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Movimentos sociais e redes de mobilização na Amazônia : o caso da Hidrelétrica de Belo Monte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LUCAS MILHOMENS FONSÊCA

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DE MOBILIZAÇÃO NA

AMAZÔNIA: O CASO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

CAMPINAS 2018

(2)

LUCAS MILHOMENS FONSÊCA

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DE MOBILIZAÇÃO NA AMAZÔNIA:

O CASO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração de Educação.

Supervisora/Orientadora: Profª. Drª. Maria da Glória Marcondes Gohn.

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO LUCAS MILHOMENS FONSÊCA, E ORIENTADA PELA PROFª. DRª MARIA DA GLÓRIA MARCONDES GOHN.

CAMPINAS 2018

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FAPEAM, 062.02743.2015

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Social movements and mobilization networks in the Amazon : the

case of Belo Monte hydropower plant

Palavras-chave em inglês:

Amazon

Belo Monte Hydropower Social movements Mobilization

Área de concentração: Educação Titulação: Doutor em Educação

Banca examinadora:

Maria da Glória Marcondes Gohn [Orientador] Ernesto Renan Melo de Freitas Pinto

Maria Antônia de Souza

Marilda Aparecida de Menezes Luciano Pereira

Data de defesa: 23-02-2018

Programa de Pós-Graduação: Educação

Fonsêca, Lucas Milhomens, 1978-

F733m FonMovimentos sociais e redes de mobilização na Amazônia : o caso da Hidrelétrica de Belo Monte / Lucas Milhomens Fonsêca. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

Orientador: Maria da Glória Marcondes Gohn.

Fon Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

Fon 1. Amazônia. 2. Usina Hidrelétrica de Belo Monte. 3. Movimentos Sociais. 4. Usina Hidrelétrica de Belo Monte. 5. Mobilização. I. Gohn, Maria da Glória Marcondes, 1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DE MOBILIZAÇÃO NA AMAZÔNIA: O CASO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

Autor: Lucas Milhomens Fonsêca

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2018

COMISSÃO JULGADORA:

Profª. Drª. Maria da Glória Marcondes Gohn Prof. Dr. Ernesto Renan Melo de Freitas Pinto

Profª. Drª. Maria Antônia de Souza Profª. Drª. Marilda Aparecida de Menezes

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AGRADECIMENTOS

Uma tese, apesar do ato solitário (e muitas vezes angustiante) da escrita, nunca é feita sozinha. São tantas pessoas, lugares, circunstâncias e oportunidades que há muito a agradecer. Primeiro, gostaria de agradecer à minha orientadora, a professora Maria da Glória Gohn. Sua grande contribuição teórica, ética e sua abertura intelectual me proporcionaram um caminho livre e autônomo para que eu pudesse desenvolver minha pesquisa da melhor forma possível. Foram quatro anos de muito aprendizado.

Aos professores e professoras com os quais tive contato e pude aprender muito durante o doutorado – que, no meu caso, foi uma experiência rica e plural dividida entre Campinas, Rio de Janeiro e Canadá.

Aos professores que aceitaram participar de minha banca e contribuíram com minha pesquisa: Prof. Renan, Profª. Maria Antônia, Prof. Luciano, Prof. Klaus, Profª. Denise, Prof. Bryan e especialmente a Profª. Marilda Aparecida de Menezes, que sugeriu transformar meu memorial feito para a qualificação em um capítulo da tese – o que foi feito e transformou-se em uma experiência particular-acadêmica inesquecível.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp, especialmente a seus trabalhadores (servidores), sempre solícitos e dispostos a ajudar e resolver questões de cunho administrativo.

A minha mãe (Maria), meu pai (José) e irmãos (Paulo, Paula e Marcos). Todos, cada um à sua maneira, estiveram na torcida para que eu conseguisse terminar minha pesquisa e ser o primeiro “dotô” na família.

A Milena, minha companheira de todos os momentos. Por sua sinceridade, inteligência, contribuição, carinho e paciência. Sem você, eu não teria chegado até aqui.

Aos amigos-irmãos André, Andreza e ao pequeno-grande João Lucas. Minha história no Amazonas (e antes e durante o doutorado) não seria a mesma sem vocês.

Às amigas Yanne, Valmiene e Claudia, pela torcida e amizade que se faz presente ao longo dos anos.

Aos cunhados Thiago, Luiz e concunhada Taline. Muito agradecido por vocês compartilharem conosco a vida na Amazônia e, durante esses últimos quatro anos, cuidarem

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de nossa casa (e da Frida, do Craque e da Emy). Saber que estava tudo bem enquanto flanava pelo mundo foi fundamental para trabalhar tranquilo.

E, como não poderia deixar de ser, aos sujeitos desta pesquisa, em nome de Antônia Melo e D. Raimunda, duas grandes guerreiras, moradoras de Altamira e que estão na linha de frente (há anos!) das batalhas diuturnas contra os grandes projetos na e da Amazônia.

À Universidade Federal do Amazonas (Ufam), instituição à qual pertenço e que, liberando-me de minhas funções docentes durante o período de doutorado (oficialmente através de Portaria), contribuiu sobremaneira para um processo proveitoso e bem planejado.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e seus contribuintes (o povo amazonense), pelo incentivo materializado através de bolsa de estudos.

A todos e todas que de alguma forma contribuíram e me ajudaram durante o processo de doutorado. Redescobrir a Amazônia – e seus personagens – foi uma viagem fascinante que não acabará por aqui. Meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

A presente tese tem como objetivo geral mapear os principais movimentos sociais existentes na Amazônia brasileira no período histórico que compreende os últimos 50 anos. Nesse sentido, fizemos um breve sobrevoo analítico sobre a formação sociocultural da região, levando em consideração seu processo de colonização e exploração iniciada no século XVI e, muitos anos depois, os efeitos sociais e econômicos da primeira intervenção capitalista na Amazônia a partir do que ficou conhecido como “ciclo da borracha”. Esse fenômeno modificou profundamente as estruturas étnico-sociais do enorme território, gerando um grande fluxo migracional, sobretudo de populações oriundas do Nordeste brasileiro. Outro ponto que consideramos pertinente e defendemos neste trabalho diz respeito à importância da presença do Governo Civil-Militar na Amazônia a partir dos anos 1960. Acreditamos que esse momento é paradigmático e traz em seu bojo fenômenos e conflitos sociais até então inexistentes na região, gerando o cenário propício para o aparecimento de uma série de movimentos e atores sociais que se consolidaram em diversos pontos da Amazônia, sobretudo no lócus de nossa pesquisa, a cercania da BR-230, mais conhecida como a emblemática rodovia Transamazônica, principalmente nas proximidades da cidade de Altamira (PA) e sua histórica sobreposição de conflitos sociais e ambientais. Destacado esse pano de fundo inicial, nosso objetivo central foi compreender e analisar os movimentos sociais que atuam (ou atuaram) contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, principal projeto de infraestrutura desenvolvido pelo Governo Federal na última década. Defendemos a tese de que esses movimentos se articulam contra Belo Monte (e outros grandes projetos situados na região amazônica) fazendo uso de um complexo intercâmbio de relações sociais e políticas a partir da interação com outros atores e movimentos sociais, processo esse mediado por sistemas comunicacionais (viabilizados pela Internet) e de formas pedagógicas de educação não formal. Denominamos esse modus operandi de “redes de mobilização”. Consequentemente, o presente trabalho visa também a analisar essas redes e identificar suas características e principais protagonistas.

Palavras-chave: Movimentos sociais. Amazônia. Redes de mobilização. Usina Hidrelétrica

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ABSTRACT

This doctoral thesis has the general goal of mapping the main existing social movements in the Brazilian Amazon in the historical period which encompasses the last 50 years. To that end, we have done a brief analytical overview about the socio-cultural formation of the region, taking into consideration its colonization and exploitation process which began in the XVI century and, many years later, the social and economic effects of the first capitalist intervention in the Amazon from what became known as the “rubber cycle”. Such a phenomenon deeply modified the socio-ethnic structures of this huge territory, generating a large migratory flow, especially of populations from the Brazilian Northeast. Another pertinent issue, in our opinion, and we support it in our work, is the importance of the presence of the Civil-Military Government in the Amazon starting in the 1960s. We believe that moment to be a paradigm shift and it in its scope are social phenomena and conflicts hitherto unknown in the region, creating an environment conducive to the emergence of several social movements and actors which consolidated themselves in many areas of the Amazon, mainly at the locus of our research, the surroundings of the BR-230, best known as the iconic Transamazonic highway, primarily around the city of Altamira (PA) and its historic juxtaposition of social and environmental conflicts. With this initial background outlined, our primary objective was to understand and analyze the social movements which take (or took) action against the construction of the Belo Monte Hydropower Plant, the lead infrastructure project developed by the Federal Government in the last decade. Our work supports the thesis that these movements organize themselves against Belo Monte (and other large projects in the Amazon region) through a complex interchange of social and political relationships borne of the interaction with other actors and social movements, a process mediated by communication systems (made possible by the internet) and pedagogical forms of non-formal education. We called this modus operandi “mobilization networks”. Therefore, this research seeks to also analyze these networks and to identify their characteristics and protagonists.

Keywords: Amazon. Social Movements. Mobilization Networks. Belo Monte Hydropower

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu 29

Figura 2 Início das obras de construção da Rodovia Transamazônica (BR-230) e sua placa de inauguração na cidade de Altamira (PA)

32

Figura 3 Hidrelétrica de Tucuruí e a Vila Permanente dos trabalhadores da barragem

34

Figura 4 Vila Pitinga (AM). Mineração Taboca 37

Figura 5 Caixões dos trabalhadores rurais do MST que foram assassinados no Massacre de Eldorado do Carajás em abril de 1996

39

Figura 6 Vista aérea da cidade de Parintins (AM) 42

Figura 7 Altamira (PA) 51

Figura 8 Atividades de mobilização em Altamira contra a Licença de Operação (LO) de Belo Monte, maio de 2015

57

Figura 9 Filme Bye, Bye Brasil (créditos finais) 59

Figura 10 Mapa da Pan-Amazônia 62

Figura 11 Propaganda do Governo Federal de 1943 para atrair nordestinos para a Amazônia

75

Figura 12 Arco do Desflorestamento 91

Figura 13 Imagem de satélite de Altamira e a Transamazônica no formato de “espinha de peixe”

93

Figura 14 Chico Mendes e Pe. Josimo, vítimas da violência na Amazônia 103 Figura 15 Mapa do conjunto de ameaças e pressões contra as terras indígenas

na Amazônia

106

Figura 16 Esquemas de rede centralizada, descentralizada e distribuída feito por de Paul Baran

123

Figura 17 Site da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 138

Figura 18 Articulação dos Povos Tradicionais 139

Figura 19 Canal do YouTube do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

140

(10)

Figura 21 Índia Tuíra Kaiapó no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu em Altamira (1989)

158

Figura 22 Tuíra Kaiapó no Acampamento Terra Livre em Brasília (2017) 158 Figura 23 Vista aérea de Belo Monte e da rodovia Transamazônica (BR-230)

passando em frente

165

Figura 24 Plano Emergencial de Belo Monte 170

Figura 25 Filme Democracy 177

Figura 26 Site do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) na Amazônia

178

(11)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Perfil dos entrevistados 55

Quadro 2 Principais programas e projetos de infraestrutura desenvolvidos para a Amazônia nos últimos 50 anos (1966-2016)

86

Quadro 3 Divisão em eixos dos movimentos sociais que atuam na Amazônia brasileira

113

(12)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Apib Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Apoinme Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

APT Articulação dos Povos Tradicionais

Arpinsudeste Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste Arpinsul Articulação dos Povos Indígenas do Sul

Arpa Advanced Research Projects Agency

Arpipan Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região Aty Guassu Grande Assembleia do Povo Guarani

CCBM Consórcio Construtor Belo Monte

CEB Comunidade Eclesiástica de Base

CFEM Compensação Financeira sobre Produtos Minerais

Cimi Conselho Indigenista Missionário

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Coiab Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

CPT Comissão Pastoral da Terra

CTI Centro de Trabalho Indigenista

ECO 92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Eletronorte Centrais Elétricas do Norte do Brasil

EZLN Exército Zapatista de Libertação Nacional

FNSP Força Nacional de Segurança Pública

Funai Fundação Nacional do Índio

FVPP Fundação Viver, Produzir e Preservar

IALA Instituto de Agroecologia Latino-Americano Amazônico

(13)

ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

IIRSA Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ISA Instituto Socioambiental

LO Licença de Operação

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

Matopiba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia

MDTX Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

MMTACC Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira do Campo e da Cidade

MMTT Movimento de Mulheres Trabalhadoras da Transamazônica

MPF Ministério Público Federal

MPST Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica

MSAL Movimentos Sociais na América Latina

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

MXVPS Movimento Xingu Vivo para Sempre

NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONGs Organizações Não Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCB Partido Comunista Brasileiro

PC do B Partido Comunista do Brasil

PDAM Plano Nacional de Desenvolvimento para a Amazônia

PIN Plano de Integração Nacional

PGE Projetos de Grande Escala

(14)

Polamazônia Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia Polonoroeste Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil Proterra Programa de Redistribuição de Terras do Governo Federal

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

Rima Relatório de Impacto Ambiental

RUCs Reassentamentos Urbanos Coletivos

SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos

Sintep Sindicato dos Trabalhadores em Educação

SNI Serviço Nacional de Informação

Sudam Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

Suframa Superintendência da Zona Franca de Manaus

TCT Teoria Crítica da Tecnologia

TICs Tecnologias de Informação e Comunicação

TNMS Teoria dos Novos Movimentos Sociais

TRF Tribunal Regional Federal

Ucla Universidade da Califórnia

UEA Universidade do Estado do Amazonas

Ufam Universidade Federal do Amazonas

UFPA Universidade Federal do Pará

UFPB Universidade Federal da Paraíba

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WWF World Wide Fund for Nature

(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 18

2 FILHO DOS GRANDES PROJETOS: OS PORQUÊS DA PESQUISA E DO PESQUISADOR

28

2.1 É caminhando que se faz o caminho: rumo ao objeto de pesquisa (uma história e muitas vidas)

28

2.2 O mundo amazônico: em busca de uma pesquisa 40 2.3 Pesquisa de campo: Altamira e o déjà vu dos grandes projetos 48 2.3.1 Antes da chegada e o a posteriori: impressões gerais 51 2.3.2 Bye, Bye Brasil: todos os caminhos levam a Altamira 57

3 HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA: O PARADIGMA DOS GRANDES PROJETOS E AS LUTAS CONTEMPORÂNEAS

61

3.1 A Amazônia real e imaginária: colonização, abandono e exploração 61 3.2 Indignação, resistência e luta: a importância histórica da Cabanagem

para a Amazônia

67

3.3 Capitalismo, ciclos econômicos e migração na Amazônia: a borracha como catalisador sociocultural da região

72

3.4 O paradigma dos Grandes Projetos na Amazônia: Governo Civil-Militar, ascensão econômica e sobreposição de conflitos sociais na região

75

3.5 O passado que se faz presente: grandes projetos na Amazônia e o brotar dos movimentos contestatórios

82

3.6 Arco do desmatamento e a sobreposição de conflitos sociais: o faroeste caboclo amazônico

90

3.7 Movimentos sociais na Amazônia: contexto histórico e atualidade 94

3.7.1 Movimento Católico Progressista 97

(16)

3.7.3 Movimento(s) e organizações indígenas 103 3.7.4 Organizações e Entidades Não Governamentais (ONGs) 107

3.7.5 Movimento de luta por direitos sociais 109

3.7.6 Movimentos sociais no contexto de grandes projetos 110

4 REDES DE MOBILIZAÇÃO, EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E

COMUNICAÇÃO: CONEXÕES POSSÍVEIS PARA OS

MOVIMENTOS SOCIAIS

116

4.1 A grande seara dos Movimentos Sociais 116

4.2 Entendendo o conceito de Redes 121

4.3 Um sobrevoo na galáxia da Internet: possibilidades e contradições 124 4.4 Redes, mídias sociais e atuação política: exemplos de organização e

mobilização

133

4.5 A comunicação dos movimentos sociais nas redes de mobilização e a dimensão da educação não formal

141

5 REDES DE MOBILIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CONTEXTO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: O EPICENTRO DE UMA NOVA DINÂMICA DAS AÇÕES COLETIVAS NA AMAZÔNIA

152

5.1 Breve histórico da questão indígena no Brasil 152 5.1.1 A Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a questão indígena: as lutas de

ontem e de hoje

154

5.2 Desenrolando o complexo novelo que concebeu a Hidrelétrica de Belo Monte: quem é quem na construção do poder e implantação da obra a “ferro e fogo”

162

5.3 Movimentos e organizações no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte: as contribuições da Igreja Católica, Movimento de Mulheres, Ambientalismo Internacional, Movimento dos Atingidos por Barragens e Movimento Xingu Vivo para Sempre

(17)

5.4 Desafios e a redes de mobilização na Amazônia: Belo Monte como fato consumado? 186 CONSIDERAÇÕES FINAIS 190 REFERÊNCIAS 196

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

217

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 1: IGREJA CATÓLICA

220

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 2: MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE

221

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 3: MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM (MAB)

(18)

1 INTRODUÇÃO

A Amazônia é central para o Brasil. A questão, quase um clichê, é a seguinte: por que essa região, desconhecida pela maioria dos brasileiros, possui tanta relevância para o cenário nacional e também no plano internacional (além da obviedade de ser a maior floresta tropical do planeta e, atrelada a ela, a maior fonte de recursos naturais existentes)? Mais: por que perpassa pela Amazônia – ou, como veremos adiante, amazônias – temas cruciais de ordem econômica, social, ambiental e política? Quem são os atores envolvidos em tão complexo emaranhado de questões? Como e por que tais questões estão relacionadas e quais são seus impactos junto à sociedade amazônida1 e brasileira? As respostas a essas perguntas estão indelevelmente conectadas ao objeto central de nossa pesquisa: os movimentos sociais que atuam na Amazônia e suas redes de mobilização – mais especificamente, os movimentos sociais que atuam no contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no estado do Pará, entre os municípios de Altamira e Vitória do Xingu, buscando compreender e analisar suas redes de mobilização.

Ciente dos desafios de se estudar e compreender a região amazônica a partir de um ponto de vista muito próximo e familiar (que será explicitado na segunda parte desta tese), e para, por isso mesmo, evitarmos incorrer em uma perspectiva demasiadamente pessoal e tendenciosa, nos ancoramos em estudos pré-existentes de diversos autores, como Ab’Sáber (2004), Almeida (2005), Batista (2006; 2007), Becker (2005), Benchimol (2009), Cardoso e Muller (1977), Castro (2009; 2012), Cunha (2003), Cunha (2012), Fearnside (2002; 2015), Godim (2007), Ianni (1979), Kohlhepp (2002), Lacerda (2013), Loureiro (2002), Marques (2015), Ribeiro (1977; 1995), Sevá Filho (2005), Meggers (1987), Oliveira (1987; 1991; 1994; 2001), Oliveira (2012), Ortolan Matos (2006), Pinto (2008), Silva (2008), Souza (2009), Verdum (2014), entre vários outros.

Tais referências foram fundamentais para, em uma perspectiva mais ampla, compreender a diversidade da região amazônica e sua heterogeneidade humana e geográfica – ou, como dizem vários dos autores mencionados, a complexidade das “amazônias” existentes e pouco conhecidas.

Partimos do pressuposto de que a Amazônia também é uma construção social, forjada desde o processo de colonização portuguesa na região. Acreditamos que os acontecimentos

1 O gentílico para quem vive na Amazônia, aquele que está radicado na região, não necessariamente tendo

(19)

que se dão a partir desse contato inicial “europeu vs. povos indígenas/autóctones” são centrais para compreensão da região e seus conflitos mais atuais. Das primeiras descrições imaginadas e registradas por viajantes europeus que passaram pela imensa floresta descendo seus rios, estupefatos com a exuberância mágica e exótica do novo mundo; da escravidão e genocídio indígenas feito com requintes de crueldade e ignomínia, perpetrados ao longo de séculos através da exploração que foi inaugurada com os conquistadores portugueses e espanhóis ávidos por ouro e especiarias; da construção do mito das guerreiras indígenas “amazonas” por sua possível semelhança com a lenda grega, batizando dessa maneira seu maior rio e posteriormente todo um subcontinente; das ideias de naturalistas como Euclides da Cunha (2003), que pensaram a região como uma “terra sem história” e, portanto, sem passado e talvez futuro; até chegar à ideia comum e ainda hoje bastante difundida de que as riquezas da Amazônia precisam ser exploradas a qualquer custo, mesmo que seus habitantes (nativos ou não) sejam os principais prejudicados com essa ação. São questões amplas e complexas que destacamos no presente trabalho, no intuito de arregimentar os argumentos para nossa ideia central.

A presente tese foi iniciada em 2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a partir do início de nossas atividades acadêmicas procuramos realizar uma pesquisa teórica e empírica sobre os movimentos sociais existentes e contrários na área de influência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Além do referencial teórico apreendido, realizamos pesquisa de campo na cidade de Altamira (PA) e em Brasília (DF), respectivamente nos anos de 2015 e 2017.

Toda a elaboração e confecção do presente trabalho teve uma ampla revisão bibliográfica. Nos últimos quatro anos, acompanhamos também a grande maioria da produção jornalística (em sua versão impressa, televisiva e digital) sobre a temática, à luz de uma reflexão crítica desenvolvida sobre a questão. O resultado desse esforço está sintetizado em quatro capítulos assim divididos e apresentados abaixo.

O primeiro capítulo, equivalente à segunda parte da tese, intitulado “Filho dos

Grandes Projetos: os Porquês da Pesquisa e do Pesquisador”, tem a intenção de situar

nosso lugar de fala durante toda esta pesquisa – ou seja, a relação do autor com o objeto estudado. Ao longo do capítulo, apresentamos as condições particulares que nos fizeram escrever sobre a referida temática, elencando os fatores objetivos e idiossincráticos ao longo de todo o texto. Acreditamos, tal qual Bordieu (1996, p. 15), que “não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser submergindo na particularidade de uma

(20)

realidade empírica, historicamente situada e datada”. Nesse sentido, a tal “realidade empírica” à qual nos referimos está diretamente ligada a nossa história de vida. Com isso, não queremos subverter a objetividade que se faz necessária para uma análise acadêmica qualitativa. Ao contrário, tentamos deixar claro que essas características gerais, em conjunto com a relação pessoal do pesquisador com parte do objeto estudado, é um elemento que ampliou a compreensão desse fenômeno e nos possibilitou uma reflexão original sobre a questão. É preciso registrar que esse capítulo foi sugestão da banca de qualificação de nossa pesquisa, escrita inicialmente sob o formato de um “memorial” e aperfeiçoada e ampliada ao longo de nossa tese. Adotamos para sua escrita uma linguagem “acadêmico-coloquial”, um meio termo entre a estilística científica mais rígida e as situações subjetivas as quais descrevemos e que nos ajudaram a analisar os fatores históricos que constituíram os movimentos sociais circunscritos à Hidrelétrica de Belo Monte e seus antecedentes fenomênicos na região amazônica.

O capítulo foi dividido em três subitens. No primeiro deles, abordamos nossa aproximação com o tema, que por sua vez está imbricado com a história de vida do pesquisador. O resultado tornou-se uma experiência pessoal e acadêmica que nos deu uma visão sui generis do respectivo objeto, já que em muitos momentos nos identificamos não só com os atores envolvidos, mas também com as situações descritas e analisadas à luz do arcabouço teórico adotado. Esse exercício foi uma viagem para dentro com olhar para fora, uma “etnografia de si mesmo”2

com a perspectiva de apreender uma realidade empírica e seu movimento dialético, contraditório e ampliado. Procuramos problematizar a relação objeto/pesquisador colocando o cenário amazônico – e o da construção de grandes projetos – como campo de estudo. Posteriormente, problematizamos a relação desse fenômeno com a complexidade da região, levando em consideração sua formação histórico-social e econômica, dando a essa pesquisa a possibilidade de um largo repertório teórico, que transita desde o campo da sociologia, passando pela antropologia, comunicação e a educação. No último item do primeiro capítulo, refletimos sobre a pesquisa de campo e nossa ida à cidade de Altamira, importante município que concentra uma série de questões socioambientais de grande repercussão nacional e internacional. Altamira é o cenário de diversos atores sociais ligados a movimentos organizados na Amazônia, da luta em defesa do meio ambiente, direitos

2

O exercício etnográfico aqui é colocado semanticamente como uma possibilidade de descrição e interpretação da realidade a partir de elementos endógenos do pesquisador em conjunto com seu arcabouço teórico e científico.

(21)

humanos e da questão indígena, pontos nevrálgicos que serão abordados ao longo de todo o presente trabalho.

No segundo capítulo (terceira parte) desta tese, nomeado de “História dos

Movimentos Sociais na Amazônia: o Paradigma dos Grandes Projetos e as lutas contemporâneas”, apresentamos o conceito de Amazônia levando em consideração seus

diversos aspectos do campo histórico. Seguimos nossa análise falando sobre a formação política e social da Amazônia, detendo-nos inicialmente ao período inicial de colonização portuguesa até o século XIX e a primeira grande intervenção capitalista na região, materializada pela “era de ouro da borracha”. Destacamos como marco importante a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão (como era conhecida a região até o século XIX) e, a partir disso, a relação estabelecida com a Coroa portuguesa e mais tarde com o Império brasileiro – questão determinante para enquadrar esse imenso território como um lugar que por muitos séculos não fez parte do Brasil formal e, portanto, não tinha direito às suas benesses como membro estamental do Estado-Nação recém-criado. Isso ocasionou uma das principais insurreições populares (conduzida por índios, caboclos, negros e todos os párias sociais à época), inédita até aquele momento na história brasileira, a única que conquistou o poder formal de fato e se manteve ativa, mesmo depois de sua derrota, na perseguição do Estado por anos a fio contra seus integrantes: a Cabanagem.

Avançamos nas ponderações de nossa tese ao analisar a constituição amazônica, abordando a importância de seus ciclos econômicos e como eles foram fundamentais para a formação do amálgama sociocultural gerado desde que, nos idos do século XIX, a borracha se tornou uma das principais mercadorias do planeta. A ela podemos atribuir uma série de mudanças econômicas que transformaram completamente a região. Era a chegada oficial do capitalismo à ex-colônia portuguesa, a partir da necessidade de se produzir em larga escala a goma elástica extraída no interior da floresta, produto essencial para as indústrias emergentes que surgiam em todo o mundo. Segundo Bueno (2012) e Santos (2002), em decorrência da necessidade de exploração da borracha, o fluxo migracional para a região é ampliado exponencialmente, todos em busca do “ouro branco”. Nesse sentido, a população que mais se deslocou para a Amazônia – impulsionada por projetos governamentais que visavam a minimizar os efeitos de uma grande seca havia anos – foram milhares de famílias oriundas do Nordeste brasileiro. Esse processo modificou a constituição social e cultural dessa parte do Brasil, dando novas feições a seus habitantes. Isso ocasionou, segundo Ribeiro (1995), a fixação de meio milhão de pessoas em diversos pontos da Amazônia, gerando, desse modo,

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novas feições étnicas a essa população, tornando os antigos migrantes nordestinos, eles próprios, também, como o passar dos anos, “amazônidas”.

Continuamos o capítulo focando no que consideramos o maior paradigma da região na atualidade: os grandes projetos desenvolvimentistas empreendidos pelo Governo Civil-Militar brasileiro. É um marco histórico que, além de ampliar o já mencionado processo migracional, foi o responsável por uma série de mudanças estruturais que incidiram diretamente sobre a vida de seus habitantes, onde a defesa da integração regional aos setores econômicos produtivos do País gerou uma relação de “superexploração”. Isso fez com que o Estado transformasse em política pública os processos de colonização predatória que até aquele momento tinham acontecido de forma extraoficial, batizando essa ação inicial de “Operação Amazônia”. Para Ianni (1979), era a integração da região à economia política autoritária do mundo agrícola, a inserção da região à etapa do capitalismo monopolista brasileiro, onde a economia primária exportadora foi ativada e articulada ao setor industrial do País, incentivando uma política de colonização dirigida e expandindo suas relações capitalistas de produção. O que acontece a partir desse momento em grande parte da região amazônica é o crescimento sucessivo de conflitos sociais, principalmente em decorrência dessas grandes obras e seus impactos nas populações que lá vivem – o que vai provocando sistematicamente a reação da sociedade civil, que começa a se organizar e criar, ao longo dos anos posteriores, diversos movimentos e organizações sociais. A partir dessa intervenção, a Amazônia foi reordenada no cenário geopolítico mundial, tornando-se um dos territórios com o maior índice na produção de commodities do mercado global. Essa política começou a ser colocada em prática há meio século e gerou uma série de consequências econômicas e sociais que modificaram substancialmente a região, trazendo consigo um arcabouço de conflitos envolvendo indígenas, ribeirinhos, povos tradicionais, trabalhadores rurais e uma série de outros atores sociais que mais tarde transformaram-se nos principais movimentos sociais organizados da região amazônica.

Na última parte do referido capítulo, fizemos uma revisão histórica do surgimento dos movimentos sociais da Amazônia nos últimos 50 anos. Acreditamos que esse período cronológico compreende uma série de mudanças econômicas e sociais que fizeram emergir atores sociais hoje em evidência nacional e internacional. Demos especial atenção em nossa análise aos anos compreendidos entre 2003 e 2014, período em que o governo brasileiro – sobretudo na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) –, em conjunto e sintonia com outros países da América do Sul, executaram uma política geoestratégica de proporções globais,

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retomando uma série de grandes projetos infraestruturais na Amazônia (que haviam sido inaugurados pelo Governo Civil-Militar nos anos 1960), afetando e atingindo milhares de pessoas. É o caso, por exemplo, de populações urbanas, povos indígenas, tradicionais e ribeirinhos que habitam as margens do Xingu e Tapajós. Como afirma Fearnside (2015), dois dos rios mais ameaçados com projetos de barramento de seus leitos, ou seja, pragmaticamente a construção da Usina de Belo Monte e do Complexo Hidrelétrico do Tapajós,3 respectivamente. Como último ponto do capítulo, fizemos o exercício de mapear os principais movimentos sociais existentes na região amazônica. Centramos nossa análise em suas peculiaridades em relação a outros movimentos sociais existentes no Brasil e na América Latina, levando em consideração o que já foi escrito sobre o tema – principalmente através das reflexões de escritores latino-americanos e da panamazônia – e os elementos políticos, sociais, culturais e econômicos que marcaram sua constituição e formação ao longo do tempo. O terceiro capítulo (quarta parte) de nossa tese, intitulado “Redes de Mobilização,

Educação Não Formal e Comunicação: conexões possíveis para os movimentos sociais”,

trata especificamente da relação conceitual, metodológica e empírica de diversos movimentos sociais com o que alguns autores denominam – em que pese suas diferentes vertentes teóricas e nomenclaturas para o fenômeno – de redes de mobilização. Além de estudarmos essa relação, fizemos uma análise dos fatores que consideramos constituintes estruturantes de tais redes. Levamos em consideração dois aspectos que, do nosso ponto de vista, parecem ser fundamentais: os processos de educação não formal desses atores sociais (levando em consideração os elementos de sua historicidade e complexidade) e, conjuntamente a esse aspecto, a utilização orgânica de sistemas/ferramentas possibilitadas através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), sobretudo pelo esteio da rede mundial de computadores e da Internet. Iniciamos o capítulo apresentando os conceitos relacionados aos movimentos sociais da atualidade e destacando historicamente as principais perspectivas teóricas relacionadas à temática, procurando aportar em uma visão ampla, panorâmica, que vai desde os estudos feitos ao longo do século XIX (sobretudo em um contexto europeu de revoltas e conflitos sociais) até as primeiras décadas do século XXI e a gama de características e fenômenos sociais que compõem sua dinâmica atualmente. Não almejamos dar conta de uma análise profunda das diversas correntes e perspectivas teóricas relacionadas

3 O chamado “Complexo Hidrelétrico Tapajós” prevê a construção de sete usinas ao longo de dois rios, no oeste

do Pará, impactando diretamente comunidades tradicionais, entre quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas e cerca de 2 mil quilômetros de território indígena, principalmente da etnia Munduruku. Disponível em: http://terradedireitos.org.br/casos-emblematicos/complexo-hidreletrico-tapajos/14045. Acesso em: 24 set. 2017.

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aos estudos sobre movimentos sociais, mas situar as diversas abordagens e as possíveis contribuições para o nosso objeto de estudo, ou seja, apresentar conceitualmente os alicerces teóricos e suas principais características, assentando a estrada para nossas reflexões posteriores. Na sequência, apresentamos conceitualmente o que vem a ser o significado de “rede” a partir de um panorama teórico-empírico que vai desde as ciências exatas (mais especificamente a matemática, a física e modernamente a computação), passando pelas ciências biológicas até durante o século XX e início do século XXI, considerada um importante elemento de análise das ciências humanas e sociais.

Continuamos o capítulo adentrando outro importante aporte conceitual para o desenvolvimento de nossa tese: a Internet. Como apontam Castells (2003), Feenberg (1999), Amadeu (2010) e Bustamante (2010), a utilização dessa tecnologia em larga escala, cada vez mais imbricada e conexa à sociedade atual, transformou completamente as dinâmicas econômicas, sociais, culturais e políticas do mundo contemporâneo. Começamos sua abordagem a partir do seu aparecimento ainda embrionário no final dos anos 1950, como um projeto bélico do Governo Norte-Americano. Destacamos ainda a evolução e apropriação da internet por parte de uma emergente – e libertária – cultura hacker universitária estadunidense do final dos anos 1960 e ao longo dos anos 1970. Nas décadas seguintes, o foco será em sua popularização e, por fim (mas não por último), na apropriação de sua estrutura por parte de grandes corporações transnacionais. Semelhante à advertência que fizemos anteriormente ao explicar nossa intenção no presente capítulo (e, portanto, focar nossos esforços na compreensão dos movimentos sociais e suas redes de mobilização), nosso objetivo não é fazer um tratado sobre o que foi, o que é e o que será a Internet na sociedade capitalista moderna. Escolhemos, antes, analisá-la junto a nosso objeto de estudo como um fenômeno onipresente nas relações político-sociais do mundo contemporâneo, em que uma infinidade de atores sociais não só fazem uso de suas funções como também são profundamente influenciados por elas e suas contradições técnico-corporativas.

A respeito dessa e de outras questões – como o poder transnacional exercido por um número cada vez menor de gigantescos conglomerados midiáticos –, autores como Ramesh (2017) serão importantes interlocutores para problematizar os impactos políticos e sociais advindos com a Internet e seu conceito “ainda em estado de formação” observado por Feenberg (2012) em sua “Teoria Crítica da Tecnologia (TCT)”. Após essas questões levantadas sobre o surgimento da Internet e seus efeitos na sociedade contemporânea, problematizamos brevemente o que consideramos ser um dos aspectos positivos de uma

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sociedade interconectada, a saber, a criação e aperfeiçoamento de diversas tecnologias de informação e comunicação, as chamadas TICs. Partimos do pressuposto de que a utilização dessas ferramentas pelos movimentos sociais (composta por um diverso leque de possibilidades no campo da produção, articulação e difusão) em várias escalas e contextos é elemento central para operacionalizar a interconexão (através das mais variadas plataformas) das redes de mobilização e dos atores sociais que as compõem.

Seguimos nossa reflexão neste capítulo abordando um aspecto mais detalhado do enquadramento conceitual de redes, neste caso a compreensão do que são “redes sociais” tecnologicamente interconectadas. A partir de sua delimitação vinculada aos estudos de relacionamento e interação entre grupos sociais que representam uma categoria ou segmento, nos propomos a analisar metodologicamente como se dá uma determinada interação, que pode ou não resultar em um processo mobilizacional, a partir de trocas simbólicas ou físicas (em diversas escalas), com o potencial de gerar uma série de produtos educacionais e midiáticos sobre aquele tema em específico. Para esse exercício, faremos o recorte de três grupos (ou redes) em plataformas digitais de comunicação disponibilizadas pela Internet: a primeira delas representada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a segunda através da Articulação dos Povos Tradicionais (APT) e a última exemplificada pela ação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na rede mundial de computadores. Na sequência, fizemos uma abordagem relacionada à dimensão educativa (não formal) das redes de mobilização dos movimentos sociais, identificando e analisando suas principais características. Para esse trabalho, utilizamos autores como Freire (1997), Gohn (2011) e Pretto (2013). Por último, avaliamos as potencialidades e limites das redes de mobilização dos movimentos sociais, levando em consideração os argumentos anteriores e tudo que foi analisado durante o referido capítulo, sobretudo o que se refere a seus componentes ligados à educação não formal, comunicação e Internet.

O quarto e último capítulo (quinta parte) desta tese, que leva o nome de “Redes de

Mobilização dos Movimentos Sociais no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte: o epicentro de uma nova dinâmica das ações coletivas na Amazônia”, diz respeito

especificamente aos movimentos sociais que atuam no contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ao longo do texto, procuramos analisar toda a diversidade que compõe os principais atores locais presentes na região, como também os mecanismos que estruturam suas redes de mobilização e a dinâmica de suas ações coletivas nessa parte da Amazônia brasileira. Fazemos um breve histórico sobre a questão indígena no Brasil e na sequência apresentamos a

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relação desses “sujeitos históricos” – na perspectiva de Touraine (1989) – junto à origem do polêmico projeto de construção do que hoje conhecemos como Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Seguimos o trabalho fazendo uma análise da presença das organizações indígenas que atuam às margens do Rio Xingu e que, através de esforços sistemáticos (envolvendo uma série de confrontos institucionais e ações diretas), conseguiram “barrar” a construção do Complexo Hidrelétrico de Kararaô (projeto anterior a Belo Monte iniciado nos anos 1980), por meio de uma série de articulações através de suas redes de mobilização – ações essas que de muitas formas constroem/coincidem com o próprio surgimento do movimento indígena organizado no Brasil. Ainda no mesmo tópico, apresentamos os principais personagens indígenas que compõem o enredo contrário à Usina Hidrelétrica de Belo Monte, como também a internacionalização da luta e as circunstâncias do emblemático I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, ocorrido em 1989 e que inaugurou uma nova era das mobilizações sociais de povos tradicionais e autóctones no Brasil.

Na sequência, analisamos a construção de Belo Monte nos anos 2000 e suas consequências e impactos sociais, culturais e ambientais para os povos indígenas e outras populações que vivem na região de Altamira. Nossa análise está focada em uma série de medidas estatais que priorizaram a desarticulação do movimento e das organizações indígenas, visando a enfraquecer o principal obstáculo que poderia embargar a obra mais importante – e mais cara – do Governo Federal até aquele momento.4 Isso ocasionou (e vem ocasionando) uma série de consequências negativas e enormes impactos socioambientais, destacando-se entre eles o que Brum (2014) e o Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA) caracterizaram como etnocídio. Apresentamos algumas questões relacionadas aos movimentos sociais e às redes de mobilização atuantes no contexto de Belo Monte – mais especificamente a complexa relação entre Estado, organizações sociais e outros personagens que fazem parte da história recente (e polêmica) em torno do megaempreendimento. Além disso, destacamos personagens que consideramos centrais nesse processo, como as empresas Eletronorte, Norte Energia S/A, Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) e as medidas governamentais denominadas de “Suspensão de Segurança” e “Plano Emergencial”, ambas elaboradas no intuito de desarticular os movimentos sociais e os povos e organizações indígenas contrários à obra. Acreditamos que esse sobrevoo é essencial para a compreensão do emaranhado político, jurídico e institucional que se tornou a construção da segunda maior barragem do Brasil. Ao final do referido capítulo, apresentamos os principais movimentos

4 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2016/05/dilma-inaugura-usina-hidreletrica-de-belo-monte.

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sociais que atuam no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte, fazendo uma análise dos desafios desses atores sociais e suas redes de mobilização no contexto de grandes projetos de infraestrutura.

Finalizamos a presente tese com uma série de ponderações apresentadas ao longo dos capítulos acima descritos. Acreditamos que o resultado final desta pesquisa poderá contribuir de alguma maneira para a compreensão e análise dos movimentos sociais da região e a relevância de suas atuações no atual processo e contexto histórico das mobilizações sociais no Brasil, em especial na região da Amazônia.

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2 FILHO DOS GRANDES PROJETOS: OS PORQUÊS DA PESQUISA E DO PESQUISADOR

“Ninguém é igual a ninguém.

Todo o ser humano é um estranho ímpar.”

(Carlos Drummond de Andrade, em Igual-Desigual)

2.1 É caminhando que se faz o caminho: rumo ao objeto de pesquisa (uma história e muitas vidas)

É recomendável o esforço de objetividade que um pesquisador precisa ter quando se propõe a analisar um fenômeno (seja ele social ou de qualquer outra natureza). No caso da presente pesquisa, o esforço foi duplo, pois, além de buscar essa “objetividade” na análise dos dados e na reflexão do aporte teórico, à medida que se foi avançando nas formulações e principais pressuposto do trabalho, deparamo-nos com nossa grande proximidade junto à parte significativa do objeto de estudo escolhido. Mais do que uma opção de pesquisa feita a partir de um leque de possibilidades teóricas e empíricas construídas ao longo de nossa formação acadêmica e social, a presente tese também é fruto de um mergulho em experiências pessoais e familiares, principalmente no que tange à história recente das grandes migrações de trabalhadores urbanos e rurais promovidas no Brasil a partir dos anos 1970, visando a “colonizar” a Amazônia e laborar em seus grandes projetos de infraestrutura.

Dito isso, começo a rememorar minha história até o ponto em que se deságua esta pesquisa. Volto ao final dos anos 1970, para ser mais exato ao ano de 1978, data de meu nascimento. Nasci na cidade de Foz do Iguaçu, estado do Paraná, em uma vila de trabalhadores que estavam construindo o que viria a ser a maior Usina Hidrelétrica do Brasil (feita em parceria com o Paraguai), a Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu, localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Foi um dos maiores projetos empreendidos pelo Governo Militar, em parceria com o País vizinho. Meu pai, um civil que trabalhou para os militares, tinha sido destacado para gerenciar um pequeno hotel o qual recebia diversos hóspedes oriundos do empreendimento, passando por ali pessoas das mais variadas nacionalidades e origens. Anos depois, descobri que ele havia sido colocado estrategicamente nesse posto para monitorar possíveis “subversivos” contrários ao regime e que circulavam na região considerada de segurança nacional.5

5 Em documento disponível no portal da Comissão Nacional da Verdade (CNV), há provas da colaboração dos

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Figura 1 – Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu Fonte: Folha de S. Paulo (2015).

Voltando ainda mais na cronologia do meu “tempo histórico”, antes de chegar ao meu surgimento propriamente e ao decorrer de minha vida pessoal e acadêmica (ambas imbricadas), faz-se necessário retroceder um pouco mais na história dos meus antepassados para melhor esclarecer minha relação com a temática estudada, principalmente no que se refere ao processo recente de colonização da Amazônia e aos milhares de pessoas que executaram essa epopeia anônima.

Sou o filho primogênito de quatro irmãos de um José e uma Maria, nomes comuns para uma história de vida que me legou o gosto pelas viagens, as mudanças constantes, as dificuldades financeiras, os grandes desafios ao longo da vida e a moradia e vivência na Amazônia. Meus pais são filhos de trabalhadores rurais, sem posses ou bens materiais, migrantes que percorreram longas distâncias trabalhando em grandes e médias propriedades rurais que nunca foram ou poderiam ser suas pela escassez de recursos financeiros.

Minha avó e avô paternos, maranhenses, ambos já falecidos, são exemplos claros de um sobrenome desconhecido e anônimo, cidadãos comuns brasileiros com pouca ou nenhuma

visando a monitorar ativistas contrários ao regime de ambos os países. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/index.php/2-uncategorised/417-operacao-condor-e-a-ditadura-no-brasil-analise-de-documentos-desclassificados. Acesso em: 11 set. 2017.

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cidadania. Ele morreu cedo, com menos de 60 anos, um sério problema com álcool e a incapacidade de estabelecer raízes, em uma vida errática longe da família. Gostava de caçar animais silvestres e fazia pequenos biscates e artesanatos de couro para sobreviver. Segundo meu pai, uma de suas paixões era a música: passava horas ouvindo o rádio e cantarolando operetas populares como “O Ébrio”,6

de Vicente Celestino.7

Minha avó paterna morreu muito tempo depois, talvez com mais de 90 anos (o que não é possível saber exatamente porque seus documentos originais tinham se perdido com o tempo). Conheci muito pouco meu avô (uma lembrança abstrata da infância) e não tive a oportunidade de estar com minha avó antes do seu falecimento. Figuras familiares que poderiam ter tido importância na minha vida afetiva, mas, por uma série de circunstâncias e pela dinâmica que se estabeleceu em minha família desde antes do meu nascimento, são apenas fragmentos de lembranças que não me causam comoção, apenas o sentimento de que muitas pessoas próximas nascem, vivem e morrem em um profundo anonimato.

Meus avós maternos, apesar dos mesmos condicionantes de pobreza dos seus pares paternos, permaneceram juntos até o final. Minha mãe foi apenas uma dos treze (ou quatorze) irmãos que nasceram ao longo de vários anos e de uma constante migração familiar que saiu dos interiores da Bahia, passando pelo Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná até chegar ao Pará – onde fixaram moradia na região junto com o enorme contingente de pessoas que foram trabalhar na Amazônia, às margens da rodovia Transamazônica (BR-230), megaprojeto construído alguns anos antes e nunca finalizado.8

Antes de chegar ao seu destino final, eles eram o que chamamos de “meeiros”, ou seja, trabalhadores rurais que vão cultivando a terra de outros e repartindo sua colheita e tudo que for produzido com os verdadeiros proprietários do imóvel rural. Foi assim durante muitos anos, até se estabelecerem no Pará. Anos mais tarde, estudando sobre o mundo rural brasileiro, atribuição que obtive trabalhando como profissional de comunicação (jornalista) no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), descobri que meus avós faziam parte de um grande contingente da população brasileira denominado de “famílias sem-terra”, e que ao longo dos anos 1970 e 1980 participaram de um grande projeto governamental que visava a levar “homens sem-terra para uma terra sem homens” ou, como ficou conhecido à

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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BFOO-HFoMSg. Acesso em: 12 set. 2017.

7 Um dos maiores cantores populares do Brasil, nascido em 1894 e falecido em 1968. 8 O tema será abordado na terceira parte da presente tese.

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época, o projeto de colonização e povoamento da Amazônia concebido pelo Plano de Integração Nacional (PIN), feito pelo Governo Militar.9

Situação semelhante é descrita por Silva (2008) ao relatar a possibilidade de concessão de um terreno (lote) por sua família na região da Transamazônica após imigrar do Ceará para o estado do Pará. Isso os deslocaria da condição de “sem-terra” para, pela primeira vez, serem donos do seu próprio chão.

Com efeito, era obrigado a plantar na terra dos outros, não tinha sua própria casa, entregava metade da colheita ao dono da terra e, por vezes, era forçado a partir a qualquer momento. Significava não poder mandar, decidir, planejar, porque não estavam no que era seu. O caso particular de minha família tem implicações mais gerais e mostra que a detenção da propriedade da terra não é apenas de ordem material, mas também de ordem simbólica, envolvendo sentimentos como honra e dignidade, além de significar a possibilidade de ter expectativas em relação ao futuro. Desta forma, a probabilidade de conseguir um lote na Transamazônica ganha múltiplos significados: o chefe de família camponês tem perspectiva de reconstruir sua honra e sua dignidade, além de passar a ter novas expectativas de um projeto de vida para si e sua família (SILVA, 2008, p. 80).

Meus avós maternos e seus filhos (com exceção de minha mãe, que havia ficado no Paraná) fixaram residência entre as duas principais rodovias da região: a Cuiabá-Santarém (BR-163) e a já mencionada Transamazônica (BR-230). Ambas levaram milhares de pessoas a residir em seu entorno com a promessa de, enfim, ter moradia e terra para cultivar e colher. Distribuindo-se entre alguns municípios, hoje tenho parentes residindo em praticamente todo esse entorno paraense, com destaque para as cidades de Novo Progresso e Altamira. Esta última, como já mencionamos anteriormente, é central para a pesquisa desenvolvida e para o objeto desta tese.

9 O PIN foi um programa governamental instituído pelo Decreto-Lei nº 1.106, de 16 de junho de 1970, durante o

governo do general Emílio Garrastazu Médici. Tinha por objetivo implantar obras de infraestrutura econômica e social no Norte e no Nordeste do país. Numa primeira etapa, pretendia acionar, junto ao Ministério dos Transportes, o início imediato da construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, bem como de portos e embarcadouros fluviais com seus respectivos equipamentos. Na área do Ministério da Agricultura, o programa visava à colonização e à reforma agrária, prevendo para tanto a elaboração e a execução de estudos e a implantação de projetos agropecuários e agroindustriais. Nesse sentido, eram previstas também as desapropriações, a seleção, o treinamento, o transporte e o assentamento de colonos, e a organização de comunidades urbanas e rurais com seus serviços básicos. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/programa-de-integracao-nacional-pin. Acesso em: 11 ago. 2017.

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Figura 2 – Início das obras de construção da Rodovia Transamazônica (BR-230) e sua placa de inauguração na cidade de Altamira (PA).

Fonte: O Globo (1970).

Retornando a Foz do Iguaçu, lugar de meu nascimento e de outro irmão (Paulo), e, como mencionado anteriormente, cidade onde estava sendo construída a maior obra do Brasil até aquele momento, a Hidrelétrica de Itaipu, ficamos na cidade menos de dois anos antes de começar uma saga que seguiria o rastro de meus avós. Viveríamos também uma vida de migrações, viagens, mudanças, sem raízes, com poucas referências familiares e desbravando os lugares mais longínquos que os grandes projetos realizados na Amazônia pudessem oferecer.

Um dado importante para entender os motivos que fizeram minha família viajar tanto em um período tão curto de tempo a vários pontos da região amazônica, em uma espécie de “diáspora parental”,10

passando por uma série de intempéries que iam desde a pouca infraestrutura de lugares isolados e completamente diferentes da região sul em que vivíamos até os impactos culturais (e sociais) que esse deslocamento acarretava, só foi percebido e assimilado por esse pesquisador muitos anos depois. Para ser mais exato, quando problematizava a pertinência acadêmica de nosso objeto de estudo e os motivos pessoais que se faziam presentes antes e durante todo o processo de pesquisa. Eram os porquês que só nesse momento apareciam de forma explícita, em uma miríade comparativa da realidade social aparentemente distante com minha realidade particular construída ao longo de anos.

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Para entender todo esse processo, é preciso destacar a profissão de meu pai. Ele colaborou com o Governo Militar e seu último trabalho para o regime foi no local que conheceu minha mãe, na cidade de Foz do Iguaçu, no final dos anos 1970. Antes, como migrante do norte do país (natural de Tocantinópolis – TO), atuou em uma série de missões, inclusive participando ativamente da Guerrilha do Araguaia,11 um dos maiores conflitos armados do meio rural e amazônico que o Brasil já teve.

Após essa intensa participação e o fim da Ditadura Militar, tornou-se o que no meio dos trabalhadores de grandes obras chama-se de “peão de trecho”. Esse termo possui uma carga pejorativa e é utilizado para caracterizar os profissionais sem formação superior ou especializada, e que são chamados para o labor em obras semelhantes (como grandes construções, hidrelétricas, mineradoras, rodovias etc.) independentemente da região do País. Acumulam certo know-how porque as empreiteiras que atuam nessas obras, como aponta Campos (2015), fazem parte de um seleto grupo que se consolidou a partir da década de 1960 na construção de grandes projetos de infraestrutura executados em todo o Brasil. E, como modus operandi, para facilitar suas atividades, acabavam convocando os mesmos profissionais que já tinham experiências em projetos anteriores. No caso de meu pai, ele era geralmente responsável por coordenar os trabalhadores que atuavam nos serviços gerais, lavanderia e/ou hotelaria de uma determinada empresa que prestava serviço para o consórcio construtor do empreendimento.

Após essa breve estadia no Sul, meu pai foi convidado a trabalhar na construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará.12 Começava aí uma relação profunda de minha família (pais e irmãos) com esse estado e a região amazônica. Fomos morar em uma vila de funcionários construída justamente para essa finalidade, uma company town.13 Durante toda a minha infância, essas habitações seriam uma constante. Perdi a conta do número de casas nas quais morei durante esse período. Em Tucuruí, nasceram mais dois irmãos, Paula e Marcos, e uma importante fase da infância se misturava à curiosidade e à incompreensão de

11 O movimento guerrilheiro contra o Governo Militar aconteceu às margens do Rio Araguaia no Norte do País,

entre os anos de 1967 a 1974, culminando com a morte de todos os seus integrantes.

12 Atualmente a terceira maior Hidrelétrica do Brasil, construída no Rio Tocantins, inaugurada em 1974 e

concluída 10 anos depois, em 1984.

13

Company town é um tipo de “cidade” feita e mantida pela empresa (companhia) responsável pelo empreendimento. Funciona como uma vila onde quase tudo, casas, escolas, hospital, supermercado, cinema, posto de gasolina e estabelecimentos comerciais, pertencem a uma única empresa. Na maioria das vezes, essas company towns são caracterizadas pelo monopólio, pelo paternalismo, pelo isolamento e pela excelente qualidade de vida. E, no caso das company towns na Amazônia, essas cidades giram em torno de algum megaprojeto. Disponível em: http://realidadeurbanas.blogspot.com.br/2012/01/company-towns-na-amazonia.html. Acesso em: 27 jul. 2016.

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onde eu morava, longe dos grandes centros urbanos, no meio da floresta amazônica e convivendo com pessoas de vários lugares, sotaques e hábitos distintos. Nessa company funcionava apenas uma única escola onde estudavam todos os filhos dos “trabalhadores da obra”: ali estavam expressas, entre os estudantes, diversas classes sociais de acordo com a função de seus respectivos pais, de origens, culturas e lugares diferentes do Brasil.

Figura 3 – Hidrelétrica de Tucuruí e a Vila Permanente dos trabalhadores da barragem. Fonte: Construtora Camargo Corrêa (2014).

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Rememorando o meu período de infância na barragem de Tucuruí e analisando questões que hoje se fazem presentes nesta pesquisa, não imaginava os impactos socioambientais que esse empreendimento ocasionou a diversas famílias e populações. Segundo Magalhães (2005),14 não se pode falar em barragens na Amazônia sem se recuperar a memória dos afetados desse gigantesco empreendimento, que atingiu cerca de 20 mil pessoas e ainda hoje se faz presente na história da construção de grandes obras hidrelétricas na Amazônia. Muitos de seus ex-moradores foram realocados pela empresa responsável (a Eletronorte) em lugares distantes onde não havia condições de moradia, sendo obrigados a abandonarem suas casas novamente e mudarem para outras cidades. É o caso de D. Raimunda, uma de nossas entrevistadas, que, logo após a perda de sua casa em Tucuruí, migrou para Altamira, onde anos mais tarde foi novamente atingida com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Eu nasci em Pedreiras, no Maranhão, e fui trabalhar de babá no começo da história, vim pra Belém com 12 anos. Trabalhei de babá, trabalhei cozinhando. De babá fui ser cozinheira. Daí conheci uma pessoa em Belém, 1976, e quando foi em março de 77 casei. Em 76 foi a revolução da obra de Tucuruí. Recém-casada, eu fui pra Tucuruí em 76. Lá fiquei de 76 a 85. Meu marido começou trabalhar na obra em 78. Nós fomos alagados... A Eletronorte na época trocou a nossa terra em outra área na Transanova, quilômetro 6, que o lago arrodeou 250 quilômetro e tomou a terra de novo. Então o primeiro lote que a gente comprou tá fundo, e o segundo tá metade no fundo também. Como eu já tinha, em 85, eu tinha cinco meninas, todas mulheres, não tinha como eu ficar no lote, que ficou mais longe que o outro e muito. A Eletronorte deu uma casa no reassentamento, no repartimento, no meio do nada, também não dava pra morar com criança, não tinha como. Daquela época, então, também não tinha como a gente ir morar num lugar desse com criança pequena. O lote que nós mudamos quando a água veio onça começou subir, comeu gente e eu me apavorei, saí da terra. Porque carapanã [mosquitos] era demais da conta. O lago veio perto, o lago ficou perto de nós mais ou menos uns 60 metros. Não tinha como sobreviver ali. Tudo distante, sem rumo de vida. Aí a gente foi, ‘larguemo’ esse lote lá, ‘fomo’ pra Marabá, não deu certo. Quando foi em 89, ‘viemo’ pra Altamira. A gente ia pra Manaus, aí quando chegou aqui em Altamira o dinheiro acabou. Aí ‘fiquemo’ por aqui pra tentar chegar em Manaus. Como ‘achemo’ que aqui dava pra sobreviver, nós ficamos (ENTREVISTA 01, 2015).

A fala da entrevistada tem uma relação ainda mais parecida com o pesquisador porque, além de sua família migrar constantemente, seu marido também era o que denominamos anteriormente de “peão de trecho”. Ao falar sobre sua vida, D. Raimunda explicou que seu

14

Capítulo que compõe o livro TENOTÃ-MÕ, organizado pelo professor da Unicamp Osvaldo Sevá Filho, que problematiza os impactos socioambientais dos projetos hidrelétricos na bacia do Rio Xingu. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2010/10/Tenot%C3%A3-Mo.pdf. Acesso em: 12 abr. 2017.

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companheiro havia trabalhado também na Usina Hidrelétrica de Itaipu (PR), na mesma função que a empreiteira responsável o contratara em Tucuruí, a de operador de grandes máquinas (tratores), atividade que ele exerceu até o casal deslocar-se para Altamira, quando mudou de ramo e virou trabalhador rural.

Findadas as atividades de meu pai em Tucuruí, no final dos anos 1980, mudamos para o Amazonas no rastro de outro grande projeto, mais precisamente para a vila Pitinga, lugar onde se localiza ainda hoje a maior extração de estanho do Brasil, gerenciada pela Mineração Taboca.15 Menor que Tucuruí e com a presença da vegetação amazônica bem mais intensa (estávamos a 319 km de Manaus, no meio de densa floresta, próximos à reserva indígena Waimiri-Atroari16), foi nessa company town que contemplei pela primeira vez a flora e fauna amazônica com admiração e fascínio. Nesse local, moramos durante muito tempo em diversas casas onde era possível ver a mata e escutar seus sons como se estivesse no quintal. Nas brincadeiras de menino e na formação do meu imaginário, andei muito pela vizinhança e por várias vezes vi pegadas de animais que “passeavam” pelas redondezas. Nessa abundante fauna se faziam presentes pequenos pássaros, vários tipos de macacos (um deles impressionava por seu grito alto e poderoso, a guariba), pequenos roedores (como a cotia) e até onças. Para uma criança, era como se vivêssemos em um “filme de aventura na selva”.

15 Disponível em: http://www.mtaboca.com.br/port/. Acesso em: 27 jul. 2016. 16

A Terra Indígena Waimiri-Atroari está localizada na Amazônia brasileira, entre o norte do estado do Amazonas e sul do estado de Roraima. Segundo o último Censo de 2010, vivem nesse território cerca de 1.900 indígenas. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/waimiri-atroari/702. Acesso em: 12 ago. 2017.

Referências

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