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Desafios e a redes de mobilização na Amazônia: Belo Monte como fato consumado?

Dimensão 3 – Aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se

5 REDES DE MOBILIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CONTEXTO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: O EPICENTRO DE UMA NOVA DINÂMICA

5.4 Desafios e a redes de mobilização na Amazônia: Belo Monte como fato consumado?

Há, em quase toda a região Norte do Brasil, uma formiga de pequeno porte geralmente avermelhada que tem uma picada dolorosa e sempre anda em grupos: ela é conhecida como formiga “jiquitaia”. A metáfora que utilizamos em nossa tese é a seguinte: os movimentos sociais que atuam no contexto dos grandes projetos na Amazônia e em Altamira são “jiquitaias” que constantemente picam um gigantesco elefante de pele grossa e grandes presas de marfim chamado “Belo Monte”. Os pequenos insetos nunca irão matar o monstro, mas o incomodam constantemente e o fazem, de tempos em tempos, se movimentar.

Os movimentos sociais atuantes nessa região são como jiquitaias: podem trabalhar conjuntamente e incomodar de forma considerável os poderes estabelecidos. Apesar de o megaempreendimento estar quase concluído (com a previsão de funcionamento de todas as suas turbinas para 2019) e aparentemente ser um “fato consumado”, muitas questões ainda estão por vir. Algumas delas têm grande visibilidade midiática, como a já mencionada pesquisa do Ipea de 2017 que coloca Altamira como a cidade mais violenta do País (a maior

em número de homicídios proporcionais), consequência direta da intervenção do Estado e construção da referida obra.206

Para essa e outras questões do “pós” Belo Monte, os atores e movimentos sociais da região continuam articulados e promovendo uma série de mobilizações através de suas redes. Um dos resultados concretos dessa intensa articulação ao longo dos anos é a criação do Fórum em Defesa de Altamira,207 uma iniciativa promovida por diversos grupos, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS), Universidade Federal do Pará em (UFPA), Sindicato dos Oleiros, Sindicato dos Carroceiros, entre outras organizações e movimentos sociais que visam a continuar debatendo os principais problemas da cidade surgidos com a construção da referida Hidrelétrica e seus inúmeros impactos sociais e ambientais.

Como um dos resultados dessa mobilização contínua, a licença de instalação das obras de Belo Monte foi recentemente suspensa por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) a partir de denúncias do Ministério Público Federal, solicitando que a Hidrelétrica só retorne a seu funcionamento quando a Norte Energia S/A fizer a readequação dos projetos de reassentamento urbano para as famílias que foram despejadas a partir de sua construção, o que até o momento havia sido feito parcialmente.208

Outras questões continuam em evidência e tendem a crescer com o tempo, como a série de impactos aos povos indígenas da região. Isso gera, como já citamos anteriormente neste capítulo, um processo etnocida de responsabilidade do Estado brasileiro e que reativamente vem provocando uma contínua mobilização não somente de organizações e grupos indígenas da Amazônia, mas também de movimentos sociais, entidades e organismos multilaterais que atuam no âmbito internacional, como o já mencionado Fórum Permanente das Nações Unidas para Questões Indígenas.

A história recente da construção de Belo Monte remete a uma nova dinâmica dos grandes projetos na Amazônia, tanto para o establishment que o defende e o constituiu como para os atores sociais contrários a ele e que foram surgindo durante o processo. Não foi uma construção simples e imediata: até chegarmos à inauguração da terceira maior hidrelétrica do mundo, uma série de fenômenos dialéticos se fizeram presentes.

206

Disponível em: https://projetocolabora.com.br/cidades/belo-monte-provoca-explosao-de-violencia-no-para/. Acesso em: 23 nov. 2017.

207 Disponível em: https://margemesquerdadoxingu.blogspot.com.br/2015/03/forum-em-defesa-de-altamira-e-

criado.html. Acesso em: 23 nov. 2017.

208 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/13/justica-suspende-licenca-de-

Como aponta Almeida (2005), o novo cenário de ativismo na Amazônia foi sendo gestado, sobretudo, a partir de 1988 com a atuação crescente e sistemática de movimentos sociais que começaram a surgir e a se contrapor à integração da região ao fluxo de capitais internacionais, onde as populações amazônidas começaram a construir uma ampla e complexa “luta por direitos”.

O autor acredita ainda que essa nova perspectiva sobre a região, feita a partir de um olhar endógeno de diversas populações (como povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco de babaçu, pescadores etc.), constitui um importante elemento que valorizava a “politização do saber sobre a natureza”, fazendo com que esses atores sociais expressem formas peculiares de mobilização que vão desde a apropriação de seus recursos naturais até o uso de tecnologias e formas de conhecimento para preservar seus modos de vida e lutar contra possíveis ameaças internas e externas.

Almeida (2008) destaca ainda os movimentos sociais da região amazônica são sujeitos constituídos coletivamente, forjando pautas que vêm redesenhando a sociedade civil da Amazônia.

A construção de sujeitos sociais aponta para uma existência coletiva objetivada numa diversidade de movimentos organizados com suas respectivas redes sociais, redesenhando a sociedade civil da Amazônia e impondo seu reconhecimento aos centros de poder. Estas redes emergem para além de entidades ambientalistas ou de defesa ecológica, abrangendo sobretudo organizações locais. Já não é mais possível dissociar a questão ambiental das associações voluntárias e entidades da sociedade civil, com raízes locais profundas, que estão se tornando força social (ALMEIDA, 2008, p. 143).

Nas palavras de Corrêa (2014, p. 294), são agentes sociais e coletivos que, no caso da Hidrelétrica de Belo Monte, defendem “novas agendas de construção de padrões e processos de desenvolvimento, vocalizando princípios como soberania, democracia, dignidade humana, justiça social e preservação ambiental”, promovendo “lutas e resistências sociais que eclodem em decorrência de grandes projetos e empreendimentos hidrelétricos na sociedade brasileira, em particular na região amazônica”.

Por fim, a partir das reflexões geradas com essa pesquisa, acreditamos que os movimentos sociais no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte – em que pese sua diversidade e origens distintas – integram complexas redes de mobilização que visam a ampliar seu potencial de intervenção política e transformação social. Durante esse processo, mesmo não

conseguindo interromper a construção do megaempreendimento, transformaram-se a si mesmos e sua própria realidade, acumulando experiências, ampliando seus repertórios de atuação e se apropriando de novos formatos comunicacionais e pedagógicos, sobretudo relacionados à Internet e a um campo “não formal” da educação. Enquanto isso, muito longe de um término dos conflitos gerados pela terceira maior hidrelétrica do mundo, novos desafios se apresentam a esses atores sociais amazônicos, envolvendo múltiplas questões que eclodem e se relacionam diretamente às sequelas dos impactos socioambientais da mais significativa e polêmica obra de infraestrutura feita no Brasil nas últimas duas décadas.

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