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"Sentindo pulsar o coração lusitano" : o associativismo recreativo e esportivo dos portugueses na cidade de São Paulo (década de 1930)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação Física

SAMUEL RIBEIRO DOS SANTOS NETO

“SENTINDO PULSAR O CORAÇÃO LUSITANO”: O ASSOCIATIVISMO RECREATIVO E ESPORTIVO DOS PORTUGUESES NA CIDADE DE SÃO PAULO

(DÉCADA DE 1930)

CAMPINAS – SP 2019

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SAMUEL RIBEIRO DOS SANTOS NETO

“SENTINDO PULSAR O CORAÇÃO LUSITANO”: O ASSOCIATIVISMO RECREATIVO E ESPORTIVO DOS PORTUGUESES NA CIDADE DE SÃO PAULO

(DÉCADA DE 1930)

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Educação Física, na Área de Educação Física e Sociedade.

Orientador: EDIVALDO GÓIS JUNIOR

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO SAMUEL RIBEIRO DOS SANTOS NETO E ORIENTADA PELO PROFESSOR DOUTOR EDIVALDO GÓIS JUNIOR.

CAMPINAS – SP 2019

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq 144128/2017-9

CAPES (PROAP)

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação Física

Dulce Inês Leocádio - CRB 8/4991

Santos Neto, Samuel Ribeiro dos, 1990-

Sa59s San"Sentindo pulsar o coração lusitano" : o associativismo recreativo e

esportivo dos portugueses na cidade de São Paulo (década de 1930) / Samuel Ribeiro dos Santos Neto. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SaOrientador: Edivaldo Góis Junior.

SanDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Educação Física.

San1. Associativismo. 2. Portugueses - São Paulo. 3. Identidade nacional. 4. Imprensa. I. Góis Junior, Edivaldo. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: "A Portuguese heartbeat" : the recreative and sports associations of portuguese immigrants in São Paulo city (decade of 1930)

Palavras-chave em inglês: Associations

Portuguese immigration National identity

Press

Área de concentração: Educação Física e Sociedade Titulação: Mestre em Educação Física Banca

examinadora:

Edivaldo Góis Junior [Orientador] Victor Andrade de Melo

Coriolano Pereira da Rocha Junior Data de defesa: 26-04-2019

Programa de Pós-Graduação: Educação Física

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-6948-4985

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COMISSÃO EXAMINADORA

Professor Doutor Edivaldo Góis Junior Orientador

Professor Doutor Victor Andrade de Melo Membro titular da comissão examinadora

Professor Doutor Coriolano Pereira da Rocha Junior Membro titular da comissão examinadora

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

Ao Carlos, passado e memória. À Maria Fernanda, orgulho e futuro.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado com muito apoio. Esboço aqui meus sinceros agradecimentos às instituições que possibilitaram a existência de minha pesquisa, mas também e principalmente às pessoas que fizeram parte da minha trajetória acadêmica e de vida. São mulheres e homens que me marcaram profundamente, indivíduos sem os quais eu jamais teria chegado aqui.

Inicialmente, faço um agradecimento protocolar ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento de minha pesquisa, sob o processo de número 144128/2017-9. Ainda que os valores das bolsas de pós-graduação não sejam reajustados desde 2013, foram recursos que possibilitaram minha subsistência e garantiram certa tranquilidade para a realização da pesquisa.

Ainda, o presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, por meio de recursos do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP) para o custeio parcial de minha ida a um congresso internacional.

Neste período de democracia ameaçada e de retrocessos batendo à porta, as universidades públicas e a ciência são constantemente atacadas, e o financiamento à pesquisa é sempre colocado em risco pela ofensiva neoliberal. Luto pela manutenção e pelo investimento público nas instituições de fomento, essenciais para o desenvolvimento nacional e para a dignidade de um povo. Findado o protocolo e meus inescapáveis parênteses de conjuntura política, prossigo com os agradecimentos que meu coração exige.

Agradeço ao meu orientador, professor Edivaldo Góis Junior, pela paciência, pelos divertidos debates da literatura científica e pela humanidade no trato com todas as pessoas. Ter alguém com sua história de vida, seu profissionalismo e o seu coração enorme habitando a aridez do mundo acadêmico é um privilégio.

À Beatriz Guimarães, minha esposa, companheira, namorada, amiga, confidente, intelectual, piadista, jornalista, pesquisadora de mão cheia, autora dos melhores pratos, debatedora de filmes e séries, degustadora de vinhos e cervejas, monopolizadora de chuveiro, motorista das melhores caronas, parceira de vida, de chamegos e viagens. Bonita do meu fado, amo você e essa nossa aventura.

Aos meus familiares, minhas raízes. Principalmente à minha mãe, Maria de Lourdes, costureira e batalhadora, e ao meu irmão Bruno Ribeiro, jornalista e sonhador. Carrego vocês comigo por onde eu passar. Agradeço também o apoio de Silvio e Lili, família nova, agradáveis surpresas na minha história de vida.

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Aos amigos do grupo Corpo e Educação e também aos do laboratório Margem, pelos risos, pelos almoços e pela parceria: Modesto, Igor, Bruna, Simone, Pizani, Leonardo, Diego, Fidel, Maísa, Marina, Gabriela. Não poderia esquecer das meninas da Carminha, afinal também sou uma delas: Dani, Nara, Evelise, Carol, Mateus, Rachel, Fernanda, Andrea, Cris, Gisele e Dalben. Citar amigos nominalmente é sempre uma armadilha, motivo pelo qual deixo um agradecimento de antemão a todos aqueles que eu tenha porventura esquecido. Se estão lendo isto, é porque já defendi a dissertação. Ufa.

Agradeço às trabalhadoras e trabalhadores da Unicamp, docentes e não docentes, especialmente aos da Faculdade de Educação Física. Maria, Cida e Marcela, da limpeza. Simone e Geraldo, da coordenação da pós-graduação. Beeroth, do apoio técnico didático, e Dulce, da biblioteca. Às professoras e professores que me auxiliaram e com quem tive a oportunidade de trabalhar e aprender: Carmen Lucia Soares, Sérgio Settani, Mário Nunes, Sílvia Amaral, Elaine Prodócimo, entre outros. A todas e todos os demais que mantêm a universidade pública em pé e funcionando, muito obrigado.

Agradeço ainda aos professores Victor Andrade de Melo, da UFRJ, e Coriolano Pereira da Rocha Júnior, da UFBA, pelo excelente e carinhoso exame de qualificação que me propiciaram, bem como pela disponibilidade de estarem presentes novamente na defesa. É uma honra contar com suas leituras e suas críticas. Agradeço igualmente à suplência da banca, nas pessoas da professora Evelise Amgarten Quitzau, amiga de congressos, e do professor Sérgio Settani Giglio, ambos já citados. Por fim, obrigado ao professor Paulo Filipe Monteiro, da Universidade Nova de Lisboa, pela gentil contribuição bibliográfica enviada por correio.

Estendo também minha gratidão a todas as instituições que, por meio do trabalho árduo de muitas pessoas, me possibilitaram a realização desta pesquisa, seja pela estrutura e pelos recursos que pude acessar, seja pela possibilidade de consulta aos seus acervos. São elas: a Universidade Estadual de Campinas e sua Faculdade de Educação Física, o Museu Paulista da Universidade de São Paulo, a Biblioteca da Casa de Portugal de São Paulo, a Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira (Leiria, Portugal) e a Biblioteca Nacional, pelo extensivo trabalho de disponibilização digital de seu acervo.

Por fim, mas não menos importante, agradeço às pessoas comuns. Às pessoas comuns de hoje, por sustentarem o financiamento de minha pesquisa sem, talvez, jamais pisarem dentro de uma universidade. Às de ontem, pelas histórias que viveram e que me permitiram costurar uma interpretação sobre o associativismo português em São Paulo. Às vezes é fácil esquecer que escrevemos sobre pessoas, e não papeis velhos. Que este texto tenha, também, um pouquinho de saudade de quem já se foi.

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Resumo

A atividade associativa da colônia portuguesa foi particularmente intensa em São Paulo durante os anos de 1930. Este foi um período marcado por debates e tensões relativos à delimitação de um projeto de identidade brasileira, afetando em diversos sentidos o cotidiano dos diferentes grupos de imigrantes no Brasil. Tendo isso em mente, o objetivo desta pesquisa é interpretar, à luz da história cultural, os modos pelos quais os clubes e associações recreativas e esportivas dos imigrantes portugueses fizeram parte dos processos de negociação da(s) identidade(s) luso-brasileira(s) na cidade de São Paulo. Foi dado particular enfoque no Clube Português, no Portugal Clube e na Associação Portuguesa de Desportos. As fontes principais foram constituídas por veículos da grande imprensa paulistana, notadamente o Correio Paulistano e o Correio de S. Paulo, além da Revista Portuguesa, publicada por uma das associações estudadas. O recorte temporal da pesquisa é o da década de 1930, com eventuais incursões às décadas de 1920 e 1940 como recursos para a recuperação da trajetória das instituições analisadas. Na discussão das fontes, foi dado o enfoque a dois aspectos: às práticas cotidianas dos clubes e associações durante aquele período e às representações construídas sobre elas nos textos da imprensa. De modo geral, verificou-se que essas instituições tinham um importante protagonismo na vida cultural da colônia portuguesa, protagonismo este que estendia-se também para a vida política do grupo. Na imprensa, tais espaços eram representados em associação com um ideário de luso-brasilidade, retratados como locais de reforço dos laços entre Brasil e Portugal. Em suma, a articulação entre a estrutura de funcionamento dos clubes e associações, as práticas realizadas dentro delas, e os modos pelos quais ambas as coisas eram representadas pela imprensa sugere um papel importante de tais instituições no processo de negociação identitária dos imigrantes portugueses na São Paulo do período.

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Abstract

The associative activity of the Portuguese colony was particularly intense in São Paulo during the 1930s. This was a period marked by debates and tensions regarding the delimitation of a Brazilian identity project, affecting in several ways the daily life of the different groups of immigrants in Brazil. In that sense, the aim of this research is to interpret in the light of cultural history how the social and sports clubs and associations of Portuguese immigrants participated in the negotiation of the Portuguese-Brazilian identities in São Paulo city. A particular focus was given to the Clube Português, the Portugal Clube and the Associação Portuguesa de Desportos. The main sources were constituted by vehicles of the main press, notably the newspapers Correio Paulistano and Correio de S. Paulo, as well as the magazine Revista Portuguesa, published by one of the mentioned associations. The time frame of the research is that of the 1930s, with possible incursions to the 1920s and 1940s as resources to recover the trajectory of the analyzed institutions. In the discussion of our sources, the focus was on two aspects: the daily practices of clubs and associations during that period and the representations built on them in the press. It was verified that these institutions had in general an important role in the cultural life of the Portuguese colony, protagonism that also extended to the groups political life. In the press, these spaces were represented in association with a Luso-Brazilian imaginary, portrayed as places of reinforcement of the ties between Brazil and Portugal. In short, the articulation between the functioning structure of clubs and associations, the practices performed within them, and the ways in which both things were represented by the press suggests an important role of such institutions in the process of identity negotiation of Portuguese immigrants in São Paulo during that period.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1. Fachada do Clube Português, Praça do Correio, década de 1920. p. 35

Imagem 2. Primeira sede do Clube Português, [192?]. p. 36

Imagem 3. Sala de Armas do Clube Português, 1929. p. 37

Imagem 4. Recepção a Sacadura Cabral e Gago Coutinho, 1922. p. 38

Imagem 5. Baile do 9º aniversário do clube e inauguração da biblioteca, 1929. p. 39

Imagem 6. Prédio da primeira sede do Portugal Clube, 1892. p. 44

Imagem 7. Festa do 7 de Setembro no Portugal Clube, 1930. p. 45

Imagem 8. Baile na segunda sede do Portugal Clube, 1930. p. 46

Imagem 9. Prédio do Hotel da Rotisserie Sportsman, 1920. p. 47

Imagem 10. Comunicado aos sócios do Portugal Clube, 1931. p. 47

Imagem 11. Luta inaugural na Sala de Armas do Portugal Clube, 1923. p. 49

Imagem 12. Sala de Armas do Portugal Clube, 1932. p. 50

Imagem 13. Sedes do Clube Português e do Portugal Clube, 1940. p. 51

Imagem 14. Time da Associação Portuguesa de Desportos, 1924. p. 53

Imagem 15. Primeira sede da Portuguesa, no Cambuci, 1925. p. 54

Imagem 16. Capa da Mensagem ao Governo de Portugal, [193?]. p. 69

Imagem 17. Inauguração do Busto de Camões no Clube Português, 1930. p. 90

Imagem 18. Capa do nº 1 da Revista Portuguesa, 1930. p. 93

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 12

INTRODUÇÃO ... 14

1. A CONSTRUÇÃO DE ASSOCIAÇÕES RECREATIVAS E ESPORTIVAS ... 30

1.1 Dois clubes portugueses na cidade ... 34

1.1.1 Clube Português ... 35

1.1.2 Portugal Clube ... 43

1.2 Associação Portuguesa de Desportos ... 52

1.3 Os centros regionais portugueses ... 56

1.4 Casa de Portugal de São Paulo ... 58

2 ENTRE O DIVERTIMENTO E A POLÍTICA ... 61

2.1 Redes de atuação política e a integração do associativismo luso ... 65

2.2 Apolíticos, apartidários e para todos os portugueses ... 73

3. REPRESENTAÇÕES NEGOCIADAS NA GRANDE IMPRENSA ... 77

3.1 A luso-brasilidade e “o pulsar do nosso próprio coração” ... 82

3.2 “Foram ouvidos os hymnos dos dois paizes irmãos” ... 87

4. O ASSOCIATIVISMO EM PAUTA NA REVISTA PORTUGUESA ... 93

4.1 As atividades das associações e clubes na revista ... 96

4.2 A esgrima, “fidalgo esporte” do Clube Português ... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 112

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APRESENTAÇÃO

Os homens transitam de Norte para Sul, de leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de futuro melhor.

Nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece ser permitido o direito de viver. (...) Alguns porém não se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos farfalhantes, existe apenas, como o resto do mundo, para fruição de uma minoria (...) E deslocam-se, e emigram, e transitam de continente, de hemisfério a hemisfério, em busca do seu pão. (CASTRO, 1980, n.p.)

O tema da imigração esteve sempre presente em minha trajetória. Parte de minha família é originária dos fluxos imigratórios da passagem do século XIX para o XX, composta de italianos e alemães que vieram ao estado de São Paulo para trabalhar na lavoura do café. A outra parte, da qual herdei o sobrenome, veio de Portugal tentar a vida ainda no Brasil colônia, no século XVIII. Estes provavelmente não consideravam-se portugueses exatamente da mesma maneira que os imigrantes lusos que estudo nesta dissertação. E eu, muito embora tenha desde pequeno recitado minha ascendência na ponta da língua, pouco me identifico diretamente como português, alemão ou italiano.

No início de minha formação acadêmica, o tema da imigração superou minhas relações de sangue. Minha primeira pesquisa de iniciação científica, realizada sob a orientação de duas historiadoras – ainda que eu cursasse Ciências Sociais –, teve por tema os conflitos envolvendo a imigração japonesa durante o Estado Novo. Depois, motivado pela prática de uma arte marcial chinesa, ingressei no curso de Educação Física e, logo nos primeiros diálogos para adentrar no campo dos estudos em história, esbocei um projeto de pesquisa que abordaria o tema das práticas corporais e da imigração chinesa no Brasil. As reuniões de orientação me convenceram rapidamente a percorrer outro caminho: ingressei no mestrado com um projeto voltado ao associativismo esportivo, à identidade nacional e à imigração portuguesa, com enfoque principal na cidade de São Paulo e na década de 1930.

Para além das especificidades da produção acadêmica relacionada à história da imigração portuguesa, encontrei a justificativa pessoal de meu trabalho na importância contemporânea de se pensar a diferença. No cenário internacional complexo que vivenciamos atualmente, as pessoas movem-se pelo globo, mudam-se, encarando velhos problemas em novas roupagens: ainda fogem da guerra, da perseguição, da fome, da miséria, ou apenas sonham com uma vida melhor, longe de casa e mais perto de onde parece haver mais trabalho e oportunidades.

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As barreiras a esses deslocamentos parecem familiares e, ainda que não sejam as mesmas de antes, acabam por rememorar acontecimentos tristes do século XX. Nos piores cenários, a xenofobia, o preconceito étnico, a intolerância religiosa. Nos mais amenos, as dificuldades de adaptação social, cultural e econômica dos imigrantes. Tais elementos persistem nos tempos que vivemos, muitas vezes ganhando corpo em legislações e políticas públicas anti-imigração, ou mesmo em muros e cercas de arame farpado.

Para mim, entender como um determinado grupo de imigrantes produziu sentidos para sua vida cotidiana em determinado período e lugar cumpriu o importante papel de deslocar a narrativa imigrante para fora do eixo da tragédia. Sem dúvida, a maior parte das pessoas que migram enfrentam desafios e provações, em maior ou menor escala. Mas, em seus esforços táticos e cotidianos para viver e sobreviver, os imigrantes reinventam-se, modificam-se. Navegando nas tensões entre a afirmação de suas origens e a adesão aos valores e modos de vida do país receptor, produzem constantemente novas existências. O imigrante ocupa um lugar incerto, que escancara a dinamicidade das identidades nacionais e nos inspira a rejeitar qualquer pretensão universalizante.

Nesse sentido, como podemos tornar inteligível algo em constante movimento? Se não há um imigrante português universal, como escrever um registro confiável de trechos das vidas dos imigrantes reais? Penso que uma boa solução para esse problema é olhar para as práticas cotidianas desses sujeitos, bem como para as representações que rodeiam essas práticas e suas diferentes expressões. Entre práticas e representações, produz-se o substrato pelo qual os imigrantes elaboram suas táticas de sobrevivência material e simbólica, negociam suas identidades, reconfiguram-se, tornam-se aquilo que podem se tornar para levar a vida adiante.

O olhar para essa constante elaboração da vida, embora passe invariavelmente pelas questões socioeconômicas e políticas, remete também à dimensão afetiva e sensível das trajetórias imigrantes. Ater-se à essa dimensão é um meio de pensar a diferença a partir da aproximação com o diferente em seu cotidiano. Privilegiado por estar situado em um campo dentro da Educação Física, pude produzir essa aproximação a partir dos esportes, das práticas corporais, das festas, dos divertimentos diversos e da congregação de corpos nos jantares, bailes e solenidades dos clubes e associações dos portugueses de São Paulo. Aqui acredito estar contribuindo com os estudos sobre imigração portuguesa, mas espero, acima de tudo, estar contribuindo academicamente com o gesto de pensar a diferença, num mundo em que a diferença precisa ser cada vez mais pensada.

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INTRODUÇÃO

Tejo e Mondego... Lisbôa e Coimbra... As capas negras dos estudantes portuguezes, esvoaçando o vento... As noites romanticas quando, numa guitarra, um moço estudante canta os seus amores e uma linda tricana, escondida atrás de uma janella, escuta a voz de seu amado... Um passado de glorias: Camões, Almeida Garret, Vasco da Gama, Alvares Cabral, os Albuquerque, Sacadura Cabral, Gago Coutinho, a historica torre de Belém, os Jeronymos...

Tudo isso nós sentimos na noite de domingo, na festa do "Club Portuguez", para a inauguração do busto do immortal cantor dos "Lusíadas". Era o pulsar do coração lusitano, acolhedor, grande, generoso. Era, para sermos mais fieis, o pulsar do nosso proprio coração, pois, podemos dizer, que as expressões "portuguezes" e "brasileiros" são synonimas, dizem a mesma cousa: uma grande raça que fala a mesma língua "em que Camões, no exílio amargo, chorou o amor sem brilho e o genio sem ventura..." (SENTINDO..., 1930, p. 4)

Dos salões do Clube Português à sala de armas do Portugal Clube, os imigrantes reuniam-se. Na Associação Portuguesa de Desportos, o futebol e as tradicionais festas joaninas. Periodicamente, os eventos do Centro Trasmontano e de outras casas regionais. Na cidade de São Paulo da década de 1930, parte da comunidade luso-brasileira – entre imigrantes e filhos de imigrantes – encontrava nos clubes e associações momentos de sociabilidade e divertimento. De caráter esportivo, recreativo ou voltado às culturas locais de Portugal, tais instituições não deixavam, todavia, de ocupar um papel importante enquanto locais de expressão, negociação e reconfiguração de identidades étnicas e nacionais, fosse pela sua capacidade de congregar pessoas em torno de suas práticas, pela sua presença constante nas colunas sociais da grande imprensa ou pelo grau de participação que reivindicavam no cotidiano político e institucional da colônia1 portuguesa.

Dentro de uma perspectiva histórica, pensar essas e demais dinâmicas culturais da população luso-brasileira parece ser, por um lado, uma atitude essencial para uma compreensão mais ampla dos processos ligados à imigração portuguesa de qualquer período. Por outro lado, paradoxalmente, parece ser também um dos aspectos mais

1 O termo colônia, característico do período que estudamos e também fartamente presente no vocabulário

oficial da propaganda dos governos portugueses, vem carregado de certo essencialismo e pressupõe uma ideia coesa de identidade nacional. O termo comunidades, mais usado contemporaneamente nas produções acadêmicas sobre imigração, representa uma certa continuidade dessa tendência. Embora adotemos nesta pesquisa uma perspectiva de reconhecimento das heterogeneidades entre os imigrantes portugueses, ou seja, uma perspectiva anti-essencialista de identidade nacional, mantivemos o uso do termo colônia por tratar-se também do vocabulário comumente utilizado em nossas fontes. Quanto ao termo comunidades, o compreendemos na perspectiva de Benedict Anderson (2008), que já pressupõe a heterogeneidade dos sujeitos que as imaginam. Para o aprofundamento dos debates acerca das terminologias utilizadas nos estudos de imigração portuguesa, sugerimos a leitura de Melo & Silva (2009).

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relegados ao segundo plano no arcabouço de pesquisas existentes. Essa é, aliás, situação análoga à das próprias pesquisas sobre a imigração portuguesa, relativamente escassas e recentes quando comparadas àquelas voltadas a outros grupos imigrantes, como italianos, alemães ou japoneses (PASCAL, 2005; MATOS, 2013).

O presente trabalho parte de um recorte específico no interior de uma perspectiva cultural da imigração portuguesa, cuja especificidade se volta aos elementos de maior relevância no campo da história do esporte ou, mais precisamente, da história do associativismo e dos múltiplos aspectos ligados às manifestações que são contempladas pelo olhar articulado entre Educação Física e história. Elegemos, dessa forma, um problema de pesquisa relativamente amplo para conduzir nossos estudos, sintetizado na pergunta: de que forma as práticas associativas de recreação e esporte e, notadamente, os espaços nos quais se davam de maneira mais regular, participaram de processos de construção, negociação e imaginação de identidades luso-brasileiras na São Paulo dos anos 1930? De certo e, como veremos adiante, tal objeto de investigação encontra paralelos com resultados de outras pesquisas, tanto aquelas voltadas para a imigração portuguesa em outras regiões do país e do globo, quanto estudos que tiveram por objeto outros grupos imigrantes. Todavia, entendemos que as particularidades de nosso recorte temporal e espacial, não exploradas anteriormente, resultarão em reflexões diferentes e produzirão contribuições novas para o campo de estudo no qual nos inserimos.

Mesmo assumindo que, em se tratando de pesquisa histórica, todo recorte possui um grau inerente de arbitrariedade2, é importante indicar que a escolha pela década de 1930 não foi fruto do acaso. Esse período é de particular importância no que consta ao fortalecimento de discursos e tensões relacionadas à ideia de desenvolvimento nacional e, o que nos importa mais, de construção de um projeto de identidade brasileira coesa que o fornecesse suporte simbólico. A publicação de Casa-Grande e Senzala por Gilberto Freyre, em 1933, é o paradigma desse suporte e também o ápice de um esforço intelectual em definir a brasilidade em torno da positividade da miscigenação racial em termos culturais, e não apenas biológicos. O movimento modernista, já nos anos 1920, apontava para um sentido parecido, ainda que por outros caminhos. No campo do debate público,

2 Como destaca Aróstegui (2001), não é o tempo que determina a história, mas o comportamento histórico

que determina nossa compreensão do tempo. Indo além, existe o tempo precisamente porque existe a história. De forma paradoxal, o historiador é refém da necessidade de construir uma periodização e, ao mesmo tempo, da tarefa de superar a fixidez e suposta homogeneidade de sua própria construção. Nesse sentido, as fronteiras do recorte aqui estabelecido foram, em muitos momentos, transgredidas em direção aos anos 1920 e 1940, transgressão essa guiada pelas próprias necessidades explicativas da pesquisa.

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o racialismo perdia sua centralidade – mesmo persistindo nas disputas de ideias e políticas públicas – e a figura do mestiço, antes associada à preguiça e à indolência, passava a ser um marcador positivo da identidade do brasileiro (ORTIZ, 1985). No pensamento médico, como apontado por Góis Junior (2003), as teorias deterministas-raciais davam espaço para ideias mais culturalistas, que viam na organização do Estado brasileiro a solução dos problemas do país, isto é, mais importava agora a garantia pública da saúde e da educação do que a depuração racial da população.

Em meio a esses movimentos de ideias daquele momento, as discussões políticas sobre a composição da população brasileira eram pauta constante, transitando entre a chave da raça e a chave da cultura, o que resultou em diversas legislações e medidas administrativas de impacto no que se refere à política imigratória e ao trato com os grupos imigrantes e seus descendentes em terras brasileiras, bem como suas instituições, com particular impacto a partir do Estado Novo em 1937. É nesse período, principalmente, que as colônias passam por processos políticos particulares de adaptações, resistências e negociações identitárias, com fortes reverberações no campo da cultura. Nesse sentido, a cidade de São Paulo, em franco processo de urbanização e crescimento e consolidada como um dos principais polos receptores de imigrantes desde o início do século XX, se configura como um excelente laboratório para analisar as relações culturais, por vezes carregadas de tensões e conflitos, dos diversos grupos étnicos e nacionais presentes no país.

As primeiras décadas do século XX demarcam, em São Paulo, uma efervescência cultural, política, econômica e intelectual. Nos anos 1920 e 1930 despontam os sinais primordiais da metropolização: a verticalização, o crescimento do perímetro urbano, o aumento populacional, a estruturação e construção de projetos viários, etc (SEGAWA, 2004). A industrialização passa a ser, na década de 1930, uma identidade da cidade, crescendo ao seu redor uma série de atividades comerciais, financeiras e de serviços (SAES, 2004). No plano da cultura, passa a haver uma profusão e diversificação de formas de sociabilidade e divertimentos, profundamente ligados ao ideário moderno em ascensão, que provocam modificações nos usos dos espaços (RAGO, 2004).

A cidade possuía, também, uma população diversa em termos étnicos e nacionais. Em censo realizado no ano de 1934, dos mais de 1 milhão dehabitantes do município de São Paulo, 67% eram estrangeiros ou filhos de estrangeiros, o que indica sua consolidação, ao longo das décadas, como polo de imigração (HALL, 2004). Dos 287.690 não-nacionais, cerca de 29% dos habitantes da cidade, 79.465 eram portugueses.

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Correspondiam, em termos da população estadual, a mais da metade dos imigrantes de origem lusitana que viviam em áreas urbanas (BASSANEZI et al, 2008). Essas pessoas, parte considerável da população paulistana, eram advindas em sua maioria do segundo (1904 a 1915) e do terceiro (1919 a 1930) fluxos ou levas de entrada de portugueses no país (MATOS, 2013), já caracterizados pela diversidade em vários aspectos: regiões de origem, experiência profissional, motivações de emigração, configuração familiar, nível de instrução, entre outros. Somados aos portugueses imigrados em levas anteriores e aos seus filhos e netos, compunham uma população de raízes lusas que era numerosa e, portanto, protagonizava em muitos aspectos o cotidiano e as dinâmicas culturais da cidade. Eram padeiros, quitandeiras, jardineiros, bordadeiras, pequenos agricultores, operários, mascates, empresários, intelectuais, jornalistas...

A relevância dos portugueses na sociedade paulistana devia-se, sobretudo, às peculiaridades que possuíam enquanto grupo imigrante. Primeiramente, muito devido ao passado colonial e aos laços históricos envolvendo Brasil e Portugal, existia um menor grau de estranhamento do imigrante luso por parte da população brasileira. Somado a isso, o português possuía mais facilidade em adaptar-se culturalmente e economicamente no país, em decorrência do uso comum da língua e da similaridade de costumes, possibilitando-o a criar “redes de apoio” (MATOS, 2013, p. 28). Tais redes, formadas por parentes e amigos, facilitavam a circulação de informação e o acolhimento econômico e cultural de novos imigrantes, manifestando-se inclusive na organização de associações luso-brasileiras de naturezas diversas e na penetração de membros da colônia em posições de destaque nos altos círculos sociais e na imprensa, por exemplo3.

Reconhecer essa lubrificação social, bem como os privilégios políticos e jurídicos dos quais os portugueses se beneficiavam, não significa, contudo, assumir que seu trajeto de integração à sociedade brasileira fora de todo pacífico ou livre de contradições. Desde o processo de independência do Brasil, expressões francas ou nem tão francas assim de antilusitanismo encontravam espaço na sociedade civil e nas esferas governamentais, de modo que “favorecimento e intolerância singularizaram paradoxalmente a história dos lusos no país” (MENDES, 2011, p. 30). Preconceitos, piadas e hostilidades cotidianas

3 Em São Paulo, temos o caso emblemático do engenheiro Ricardo Severo. Envolvido no movimento

republicano em Portugal em fins do século XIX, exilou-se no Brasil em 1891 e fez parte da criação da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, do Centro Republicano Português, do Clube Português, além de ter participado de outras experiências associativas da colônia. Projetou inúmeros prédios e residências notáveis no estado de São Paulo, como a Beneficência Portuguesa de Santos, o Teatro Municipal de São Paulo, o Colégio Sion, entre outros. Colaborou nos jornais Diário Popular, Correio

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fizeram parte do cotidiano dos luso-brasileiros durante mais de um século, de forma que, notadamente no período caracteristicamente autoritário e preocupado com a coesão de uma identidade nacional brasileira nos anos 1930, as identidades que transitavam na vida da colônia portuguesa sofreram negociações de sentido em múltiplos aspectos e ocasiões, oscilando entre as aceitações e os eventuais recuos. Para situar melhor esse processo, convém retomar um pouco do contexto envolvendo as relações bilaterais entre Brasil e Portugal, bem como seus desdobramentos culturais e políticos.

De modo geral, as relações bilaterais entre Brasil e Portugal no século XIX, a partir do pós-Independência, foram de caráter tímido e ainda muito contaminado com algumas tensões advindas da recente relação colonial entre os dois (CERVO, 2000). Os esforços diplomáticos de aproximação entre os dois Estados não resultam em grandes compromissos de ordem comercial. Com a proclamação da República no Brasil em 1889, essa relações diplomáticas sofrem abalos, principalmente por conta da Grande Naturalização4 promovida pelos republicanos e pelas consequências que ela teve no volume de remessas de dinheiro para Portugal.

Em 1894, o governo de Floriano Peixoto rompe relações diplomáticas com Portugal por conta da atuação da marinha portuguesa que, no litoral do Rio de Janeiro, abrigara marinheiros rebelados da Revolta da Armada com vias a mediar o conflito. As relações são reestabelecidas em 1895 sob o governo de Prudente de Moraes e, ainda que houvesse alguns esforços mútuos para a aproximação dos países, pouco se avança. Com o pronto reconhecimento da República portuguesa pelo governo brasileiro, em 1910, há uma intensificação, ainda que paulatina, desse movimento de aproximação.

Após a Primeira Guerra Mundial, o reposicionamento das nações provoca uma certa dissipação das animosidades históricas entre Portugal e Brasil. Epitácio Pessoa, presidente brasileiro, visita Portugal em 1919. O ápice da reaproximação ocorre nos anos 1920, notadamente a partir da comemoração do Centenário da Independência do Brasil, quando o presidente português Antônio José de Almeida visita o Brasil. O símbolo maior desse momento é a travessia aérea do Atlântico, de Lisboa ao Rio de Janeiro, feita pelos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

É importante frisar que, desde a Independência do Brasil, o ambiente cultural das relações políticas entre brasileiros e portugueses deu-se numa dinâmica de repulsa e

4 A Grande Naturalização foi um dos primeiros atos do governo provisório republicano, em 1889, pelo qual

conferia-se o estatuto de brasileiros a todos os estrangeiros no país que não manifestassem disposição contrária num prazo de seis meses.

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aproximação. Coexistiam o sentimento antilusitano5, que associava o português à colonização e ao atraso, e retóricas luso-brasileiras, nas quais o português era elemento fraterno e provedor de boa parte da herança cultural brasileira. Essas retóricas ganham fôlego nos anos 1920 e 1930 (FERREIRA & NEVES, 2000), materializando-se em maior disposição política por parte dos governos e no firmamento de acordos e tratados que, embora representassem avanços nas relações bilaterais entre Portugal e Brasil, ficaram mais restritos ao campo da cultura – com particular intensidade, vale frisar – e pouco refletiram nas relações comerciais entre os dois países, como aponta Mendes (2011). De qualquer maneira, essas mudanças políticas são acompanhadas também de mudanças na aceitação social e nas relações culturais envolvendo as identidades portuguesas no Brasil. Identidades portuguesas, luso-brasilidades. Em nossa pesquisa, o uso do termo no plural demonstra não apenas o que parece ser um estado de fluidez e constante reconfiguração vivenciada pelos imigrantes de origem portuguesa no período, mas também dilemas relativos à própria polissemia do conceito de identidade dentro das ciências humanas e, particularmente ao que nos interessa, no campo da história cultural. Nosso recorte epistemológico, respondendo às necessidades do objeto de investigação, partirá primordialmente da leitura de Benedict Anderson (2008). O autor encara as identidades nacionais como comunidades imaginadas, representações dotadas de profunda legitimidade emocional e cuja categoria de pertencimento está mais próxima do parentesco e da religião do que da política e da ideologia.

Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. (ANDERSON, 2008, p. 32)

Essa comunhão ou “profunda camaradagem horizontal” (Ibid., p. 35), que pode unir afetiva e simbolicamente indivíduos diferentes e distantes entre si (ricos e pobres, socialistas e liberais, republicanos e monarquistas), encontra na imprensa seu veículo de estruturação e propagação mais privilegiado. No processo de demarcação das identidades nacionais, o jornal ocupa papel fundamental como propagador da língua comum, de

5 No pós-independência, as relações internacionais tensas entre o novo império e a antiga metrópole

contribuíram para reforçar a ideia do português – aquele que aderisse politicamente à causa da Coroa portuguesa – como colonizador, avesso à liberdade, tirânico e absolutista. A criação discursiva desse inimigo português foi parte das primeiras configurações de uma identidade brasileira (RIBEIRO, 2007). Após a proclamação da República, em fins do XIX, o antilusitanismo manifesta-se sob nova roupagem, desta vez associando o português ao atraso e ao monarquismo (MENDES, 2011).

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valores e de representações que vencem as barreiras territoriais através da distribuição e dos próprios modelos de editoração consolidados no país.

Nesse contexto, um imigrante luso no Brasil podia, possibilitado pela língua portuguesa, sentir-se em comunhão com um lisboense que lia o mesmo periódico português ou, ainda, a mais recente edição da Revista Portuguesa editada pelo Clube Português em São Paulo e levada a Lisboa através dos contatos firmados por redes de apoio. Podia ainda sentir-se em comunhão com fluminenses, maranhenses ou paranaenses na leitura da grande imprensa brasileira. Por fim, sentir-se particularmente paulista, trasmontano ou algo no intermédio das várias configurações presentes em sua luso-brasilidade.

A imaginação de uma nação reverbera, evidentemente, em práticas e discursos que vão além da palavra impressa. É um processo dinâmico, dotado de contradições, tensões, disputas e negociações que envolvem identidades regionais, étnicas e políticas. Como destaca Anderson (2008), as fronteiras da nação, embora finitas, são elásticas. Não há, nesse sentido, falsas nem verdadeiras identidades nacionais, mas sim identidades imaginadas por diferentes processos e estilos, dotadas de continuidades e rupturas particulares a cada caso. Faz-se necessário, portanto, compreender os jogos identitários que envolviam os imigrantes portugueses e seus descendentes na década de 1930 a partir de suas especificidades históricas. Não é desimportante o uso frequente e aceito da denominação luso-brasileiro, o que revela um aspecto central a se tomar em conta em nossa análise.

Como articula Jeffrey Lesser (2001), o hífen da palavra aponta para uma dimensão de trânsito de identidades que, no caso do Brasil, fez-se característico nos processos históricos envolvendo os grandes grupos de imigrantes durante os séculos XIX e XX: luso-brasileiros, teuto-brasileiros, ítalo-brasileiros, nipo-brasileiros. “Uma identidade nacional única ou estática jamais existiu: a própria fluidez do conceito fez que ele se abrisse a pressões vindas tanto de baixo quanto de cima” (Ibid., p. 20).

Embora Lesser tenha por interesse central a história dos grupos imigrantes não-europeus, emprestaremos dele a noção de identidade hifenizada para analisar o caso da colônia portuguesa em São Paulo, especificamente a partir do cotidiano de seus clubes e associações recreativas e esportivas e de sua relação com a imprensa. Nos interessa, nesta investigação, olhar os processos de negociação, ressignificação e reconfiguração das identidades luso-brasileiras através do papel culturalmente ativo dos membros da colônia em seus espaços associativos. Entendemos que os portugueses, assim como outros

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imigrantes, “tanto manipularam quanto modificaram o sistema, tornando-se, rapidamente, parte integrante da nação brasileira moderna, à medida que eles desafiavam as ideias de como essa nação deveria ser imaginada e construída” (Ibid., p. 19).

Nosso objetivo central é o de compreender e explicar os aspectos do jogo de negociações identitárias dos imigrantes portugueses a partir do cotidiano vivido e praticado em seus espaços associativos, especificamente aqueles voltados a atividades esportivas, recreativas e culturais. Outras pesquisas já se debruçaram sobre o associativismo de imigrantes em uma ótica semelhante ou tangencial, de modo que é necessário traçar nesta introdução uma imagem aproximada do estado da arte por meio de algumas de suas produções mais relevantes.

A pesquisa de José Renato de Campos Araújo (1996) analisou o processo de fundação e consolidação do Palestra Itália, atual Sociedade Esportiva Palmeiras, na São Paulo da primeira metade do século XX.O clube de futebol teve importante papel tanto na estratégia de assimilação dos italianos em São Paulo, promovendo uma imagem positiva do grupo, quanto no processo de definição de uma italianidade, unificando identidades regionalizadas que predominavam no período. Também sobre o Palestra Itália de São Paulo e numa perspectiva comparada com o Palestra Itália de Belo Horizonte, Rodrigo Caldeira Bagni Moura (2016) apontou a atuação esportiva dos clubes como uma forma de fortalecimento de uma identidade nacional italiana e arregimentação de mais imigrantes para dentro de suas fronteiras, associando inclusive o desenvolvimento técnico dos times aos efeitos identitários de suas vitórias.

Os estudos da professora Janice Zarpellon Mazo (2003) também se debruçaram sobre o tema do associativismo imigrante, notadamente no que se refere às associações esportivas teuto-brasileiras e luso-brasileiras na região sul do Brasil entre 1862 e 1945. A autora destacou a forma pela qual as associações configuravam-se como espaços de representação identitária e suas adaptações às tentativas de nacionalização do governo brasileiro, construindo sua própria forma, conteúdo e ritmo.

Também voltando-se para a imigração alemã, Evelise Amgarten Quitzau (2011, 2016) investigou a educação do corpo nas associações ginásticas da colônia, tanto no sudeste quanto no sul do Brasil, de fins do século XIX à metade do XX, demonstrando o papel da ginástica e de outras práticas na manutenção da germanidade e na configuração de uma teuto-brasilidade. O trabalho de Cecília Elisa Kilpp (2012) encaminha-se em direção semelhante.

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A dimensão de negociação das identidades por meio do associativismo recebe atenção privilegiada nas pesquisas de Carolina Fernandes da Silva (2011, 2015) e Alice Beatriz Assmann (2015). Silva analisou os clubes imigrantes de remo no Rio Grande do Sul e as lutas de representações de identidades envolvidas em sua história. A expansão do remo na região foi associada ao contato cultural e à dinâmica de jogos identitários não só de afirmação de identidades coesas, mas também de oposição entre diferentes grupos e de hibridização entre eles. Assmann, semelhantemente, trabalhou com uma ideia plural e fluída da teuto-brasilidade, apontando o esporte como elemento de flexibilização dessa identidade na medida em que promovia distinção social e exigia um maior grau de contato com diferentes grupos étnicos.

Ao olharmos na presente pesquisa para o associativismo luso-brasileiro na cidade de São Paulo dos anos 1930, daremos ênfase em um conjunto selecionado de instituições, as quais consideramos mais relevantes no contexto da colônia. São as seguintes: Clube Português, Portugal Clube e Associação Portuguesa de Desportos. Tangencialmente, abordaremos outras instituições que não sejam de caráter imediatamente recreativo ou esportivo, como a Casa de Portugal e os diversos centros regionais da cidade de São Paulo. A relevância desses espaços é demonstrada tanto por produções bibliográficas sobre a imigração portuguesa como por evidências obtidas no processo de constituição de nossas fontes.

Amparados pelo aporte teórico-metodológico da história cultural, encaramos essas associações como locais de produção de cultura nos quais múltiplas representações (de etnicidade, nacionalidade e cidadania, por exemplo) eram postas em negociação; negociação essa que se expressava e se articulava a práticas específicas. Esses dois conceitos – práticas e representações – são, nas palavras de Peter Burke (2005), paradigmas que marcam a trajetória da história cultural, campo largamente heterogêneo em termos de método e objeto de pesquisa. “Estamos a caminho da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, memória, gesto, humor, exames e assim por diante” (Ibid., p. 46). Para efeito de nossa pesquisa incluímos nesse rol, especificamente, os esportes, os divertimentos, as reuniões festivas, os eventos clubísticos e as demais manifestações que possamos encarar como práticas históricas de interesse no campo que se articula entre a Educação Física e a história6.

6 “Graças a essa virada em direção às práticas, a história do esporte, que antes era tema de amadores,

tornou-se profissionalizada, um campo com suas próprias revistas, como International Journal for the History of

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As práticas levadas a cabo nos espaços associativos da colônia portuguesa – práticas esportivas, práticas de divertimento, práticas corporais7 ou, melhor dizendo, práticas culturais num sentido mais amplo – só podem ser entendidas enquanto articulações cotidianas das representações com as quais os sujeitos históricos se defrontavam. São, como aponta Michel de Certeau (2014), “maneiras de fazer”, isto é, modos de agir que põe em circulação as representações e nelas produzem deslocamentos e ressignificações. Ressalta-se, portanto, a relação indissociável e de mão dupla, a rigor, entre o que se pratica e o que se traduz em representações. Trata-se de uma “historicidade social na qual os sistemas de representações ou os procedimentos de fabricação não aparecem mais só como quadros normativos mas como instrumentos manipuláveis por usuários” (Ibid., p. 82).

Trabalhar com o conceito de representação não implica afastar-se de uma suposta realidade histórica concreta, não-representada (CHARTIER, 2011). Pelo contrário, implica em reconhecer que qualquer realidade é mediada, apresentada e percebida por meio de representações, sendo indissociáveis as dimensões materiais e simbólicas envolvidas em um objeto de análise. Nesse sentido, quando olhamos para o nosso objeto, não pressupomos que há um imigrante português real e outro representado, mas sim sujeitos que existiam em territórios de tensões e disputas entre as condições concretas da vida e as múltiplas representações que os circundavam. Falar sobre representações é, afinal, falar sobre o conflito entre representações distintas e os interesses dos grupos que as produzem ou com elas dialogam (Id., 2002). É um conceito que nos permite abordar múltiplos aspectos de nossa investigação.

Mais do que o conceito de mentalidade, ela permite articular três modalidades da relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas graças às quais uns "representantes" (instâncias colectivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade. (Ibid., p. 23)

7 Há uma extensa discussão acerca da noção de práticas corporais no campo da Educação Física (SILVA

& DAMIANI, 2005; LAZAROTTI FILHO et al, 2010; SILVA, 2014). O presente trabalho não se ocupará de percorrer em detalhes esse trajeto epistemológico. Quando utilizado, o uso do termo práticas corporais fará alusão à aproximação entre o conceito de práticas da história cultural e as diferentes atividades que envolvem o corpo e são do interesse da Educação Física.

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Tendo isso em mente, analisaremos os clubes e associações portuguesas da cidade de São Paulo enquanto expressões institucionais de representações mais ou menos consolidadas – retomamos aqui a noção de comunidade imaginada de Anderson (2008) – de identidades luso-brasileiras, tendo como eixo as práticas que eram conduzidas em tais espaços. Analisaremos também as representações dessas identidades na imprensa do período, tanto na chamada grande imprensa quanto em publicações da própria colônia portuguesa, envolvendo suas instituições recreativas e esportivas. Pretendemos, portanto, olhar para duas manifestações distintas: por um lado, a forma pela qual os lusos representavam a si mesmos na imprensa imigrante e, por outro, os modos pelos quais eram representados nos jornais paulistanos de grande circulação, cenários de disputas simbólicas sobre os próprios dilemas da identidade nacional brasileira, de suas barreiras e porosidades. Com isso esperamos construir uma interpretação sobre o processo de construção da luso-brasilidade, ponto de contato entre práticas e representações, a partir daquilo que era expresso nas atividades e eventos dos clubes e associações da colônia.

Constituímos como fontes principais de nossa investigação, no que tange à grande imprensa, os jornais Correio Paulistano, Correio de S. Paulo, Diario Nacional, A Gazeta e O Estado de São Paulo, por meio de suas colunas, reportagens e anúncios envolvendo as associações luso-brasileiras. Analisamos também as publicações da Revista Portuguesa, editada pelo Clube Português durante boa parte da década de 1930, o que nos ofereceu uma visão interna dos discursos de uma das associações mais proeminentes da colônia portuguesa do período. Por fim, recorremos pontualmente a outras fontes, como as edições da Revista Lusitânia, publicada no Rio de Janeiro entre 1929 e 1934, bem como a documentos como o Álbum da Colônia Portuguesa no Brasil (CARINHAS, 1929), entre outros.

É importante frisar que, do ponto de vista metodológico, consideramos as fontes documentais de nossa pesquisa, em sua diversidade, não como relatos neutros e absolutamente confiáveis de uma suposta realidade histórica objetiva. Seus conteúdos são permeados de intencionalidade e, notadamente no que diz respeito à imprensa, devemos nos ater aos interesses, linhas e estilos dos grupos editoriais que a compunham. Como destaca Tania Regina de Luca (2015), o jornalismo compartilha com a historiografia os mesmos dilemas acerca da distância discursiva entre o acontecimento e sua narração, de forma que não é possível separar o que é escrito de quem o escreve (os autores e jornais, bem como os vínculos políticos e econômicos que os rodeiam). Assim, olhamos para os jornais para além do conteúdo diretamente veiculado. Nos interessa também o que está

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indiretamente presente no texto publicado, a saber, os discursos e representações sobre a luso-brasilidade expressos no modo pelo qual o conteúdo era trabalhado, nas entrelinhas. Entendemos, então, que o acesso aos fatos históricos se dá através de “vestígios”, como assinalado por Marc Bloch (2001). Essas informações vestigiais do passado não são evidentes, e sua constituição é feita por meio do olhar crítico do historiador e das perguntas das quais parte sua pesquisa. Nesse sentido, não há fato histórico pronto e acabado. Os fatos são construídos pela atitude criteriosa do historiador após fazer a crítica ampla dos documentos e optar por determinada interpretação (LE GOFF, 1990), de tal maneira que toda produção historiográfica não é senão uma interpretação do tempo presente sobre o passado. A história não é a ciência do passado, mas a “ciência dos homens no tempo” (BLOCH, 2001), em constante reconstrução pela renovação dos olhares e das perguntas.

Ao assumirmos a impossibilidade metodológica da neutralidade e da completa objetividade, não queremos com isso igualar a pesquisa historiográfica à mera ficção. Pelo contrário, entendemos que a interpretação advinda do rigor do método de pesquisa produz uma verdade provisória com determinado grau de confiabilidade. Sendo assim, tomando em conta que a distância cronológica nos impede de observar diretamente o cotidiano dos luso-brasileiros em seus espaços associativos, tentamos produzir ao longo da pesquisa uma leitura aproximada do diálogo entre práticas culturais da colônia naqueles ambientes e o sistema de representações referentes à luso-brasilidade do período, expresso pelas fontes.

Por isso, a constituição das fontes desta pesquisa visou possibilitar, por um lado, o acesso a elementos pontuais da história dos clubes e associações selecionadas (seus estatutos, assembleias, reuniões, eventos, atividades, acontecimentos e personagens), visando uma reconstrução aproximada do cotidiano que ali se desenrolava. Por outro lado, tentamos acessar também as representações que eram disseminadas sobre essas instituições, especificamente aquelas relacionadas às questões de nacionalidade. Evidentemente, tal divisão configura-se como meramente pedagógica, pois o contato com o material empírico demonstrou que ambos os elementos circulavam conjuntamente, às vezes de modo mais explícito, outras vezes de modo sutil, recheado de silêncios e lacunas.

Nesse sentido, embora a proposta de nossa pesquisa tenha dado preferência a um determinado tipo de fonte, os jornais, explorando-os em maior volume, sentimos a necessidade de recorrer ocasionalmente a outros materiais que pudessem contribuir para nossa interpretação. Faremos aqui, portanto, uma descrição breve das principais fontes

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utilizadas, constando informações sobre sua natureza, o meio pelo qual foram acessadas e a contribuição obtida através de sua leitura crítica.

1. Jornais (1920 – 1943): consultamos os jornais Correio de S. Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo e, em menor volume, A Gazeta e o Diario Nacional. Todos esses veículos eram produzidos na cidade de São Paulo e tinham grande circulação. Deles extraímos excertos variados, visando tanto a reconstituição aproximada do cotidiano das associações quanto a interpretação das representações produzidas sobre elas na grande imprensa. Acervos consultados: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional8 (online), Acervo Estadão9 (online).

2. Revista Portuguesa (1930, 1937 – 1938): foram consultadas 6 edições do periódico, compreendendo a primeira e também a última. A Revista Portuguesa foi uma publicação do Clube Português e da Câmara Portuguesa de Comércio, de teor artístico, intelectual e literário, publicada entre 1930 e 1938. Na leitura dessas fontes, observamos principalmente as representações sobre a colônia portuguesa e sobre a luso-brasilidade, as divulgações e relatos das programações do Clube Português e as análises sobre a esgrima, prática de destaque oferecida pelo clube. Acervos consultados: Museu Paulista da USP (São Paulo), Biblioteca Afonso Vieira Lopes (Leiria, Portugal).

3. Revista Portugália (1967, 1971): consultamos as edições de nº 01 e 08 da Revista Portugália, publicada pelo Clube Português entre 1967 e 1973 num espírito de retomada da antiga Revista Portuguesa. De perfil artístico, literário e intelectual, delas aproveitamos textos relacionados à memória do Clube Português e da Associação Portuguesa de Desportos. Acervo Consultado: acervo próprio.

4. Revista Lusitânia (1929 – 1933): publicada no Rio de Janeiro, a revista tratava de diversos temas do cotidiano da colônia portuguesa naquele estado. Há pouca informação sobre as atividades da colônia em São Paulo, porém pudemos encontrar, garimpando suas 118 edições, um pequeno volume de excertos e

8 http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/, acesso em 17/07/2018. 9 https://acervo.estadao.com.br/, acesso em 17/07/2018.

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fotografias sobre as associações paulistanas. Acervo Consultado: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (online).

5. Álbum da Colônia Portuguesa no Brasil (1929): o volume de 670 páginas, organizado no Rio de Janeiro em 1929 pelo jornalista português Teófilo Carinhas, oferece, em linguajar ufanista, um retrato das atividades das colônias portuguesas nos diferentes estados brasileiros. Nas páginas sobre São Paulo, pudemos acessar algumas estatísticas sobre as associações existentes em 1929 e, adicionalmente, fotografias e descrições textuais sobre a então sede do Clube Português. Acervo Consultado: Museu Paulista da USP (São Paulo).

6. Mensagem ao Govêrno de Portugal da Federação das Associações Portuguesas do Brasil (1936, estimado): trata-se de um manifesto assinado por diversas associações da colônia portuguesa no Brasil, enviado ao Estado Novo português como uma mensagem de apoio dos lusos do além mar. O documento possui uma sessão de telegramas de adesão, entre as quais constam as mensagens do Clube Português e da Associação Portuguesa de Desportos, entre outras instituições paulistanas. Acervo Consultado: Biblioteca Digital Luso-Brasileira10 (online).

7. Relações Luso-Brasileiras (1966): neste livro, editado em Lisboa, o autor António da Silva Rego faz uma retomada histórica das relações culturais, econômicas, políticas e diplomáticas entre Brasil e Portugal. No que particularmente nos interessa, a obra oferece uma narrativa sobre os processos de fundação da Federação das Associações Portuguesas do Brasil, nos anos 1930. Acervo Consultado: acervo próprio.

8. Sarmento Pimentel, ou uma geração traída (1976): a obra, também editada em Lisboa, trata-se de uma coletânea de entrevistas realizadas pelo jornalista Norberto Lopes com o capitão Sarmento Pimentel, importante oposicionista do Estado Novo Português que, durante o exílio em São Paulo, tornou-se uma destacada liderança associativa da colônia. Acervo Consultado: acervo próprio.

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9. Diário Oficial da União (1939, 1940, 1943): a consulta de 6 edições do DOU, veículo oficial de comunicação dos assuntos administrativos e políticos do Estado brasileiro, possibilitou o acompanhamento breve dos processos de registro de nome da Associação Portuguesa de Desportos e do Clube Português, que tornou-se oficialmente Clube Portugália em 1943. Os documentos compreendem um período de maior vigilância e ingerência do Estado Novo brasileiro sobre associações estrangeiras. Acervo Consultado: Jusbrasil11 (online).

Além das fontes citadas acima, recorremos pontualmente ao uso de fotografias de outros acervos como elementos da composição de nossa narrativa, notadamente websites sobre a memória de São Paulo ou pertencentes às próprias associações. Algumas poucas fotografias publicadas em revistas de variedades do período, como A Cigarra, Fon-Fon e Revista da Semana também foram mobilizadas como fontes em nosso trabalho. Recorremos ainda, também de maneira pontual, à leitura de legislações do período estadonovista envolvendo o trato com as associações de origem estrangeira. Embora essas outras fontes não digam respeito diretamente ao nosso problema de pesquisa mais imediato – qual seja, as negociações identitárias envolvendo as associações e suas representações na imprensa –, cabe citá-las aqui como recursos que ampliaram nosso olhar no processo de trabalho.

Dada a descrição de nosso itinerário metodológico, optamos também por uma organização textual que pudesse correlacionar, concomitantemente, a análise documental e o diálogo com a literatura especializada.

Desse modo, no primeiro capítulo desta dissertação, intitulado “A construção de associações recreativas e esportivas” faremos uma revisão sobre o associativismo, em suas múltiplas manifestações, dentro do contexto da imigração portuguesa. A partir disso conduziremos, especificamente, uma narrativa das principais associações luso-brasileiras de caráter recreativo, esportivo e cultural fundadas na cidade de São Paulo, reconstruindo brevemente seu cotidiano, destacando o tipo de atividades e eventos que sediavam e sua importância perante a colônia e a cidade.

Em nosso segundo capítulo, “Entre o divertimento e a política”, analisaremos as formas de integração e ação política envolvendo os clubes e associações, notadamente no que diz respeito à sua relação com o Estado Novo português. Olharemos, portanto, para

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além das finalidades mais imediatas das instituições, ligadas à sociabilidade e ao divertimento, contemplando assim aquela que seria a sua esfera de representatividade política perante a comunidade luso-brasileira.

O capítulo três, intitulado “Representações negociadas na grande imprensa”, se ocupará de analisar as formas pelas quais as associações lusas eram representadas na grande imprensa enquanto espaços de confraternização de dois povos irmãos, ressaltando uma trajetória identitária de baixo atrito em termos de conformação ao projeto nascente de identidade nacional brasileira. Entendemos que a expressão desse caráter luso-brasileiro em tais instituições, inclusive a nível das narrativas sobre seus sócios e atletas, pode revelar interesses tanto da imprensa brasileira quanto das próprias associações no que tange aos seus discursos e às suas táticas de legitimação.

Em nosso quarto e último capítulo, “O associativismo em pauta na Revista Portuguesa”, faremos uma interpretação das representações sobre os esportes e as demais práticas das associações através da Revista Portuguesa, publicada a partir de 1929 por iniciativa conjunta do Clube Português e da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria.

Como advertência ao leitor, cabe informar que não pretendemos aqui realizar uma história do esporte ou da Educação Física propriamente ditas, muito embora nosso objeto dialogue com ambas as áreas. O enfoque foi em realizar uma história do associativismo recreativo e esportivo. A construção desse direcionamento e de nosso próprio problema de pesquisa foi dada pelo contato com as fontes, que evidenciaram constantemente a importância dos clubes e associações para o debate identitário da colônia portuguesa. Embora não desconsideremos aqui a importância dos esportes e das práticas corporais específicas que ocorriam no período, foi nos espaços, suas configurações e suas representações que encontramos a chave interpretativa para a pesquisa. Entendemos aqui que olhar em uma perspectiva histórica para os espaços de organização do lazer ou, para sermos mais precisos, da sociabilidade e dos divertimentos, é também um interesse do campo que se articula entre Educação Física e história.

O trabalho vem, em síntese, trazer uma leitura concisa dos processos de formação da luso-brasilidade no Brasil e, mais especificamente, a partir da cidade de São Paulo. O olhar sobre os clubes e associações da colônia foi o eixo de condução dessa análise, e nele buscamos fazer a constante ligação entre tais instituições e suas práticas (os esportes, as festas, os eventos, as solenidades, as ações políticas) e as representações que a elas se atrelavam, advindas da grande imprensa paulistana e também de uma publicação específica da imprensa imigrante, intimamente ligada a uma associação da colônia.

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1 A CONSTRUÇÃO DE ASSOCIAÇÕES RECREATIVAS E ESPORTIVAS

A illuminação grandiosa do campo, a ornamentação de accordo com o estilo regional portuguez, os festejos todos á moda das aldeias de Portugal corresponderam plenamente á expectativa e ao esforço da directoria do club e da comissão organisadora, que nisso vêm trabalhando ha ja mais de um mez. Cantaram-se fados e musicas portuguezas e houve, tambem, bacalhoada, castanhas e vinho verde. O campo da rua Cesario Ramalho reviveu, enfim, uma região de Portugal, por occasião das tradicionaes festas de São João. (PROSSEGUEM..., 1930, p. 11).

O associativismo foi, em suas diferentes manifestações, uma característica marcante nos processos imigratórios na história brasileira nos séculos XIX e XX, não restringindo-se à imigração portuguesa. De modo mais amplo, a criação de associações já fazia parte da história brasileira desde antes dessas ondas de imigrantes, manifestando-se timidamente no período colonial e de maneira relativamente intensa a partir do século XIX. Como destaca Fonseca (2008), a ideia de associar-se livremente está intimamente ligada à noção moderna de cidadania, que coloca o indivíduo como sujeito de direito e politicamente participante.

Por associativismo entendemos a formação e funcionamento do que, em sociologia, é normalmente denominado associação voluntária, ou seja, um grupo formado por pessoas que se associam com base em um interesse comum e cuja participação não é obrigatória nem determinada por nascimento, e que existe independentemente do Estado. (FONSECA, 2008, p. 15)

Nesse sentido, as associações podem ser lugares para a expressão dos interesses de diferentes grupos sociais e, poderíamos dizer, também para a expressão de identidades, vínculos, laços, valores, bem como espaços de poder e disputa.

Através do associativismo, criavam-se espaços nos quais os grupos imigrantes podiam se congregar em torno de sua sobrevivência social e simbólica, por meio de auxílios às necessidades materiais da vida – trabalho, assistência médica, previdência, etc – e, em certa medida, pela manutenção de algumas práticas e valores de seus locais de origem. As experiências associativas também podiam ter considerável peso político na coletividade imigrante, promovendo ou tentando promover a coesão da colônia, o favorecimento de sua imagem e inserção perante a sociedade brasileira, a mediação de questões conflituosas com o poder público, entre outros elementos. Adicionalmente, podiam operar no campo da difusão cultural, dos divertimentos, dos esportes e da

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