages, and with possibilities to dialogue with various forms of artistic expression was chosen. The research was synthesized in this dissertation, divided in four chapters, also including an appendix: the Educational Product, a digital publication for teachers. Due to the approach of varied and complex themes, theoretical support was sought in authors related to the field of teaching of the arts and literature, especially Barbosa, Hernández, Rojo, Bakhtin, Vygotsky, Candido, Clüver, Kristeva, Koch, Samoyault, Marcuschi, Merleau-Ponty, Rossi and Fischer, who were consulted at various stages of the study. Methodologically, the research was developed based on the qualitative perspective, with Tozoni-Reis and resorting to specific bibliography, analytical and applied, according to Gil and Bardin. In the end, the investigation showed that the interarting teaching can offer tools to develop students' creative potential and world reading, which can be verified based on the record of their productions, analyzed from the perspective of the mentioned theorists.Keywords: Art Teaching. Literature teaching. Interartes Dialogue. Intertextuality.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Marcel Duchamp – Roda de bicicleta, 1913... 32

Figura 2: Versão da ilustração da personagem Ernesto 1... 52

Figura 3: Versão da ilustração da personagem Ernesto 2... 53

Figura 4: Versão da ilustração da personagem Ernesto 3... 53

Figura 5: Versão da ilustração da personagem Ernesto 4... 54

Figura 6: Versão da ilustração da personagem Ernesto 5... 54

Figura 7: Bonecos feitos por alunos – livro Ernesto ... 56

Figura 8: Dedoche feito por aluno – livro Ernesto ... 56

Figura 9: Boneca de palito confeccionada por aluna– livro Ernesto ... 57

Figura 10: Boneco de palito feito por aluno – livro Ernesto ... 57

Figura 11: Jogos teatrais: espelho, espelho meu... 58

Figura 12: Ilustração de história criada por aluna – livro Ernesto... 59

Figura 13: Apresentação de teatro com bonecos... 60

Figura 14: Exercício de expressão sonora... 63

Figura 15: Esculturas em papel –Lygia Clark... 66

Figura 16: Vivência sensorial – Lygia Clark... 67

Figura 17: Exercício de contação de histórias e expressão sonora... 68

Figura 18: Ilustração de aluna – leitura e criação de histórias 1 ... 73

Figura 19: Ilustração de aluna – leitura e criação de histórias 2 ... 73

Figura 20: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 1... 76

Figura 21: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 2... 76

Figura 22: Ilustração feita por aluno – recriação de Ernesto 3... 79

Figura 23: Escultura sem título, de Frans Krajcberg,1980... 78

Figura 24: Leitura de imagens de Eduardo Srur... 80

Figura 25: Foto de intervenção urbana PETS, de Eduardo Srur... 81

Figura 26: Marcel Duchamp – Fonte 1917... 84

Figura 27: A caixa do livro – Isabel de Sá 2013... 86

Figura 28: Página do livro Cada Coisa, Eucanaã Ferraz... 87

Figura 29: Imagem do poema Faca, de Eucanaã Ferraz... 88

Figura 30: Foto do processo de criação de poesias com objetos do cotidiano... 89

Figura 31: Alunos realizando ações cênicas – performance... 95

Figura 32: Construção coletiva da cidade dos afetos... 98

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Figura 34: imagem do livro digital em teste no telefone celular... Figura 35: imagem do livro digital em processo de construção 1... Figura 36: imagem do livro digital em processo de construção 2...

106 107 107

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LISTA DE SIGLAS

BNCC – Base Nacional Comum Curricular

DCEs – Diretrizes Curriculares Estaduais (Paraná) IBA – Investigação Baseada em Artes

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC – Ministério da Educação e Cultura OA – Objetos de aprendizagem

OAP – Objetos de aprendizagem poéticos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PPGEN – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza.

TICs – Tecnologias de Informação de Educação UTFPR – Universidade Técnológica Federal do Paraná

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 13

1 RAZÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO INTERARTES... 21

1.1 As manifestações artísticas e a comunicação na contemporaneidade: desdobramentos intertextuais... 26

2 A LINGUAGEM ARTÍSTICA E A AMPLIAÇÃO DA LEITURA DE MUNDO... 31

2.1 Desafios de uma comunicação híbrida no contexto escolar... 36

2.2 As linguagens híbridas na escola: a abordagem triangular como possibilidade... 39

3. CONSTRUINDO LEITURAS: ANÁLISE DE UM PROJETO INTERARTES... 42

3.1 Expressão teatral: vivências para a sala de aula... 49

3.2 Percepção fenomenológica da obra de arte: vivências sensoriais... 61

3.3 Sem fim: as esculturas de Franz Krajcberg, a arte de Eduardo Srur e o hibridismo na Arte Contemporânea... 71

3.4 Cada coisa: palavras e imagens na mídia e nas obras da artista Isabel de Sá e produção de textos multimodais... 82

3.5 Isso eu posso fazer: algumas aproximações entre performance e fabulações... 91

4

PRODUTO EDUCACIONAL...

101

4.1 Livro digital para professores... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 109 REFERÊNCIAS... 116

APÊNDICES... 123

APÊNDICE A: Planos de aula para estágio de docência... 124

APÊNDICE B. Imagens: Expressão teatral, vivências para a sala de aula... 134

APÊNDICE C. Imagens: Percepção fenomenológica da obra de arte... 139

APÊNDICE D. Imagens: Hibridismo de linguagens na Arte Contemporânea... 144

APÊNDICE E. Imagens: Imagem, palavra, gestos: o que são textos multimodais?... 149

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INTRODUÇÃO

A arte acompanhou as manifestações humanas e a discussão sobre até que ponto ela é ou não necessária perpassa por muitos autores, com ideias e proposições diferentes. Assim, a arte de uma época pode ser considerada como uma síntese ou retrato da sociedade que a produziu, mesmo sendo o artista um único indivíduo, que, solitariamente, em muitos casos, elabora-a via escrita, desenho, pintura, ou usa, ainda, outras formas para expressar suas inquietações pessoais, seus sentimentos mais íntimos, que, no entanto, podem espelhar e dialogar com os conteúdos, por vezes atemporais, dos demais integrantes da humanidade.

A importância das reflexões aqui apresentadas, a respeito das possibilidades oferecidas por um ensino interartes e sua colaboração para a formação global dos estudantes, torna-se evidente quando analisadas as formas de contato com imagens e textos nos modos atuais de comunicação. Observa-se, pois, que as formas de construir e de representar significados estão cada vez mais distantes daquelas previstas nas práticas de ensino e de aprendizagem de letramentos convencionais. Logo, a proposta aqui apresentada busca incorporar o que Roxane Rojo (2002) denominou multiletramentos: significados contidos em textos constituídos por mais de uma modalidade de linguagem.

O trabalho justifica-se diante da necessidade de se refletir sobre novas formas de letramento que sejam mais adequadas para construir ou interpretar os conteúdos comunicativos e leituras com os quais os estudantes têm contato hoje. Assim sendo, as atividades foram desenvolvidas levando em consideração o conceito de multiletramentos e também a leitura de obras literárias e obras de arte como fontes de humanização, por meio das quais o sujeito torna-se consciente da sua existência individual e social. Embora a literatura, as artes visuais, as artes cênicas e as expressões sonoras e musicais façam parte de um mesmo e único campo – o da Arte –, no decorrer da dissertação por vezes aparecerá o termo Literatura (arte da palavra) em destaque e, por vezes, em associação a outras formas de arte. Isso para revelar a novidade da experiência para a autora, que, pela primeira vez, mesmo já sendo fruidora e admiradora dessa modalidade artística, compartilhou as novas vivências com alunos do Ensino Fundamental.

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Do ponto de vista interdisciplinar, o produto educacional originado da pesquisa – uma publicação digital para professores – justifica-se ao difundir experiências de associação entre as disciplinas de Arte e Língua Portuguesa, apresentando potencialidades de construção de um ensino integrador, posto que seus conteúdos estabelecem naturalmente diálogos diretos com os contextos sócio-históricos, filosóficos, literários e outros. Nesse sentido, a relevância da pesquisa e do material produzido para professores está em oferecer aos estudantes, via docentes que tiverem contato com as reflexões contidas no material, oportunidades para desenvolver a sua sensibilidade ao lidar com diversas fontes da expressão humana, aproximando-os também do universo da literatura.

A diversidade de fontes interpretativas, trabalhadas no decorrer do desenvolvimento da proposta, pretendeu o alcance, pelos educandos, de uma

leitura multimodal, isto é, uma leitura na qual os significados não são apenas

depreendidos unicamente de fontes verbais, mas imagéticas, sonoras ou multissensoriais.

Como objetivo geral, buscou-se compreender as possibilidades oferecidas por um ensino interartes que estabelecesse um diálogo entre múltiplas linguagens artísticas e a literatura (também uma arte), nesse caso específico, a infantojuvenil. Como objetivos específicos, dentro desse universo, estão dominar a leitura de imagens (artísticas ou não), de acordo com a abordagem triangular de Barbosa (1991), e compreender que a leitura envolve muito mais do que o simples decifrar das sílabas e palavras, pois busca, além da humanização do leitor, desenvolver seu protagonismo social

Assim, a fruição contextualizada e a produção de expressões interartes, conceito que propõe modos de ler e produzir sentidos, na rede de inter-relações que os textos e obras de arte apresentam (CLÜVER, 1997) nesse projeto, são tomadas como fontes de humanização capazes de levar os sujeitos a tornarem-se aptos a compreender melhor o seu entorno. A liberdade criativa das experimentações propostas objetivou levar também o estudante à desconstrução dos princípios do senso comum para obter mais proveito dos conhecimentos em que está imerso, sejam do contexto escolar ou não, atribuindo significações mais profundas às suas leituras e aos objetos e conceitos à sua volta. Para Maria Helena Wagner Rossi (2003), a fruição da arte só pode ocorrer se houver criação também na recepção,

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caracterizando uma troca intersubjetiva, mediada por significados poéticos, na qual o leitor/ fruidor interage com as proposições do artista.

Por que educar com arte? Por que o artista proporciona, com os objetos que cria e disponibiliza para o outro, um desfrute que só é concretizado se há a criação na recepção pelo outro, uma troca entre sujeitos, mediada por significados poéticos. Quem recebe a obra conecta seus sentidos com os do objeto criado e interage com as proposições poéticas dos artistas, em um momento de vertigem e trabalho intenso, de natureza análoga ao trabalho de criação dos artistas (ROSSI, 2003 p. 77).

O questionamento principal que suscitou os estudos desta pesquisa foi a busca pela compreensão das possibilidades oferecidas por um ensino que estabelecesse a intertextualidade entre múltiplas linguagens artísticas e a literatura infantojuvenil, ou seja, um ensino interartes. Assim sendo, foram planejadas cinco situações pedagógicas, havendo a ligação interdisciplinar de linguagens artísticas – como o desenho, a poesia, o teatro, a performance, a arte conceitual, a ilustração, as expressões tridimensional e sonora, entre outras – com a leitura literária, de livros destinado a crianças.

Com base na seleção de obras de caráter híbrido em suas linguagens, e com possibilidades para dialogar intertextualmente com diversas formas de expressão artística, desenvolveu-se a análise qualitativa dos dados coletados para se verificar até que ponto os estudantes seriam capazes de produzir aprendizado significativo em arte e literatura, podendo se expressar e aumentar o seu alcance de leitura com suporte nas ações criativas e reflexivas desenvolvidas ao longo de um trimestre de interações.

Metodologicamente, a pesquisa foi alicerçada na perspectiva qualitativa, conforme Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis (2007). Após a identificação do problema, recorreu-se à bibliografia específica, analítica, de acordo com Antonio Carlos Gil (2010) e Laurence Bardin (2011). Iniciou-se a investigação em forma de pesquisa de campo, com avaliações diagnósticas sobre os conhecimentos dos estudantes, por meio das quais foi possível extrair informações diretamente a respeito da realidade do objeto de estudo, no caso as possibilidades do ensino interartes a ser aplicado em forma de projeto educacional. Ao final, a investigação permitiu verificar que o ensino interartes pode oferecer ferramentas para desenvolver o potencial criativo e a leitura de mundo dos estudantes, o que pode ser constatado no registro das suas produções, analisadas sob a ótica dos teóricos mencionados.

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A dissertação obedece às seguintes etapas, para melhor explicitação do trabalho realizado: no primeiro capítulo, são discutidas as razões para defender a presença de um ensino interartes no contexto escolar, inicialmente esclarecendo-se esse conceito com apoio em Vera Casa Nova, Márcia Arbex e Márcio Venício Barbosa (2010) e também Claus Clüver (1997); depois, tecendo-se algumas ponderações sobre a importância da mediação das linguagens artísticas na escola, conforme a abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (1991,1995), e as exposições sobre arte e ensino de Maria Helena Wagner Rossi (2003). Ainda nessa abordagem, foram expostas algumas razões para se levar em consideração as manifestações da Arte Contemporânea, sua característica interdisciplinar e contiguidade com as comunicações contemporâneas, com base nos estudos de Michael Archer (2001) a respeito da vivência da arte. Considerando a arte e a literatura, em sua potencialidade humanizadora e seu caráter de produto das interações sócio- históricas, foram incluídas as reflexões de Mikhail Bakhtin (1992), Lev Vygotsky (1999), Antonio Candido (2004) e Dermeval Saviani (2008).

A leitura intertextual e seus desdobramentos criativos são o foco da segunda seção do primeiro capítulo. Com base nas ideias de Julia Kristeva (1969), Ingedore Koch (2004) e Tiphaine Samoyault (2008) sobre intertextualidade, é situada a proposta de estudo da contribuição da associação entre a prática artística em suas diversas modalidades e o diálogo com a arte literária como forma de inserir os estudantes em um universo que se abre para inúmeras linguagens. Assim, por meio destas, podem ser estabelecidas relações, análises e reflexões que permitam aos jovens construir conceitos relevantes, bem como ressignificar o seu entorno. A intertextualidade, portanto, será entendida como potencializadora da ampliação da capacidade de leitura em diversos meios, evidenciando-se, via escritos de Eliana Yunes (1984) e Ernst Fischer (1979), que esses desdobramentos da associação entre artes de diversas linguagens, incluindo a literatura, podem influenciar positivamente no desenvolvimento da pessoa crítica, capaz de se relacionar positivamente com a produção cultural e científica da humanidade.

No segundo capítulo, apoiada em Giulio Carlo Argan (1992), Renato Cohen (1998), Michael Archer (2001) e Arnaldo Valente Germano (2010), é feita uma breve recuperação histórica para que o leitor possa compreender melhor a potencialidade da Arte Contemporânea de abarcar intertextualmente diversas linguagens, formando um único contexto, e contribuindo para a ampliação da leitura de mundo. Concluindo

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essa argumentação, focam-se as possibilidades intertextuais da Arte Contemporânea pela ótica da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty (2004). A respeito da multiplicidade de canais interpretativos oferecidos por esta, são também apresentadas as ideias de Fernando Hernández (2007), que aponta a relação do hibridismo presente na Arte e também nas comunicações hodiernas. Por conseguinte, há a necessidade de uma educação escolar que se preocupe com as interferências de tais processos no cotidiano.

No segundo capítulo, ainda são discutidos os desafios de uma comunicação híbrida para o contexto escolar, apresentando-se o conceito de cultura visual, de Hernández (2000), e o de multiletramentos, de Rojo (2002).

Também é aprofundada a teoria de Barbosa (1991), criada para o ensino das artes visuais com o enfoque no tríplice pilar: fruição, leitura contextualizada e trabalho criativo com suporte nas obras de arte. Tendo como base tais premissas, é apresentado um paralelo das ideias da autora com as propostas de ensino da literatura e multiletramentos. Retomando autores como Hernández (2000), Rojo (2009), Luiz Antônio Marcuschi (2018) e também o sóciointeracionismo de Vygotsky(1999), são aprofundados alguns paralelos entre o ensino de leitura e os multiletramentos na escola, além da proposição de Barbosa para o ensino da arte.

No terceiro capítulo, analisam-se as cinco etapas de um projeto envolvendo a associação entre leitura de textos literários e fruição de obras artísticas modernas e contemporâneas, em foco intertextual, objetivando verificar se a abordagem interartes, aprofundada com fundamento em considerações de Clüver (1997), colaboraria na ampliação da construção do sentido e interpretação dessas obras. Assim a metodologia de trabalho em sala de aula, com base na abordagem triangular já referida, ainda incluiu a produção artístico-literária como exercício criativo ao longo de cada projeto, além da interação com outras metodologias relacionadas ao ensino do teatro (encenação).

Dessa forma, no conteúdo do terceiro capítulo e na publicação digital, são discutidas propostas interartes sob o enfoque da expressão teatral, relacionando-se às reflexões direcionadas pelos autores já mencionados com as ideias de Augusto Boal (1991), Viola Spolin (2005, 2007) e Olga Reverbel (1996), teóricos da metodologia do ensino do fazer teatral.

Abordam-se ainda atividades práticas realizadas com o livro O menino mais

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artista brasileira Lygia Clark (1980) e o conceito de paisagem sonora, de Murray Shaffer (1991). Antes da descrição do projeto, são tecidas, em forma de um texto introdutório, a opção da abordagem da fenomenologia de Merleau-Ponty (1999) para a leitura de obras artísticas contemporâneas, representadas em Clark e levadas para sala de aula em forma de imagens e vivências sensoriais.

Também são enfocadas atividades desenvolvidas e alicerçadas no diálogo entre a leitura do livro Sem Fim, da artista plástica Marilda Castanha (2016), e a obra dos artistas plásticos Franz Krajcberg (1980) e Eduardo Srur (2008), tendo como fio condutor, ligando as três perspectivas, a questão ambiental.

Para discorrer sobre o conceito de livro de imagens, no qual se enquadra a obra literária selecionada, estão presentes reflexões de Nelly Novaes Coelho (2000), Eva Furnari (2003) e Marilda Castanha (2008), abrindo-se uma ponderação sobre o conceito de alfabetismo visual calcado no pensamento de Graça Lima (2009). Outro aspecto abordado, é o uso de textos multimodais, com base na leitura de poemas do brasileiro Eucanaã Ferraz (2016), sob o título Cada Coisa, nos quais objetos do cotidiano se tornam motivo de poesia. O processo operativo de Ferraz está associado ao projeto educacional descrito na pesquisa, com leituras contextualizadas da obra de Marcel Duchamp (1917) e Isabel de Sá (2013). As discussões sobre as obras estão fundamentadas nos pensamentos dos pesquisadores Lourdes Castro (2003) e Douglas Crimp (2005).

Por fim, em Conhecendo a linguagem da performance, são descritas ações desenvolvidas com base na associação entre a leitura de imagens de registros de uma performance da brasileira Beth Moysés e da criação de histórias, com suporte no trabalho com o livro Isso eu posso fazer, da autora e ilustradora japonesa Satoe Tone (2005). Nesse conjunto de atividades, tecem-se considerações apoiadas no conceito de fabulação, de Candido (2004), bem como a respeito da importância da diversificação de linguagens no ensino da arte de Maria Felisminda Fusari e Maria Heloisa Ferraz (2001), Rosa Iavelberg (2003) e Rossi (2003).

No quarto capítulo, de forma sucinta, aparece exposto o produto educacional desenvolvido com suporte nesta pesquisa: uma publicação digital visando aorientar professores que se interessem em desenvolver propostas de ensino interartes. Vale ressaltar que os relatos de atividades e tópicos de reflexão contidos nesse material não visam a esgotar o assunto, nem do ensino interartes nem das linguagens artísticas mencionadas ou do ensino de literatura, mas desvelar possibilidades de

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trabalho para que o leitor/professor possa desenvolver sua própria metodologia de trabalho.

Na conclusão, estão algumas reflexões a respeito da hipótese dessas interações serem ferramentas para o desenvolvimento de uma visão de mundo mais ampla, com base nas atividades aqui relatadas e planejadas para propiciar a expansão dos sentidos e o despertar para o espírito crítico.

Se consideradas suas potencialidades humanizadoras, arte e literatura podem assumir grande importância no contexto do desenvolvimento da autonomia pessoal. Na transformação daquilo que o cerca, o ser humano se vê imerso em sua sensibilidade pensante e atuante, presente na simultaneidade de informações e conhecimentos do mundo (OSTROWER,1987). Ressalte-se ainda que Vincent Jouve (2012) teoriza sobre a importância da literatura no processo de construção da consciência daquilo que se é, contribuindo justamente para a aquisição da criticidade, elemento motor de toda evolução cultural.

Importa esclarecer que, nas reflexões interartes, as linguagens estão em fusão, em uma rede de inter-relações, das quais emerge o sentido da vivência. Desse modo, tanto as artes visuais e cênicas quanto a literatura não são vistas, neste trabalho, como pretextos para o estudo (umas das outras), mas como vivências integrais, complementares, mediadas pelo conjunto das percepções.

Logo, o texto (aquilo que pode ser lido) não é o pretexto, mas é o contexto principal e também leitmotiv das propostas metodológicas apresentadas na construção da publicação digital, compartilhada com educadores interessados. Desse modo, o conceito de leitura está inexoravelmente ligado ao de afeto, que se define no dicionário (ROCHA; PIRES, 2003, p.30) como: “a. Denominação atribuída a sentimento de carinho e ternura; estima ou afeição; b. Amizade, amor ou apego; simpatia ou ternura; c. Tendência ou inclinação por alguém ou algo”.

Assim, as vivências interartes objetivaram desenvolver junto aos estudantes e no espaço da escola a possibilidade de serem afetados pela leitura, a literária e a de obras artísticas. Vale, portanto, lembrar o que diz Maria Helena Martins (2012, p. 30, grifos da autora) ao ampliar o conceito de leitura: “[...] um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem”. E ela explicita: “[...] a leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido – seja escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento” (MARTINS, 2012, p. 30, grifo da autora).

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Sobre o tema, Annie Rouxel (2013) coloca, ainda, que o aspecto de compartilhar leituras faz parte do modo como os indivíduos se relacionam afetivamente com a literatura. As atividades criativas desenvolvidas pelos estudantes, com os quais o projeto foi desenvolvido, desse modo permitiram que contassem e ouvissem os “segredos” de como foram afetados por aquilo que leram. Consequentemente, ler - obras de arte ou obras literárias - aqui é visto como movimento da intimidade para a coletividade e também da coletividade retornando para a intimidade. Desse modo, o ato da leitura, em diversos momentos foi compartilhado, pois o leitor impregnou a leitura com suas próprias referências, e conseguiu compreendê-la melhor, na relação com o seu entorno (as produções e vivências artísticas).

Como conhecimento essencialmente interdisciplinar, a arte possibilita o desenvolvimento de ensino integrador entre diversas áreas do conhecimento humano. Seus conteúdos, necessariamente, estabelecem diálogos diretos com o contexto sócio-histórico, e diversas outras áreas do saber humano, incluindo, nesse entrecruzamento, o texto literário.

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1 RAZÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO INTERARTES

O artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos o espetáculo de que participam sem perceber.

(Merleau Ponty)

A autora desta dissertação, ao longo de sua vivência como docente em arte, tem produzido alguns trabalhos que conjugam a criação em artes visuais, teatro e expressão sonora com a escrita e a leitura de textos. Foi possível verificar que a produção de textos, como expressão criativa, pode ajudar o aluno a encontrar razões para se aprofundar tanto em seu universo íntimo quanto nos conhecimentos sobre a arte em si. Dessas vivências enriquecedoras, surgiu a ideia de construir um material digital, para compartilhar com educadores interessados nas possibilidades de trabalho proporcionadas por um olhar integrador entre linguagens artísticas.

Ressalte-se que a Arte Contemporânea derrubou, de forma mais incisiva que até então, as barreiras entre linguagens. Em suas raízes, no início dos anos sessenta do século XX, as certezas sobre a classificação purista das expressões artísticas caem por terra quando alguns artistas acabam expandindo suas atividades para além do que podia ser abarcado pelas definições existentes. Deste modo surgem manifestações híbridas, nas quais a ação e a identidade do autor estão cada vez mais presentes: o texto autobiográfico, a escrita e a presença do próprio artista exprimindo seu universo interno, seus questionamentos e conflitos se tornando cada vez mais comuns (ARCHER, 2001).

Esse processo pode ser identificado com o termo interartes (CASA NOVA ; ARBEX e BARBOSA, 2010; CLÜVER,1997) – contexto no qual se observa um imaginário que alimenta a interação entre as suas linguagens da arte – o que se pode também denominar poética das correspondências. Esse diálogo já aparecia, por exemplo nas obras de Marcel Duchamp (1887-1968), que aqui será recuperado devido ao fato de sua obra apresentar os princípios da arte da contemporaneidade (ARCHER, 2001). Nas obras do artista dadaísta, nas quais as legendas dialogavam diretamente com as obras, que não seriam completas sem as propostas abertas pelas provocações que as intitulavam.

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enquadra no conceito de hipertexto (um texto que evoca outro texto para sua compreensão ou para a completude da experiência estética). Essa correspondência entre textos é há muito tempo estudada na literatura, havendo assim uma conexão de vozes. Consequentemente, estabelece-se a poética das correspondências da literatura com a pintura, da poesia com a música, do vídeo com a performance, a conexão com os sentidos por meio dos aromas, da percepção sensorial, do toque. São as múltiplas experimentações da Arte Contemporânea.

No que diz respeito à mediação da produção artística contemporânea ou de outros períodos históricos, a pedagogia histórico-crítica postula que é uma tarefa atribuída à escola oferecer ferramentas cognitivas e interpretativas aos estudantes para que possam acessar também, como indivíduos independentes, o saber cientificamente constituído e o domínio dos elementos desse conhecimento (SAVIANI, 2008, p. 15). Destarte, o currículo escolar deve estar voltado:

[...] de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2008, p. 13).

Depreende-se, por conseguinte, que a cultura, diz respeito aos produtos do trabalho humano e dos conhecimentos hauridos no processo de produção deste trabalho. No cotidiano do indivíduo, o contato com os conhecimentos que tecem a experiência humana como a ciência, a filosofia e a arte (nela incluída a literatura) pode acontecer concomitantemente aos fatos mais corriqueiros, e, por isso, torna-se para ele invisível. A escola é um espaço propício para tais conhecimentos serem revelados, ressignificados, mediados e serem apropriados pelos estudantes.

Cabe à instituição do ensino, então, romper os limites da vivência cotidiana do aluno, trazendo o novo. Assim é que, na pedagogia histórico-crítica, a formação do currículo abrange várias áreas do conhecimento humano, porém a prática da interdisciplinaridade ainda não é tão usual quanto poderia ser. Mesmo em áreas afins, como o ensino da arte e da literatura, há poucos movimentos que propõem práticas integrativas entre as especificidades de cada uma delas.

De acordo com Hilton Japiassu (1976), a interdisciplinaridade ocorre em consequência da intercomunicação entre as disciplinas, formando-se um diálogo compreensível. As propostas interdisciplinares estão sendo calcadas no pressuposto de que o próprio conhecimento do mundo não se divide em disciplinas separadas umas das outras. Portanto, a interdisciplinaridade busca um

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conhecimento de caráter universal, não partido em vários campos, ou seja, mais próximo da vivência do mundo. Sendo assim, a colaboração entre disciplinas diversas seria enriquecida pelas interseções interdisciplinares, formando um sinergismo.

A sensibilização dos alunos em relação ao trabalho com imagens de obras de arte propicia que tenham uma forma diferente de contato com elas em seu cotidiano. É necessário lembrar que a vida das crianças e jovens na atualidade, devido aos meios de comunicação, é povoada por imagens diversas que falam de valores, ideias e sentimentos provenientes de variados tempos.

Diuturnamente, a criança e o adolescente são bombardeados por imagens, em diversos meios de comunicação, nem sempre estando aptos a fazer criticamente a leitura das mesmas. No que tange à leitura literária, também em geral, poucas são as ofertas e as situações de contato cotidiano deles com os livros. Logo, não se pode negar o papel da escola nesse processo, como uma das principais oportunidades de acesso de muitos à leitura de uma forma mais ampla, que possa ir além dos signos, para se tornar capacidade de ler e compreender o meio circundante com todas as suas inferências. Seria interessante lembrar de Bajard, sobre a importância do encontro da criança com os livros, de preferência desde a mais tenra idade.

O encontro da criança com os livros abre o mundo da língua escrita, ou seja, de uma outra linguagem. À riqueza da língua oral se acrescenta a da língua escrita que, por sua vez, vai participar da educação da pessoa em todas as suas dimensões, imaginária, científica, espiritual, cívica, mas também linguagem cognitiva. (BAJARD, 2007, p. 41).

Reforce-se que talvez a instituição escolar seja uma das principais oportunidades de o aluno ter esse contato com o livro, além de poder externar seus pensamentos a respeito do lido, enfim havendo, a interação entre ele, colegas e professores. E essa socialização do saber é fundamental na sua formação leitora.

Barbosa (1995) também afirma que a leitura de imagens na escola prepararia os alunos para a compreensão da gramática visual de qualquer imagem, artística ou não, na aula de Arte ou no cotidiano, o que poderia torná-los conscientes da

produção humana de alta qualidade, e seria ainda uma forma de prepará-los para

compreender e avaliar todo o tipo de imagens. Transpondo assim a proposta da autora, o primeiro movimento em direção à literatura seria o ato da recepção, ou seja, o ato da leitura e, subsequentemente, o estímulo à produção escrita deve ser

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oportunizado. É imprescindível, desde as primeiras incursões, convidar a criança a escrever.

É apenas através da produção de textos que se realiza plenamente a apropriação da língua escrita. Saber ler é uma riqueza, saber escrever é um poder. A necessidade de escrever é um ato de apropriação da cultura em geral e da língua escrita em particular, pelo qual a criança reinveste suas descobertas. (BAJARD, 2007, p. 105).

Hoje os jovens estão imersos em um universo de formas de comunicação variadas. A apropriação dessa multiplicidade de linguagens se faz necessária para que eles possam ser hábeis em ler e compreender as múltiplas e simultâneas mensagens do meio social em que estão inseridos.

Dessa forma, o desenvolvimento das capacidades criativas se justificam educacionalmente, na medida em que proporcionam a vivência das experiências significativas e elevam o sentimento cotidiano a outra esfera. A fruição e a criação artística permitem ao indivíduo desconstruir os conceitos e sentimentos, ressignificando-os em seu contexto pessoal.

De acordo com Jorge Larossa (2016), a experiência em situação educacional caracteriza-se por uma abertura ao imprevisível, em que é possível suspender o automatismo da ação. Para o autor, ela é a interface que faz a mediação entre o conhecimento e a vida humana, uma forma singular de estar no mundo que é por sua vez ética (um modo de conduzir-se) e estética (um modo um estilo), um cultivo da arte do encontro. A experiência é singular, irrepetível, produz diferença, heterogeneidade e pluralidade, assim como uma abertura para o desconhecido, que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem "pré-dizer” ( LAROSSA, 2016 , p. 34).

Embora a arte e as obras literárias estejam hoje ao alcance dos jovens, devido aos meios de comunicação, o excesso de ofertas de todo tipo de conteúdo, cria um cenário labiríntico, onde eles muitas vezes se perdem. E a real fruição dessas obras necessita uma mediação. Tendo em vista isso, a escola e, mais especificamente, o professor têm um papel importante. Nesse sentido, observa-se na atualidade uma saturação de informações, mas que não necessariamente se traduz em vivências efetivas da arte, ou o que Larossa (2016, p. 26) chama de experiência: um encontro (subjetivo) ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova.

Por vezes, o conteúdo e a forma da obra de arte não se integram de maneira harmônica: há um estranhamento que, com apoio do trabalho do professor, deve ser

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elaborado em forma de entendimento para que possa ser vivenciado esteticamente. A compreensão e a fruição de uma obra de arte são um percurso a ser percorrido por aluno e professor na criação de um olhar extracotidiano, uma expansão do entendimento dos fenômenos concretos.

A arte, em todas as suas modalidades, pode ser considerada como um conteúdo fundamental para a construção contínua da autonomia do indivíduo e de grande relevância no contexto escolar. No entanto, nem sempre é reconhecida e valorizada nesse espaço. No caso da literatura, é possível afirmar que a ficção ou a fabulação são elementos intrínsecos à construção da personalidade do indivíduo, pois não é uma fuga do mundo real, como pensariam alguns, mas um elemento reorganizador do mesmo. Assim, a coerência interna criada pela criação/fruição ficcional propõe significado ao caos, no mundo real (BAJARD, 2007 p.27).

A literatura é a arte da palavra e, para ser fruída e produzida de maneira transformadora é necessário que o indivíduo desenvolva a sua sensibilidade e criticidade, além de um olhar para o mundo que supere o senso comum, aprofundando seus questionamentos sobre a realidade, passando de leitor ingênuo (da realidade) a leitor consciente, reflexivo, que saiba opinar e argumentar. Tal olhar se desenvolve a partir do contato com a literatura, com as obras de arte e também, sem dúvida, se forma no todo das experiências cotidianas. Se o contato com as formas de produção artística for mediado por um professor, que seja também fruidor ou até mesmo produtor de textos e também de arte, certamente será muito mais profunda e significativa a experiência, posto que o conhecimento se dá na intersubjetividade, na troca de experiências entre um e outro.

Concordando-se com Bakhtin (1992) e também com Vygotsky (1999), quando apontam que a arte de uma época (literatura, artes visuais, dramaturgia, cinema e outras formas) sempre é produto de seu período histórico, o contato com a linguagem artística poderia proporcionar ao indivíduo a apropriação e a reelaboração, via produção artística, desses conhecimentos historicamente construídos.

Desse modo, a publicação digital apresentada como síntese dessa pesquisa tem como enfoque principal a possibilidade de que o estudo interdisciplinar da Arte, em suas diversas manifestações, associada ao estudo da Literatura poderia, então, ampliar a visão de mundo do aluno, enriquecendo seu vocabulário estético e possibilitando-lhe a leitura de imagens. Essas capacidades, sobretudo a de leitura

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de textos verbais e não verbais, disponíveis no cotidiano, tornam-se valiosas numa sociedade excessivamente visual e também povoada pela multimodalidade dos textos em quase todos os contextos sociais, desde os outdoors nas ruas até os anúncios da televisão. É possível afirmar que quem não compartilha dessas leituras tende a estar limitado em suas possibilidades de desenvolvimento. Diante do que foi exposto, justifica-se a produção do material em suporte digital destinado à distribuição de forma gratuita aos educadores, podendo inclusive ser acessado via aparelhos móveis de comunicação, como telefones celulares e tablets, com o objetivo de tornar mais prático o alcance e o acesso às ideias nele contidas.

1.1 As manifestações artísticas e a comunicação na contemporaneidade: desdobramentos intertextuais

Nos anos de 1960, a crítica literária Julia Kristeva (1969) desenvolveu pesquisas sobre a intertextualidade, enfocando o texto como um elemento constituído de uma intercessão de outros já escritos ou que ainda surgirão futuramente, ou seja, um intertexto.

Em vista do pressuposto de que tanto a produção quanto a recepção de textos recorrem ao conhecimento prévio de outros textos, a intertextualidade entre textos verbais ou não verbais, pode contribuir para a criação de um repertório mais rico, abrindo possibilidades de criação em múltiplas linguagens e também ampliando a capacidade de leitura em diversos meios.

Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos, que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe (KOCH, 2004, p. 46).

Dessa forma, o conhecimento que se adquire a partir de leituras variadas contribuirá para a elaboração da compreensão de um novo texto. Logo, cada nova leitura, que faça sentido ao leitor, que o transforme, que o inquiete, ampliará o alcance e a profundidade da sua capacidade de ler o mundo e o inclinará/motivará a novas leituras. Para tanto recomenda-se que haja um mediador que terá a função de indicar novas obras, em um crescendo de complexidade, assim como ajudará esse leitor iniciante a trilhar os caminhos da leitura. Quantidade não leva à qualidade, mas leitor de um só livro terá apenas a ele como parâmetro comparativo.

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Retomando, ainda que de forma inconsciente, ao produzir um texto o indivíduo recorre a referências previamente adquiridas e nele imprime suas experiências de vida. Assim como na proposta de Barbosa, na mediação do trabalho de leitura e criação de textos, quanto maior a quantidade de contato contextualizado com obras literárias, melhor será a capacidade criadora do indivíduo também para textos verbais. Então, sobre tal tipo de interação:

[...] o imaginário se acende nas lembranças circulares de outros textos e outras leituras que ocorrem se juntam e penetram pelas invisíveis ranhuras do texto, sempre presentes e ativas, e então seguem desenhos irregulares a partir de suas frestas, brincam com a língua, provocam a inteligência. (MACHADO, 2008, p.60).

A intertextualidade tem sido, pois, objeto de estudo em consequência da admissão de que não parece haver a possibilidade de encontrar um texto que não dialogue com outro ou outros que o tenham antecedido ou com o tempo e o espaço de sua produção. Os textos produzidos por uma época, assim como as obras de arte, podem dizer muito a respeito do contexto social que os produziu. Para Tiphaine Samoyault (2008), fazer a leitura de um texto não se trata apenas de ler palavras: ler é também ler a sociedade na qual esse texto foi produzido. Assim sendo, a linguagem literária se multiplica em significado ao dialogar com outros textos e com o contexto histórico.

As palavras abrem-se assim às palavras do outro, o outro podendo corresponder ao conjunto da literatura existente: os textos literários abrem sem cessar o diálogo da literatura com sua própria historicidade, e a noção tem todo o interesse em tornar a crítica sensível à consideração da complexa relação que a literatura estabelece entre si e o outro, entre o gênio individual singular e o aporte intertextual e não puramente psicológico do outro (SAMOYAULT, 2008. p. 21).

A autora ressalta que a literatura surge de uma relação com o mundo, mas sobretudo com a própria história da literatura e suas origens. À vista disso, no que diz respeito ao processo de criação de textos, a intertextualidade, ligação entre um texto que está sendo escrito e outro que ele evoca, pode ocorrer de forma aleatória ou consentida, em decorrência de uma vaga lembrança do autor ou uma homenagem explícita (SAMOYAULT, 2008, p. 9).

Nas ações didáticas interartes, que compõem a publicação digital que motiva esta pesquisa, o recurso para a leitura é a leitura cursiva, termo que aparece originalmente em Annie Rouxel (2013) para descrever o processo no qual o leitor se relaciona sem intermediários com o texto, imprimindo nele a sua forma singular de pensar e sentir. Nessa primeira apreensão, não se faz uma análise formal e objetiva

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dos elementos constitutivos do texto, mas presentificam-se os sentimentos, e o diálogo com as referências pessoais de quem lê.

Nesse sentido, o enfoque principal dessa opção de modo de ler está na subjetividade do leitor, e nas maneiras como este pode, a partir do seu íntimo, construir relações com o texto, convidando-o a criar formas de expressar o seu prazer ou desprazer em relação à leitura com liberdade. A opção metodológica aqui empregada não nega abordagens analíticas quanto ao texto, mas apenas se enquadra melhor aos objetivos da pesquisa.

Se no processo de escrita surgem diversas influências que coparticipam da tessitura do conteúdo, no que diz respeito à leitura do texto, um novo entrecruzamento de referenciais surge, tornando ainda mais intrincada a rede de significações possíveis no ato da leitura:

O texto refere-se diretamente a textos anteriores, segundo modos de integração bem visíveis. É a proposição mais simples da literatura em segundo grau, em que o termo intertextualidade adquire todo o seu sentido: não mais, como no caso do dialogismo, pela abertura direta sobre o mundo, mas uma estrita relação dos textos entre si. [...] fenômenos de co-presença e de derivação a partir do leitor. Ora o texto assinala explicitamente suas referências ao conjunto da literatura – e o intertexto obrigatório, que o leitor não pode deixar de localizar – ora é o leitor que cria suas próprias associações. (SAMOYAULT, 2008, p. 44).

Em seu cotidiano, hoje as crianças e os jovens estão imersos em um meio marcado por diferentes linguagens que podem ser verbais, gestuais, escritas, imagéticas. É necessário que haja uma preparação do sujeito para que ele seja capaz de transitar por essa multiplicidade de formas de expressão. As artes, de uma maneira geral, em especial a literária, podem ser meios de inserir os estudantes em um universo que se abre para inúmeras linguagens e de forma que se possa estabelecer com elas relações, análises e reflexões que permitam a construção de conceitos para significar e ressignificar o seu entorno.

Há um exemplo dessa transformação na obra cinematográfica Balzac e a

Costureirinha Chinesa (Balzac et la petite tailleuse chinoise), dirigida por Daí Sijie

(2001) e calcada em sua obra homônima, na qual o personagem Luo, um estudante de música, é preso e encaminhado a um "campo de reeducação" em uma vila isolada no Tibet, por ser considerado inimigo do regime de Mao Tsé-Tung. Fazia parte da penalidade imposta ao jovem realizar trabalhos forçados que incluíam o transporte de esterco líquido em pesados baldes, perigosas atividades em uma mina e a proibição de contato com quaisquer elementos da cultura ocidental. Após

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ter passado a noite em claro, na leitura de um romance de Balzac (furtado de um dos integrantes da aldeia, que mantinha uma mala de livros escondida, devido à proibição) afirma: “Incrível, sinto como se o mundo tivesse mudado: o céu, as

estrelas, os sons, a luz, inclusive o mau cheiro do esterco, nada é o mesmo...

(SIJIE, Balzac et la petite tailleuse chinoise, 2001). Da mesma forma, a cada contato vivido e transformado em compreensão íntima com obras de arte produzidas ao longo da história, o mundo do indivíduo se transforma, se humaniza e se reorganiza, não sendo mais o mesmo.

A relação entre a literatura e o desenvolvimento do indivíduo, que se pode considerar uma ideia-chave nesta proposição, estabelece um discurso entre dois sujeitos (autor e leitor), sendo uma forma de expressão do conhecimento do mundo. Também a obra de arte em linguagem não literária, faz-se necessário lembrar, é uma forma de transpor o interior para o exterior para que este se renove em sentido e se multiplique em significações por meio do contato com o outro.

A relação entre o homem e o mundo se dá pela mediatização da linguagem. Esta não funciona como um espelho que reproduza fielmente as imagens do real (que real?); apenas opera um recorte antropocultural do universo que permite a diferença entre as visões de mundo manifestas nas estruturas semânticas das línguas naturais. A língua já é em si uma leitura de mundo, organizada em sistema convencional de comunicação: ela é, pois modelizadora e traz, enquanto langue, um compromisso tácito do grupo social que emana, quanto ao seu funcionamento. (YUNES,1984).

Muitos defendem a ideia de que a arte tem o poder de colocar o homem em equilíbrio com o seu meio, ideia que poderia elevá-la ao status de necessidade humana (FISCHER, 1979). Desta forma, em suas múltiplas linguagens, ela pode desempenhar o papel de satisfazer o anseio humano de absorver o meio circundante além da experiência individual, um desejo de desenvolvimento e completude que o integra à humanidade de todos os tempos. Segundo Ernest Fischer (1979) em seu livro A necessidade da arte, é esse desejo de união do indivíduo com o todo da coletividade que faz da experiência artística um conteúdo não só intrínseco, mas também necessário, refletindo a infinita capacidade de circulação e associação de experiências e ideias dos indivíduos.

Nicolas Bourriaud (2009), quando discorre sobre a estética relacional, princípio presente na arte da contemporaneidade, que é produto de uma cultura urbana mundial, apresenta um horizonte teórico e a esfera das interações humanas, na qual:

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Já não se pode considerar a obra contemporânea como um espaço a ser percorrido (a `volta pela casa´ do proprietário é semelhante à do colecionador). Agora ela se apresenta como uma duração a ser experimentada, como abertura para uma discussão e ilimitada" (BOURRIAUD, 2009, p. 20).

O autor afirma que esse regime de encontro casual intensivo, proporcionado pela obra de arte, acabou criando práticas artísticas correspondentes, isto é, uma forma de arte cujo substrato é dado pela intersubjetividade.

No contexto escolar, as práticas que têm como enfoque o conhecimento e a criação artística como forma de relação intersubjetiva e aprendizado significativo, propõem que o contato com as obras de arte e as obras literárias seja feito de maneira contextualizada, dialogando intertextualmente com os conhecimentos historicamente construídos pela humanidade. Esse processo de aprendizagem pode ter início com os seus elementos constitutivos (formas, cores, sons, letras, símbolos), mas necessita aprofundar também seus contextos produtivos e históricos, conferindo-lhes uma perspectiva humanizadora, para que, por fim, a apropriação desses conceitos torne possível propor a etapa da criação como materialização da compreensão da arte como possibilidade de intervenção e de transformação da realidade, como postula a pedagogia histórico-crítica.

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2 A LINGUAGEM ARTÍSTICA E A AMPLIAÇÃO DA LEITURA DE MUNDO

O olhar estético tem natureza e função diferentes do olhar banal, cotidiano.

(Maria Helena Wagner Rossi)

Neste capítulo serão discutidos os pressupostos teóricos e metodológicos que foram utilizados na criação do produto educacional que motiva esta pesquisa. Desse modo, pretende-se expor quais foram as bases conceituais que orientam os cinco projetos interartes que compõem o material descrito no capítulo quatro.

A arte, atualmente, tem como uma de suas características mais marcantes o diálogo instituído entre múltiplas linguagens e meios comunicativos. Uma ideia importante para compreender esse tipo de uso dos códigos comunicativos tem ligação com colagem, bricolagem ou junção de vários contextos comunicantes entre si, porém de origens totalmente díspares: o conceito de assemblagem. Dessa forma, em uma mesma obra de arte podem estar difusamente presentes, ou como referências, a literatura, as artes visuais, os sons, a música, a dança ou o teatro, tanto do presente quanto do passado. Tais linguagens, longe de serem acessórias a uma linguagem mestra – ou principal, fundem-se e confundem-se na leitura da obra.

A palavra assemblage foi utilizada inicialmente no contexto do Surrealismo, para definir a apropriação artística de um objeto do cotidiano, de forma a descontextualizá-lo, sem, contudo, anular completamente o seu vínculo com a realidade. A instauração do uso dessa técnica na arte, a partir dos anos sessenta, do século XX, abre caminho para o uso de uma vasta gama de materiais (“citações” retiradas de diversos contextos): o mundo passa a ser ressignificado pelo processo artístico.

Observar a arte não significa “consumi-la” passivamente, mas tornar-se parte de um mundo ao qual pertencem essa arte e esse espectador. Olhar não é um ato passivo; ele não faz que as coisas permaneçam imutáveis. [...] A arte é um encontro contínuo e reflexivo com o mundo em que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo, age como iniciador e ponto central da subsequente investigação do significado (ARCHER, 2001, p. 236).

Uma personalidade bastante revisitada é Marcel Duchamp, precursor da Arte Contemporânea, que criou o termo ready made para descrever os objetos fabricados em série que ele escolhia, comprava e, a seguir, designava como obras de arte.

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Figura 1: Marcel Duchamp, Roda de bicicleta, 1913.

Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br

O primeiro foi Roda de bicicleta, 1913, uma roda de bicicleta montada sobre um banco. O mais escandaloso, Fonte, (1917), era um vaso sanitário masculino, levado à exposição em um museu sob a assinatura do pseudônimo “R. Mut”:

Com os ready mades, Duchamp pedia que o observador pensasse sobre o que definia a singularidade da obra de arte em meio à multiplicidade de todos os objetos. Seria alguma coisa a ser achada na própria obra de arte ou nas atividades do artista ao redor do objeto? Tais perguntas reverberaram por toda arte dos anos 60 e além deles (ARCHER. 2001 p. 3).

As potencialidades intertextuais das obras de Arte Contemporânea ficam mais evidentes se interpretadas com fundamento na ótica da fenomenologia proposta pelo Filósofo Merleau-Ponty. Neste contexto, seria interessante também destacar uma fala do filósofo em O Visível e o Invisível na qual se denota o jogo de interrelações envolvidas no ato da percepção, também presentes na recepção de uma obra de arte : “Um corpo humano está aí quando, entre o vidente e o visível, o tocante e o tocado, entre um olho e o outro, entre a mão e a mão se produz uma espécie de recruzamento, quando se acende a faixa do senciente-sensível (MERLEAU-PONTY, 2004 p. 12).”

.

Com fundamento nas palavras de Merleau Ponty, pode-se inferir que a produção de sentido tem como sua porta de entrada o próprio ato da percepção, e que esta recepção é única para cada indivíduo. Tal afirmação interessa sobretudo

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porque pode explicar a multiplicidade de interpretações possíveis a uma obra de Arte Contemporânea, levando-se em conta que a percepção assume crescente importância, sendo ela não só visual, mas muitas vezes táctil, olfativa, auditiva, intelectiva etc.

Renato Cohen, em Work in progress na cena contemporânea, refere-se ao tipo de arte que propõe uma interfusão de sentidos:

A fala disforme, o gesto avesso, a cena assimétrica e disjuntiva, a colagem estranha talvez componham as vicissitudes necessárias de uma arte que recusa a forma acabada e faz sua ontologia no território obscuro da subjetividade (COHEN, 1998, p. XVII).

O sujeito não consegue fruir uma obra de arte dessa natureza se assumir uma atitude passiva ou contemplativa, pois a obra somente se completa na interação com o público em diversas esferas do agir humano, exigindo de seu espectador a coautoria.

O pensamento ancorado na lógica do binômio produção/recepção dificulta a percepção adequada dos processos autorais contemporâneos, pois mantém o espectador refém no âmbito da recepção. Como medida preliminar básica, proponho substituir o binômio produção/recepção pelo trinômio produção/recepção/produção, condição sine qua non para compreender os processos criativos que se desenvolvem a partir de poéticas de aberturas autorais que inserem na recepção procedimentos de produção (GERMANO, 2010, p. 357-358).

Em sua diversidade de temas e formas, a abordagem contemporânea não se encerra na linguagem puramente plástica, podendo estabelecer relações conceituais com tudo o que forma o imenso caldeirão de manifestações culturais assim de forma crítica e reflexiva, evocando intertextualmente saberes extra-artísticos ou extra-plásticos. Segundo Hernández (2007), esses conteúdos ou saberes que tecem a obra de arte, se desvelados pela educação escolar com a criticidade necessária, podem auxiliar o indivíduo a compreender melhor as estratégias de comunicação e manipulação ao seu entorno.

Trazendo a discussão para o campo das comunicações na contemporaneidade, será observável que a hibridização da linguagem está cada vez mais presente nos meios que a compõem. Assim, guarda semelhanças com o que foi explanado sobre as características da Arte Contemporânea. Também Roland Barthes, de maneira muito poética, aproxima-se em seus escritos do que representa a nova forma de compreensão exigida do leitor contemporâneo:

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Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu acabado, por detrás do qual se conserva, mais ou menos escondido, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a ideia generativa de que o texto se faz, se trabalha, através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito desfaz-se, como um aranha que se dissolve a si própria nas secreções construtivas da sua teia. Se gostássemos de neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia de aranha) (BARTHES, 1988 p.112).

Nas telas dos computadores, nos celulares, na TV, no cinema, nas obras literárias e na comunicação cotidiana presenciamos diversas linguagens que se entrelaçam em um jogo fenomenológico entre palavras, imagens, cores, evocações sensoriais e referências prévias. Dessa forma, autores como Marcuschi (2002, 2006) e Bakhtin (1992), cada um em sua perspectiva, propuseram-se ao estudo sobre a multiplicação e o entrecruzamento das linguagens. Esse movimento aponta para a exigência da formação leitor que seja também fluente nessas linguagens.

Diante do cenário descrito, aqueles que trabalham com o ensino da Língua Portuguesa, enquanto pré-requisito para a apropriação das demais linguagens e áreas do conhecimento, mais especificamente da leitura, enfrentam grandes desafios, mas também têm em perspectiva uma série de possibilidades apontadas pelos teóricos acima mencionados. Em uma perspectiva interdisciplinar, arte e língua portuguesa são áreas do saber humano que podem oferecer aos estudantes ferramentas eficazes para empreender a leitura em sua forma mais ampla e profunda, em um mundo cada vez mais visual e cada vez mais intertextual.

A perspectiva sociointeracionista favorece uma prática que poderia atender aos questionamentos que as novas linguagens híbridas propõem aos estudantes. Destarte, habilitar um indivíduo para a leitura seria mais do que alfabetizar com a proposição de cópias e decoração de regras da língua materna, o processo de letramento, por conseguinte, passaria pelo conhecimento e prática dos gêneros textuais em uso na sociedade, incorporando, além dos códigos da língua, as práticas sociais que as demandam (BORTONE, MARTINS, 2008). O letrado, por sua vez, seria aquele que se envolve nas práticas sociais de leitura e escrita.

Entendemos que o indivíduo letrado envolve-se cotidianamente nas práticas sociais de leitura e escrita, o que, obviamente, altera sua condição do ponto de vista sociocultural, político, linguístico e econômico, possibilitado pela participação social. É por meio da leitura (no seu sentido mais amplo) que o homem tem acesso à informação, defende seus pontos de vista e partilha bens culturais como legítimos, podendo assim exercer a cidadania (BORTONE, MARTINS, 2008, p.7).

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