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1. A CONSTRUÇÃO DE ASSOCIAÇÕES RECREATIVAS E ESPORTIVAS

1.2 Associação Portuguesa de Desportos

Fundada em 14 de agosto de 1920, a Associação Portuguesa de Desportos surgiu como resultado da fusão de cinco clubes lusos menores que já existiam em São Paulo: Lusíadas F. C., A. A. 5 de Outubro, A. A. Marquês de Pombal, Portugal Marinhense e o E. C. Lusitano, este último sendo o primeiro time expressivo da colônia portuguesa na cidade, criado em 1914. Não fugindo à regra em relação às outras associações, há pouca produção acadêmica sobre a história da Portuguesa. Narrativas pontuais sobre sua trajetória podem ser encontradas na obra Lusa – Uma História de Amor, de Orlando Duarte (2000), bem como em textos de memória publicados na internet, como o de Calício (2012), ou as próprias produções dos sites da Associação Portuguesa de Desportos33 e do Acervo da Lusa34. Há ainda um trabalho de conclusão de curso de jornalismo, intitulado Almanaque da Lusa (LORETO et al, 2007), que também opera por um viés memorialista e, em larga medida, identitário. Todas essas obras narram satisfatoriamente a trajetória do clube, carecendo contudo de uma problematização historiográfica mais apurada.

32 O nome Associação Portuguesa de Desportos só foi adotado em 1940, persistindo até a atualidade.

Anteriormente a essa data, o clube denominava-se Associação Portuguesa de Esportes. Por tratar-se de uma instituição ainda existente, optamos por manter a nomenclatura contemporânea durante a dissertação, ainda que se trate de um período prévio a ela.

33 http://www.portuguesa.com.br/, acesso em 08/05/2018. 34 http://www.acervodalusa.com.br/, acesso em 08/05/2018.

A Portuguesa foi fundada em um contexto muito particular do futebol paulistano e, sobretudo, do futebol brasileiro. Os anos 1920 representaram um momento de expansão do futebol como cultura popular, e não mais como algo restrito às elites. O esporte tinha espaço de destaque em grandes jornais e habitava o cotidiano das cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. Nesta capital, a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) era a instituição que organizava as competições do estado, e em sua atuação ganhou espaço o debate sobre a profissionalização do futebol, exigência crescente de uma modalidade cada vez mais habitada por camadas populares, que seria efetivamente consolidada apenas na década de 1930 (CALDAS, 1990).

Imagem 14. Time da Associação Portuguesa de Desportos, 1924.

Fonte: acervo do Museu Histórico da Portuguesa de Desportos35.

A ata de fundação da Lusa fora assinada na sede da Câmara Portuguesa de Comércio, à Rua São Bento, nº 29-B, na data em que se comemorava a Batalha de Aljubarrota (1385) em Portugal e nas associações da colônia no Brasil. Tal efeméride fazia parte do imaginário da formação da nação portuguesa, relembrando a derrota dos castelhanos e o início da Dinastia de Avis em finais do século XIV. A referência aos Avis repetiu-se no escudo do clube que, embora inicialmente composto pelo escudo de Portugal do século XV sobre um padrão rubro-verde, ganharia logo em 1923 a famosa Cruz de Avis, símbolo da Ordem de São Bento de Avis e das lutas contra os mouros no século XII.

Ainda que a Associação Portuguesa de Desportos tenha atuado, de seus primórdios ao seu presente, em diversas modalidades esportivas, suas principais atividades orbitavam em torno do time de futebol e da organização das festas joaninas típicas, de grandes dimensões, oferecidas desde 1925. Nas suas duas primeiras décadas de existência, a Lusa começaria a atuar também na bola ao cesto, no pingue-pongue e, de modo mais incipiente, no hóquei masculino.

Um pouco do cotidiano da associação pode ser deslumbrado a partir da descrição feita pela primeira edição da Revista Portuguesa, do Clube Português, referente à estrutura física de sua primeira sede.

Obtendo da Prefeitura Municipal o terreno da rua Cesário Ramalho, a Portuguesa ali instalou, condignamente, a sua praça esportiva, que hoje possue alêm do campo de foot-ball, quadras para baskt-ball, volley-ball, ótima arquibancada, bar, reservados e vestiários para os jogadores locais visitantes. (ASSOCIAÇÃO..., 1930, p. 87)

Imagem 15. Primeira sede da Portuguesa, no Cambuci, 1925.

Fonte: acervo do site da Associação Portuguesa de Desportos36.

O terreno da Rua Cesário Ramalho, no Cambuci, foi comprado pela Lusa em 1922, um ano antes do time passar a atuar de forma independente e desvinculada do Mackenzie37. O estádio do Cambuci seria oficialmente inaugurado em 1925. Até então, os treinos ocorriam em um espaço na Rua 25 de Março e, durante a reforma deste em

36 http://portuguesa.com.br/site/clube/historia/, acesso em 20/12/2018.

37 O limite de oito times na primeira divisão da APEA fez com que a Portuguesa, durante sua filiação à

entidade em 1920, realizasse uma fusão com a Associação Atlética do Mackenzie College, equipe que passava por dificuldades técnicas. A união durou até 1923.

1921, no campo do Corinthians; já as reuniões diretivas e sociais, de frequência semanal, aconteciam no salão nobre da Câmara Portuguesa de Comércio, local de fundação da Lusa e, posteriormente, no 3º andar do mesmo prédio.

Outros espaços seriam adquiridos e utilizados como sede esportiva ou social da Portuguesa ao longo dos anos. Em 1929, o clube adquiriu um terreno na Avenida Teresa Cristina, no Ipiranga, no qual estabeleceu sede e pretendia construir seu estádio definitivo. O plano, por questões financeiras, nunca foi posto em prática, e o início da consolidação de uma estrutura própria de grandes dimensões ocorreria apenas em 1956, com a compra do terreno e inauguração do estádio do Canindé. Com diversas intervenções e ampliações ao longo das décadas, notadamente nos anos 1970, o Canindé permanece sendo a sede da Lusa na atualidade.

Durante a história do clube, o futebol sempre foi seu carro chefe e o próprio fio condutor de sua fundação. Entre altos e baixos, o time da Lusa foi presente e participante no processo de organização e posterior profissionalização do futebol paulista. A trajetória da Portuguesa é marcada por acontecimentos futebolísticos marcantes, como a campanha no campeonato paulista de 1933, que a levou à terceira colocação, e o bicampeonato conquistado nos anos de 1935 e 193638.

Para além do futebol, a Lusa destacava-se pela realização das festas joaninas na cidade todos os anos, a partir de 1925. O primeiro evento, realizado no Parque da Aclimação, já contava com os elementos que caracterizariam as festas da Portuguesa ao longo de sua história: a venda de pratos típicos (caldo verde, alheira, bolinhos de bacalhau, sardinhada, etc), a apresentação de músicas e danças portuguesas, a ornamentação característica que remontava às tradições lusitanas. Nos anos seguintes, a festa ganharia cada vez mais destaque, sendo divulgada nos veículos da imprensa e amplamente frequentada não apenas pela colônia portuguesa, mas também pela sociedade paulistana como um todo.

De certo modo, a imagem relacionada a essa divulgação era a de um evento que trazia os aspectos pitorescos de Portugal para São Paulo, expressando-se na culinária, na música, na decoração, nas danças do grupo regional da Portuguesa (fundado em 1935), enfim, naqueles elementos que seriam característicos de uma identidade lusitana relativamente coesa. As festas joaninas traziam prestígio para a associação, fosse no aspecto do divertimento que ofereciam ao público paulistano ou do ponto de vista do

levantamento de fundos para sustentar o seu caixa e, inclusive, realizar donativos para instituições beneficentes, dentro e fora da colônia.

Embora a Lusa tenha tido uma origem relativamente elitizada, alguns paralelos podem ser estabelecidos com o Clube de Regatas Vasco da Gama, fundado por comerciantes e assalariados portugueses no Rio de Janeiro em 1898. O Vasco incorporou a prática do futebol em 1916 e despontou como um dos principais referenciais do associativismo português no Rio e no Brasil. Como aponta Victor Pereira (2014), o futebol não expressa nenhuma singularidade por ser praticado por portugueses ou dentro de um clube português39. Mas integrar a equipe de um clube de origem lusa ou torcer por ela pode ser uma forma de afirmação identitária e um fator de integração do imigrante na sociedade de acolhimento, notadamente quando ao futebol articulam-se outras práticas mais tradicionais, como festas típicas, e a atuação de lideranças étnicas que são referenciais na colônia. Concordamos aqui com essa perspectiva de Pereira sobre o Vasco e a estendemos à Associação Portuguesa de Desportos, compreendendo que também tratou-se de um clube que galgou destaque na esfera pública e constituiu-se como um espaço de referência identitária para os portugueses de São Paulo.