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1. A CONSTRUÇÃO DE ASSOCIAÇÕES RECREATIVAS E ESPORTIVAS

1.3 Os centros regionais portugueses

Como se vê, o Centro Trasmontano é uma instituição que honra a colonia portugueza e que continua no progresso crescendo, que se accentua dia a dia, será muito breve a agremiação líder dos centros regionaes portuguezes de S. Paulo. (CENTRO..., 1934, p. 3)

De Trás-os-Montes, pertencente à região nordeste de Portugal, vieram muitos imigrantes para o Brasil. Como destacam Lobo (2001) e Scott (2010), o perfil geral do imigrante português era o dos camponeses pertencentes às aldeias meridionais e principalmente setentrionais, sobretudo nos distritos localizados nas faixas de litoral e nas áreas mais densamente povoadas. Na chegada em terras brasileiras, esses indivíduos traziam consigo dinâmicas identitárias próprias de suas regiões de origem, vivenciando de modo heterogêneo a lusitanidade. Português, mas qual português? De Aveiro, Braga, Porto, Coimbra, Guarda, Viana, Viseu... e, dentre estes últimos, do Minho, do Douro, enfim, de algum ponto geográfico particular de onde boa parte de sua identidade se nutria.

39 Pereira (2014) faz um levantamento amplo de clubes de futebol de origem portuguesa em várias regiões

do Brasil e em outros países, como EUA, Canadá e Venezuela, analisando-os brevemente e destacando suas particularidades.

Esses laços dos imigrantes com as regiões de origem em Portugal encontravam eco em um tipo particular de associativismo, já descrito no início do capítulo, que era a casa de cultura regional. Presentes em diferentes cidades brasileiras, as casas eram propostas em sua organização como espaços de congregação de portugueses advindos da mesma região. Esses grupos faziam ali suas festas, danças e músicas, sua culinária típica. Pensavam em reproduzir, a partir de seus próprios processos de imaginação enquanto comunidades, os modos de ver e viver a vida típico dos habitantes daquele pedaço de Portugal deixado para trás. Como aponta Roberto Ribeiro Sousa (2011), a casa regional era local de articulação e configuração de identidades dadas a partir de referenciais geográficos, promovendo a diferenciação do grupo frequentador em dois níveis.

Essa constituição identitária e representativa opera acionando duas formas de diferenciação. Uma que é distintiva em relação à sociedade brasileira afirmando-se como portuguesa. A outra busca a diferenciação dentro da própria comunidade portuguesa por meio do acionamento de representatividade regionalista conforme a origem espacial do imigrante. Nessa ação, os portugueses dividem-se em trasmontanos, minhotos, açorianos, etc. (Ibid., p. XVI)

Em São Paulo, no que tange ao período que abordamos, destacamos a fundação das seguintes instituições: o Centro Trasmontano (1932), o Centro do Minho (1933), o Centro do Douro (1933), o Centro Beirão (1933) e a União Trasmontana (1935).

Das instituições citadas, apenas o Centro Trasmontano de São Paulo permanece em atividade e, atualmente desprovido dos aspectos mais regionalistas e de atividades de lazer, funciona quase que exclusivamente como plano de saúde. Esse fato não rompe de todo com o histórico de origem das associações dessa natureza. Naquele período inicial, elas dividiam-se entre o campo da prestação de atendimento médico aos seus associados e a realização de atividades festivas tradicionais, típicas de cada região.

Parte da historiografia atribui o período de surgimento das casas regionais a um processo de enfraquecimento das associações com finalidades previdenciárias40, como as sociedades de socorro mútuo ou a beneficências. Isso teria ocorrido em grande parte devido às graduais mudanças nas políticas e nas leis trabalhistas e previdenciárias do Brasil, ocorridas durante o governo provisório com a criação do Ministério do Trabalho (1930) e, posteriormente, no governo constitucionalista, nas letras da Constituição de 1934. A tese dessa linha de interpretação sobre as casas regionais é a de que os

trabalhadores imigrantes, uma vez mais amparados em suas relações de trabalho, passaram a dedicar mais esforços na construção de associações predominantemente voltadas às tradições culturais, embora sem abandonar totalmente o auxílio material aos seus associados. Tais associações demarcavam as diferenças internas entre os imigrantes portugueses, diferentemente das instituições mais pragmáticas, ligadas à vida econômica, que demarcavam de certo modo a unidade entre esses imigrantes na lida diária com problemas sociais e econômicos concretos.

Essa leitura aponta para um caráter fragmentário, em termos de identidade, das casas regionais, de modo que o processo identitário que circulava em tais espaços seria distinto das representações amplas e totais de uma portugalidade coesa, suprarregional, como aquela que fazia parte do cotidiano do Clube Português, por exemplo. Essa separação entre identidades locais e identidade nacional, contudo, não parece se sustentar analiticamente, principalmente ao pensarmos nos momentos mais intensos de afirmação da lusitanidade durante o Estado Novo. Nesse sentido, Triches (2011) fornece-nos outra perspectiva:

Entendo o surgimento das Casas Regionais no Brasil mais como resultado de uma intensa propaganda realizada pelo governo português, principalmente a partir do Estado Novo de Portugal, período em que Salazar vai investir nas relações com as colônias portuguesas, procurando difundir uma imagem ideal do emigrante português, arraigado em sua origem rural e suas tradições. (Ibid., p. 64)

Os camponeses das diversas regiões passam, assim, a ser símbolos de um português imaginado pelo ideário salazarista, como destacará também Heloisa Paulo (2000). Com maior intensidade, em Portugal e no Brasil, circulava uma ideia de identidade nacional portuguesa que abraçava e valorizava as diversidades regionais, sem deixar contudo de se propor coesa e ordenada, fazendo-as orbitar ao redor de elementos universais como o trabalho, o catolicismo, o espírito desbravador e a ideia de saudade, entre outros. Em São Paulo, essa noção de uma portugalidade ampla encontrou sua principal expressão na Casa de Portugal, entidade que se propunha a unificar a vida associativa da colônia.