• Nenhum resultado encontrado

O CADÁVER COMO SIGNO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O CADÁVER COMO SIGNO"

Copied!
128
0
0

Texto

(1)

Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão

O CADÁVER COMO SIGNO

Metáforas sígnicas abordadas pelo viés da Semiótica

Psicanalítica e pela Clínica da Cultura

Claudio Ivan Bezerra

(2)

Claudio Ivan Bezerra

O CADÁVER COMO SIGNO

Metáforas sígnicas abordadas pelo viés da Semiótica

Psicanalítica e pela Clínica da Cultura.

Monografia apresentada como forma de avaliação de conhecimento adquirido, durante o Curso de Especialização de Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Coordenadoria Geral de especialização, Aperfeiçoamento e Extensão - COGEAE. Sob orientação do Prof. Dr. Claudio César Montoto.

(3)
(4)

AGRADECIMENTOS

À Yara Torres Bezerra, minha mãe, por sempre me apoiar em todos os meus

investimentos, por mais estranhos e peculiares que eles possam parecer!

Ao professor Dr. Claudio César Montoto [Grande Outro] por toda dedicação,

disponibilidade e feedback que me conduziu a esta linha de pesquisa tão singular e

paradoxal pelo caminho da reflexão, da orientação e da jornada do conhecimento.

Ao Carlos Eduardo Siegl Leite pelo apoio e por acreditar neste projeto.

Ao professor Mestre Vlademir Yrigoyen pela revisão lingüística desta monografia.

Ao doutor médico legista Genival França pela prontidão e disponibilidade.

(5)

“A beleza da rosa está no seu desabrochar,

na forma como ela relaxa suas pétalas,

revela seu perfume, e exibe toda sua suntuosidade.

É um momento muito peculiar,

normalmente a observamos decorada num vaso,

sem raiz, banhada na água.

O que todos não imaginam é que ...

... toda beleza dos seus movimentos delicados

provêem de uma reação mórbida.

Onde a rosa relaxa seu corpo em busca de paz,

num procedente desmanche final dos seus sentidos,

pela renúncia e abandono de suas pétalas-membro“

(6)

RESUMO

Este projeto visa decompor as representações do imaginário popular a partir do

signo o cadáver. Esta análise é formulada pelo viés da Semiótica Psicanalítica, que

investiga sintomas culturais e busca formulações teóricas para compor, compreender e

explicar a profundidade sígnica.

Para tanto, esta pesquisa recorre a teorias de ciências como a Antropologia, na

relação do homem com o cadáver humano, e suas manifestações sócio-jurídicas e a

Medicina Legal que detém estudos clínicos sobre a decomposição orgânica.

Além do composto pragmático das ciências sociais e humanas, esta pesquisa é

constituída pela formulação lacaniana sobre o Real, o Simbólico e o Imaginário e

também a partir de conceitos freudianos sobre inconsciente e tópicas do aparelho

psíquico, que visam trazer uma (re) significação sobre o signo do cadáver diante as

representações atuais.

Palavras Chaves: cadáver, morte, decomposição, Medicina Legal.

ABSTRACT

This project aims at to decompose the representations of imaginary popular from

the sign the corpse. This analysis is formulated by the bias of the Psychoanalysis

Semiotics, that investigates cultural symptoms and searchs formularizations theoretical

to compose, to understand and to explain the depth signíc. For in such a way this

research it appeals the theories of sciences as the Anthropology, in the relation of the

man with the human corpse, and its partner-legal manifestations; the Medical

jurisprudence that withholds clinical studies on the organic decomposition. Beyond the

pragmatic made up of social sciences and human beings, this research is constituted by

the lacaniana formularization on the Real, Symbolic and the Imaginary one and also

from freudian concepts on unconscious and tópicas of the psychic device, that they aim

at to ahead bring one (re) signfication the sign of the corpse the current representations.

(7)

FIGURA 1: Gérard David, A descorticação de Sisamnes, 1498, Bruges, Groeninge

Museum.Reprodução (ECO, 2007, p.251) ...25

FIGURA 2: William Hogarth, A recompensa da crueldade, quadro IV, 1799, Paris, Musée d’ Histoire de la Médicine. Reprodução (ECO, 2007, p.253) ...26

FIGURA 3: Gravura anônima, Teatro de Anatomia. Universidade de Leide,1665. Biblioteca Nacional , Paris. Reprodução: Site Cabinets de Curiositès XVI et XVII siècles...27

FIGURA 4: Rembrandt, A lição de Nicolaes Tulp, 1632, Nauritshuis, Haia. Reprodução (ECO, 2007, p.252) ...29

FIGURA 5: Opacificação da córnea e descoramento da coróide. Reprodução: Altas da Medicina Legal – Universidade de Brasília...39

FIGURA 6: Livores de Hipóstase – Óbito por estrangulamento Reprodução: Ibidem....39

FIGURA 7: Livores de Hipóstase no dorso. Reprodução: Ibidem...40

FIGURA 8 : Espasmo cadavérico violento Reprodução: Internet / Anônima...42

FIGURA 9: Múmias de freiras encontradas no Mosteiro da Luz - SP. Reprodução: Folha Online – Caderno Cotidiano ...43

FIGURA 10: Mancha verde abdominal, 48 horas após o óbito. Reprodução: Altas da Medicina Legal – Universidade de Brasília...45

FIGURA 11: Circulação póstuma em cadáver, óbito em 72 horas aproximadamente. Reprodução: Ibidem...46

FIGURA 12: Fase de coloração em evolução – 72 horas após o óbito. Reprodução: Ibidem...46

FIGURA 13: Início da fase gasosa. Reprodução: Ibidem...47

FIGURA 14: Fase inicial da circulação póstuma de Brouardel. Reprodução: Ibidem...47

(8)

FIGURA 16: Bolha sub-epidérmica com conteúdo hemoglobínico. Reprodução:

Ibidem...48

FIGURA 17: Fase gasosa da putrefação. Reprodução: Ibidem...49

FIGURA 18: Fase gasosa de um cadáver de uma idosa. Reprodução: Ibidem...49

FIGURA 19: Fase coliquativa . Reprodução: Ibidem...50

FIGURA 20: Fase coliquativa avançada 1. Reprodução: Ibidem...50

FIGURA 21: Fase coliquativa avançada 2. Reprodução: Ibidem...50

FIGURA 22: Definição de cadáver inumado por mais de 30 anos. Reprodução: Ibidem...51

FIGURA 23: Musca Domestica. Reprodução: www.flycontrol.norvaris.co.uk, em janeiro de 2009...52

FIGURA 24: Sarcophaga carnaria Reprodução: www.entomart.be, em janeiro de 2009...52

FIGURA 25: Dermester lardarisu. Reprodução: www.koleopterologie.de, em janeiro de 2009...53

FIGURA 26: Nocrobia coeruleus. Reprodução: www.nzdl.sadl.uleth.ca, em janeiro de 2009...53

FIGURA 27: Necrophorus humator. Reprodução: www.koleopterologie.de, em janeiro de 2009...54

FIGURA 28: Uropoda nummularia. Reprodução: www.entomologia.rediris.es em janeiro de 2009...54

FIGURA 29: Tinea pellionela. Reprodução: www.popgen.unimaas.nl, em janeiro de 2009...55

FIGURA 30: Tenebiro obscurus. Reprodução: www.zin.ru, em janeiro de 2009...55

FIGURA 31: Queijo maturado por fungos Pennicillium Notatus. Reprodução: www.enq.ufsc.br, em janeiro de 2009...56

(9)

FIGURA 33: Espécie de Trichoderma na natureza. Reprodução:

www.botit.botany.wisc.edu, em janeiro de 2009...56 FIGURA 34 e 35: Um cadáver de frente, aparentemente com expressões muito especiais me sua face. Os sulcos expressivos denotam tanto a sensação do prazer como a de agonia. (Arquivo Pessoal)...79 FIGURA 36: Cena do filme O Terceiro Tiro, Adolf Hitcock (1955). O cadáver de Worp abandonado e com seus sapatos recém roubados...81 FIGURA 37: Cena do filme Noiva Cadáver de Tim Burton (2005). Noiva cadáver com o verme destruidor representando seu super-ego...89 FIGURA 38: Adesivo para colar a pálpebra ao globo ocular de cadáveres na Indústria Norte-americana. Reprodução: Internet / Anônima...93 FIGURA 39: Cenas do documentário Glauber, Labirinto do Brasil de Sílvio Tendler (2003), cortejo funerário e assédio da imprensa...98 FIGURAS 40: Cenas capturadas do documentário “Rompendo o Silêncio” de 1995, organizado por Steven Spielberg. Corpos de judeus nos campos de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial...98 FIGURA 41 e 42: Laboratório polonês OptiNave, etapas dos testes do sistema óptico em Varsóvia, realizados em cadáver para fins experimentais. Reprodução:

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

PARTE 1 1. A MANIPULAÇÃO DE CADÁVERES NA HISTÓRIA: DA PERÍCIA-MÉDICA AO SURGIMENTO DA MEDICINA LEGAL ...16

1.1. Período Antigo – O Cadáver no Mundo Sagrado ...17

1.2. Período Romano – A Descoberta da Causa Mortis...18

1.3. Período da Baixa Idade Média – Início das Perícias no Império Cristão ...19

1.4. Período Canônico (1.200 a 1.600 d.C) – Do Sagrado à Abertura de Cadáveres ...22

1.5. Período Moderno ou Científico – A Era dos Tratados de Medicina Legal...28

1.6. Medicina Legal no Brasil ...31

PARTE 2 2. A CADAVERIZAÇÃO E A FENOMENOLOGIA DA DECOMPOSIÇÃO ...34

2.1. Fases da Cadaverização: Resíduos de Vida e o Comportamento da Matéria Através dos Fenômenos Abióticos Consecutivos ...38

2.2. O Cadáver Permanente, Fenômenos Abióticos Transformativos Conservadores ..42

2.3. Desperso(si)gnificação e os Restos da Matéria em Fase Final: Fenômenos Transformativos Destrutivos ...44

2.4. Avanços da Biotanatologia: determinação cronológica do Cadáver ...51

3. CADÁVER: UM PRODUTO DAS MANIFESTAÇÕES DE GOZO REPRESENTAÇÕES SÍGNICAS E AUTÔNOMAS ...58

(11)

3.2. Os Movimentos Pulsionais e suas Apreensões ...64

3.3. Esvaziamento Pulsional e Restos de Vida ...68

3.4. O Gozo da Carne e a Falência Orgânica ...71

4. UM CADÁVER ENTRE OS VIVOS: IMPLICAÇÕES SIMBÓLICAS, SIMULACROS, TECNOLÓGICAS E ICONOGRÁFICAS...79

4.1 Uma Carcaça a Céu Aberto ...81

4.2. O Surgimento de um Herói Pós-Contemporâneo...87

4.3. Os Cadáveres Simulacros ...90

4.4. Construção de uma Memória Eterna ...95

4.5. Iconografia Cadavérica: O Retrato Paradoxal da (In) Significância ...96

4.6. O Cadáver em Laboratório: Uso Industrial e o Desenvolvimento Tecnológico ...99

5. CONCLUSÃO ...105

BIBLIOGRAFIA ...107

APÊNDICE ...115

ANEXO I...125

(12)

INTRODUÇÃO

A priori apresentamos a funcionalidade das ciências Semiótica e Psicanálise,

com atuação mútua num discurso próprio de profundidade discursiva. Essa nova linha

pragmática de construção de idéias e hipóteses a partir do plano anticartesiano e suas

respectivas possibilidades de preenchimentos situacionais do sujeito, ambiente e sua

relação intermediária com o mundo dos signos, a exemplificar a proposta desta

programação de estudos e o objetivo da especialização em lato sensu, dentro do

campo Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura.

Estudos e reflexões construídos pelo paradigma da Semiótica Psicanalítica

fornecem subsídios jamais vistos em qualquer outro campo científico. A integração da

análise dos signos, suas correspondências; em conjunto com os efeitos de produção

semântico, textual, gráficos, composição de imagens, entre outros, compactuados e

conectados com a fórmula plausível e subjetiva da psicanálise se tornam uma via muito

singular e contundente para um trabalho profundo de reflexão conceitual.

A Semiótica de Charles Sander Peirce (1839 – 1914) tem em suas origens uma

fundamentação embasada em estudos de apreensão fenomenológica, regra que lhe

favorece um contexto bem analítico e próximo de uma dissecação de qualquer

constituição sígnica ocidental. Esses conjuntos de signos, amontoados sobre

determinadas estéticas, imploram por serem desvendados, vistos e compreendidos.

Na atualidade moderna, onde o foco está na informação e na gama de

produção cultural, há uma imensidade de compostos sígnicos, porém são poucos os

signos privilegiados com o fator semiótico. E mesmo assim, alguns deles estão em

análise por mero investimento do mercado publicitário e mercadológico.

Falar sobre signos sem entender o contexto humano, seria o mesmo que ler

placas de ideogramas sem que haja qualquer resquício de conhecimento da língua e

assim não efetuar nenhum tipo de conexão de cadeia no sentido ou mesmo na

(13)

e seu grande projeto: o discurso psicanalítico, por meio de ensaios que são feitos em

conjunto com a prática de análise e a observação laboratorial.

Este cientista é um observador que não vê apenas o ser humano em sua

subjetividade, mas o compreende dentro de uma cadeia de conceitos formulações

sociais, culturais e religiosas. Um verdadeiro engenheiro do aparelho psíquico que

dedicou toda sua vida em prol de um grande projeto científico, algo que pudesse e

tivesse relevância dentro das cátedras acadêmicas e que pudesse elevar não apenas o

seu nome, mas sim seu conjunto de obras.

Na mesma linha, e de proporção sofisticada surge o francês Jaques Lacan (1901

- 1981) discípulo, contemporâneo, e releitor de Freud, que busca no renascimento

psicanalítico a fórmula do conhecimento, e em conjunto as leituras produz atualizações

das obras e mantém o discurso dentro dos planos abstracionistas, topológicos e

conceituais de todos os tempos.

Estes novos intelectuais foram pensadores contemporâneos de grande destaque

no campo científico, pois organizaram sistemas próprios de repensar a cultura e

decifrar grandes enigmas da sociedade. Por fim não podemos nos esquecer de outro

grande representante da Semiótica Psicanalítica da atualidade que além de ganhar

status em colunas de grandes veículos propõe idéias, pensamentos, e mais filosofias

sobre a contemporaneidade, sobre a condição humana; o semioticista Umberto Eco

(1932).

Quanto à proposta desta obra, lembro que abordar o paradigma Semiótico

Psicanalítico para elevar algum objeto à dignidade da coisa não é uma tarefa tão

simples assim. Buscar e revirar alguns temas e objetos para que possam ser pensados

e analisados com grande minúcia e respeito, é algo estritamente perturbador.

Diante uma lista de objetos de análise, tive a dolorida função de riscar e checar

um tema, que pudesse não apenas ser um item mercadológico de produção científica,

mas sim algo que pudesse envolver o objeto mais presente e real de todos os tempos!

(14)

Este objeto de pesquisa ganhou minha atenção exatamente por ser um

objeto de grande irrelevância na cultura ocidental, por dotar de grandes cargas de

recalcamento e ser um dos itens mais detestados por unanimidade social.

O ente depois de morto ganha o desprezo social, e é jogado à margem do

esquecimento e da empatia sócio-cultural, da forma mais brusca e instantânea possível.

Salvo os parentes que o homenageiam, o cadáver é um dos maiores signos da

intolerância, medo e pavor. Ele é visto como a imagem do verdadeiro caos , da

destruição, o signo da morte, daquilo que está no escuro e que ninguém tem coragem

de olhar. Pode corresponder a imagem de uma guerra, da perda incessante e da

própria perversidade humana, e tem emprego garantido como representante oficial de

atrocidades e catástrofes. A alegoria cadavérica é um recurso muito empregado na

indústria jornalística e ganha gradativamente um composto arquétipo que é facilmente

adotado e digerido pela sociedade de massa. Um cadáver na capa? E um silêncio se

escoa, apesar da imagem gerar um sentido completo, há outro lado relutante e

subjetivo que briga e insiste em recobrir algo que está além do campo visual, imaginário

e estético.

Este trabalho de pesquisa completa quase três anos, em coleta de materiais,

investigação de assuntos, verificação de temas, checagem de conceitos, orientações

acadêmicas e reflexões diárias sobre o tema que envolve o corpo humano inanimado e

suas repercussões com o sistema psíquico. Dotado de significação e recalques o

cadáver é um elemento cultural que está muito longe de poder ser descartado ou

ignorado; ele merece sim um grande destaque científico e analítico. Tratar do cadáver

não é apenas ter a ilusão de fazer um bem a um ente querido, mas sim de ter respeito e

elevação de dignidade a nossa condição humana, como também trabalhar o lado

próprio e subjetivo da nossa própria morte.

No dito popular costumamos dizer que a morte é a nossa única certeza,

incontestável, real e dramática! Entretanto, posso afirmar com ênfase que um dia todos

(15)
(16)

1. A MANIPULAÇÃO DE CADÁVERES NA HISTÓRIA: DA PERÍCIA-MÉDICA AO SURGIMENTO DA MEDICINA LEGAL

O estudo do corpo morto como objeto de análise é uma prática muito antiga

desde as sociedades primitivas até a atualidade. Em muitas sociedades não era

permitido a abertura e o manuseio do cadáver humano, por ser considerado de

propriedade divina, em diversas culturas poli e monoteístas.

A história das perícias médicas à incorporação da Medicina Legal é decorrente

do pensamento humano, que atravessou séculos de mudanças e transformações

sócio-jurídicas. A exploração de cadáveres para pesquisa científica será possível de realizar

somente quando o pensamento racional é destituído do pragmatismo cristão. Assim a

análise da possível causa e a concentração de estudos taunatológicos libera o cadáver

do sentido sagrado e o determina como um elemento perecível e físico a ser

investigado. Isto só é possível na Idade Média, por volta de 1.200 d.C. quando as

primeiras autópsias são legalizadas na Europa.

A Medicina Legal tem cunho objetivo e racional, por se tratar de um método

investigativo, e busca a verdade reclamada de resultados dramáticos de violentas

lesões. 1 Sendo assim, é de suma importância nos sistemas jurídicos e na organização

das sociedades. Sua funcionalidade em extensão garante melhores formas de

convivência humana no âmbito geral e assume uma premissa investigatória de crimes

hediondos, mantendo a securidade do bem jurídico.

Investigar, determinar e analisar a causa da morte, faz do homem um grande

patriarca da sua própria natureza. O ingresso ao desconhecido é uma grande façanha

que irá contribuir para a formação de diversas ciências médicas, biológicas e jurídicas.

O estudo da post-mortem2 busca por respostas além da sepultura e se aventura nos

cenários mais chocantes e horripilantes de crimes contra a própria humanidade.

1.1. Período Antigo – O Cadáver do Mundo Sagrado

1

Exemplificado por França (2004, p. 1-3).

2

(17)

Na Antigüidade os vínculos sociais não tinham estruturação sólida nem definida,

o que inspirava a atuação de crimes bárbaros sem qualquer tipo de controle legal. A

luta e a guerra eram marcas muito comuns aos povos que viviam separados por

colônias derivados de clãs e totens.

Os códigos de leis conhecidos na época eram unificados aos sistemas de

crenças, enquanto algumas legislações preservavam o respeito pela vida, outros

pregavam um efeito caótico na sociedade, enaltecendo a vingança e a represália física

e moral. Entre os principais códigos estão: a Legislação de Moisés 3, o Código de

Hamurabi, a Lei de Talião, e o Livro dos Santos4, entre outros.

No antigo Egito há registros de exames post-mortem, em casos de mortes

violentas e em crimes de violência sexual. Essas perícias foram datadas muito antes do

desenvolvimento e da prática das técnicas de embalsamento dos corpos, que são

grandes legados deixados pela civilização egípcia. Por volta de 300 a. C. em

Alexandria, o rei Ptolomeu foi o primeiro líder a permitir o retalhamento de cadáveres,

para demonstrar como era o funcionamento do corpo humano.5

Na Grécia Clássica o médico prestava juramento no altar de Eumenes antes de

qualquer inspeção ou análise. Aristóteles, favorável ao controle de natalidade, elegeu

40 dias para a animação do feto durante a gestação, ou seja, antes disto o feto não era

considerado como vivo. Trata-se de uma opinião favorável ao aborto nas primeiras

semanas, esta opinião foi homologada pelos magistrados do Areópago, nos

julgamentos de crimes contra aborto. As perícias médicas nas sociedades antigas

tinham traços da Medicina Judiciária, isto é, com funcionalidade exclusiva para vítimas

reclamantes. Principalmente para casos de comprovações de virgindade, lesões

corporais e problemas de ordem moral. Entretanto, estas referências eram isoladas e

rudimentares, e não instituíam caráter científico instituído.

3

Os sete mandamentos bíblicos.

4

(18)

Conhecido como o Pai da Anatomia o médico grego Herófilo de Calcedônia

(335 a.C - 280 a.C) ganhou fama por levar suas conclusões científicas a partir de

dissecações humanas. Suas análises eram feitas em criminosos encarcerados, suas

descobertas foram de grande relevância, há rumores de que ele seja um dos

fundadores do Método Científico. De acordo com o escritor eclesiástico Tertuliano

(Cartago 155 - 222 d.C) o médico havia vissecado em torno de 600 prisioneiros.6 Entre

suas principais contribuições foram: a descoberta do cérebro como centro do sistema

nervoso e da inteligência; distinção dos nervos e vasos sanguíneos, os nervos motores

e sensitivos; distinguiu o pulso próprio de palpitações musculares, espasmos e

tremores; descrição apurada sobre os olhos, o cérebro , fígado, pâncreas, a salivação,

o duendo e os órgãos genitais.

Apesar das rudimentares perícias, podemos esclarecer que a análise médica não

exercia o pragmatismo da investigação em cadáveres. Para as sociedades, primitivas

em geral, os cadáveres eram considerados sagrados, proibidos de serem necropsiados

ou vivissecados. Acreditavam que o cadáver era propriedade divina e qualquer tipo de

ruptura desta proibição, como o retalhamento do morto, poderia gerar uma profanação

de grandes proporções. Portanto, as recentes descobertas não tiveram apoio e nem

repercussão científica na época, uma vez que o material de pesquisa produzido pelo

médico Herófilo foi perdido, e parte localizada foi somente após 100 d.C.

1.2. Período Romano – A Descoberta da Causa Mortis

Em Roma - no período antes de Justiniano - a origem da perícia médica está

prescrita pela Lex Regia, de Numa Pompílio. O exame de histerotomia 7 foi realizado

em cadáveres de gestantes em busca de informações fetais. Um dado muito

interessante é que o corpo de Júlio César foi superficialmente analisado pelo médico

Antístio, que identificou, mesmo com tantas perfurações, o golpe que havia sido fatal.

6

Ibidem.

7

(19)

feitos de formas superficiais. Nos relatos de Tito Lívio, é mencionado que os cadáveres

de Tarquínio e de Germânico foram analisados em praça pública devido a suspeita de

envenenamento.

Era comum que, em mortes violentas, a exposição do cadáver fosse feita à

população, para a opinião pública compartilhar sobre tal eventualidade. As avaliações

dos danos existentes nas vítimas eram estabelecidas pela Lei das Doze Tábuas.

1.3.Período da Baixa Idade Média – Início das Perícias no Império Cristão

A Baixa Idade Média é considera por muitos estudiosos como uma fase

obscura, dominada por mitos sociais e com poucas contribuições intelectuais e

científicas comparadas a outras épocas. A estrutura social neste período é marcada

pelo forte domínio da Igreja Católica, que ocupa o lugar do regime Imperialista Romano

e assume gradativamente seu poder e domínio territorial, e intelectual.

Apesar da época Cristã, o pensamento popular carregava fortes crendices da

época pagã. O misticismo estava enraigado nas práticas e costumes sociais, bem como

os atuais fenômenos milagreiros – com o recente advento das santidades. Diante deste

quadro sincretista não foi difícil que diversas crendices populares, sobre o universo dos

mortos, ganhassem vazão na cultura popular. O misticismo e a Astrologia, ainda eram

parte do domínio público e toda referência aos mortos tinha um vínculo muito forte com

o desconhecido. Existiam várias lendas sobre os mortos e presságios: “[...] cadáveres

que emitem sons – como os de porcos – do fundo de seus túmulos; quando estão

abertos, descobre-se que os mortos devoraram o sudário ou as suas vestes, o que

constitui terrível presságio de peste” (ARIÈS, 1977, p. 390).

Havia também outras lendas e narrativas regionais sobre bruxas, gnomos,

fantasmas, profecias que faziam parte do cotidiano nas falácias do homem medieval. A

compreensão sobre a morte e as suas respectivas causas não tinha uma especulação

de proporção científica, já que o domínio folclórico e mítico tinha papel preponderante

(20)

O universo era regido por crendices, logo tudo estaria submetido aos

desígnios da fenomenologia, com o artifício de milagres e encantos de magos, bruxas,

curandeiros etc, que dominavam as forças naturais e as direcionavam conforme seus

desejos e pedidos. As receitas mágicas eram repassadas de gerações entre os

praticantes de magia, e tinham grande procura pelas famílias dos enfermos. Este

sistema de crenças foi compatível ao chamado cristianismo popular.

O cadáver era tido como matéria prima de grande valor na criação de poções

mágicas e eram utilizados como remédios de grande eficácia. Assim, a procura por

matadores, como os carrascos e executores, era muito grande. Devido aos mais

diversos tipos de execuções humanas, os cadáveres se apresentavam em diversos

tipos de configurações físicas.

A demanda de mercado na busca de matérias-prima coloca o carrasco

indiretamente envolvido na abertura e manipulação nociva e descompromissada do

corpo morto, de acordo com que lhe era solicitado. Os cadáveres eram comercializados

em diversos estágios de decomposição, desde pedaços, dejetos, ossadas, cabelos,

crânios, inclusive gorduras de pessoas que haviam sido executadas, para composição

de vários antídotos.

A lista das propriedades benéficas do cadáver alonga-se até a beberagem

afrodisíaca, composta de ossos calcinados de cônjuges felizes e de amantes

mortos. As vestes dos mortos, mesmo um fragmento curam as dores de cabeça e

de ani procidentia (hemorróidas) [...] pega-se o cadáver inteiro de um homem

saudável, mas morto de morte violenta; corta-se todo ele em pedaços bem

pequenos, carne, ossos e vísceras; mistura-se bem, reduzindo tudo a líquido

no alambique. Essa água, entre muitos outros efeitos medicinais, permite avaliar,

com segurança, a esperança de vida de um doente gravemente atingido: numa

certa quantidade dessa água vertem-se 3 a 9 gotas de sangue do doente,

(21)

o cadáver, possa ter um resíduo de vida. Acreditava-se que o corpo conservava um vis

vegetans (vestigium vegetae) 8, demonstrado pela sensibilidade do cadáver. Esta

crença tem origem numa tese de medicina judaica, desenvolvida pelo médico e

alquimista Paracelso 9. Outra situação de reforço ao uso de cadáveres no tratamento de

saúde, tem raiz no tratado médico publicado pelo alemão L. Christ. Fred. Garman, que

atribui poderes milagrosos aos cadáveres. Ambas as premissas podem ter surgido

através do comportamento fenomenológico dos cadáveres, que adiante serão

incorporados nos estudos de Anatomia Humana e Medicina Legal. É interessante

observar que o homem começou a ter um contato maior com o cadáver, e suas

respectivas propriedades físicas e perecíveis, seja desordenada, sem critério ou sem

qualquer tipo de especulação de cunho científico.

As perícias legais aparecem sob o regime de Carlos Magno, através de leis

sálicas e germânicas que influem diretamente em casos de infanticídios, suicídios,

violência sexuais e pedidos de divórcio (prova de virgindade em donzelas e impotência

sexual). Uma atribuição de grande relevância no período é a ênfase que foi dada ao

médico nos atestados e pareceres diante o julgamento de processos.

Por volta do século V, com a fragmentação do Império de Carlos Magno e a

instalação dos feudos, alguns costumes pagãos reapareceram, predominantemente o

misticismo germânico e o sobrenatural. No campo jurídico, as perícias médicas foram

substituídas pela prática do Ordálio, ou seja, a culpabilidade do réu era determinada

pelo juízo divino (concepção de que Deus protege os inocentes). Se o condenado

cumprisse toda prova (com fogo, água fervente, etc) ao qual fosse submetido, sem

ferimentos, ou com os ferimentos rapidamente curados, ele seria considerado inocente.

8

Do latim: vestígio residual de vida.

9

(22)

1.4. Período Canônico (1.200 a 1.600 d.C) – Do Sagrado à Abertura de Cadáveres

A Igreja, em seu pleno domínio, começa a mudar a mentalidade do homem

medieval em relação às práticas mágicas do chamado catolicismo popular e a crença

católica apostólica se consolida em esfera popular. A celestialidade é tomada por

santidades com a presença do único Deus, onipresente, todo-poderoso e onipotente.

Nesta fase o culto à Astrologia é deixado de lado e o místico é substituído pelo sagrado.

Isto é feito de forma gradativa, sempre incidindo resquícios do costume pagão até

nossos dias, principalmente em povoados mais afastados de grandes cidades.

A imagem do Deus é trabalhada de forma incisiva, pois Ele demonstra atitudes

humanas e, sendo assim, Ele é capaz de consolar, punir, e orientar. Seu desejo é

unidade suprema entre o céu e a Terra. O corpo e a alma são unidades unificadas e

para se alcançar ao reino do céu, o paraíso eterno, é necessário que o corpo físico

esteja sem qualquer tipo de débito. Essa dívida é inata para qualquer ser humano

encarnado que planeja chegar ao mais alto nível da salvação e santidade. O período é

marcado pela forte presença da tortura, não como método exclusivo de punição social,

mas como uma forma de autopunição, ou seja, com o objetivo de obter absolvição de

todas as dívidas. “A tortura, por esta razão, até mesmo poderia ser uma garantia de

salvação, naquele contexto simbólico. Ela anteciparia, nesta vida, o pagamento de uma

dívida, potencialmente reservado para a outra.” (RODRIGUES, 2001, p. 57)

O cadáver não era tido apenas como matéria orgânica em decomposição,

acreditava-se que o morto carregava dentro de si todas as dívidas contraídas em vida,

isto é, havia dentro do corpo inanimado uma força animada mesmo após a morte.

Sendo assim a prática de tortura também era muito comum em cadáveres.

Em 1.209, Inocêncio III institui o Direito Canônico, uma medida disciplinária para

regulamentar o dia-a-dia da sociedade católica. Entre algumas medidas do decreto

estão: exames médicos para comprovação de impotência , atentado ao pudor, aborto e

o principalmente o restabelecimento das perícias médicas. Médicos eram convidados a

(23)

Por uma questão de supremo sacrilégio, a abertura dos cadáveres humanos não

era uma prática permitida, pois abri-los poderia afetar diretamente o espírito do ente

morto. A dissecação do corpo não era uma possibilidade dentro da cultura, e nem do

interesse canônico que pregava a ressurreição da carne. O desejo da Igreja foi

decretado pelo Detestande feritatis foi emita pelo Papa Bonifácio VIII em 1.299. Era

uma medida urgente que pretendia acabar com a prática de desmembramento de

cadáveres, uma técnica utilizada para a transportar o corpo até o local do

sepultamento.10

O dever e a necessidade de honrar aos mortos no mundo cristão criou uma

espécie de tabu sobre o conhecimento do cadáver como objeto. A fé na ressurreição é

um fator de extrema importância que impacta diretamente na interdição da abertura dos

cadáveres. Católicos deveriam exercer plena piedade, sobre os mortos, “...o sacrifício e

as orações oferecidas pelos mortos são venerável tradição da Igreja, e que portanto,

possuem muito valor.” (AGOSTINHO, 1990, p. 8).

Com a proibição pública do clero sobre a retalhação do cadáver, nota-se o

aparecimento de diversas formas de vandalismos e crimes contra os mortos. Os

principais relatados na história são seqüestros e roubo de cadáveres, para estudos

anatômicos. As pesquisas seguiram dentro da imoralidade social, já que o corpo e a

alma eram células unificadas na concepção da época, e os resultados das pesquisas

resultaram baixo valor de descoberta científica, a época.

O ensinamento religioso acrescia um valor estimado ao cadáver humano, em

função da indistinção da morte e da vida. Morrer era dormir por um longo período, até a

chegada do grande momento bíblico: o Grande Despertar. A sociedade feudal convivia

de forma pacífica com o fenômeno da morte; a morte começava antes da vida; e na

morte continuava-se a viver. Logo as cidades continham os mais diversos restos e

detritos orgânicos espalhados ao redor dos vilarejos, das ruas. A sujeira tinha um papel

determinando no cenário urbano, com suas convicções fundamentadas na fé, portanto

a convivência comunitária não sofria qualquer interferência contrária.

(24)

A relação do homem medieval com o lixo tinha outro sentido do que é hoje.

Enquanto o homem moderno tenta bani-lo da superfície o homem medieval convivia ao

redor de restos de alimentos, lixo orgânico e até mesmo carcaças de animais mortos.

Para a sensibilidade medieval, a vida nascia do que consideramos ‘fedor’. A

putrefação era continuidade da vida, húmus. Daí a incorporação não

problemática do perecível pelo cotidiano, até mesmo dispondo-o dentro de uma

ordem e obedecendo a um projeto estético – do que os ossuários, com suas

tíbias e crânios ordenadamente dispostos... (RODRIGUES, 2001, p. 62)

As primeiras dissecações apareceriam no início do século XIV, com a devida

autorização do papa e com todo cuidado ritualístico exigido na época. Rituais de

exorcização eram realizados para afastar energias perigosas e havia uma série de

outros procedimentos ritualísticos que serviram para amenizar agressão física ao

cadáver. O homem para suportar tamanha angústia durante o processo de dissecação,

precisava de algum tipo de permissividade que pudesse anular todo resquício de

interdição e tabu construído pelo costumes e pela tradição cristã. (figura 1)

Os cadáveres só foram destituídos do conceito místico com o advento do

Racionalismo por volta do século XVI. Esta corrente filosófica foi um grande marco na

Idade Média, pois marca a transição do pensamento obscuro e duvidoso pela

contextualização mensurável do Universo, aprimoramento da Matemática e da

Geometria. A dicotomia defendida pelo dualismo cartesiano, estabeleceu plena

distinção de corpo e alma. A mágica e a crença da vida de cadáveres são

abandonadas drasticamente por uma nova forma de visão e a humanidade se lança

para explorar aquilo que era proibido e profano.

Estamos aqui diante de um dos momentos mais dramáticos da história da nossa

sensibilidade moderna, pois, a partir dele, a magia da corporalidade humana se

verá crescentemente reduzida à lógica do mecanismo [...] foi necessário

desencantar o corpo, despojando-o de sua condição de microcosmos (Ibidem, p.

(25)

FIGURA 1: Gérard David, A descorticação de Sisamnes, 1498, Bruges, Groeninge Museum. Reprodução (ECO, 2007, p.251)

O corpo sem encanto é desmistificado e a exploração do cadáver é uma prática

que ganha adeptos, chegando até tornar-se banalizada nos séculos XVI e XVII, onde

a autópsia era um privilégio aristocrático de raras universidades. O método cartesiano

revolucionou todo o pensamento da época, em todos os campos, abrindo caminho

para que o homem pudesse dominar a natureza e, em conseqüência, o aparecimento

da Ciência Moderna.

Sustentado pelo dualismo corpo / alma, Descartes trazia uma menção de corpo

com a mesma significação do cadáver, que era uma sobra da vida de uma alma. Este

pensamento desprendido e que concebe o corpo como matéria descartável, pois o

apodrecimento da carne não resultaria em nenhum tipo de ressignificação uma vez já

em deterioração. A alma mantinha uma associação por sua vez coordenada com a

carne, porém independente, após o fenômeno da morte.

Outra questão crucial é a hipótese sobre a invenção das dissecações é a

tradução de livros da medicina greco-árabe, no Ocidente medieval. Com apoio do

clérigo e médico, Guy de Chauliac que defendia a questão da dissecação de cadáveres

(26)

[...] dissecar cadáveres implica o projeto de ir deliberadamente ao encontro das

realidades corporais que se pretende discernir pelos sentidos, intervindo nelas

num quadro bem organizado, a exemplo de outras práticas que comportam a

abertura do corpo morto. (CORBIN, 2005, p. 418)

Logo no século XV, o embalsamento do corpo torna-se popular entre a nobreza

que adere a isso por ser um meio mais apresentável do cadáver, em funerais públicos.

A retalhação dos corpos apenas para fins de transporte, logística, embalsamento e

exames de post-mortem ganham sentido próprio, cada prática é discernida com uma

importância particular uma das outras. Sendo assim a possibilidade dos estudos

anatômicos ganha sentido próprio dentro das necessidades clínicas. (figura 2)

A fase inicial da Medicina Legal como ciência é datada no período da

Renascença Italiana, no século XVI. A necropsia forense se utilizava propriedades

investigativas para apurar a causa de morte, como por exemplo no caso do Papa Leão

X, suspeito de envenenamento.

(27)

Legal como meio jurídico de apuração de fatos. A presença de peritos em processos

criminais são exigidos como práticas legais do Direito. Com a legalidade, todo esforço

científico se volta para explorar meios didáticos sobre anatomia através da dissecação.

O primeiro teatro anatômico surge na faculdade de Montpellier (França) em 1.556, onde

as demonstrações eram públicas para fins didáticos e científicos.

FIGURA 3: Gravura anônima, Teatro de Anatomia. Universidade de Leide,1665. Biblioteca Nacional , Paris. Reprodução: Site Cabinets de Curiositès XVI et XVII siècles

Logo, o primeiro tratado de Medicina Legal é elaborado em 1.575, por Ambroise

Paré, considerado desde então como o pai da Medicina Legal. Em seu tratado “Des

Rapports et des Moyens d´Embaumer les Corps Mort” contém, além de técnicas de

embalsamento, estudos aprofundados sobre a causa de golpes e feridas, algumas

formas de asfixias e outras questões de interesses sociais na época, como o

diagnóstico de virgindade. 11

(28)

O período Canônico passou por diversas transformações agudas no

pensamento, ciência, filosofia e religião. Para a Medicina Legal, a libertação do cadáver

do sentido sagrado, sem dúvida nenhuma, foi uma das maiores conquistas. A ciência

que já deixava rastros rudimentares na Antigüidade ganhou legimitidade e passou a

integrar-se, como um grande aliado, ao bem jurídico e social. A produção de tratados

sobre a Medicina Legal auxilia a humanidade a amadurecer a sua concepção sobre

morte e traz a volta de algo que havia se perdido: a designação à vida.

1.5. Período Moderno ou Científico – A Era dos Tratados de Medicina Legal

As pesquisas ganharam cada vez mais espaço dentro dos centros de ensino. A

Medicina Legal já se consolidava como ciência distinta, em fase de expansão.

Rapidamente surgem outros tratados com elaborações mais abrangentes e completas,

que são publicadas e ganham o domínio e o conhecimento público.

Em 1.602 é publicada a obra “De Relatoribus Libri Quator in Quibis ea Omnia

quae in Forensibus ae Publicis Causis Medici Preferre Solent Plenissime Traduntur” por

Fortunatus Fidelis. A Medicina Legal é adotada para esclarecimentos e investigações

de contingência forense e torna-se uma medida lógica e cautelosa do sistema jurídico,

portanto, este período marca a intervenção legal médica como perito em situações

jurídicas e ao exame oficial em cadáveres.

As investigações forenses estavam diretamente ligada a homicídios, pistas de

autoria, controle de tortura inquisitorial, epidemias, etc. A busca por respostas em

cadáveres é uma das principais fontes de pesquisa, como meio direto da intervenção

humana a controles de saúde pública e também jurídicas-sociais. “[...] o cadáver

(29)

FIGURA 4 : Rembrandt, A lição de Nicolaes Tulp, 1632, Nauritshuis, Haia. Reprodução (ECCO, 2007, p.252)

Em 1.621, Paulo Zacchia, médico e perito da Rota Romana (Tribunal Rotae

Romanae), publica um tratado considerado por muitos como o ‘verdadeiro’ tratado da

disciplina “Quoestiones medico legales Opus Jurisperitis Maxime Necessarium Medicis

Peritilis”, obra com 1.200 páginas, em três volumes, que lhe fornece uma posição

notável e única na história da Medicina Legal, o que gera controvérsias sobre a

paternidade no descobrimento da Medicina Legal atribuída anteriormente a Ambroise

Paré.

O progresso da Medicina Legal é demarcado por conquistas e êxitos, com a

publicação de várias obras e a prática legal da perícia. Na Alemanha Herman

Teichmeyer lança “Instituiones Mediciane Legalis vel Forensis”; em 1.821, é impressa a

primeira revista especializada no segmento a Zeitschrift für Staarzheikundu”. Na França,

em 1.821 é criado a Toxicologia Forense, por Mathieu Joseph Bonaventure Orfila. A

psiquiatria forense é estruturada por Philippe Pinel, Jean Etienne Dominique e Esquirol.

A segunda revista especializada é lançada em 1.829, por Orila e Ambroise Auguste

(30)

Contudo, difundiram-se três escolas: alemã, francesa e italiana que disputavam

entre si a sua hegemonia. Na velocidade da modernização, temos outros registros de

peso, para o fortalecimento da Medicina Legal no mundo 12:

 A criação do primeiro Instituto Médico-Legal, em 1.818 por Joseph Bernt, em Viena;

 Na Inglaterra a Medicina Legal cai no descrédito, são criado os Coroners13;

 Na Grécia os primeiros que se tem notícia a lecionar Medicina Legal são Allex Pallis e Constatin Eliakis, na Faculdade de Medicina da Ilha de Corfu,

Constantin, Vivitzinanos, em 1.808;

 Em 1.858 na Rússia, o desenvolvimento da Médicina Legal através de Sergei Gromov, S. G. Gueorguieff e N. S. Bokarius;

 Na Argentina inicia o ensino de Medicina Legal em 1.852, pela Faculdade de Medicina de Buenos Aires;

 No Chile, a primeira Faculdade de Medicina Legal foi criada em Santhiago, pelo professor inicial Guillermo Blest;

 A inauguração da primeira Faculdade de Medicina em 1.833 em Botogá ,

Colômbia. Tendo como titular em Medicina Legal Felix Merizalde;

 No Peru, Mariano Arosamena Quesada é primeiro a lecionar Medicina Legal na Faculdade de Medicina de Lima, em 1.855;

12

Citado por França (2004, p. 4-6)

13

(31)

 No Paraguai tem início, em 1.903, com Manuel Fernandez Sanchez, já com a disciplina de Medicina Legal e Deontologia da Faculdade de Medicina de

Assumção;

 Em 1.841, dá-se o início do ensino de Medicina Legal na Venezuela;

 No Canadá são destaques: Wilfred Derome, Rosario Fontaine e Jean Marie Roussel, todos de IML e Polícia Científica de Montreal;

 Nos Estados Unidos a contribuição para a Medicina Legal é menor, limitando-se

a alguns exames laboratoriais sofisticados; as faculdades de medicina e direito

não contemplam a disciplina de Medicina Legal. Utiliza-se o modelo inglês de

Coroner para perícias;

 Com tradição no ensino e na prática o México produz trabalhos de grande repercussão pela Faculdade de Medicina e de Direito, da Universidade

Autônoma do México.

1.6. Medicina Legal no Brasil

Inicialmente, a escola francesa de Medicina Legal tem grande presença no

Brasil. Notamos algumas influências das escolas: alemã e italiana. A contribuição

portuguesa registra pouca influência determinante, pois trouxera esparsos documentos

médico-legais, compilado de trabalhos de Toxicologia.

A prática nacional da Medicina Legal no Brasil e a especialização são marcadas

com Agostinho José de Souza Lima, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com

(32)

A fase de pesquisa científica médico-legal brasileira é lembrada pela

contribuição de Raymundo Nina Rodrigo, no estado da Bahia, a partir do estudo da

própria realidade nacional e com grande contribuição de Alcântara Machado, Afrânsio

Peixoto, etc. Na seqüência, Oscar Freire de Carvalho vindo da Bahia para São Paulo,

onde iniciou o exercício da especialidade e publicou trabalhos experimentais, e a

inauguração do Instituto em 1.922, com o seu nome.

A partir de 1.832, as duas primeiras Faculdades de Medicina, do Rio de

Janeiro e da Bahia anexaram obrigatoriamente a disciplina Medicina Legal na grade

curricular. Somente em 1.854 a prática médico-pericial foi regulamentada no Código

Processual Penal “‘corpo de delito e quaisquer exames necessários para a averiguação

dos crimes dos fatos como tais suspeitados” .14

Rui Barbosa consegue a aprovação da Câmara dos deputados, em 1.891,

para a criação da Cátedra de Medicina Legal nas Faculdades de Direito em todo país.

Atualmente a prática médico-pericial é uma atividade oficial e pública, exercida pelos

IML localizado em cada um dos estados nacionais e têm suma importância para os

esclarecimentos de fatos em investigações criminalísticas.

14

(33)
(34)

2. A CADAVERIZAÇÃO E A FENOMENOLOGIA DA DECOMPOSIÇÃO

E o teu cadáver servirá de comida a todas as aves dos céus, e aos animais da

terra; e ninguém os espantará. 15

Um dos processos fisiológicos humanos mais difíceis em lidar, sem dúvida é o

processo de decomposição do cadáver. Este grande fenômeno possui grandes etapas

e fases que se iniciam em instantes, partir do falecimento, e que pode durar de

semanas a meses. A transformação depende de condições ambientais, até que todo

processo de destruição da matéria seja concluído.

Esta análise tem início no momento oficial da morte, passando pela

cadaverização e todo processo fisiológico da decomposição. O conjunto deste relato

científico tem como base servir de melhores esclarecimentos sobre autonomia da

matéria orgânica, diante a subtração de vida. Questões como o corpo humano se

comporta diante do recesso orgânico e a sua própria contribuição no processo

autodestrutivo, serão discutidas por meio da análise da Semiótica-Psicanalítica, no

capítulo seguinte.

A cadaverização é um conjunto de características que o corpo humano adquire

em decorrência do falecimento, e segue de forma natural e contínua ao processo

fenomenológico de decomposição. Cientificamente, um corpo humano se torna um

cadáver quando há ausência de sinais vitais que propiciam a respiração e o

metabolismo celular, responsáveis pelas transformações químicas que dão subsistência

à vida. Apesar da recessão dos sinais vitais, alguns testes precisam ser realizados para

total certeza e comprovação da morte, visto que a Medicina Moderna tem catalogado

uma série de doenças com sintomas similares aos que são diagnosticados como

falecimento.

15

(35)

Em certos estados em embriaguez, a catalepsia, o coma epilético,

continuando o coração, embora enfraquecido, a bater perceptivelmente,

não há, em verdade, morte aparente, e basta um pouco de atenção para

que o diagnóstico de atividade vital se faça. Mas a síncope (por grandes

hemorragias, por derrames pericárdicos abundantes, por emoção), as

várias formas de asfixia (dos recém-nascidos, dos afogados, dos

enforcados, dos sufocados), a anestesia, a comoção cerebral, realizam,

às vezes, quadros que simulam perfeitamente a morte. (ALMEIDA JR e

COSTA JR, 1987, p.241)

Para se constatar a certeza da morte é necessária à observação cuidadosa da

apresentação do corpo humano, a verificação dos sinais vitais e observação se há

aparição dos fenômenos cadavéricos. Conforme notamos existem algumas situações

onde o paciente pode ser facilmente confundido com a questão do falecimento e para

isto deve se seguir criteriosamente todas as verificações dos sinais vitais.

1. Perda da Consciência: este sintoma é detectado através de um procedimento

de medição de carga elétrica nas moléculas (aminoácido ou proteína), região da

cabeça, pelo aparelho Eletroencefalograma. Quando há perda de consciência não há

detecção de cargas.

2. Inexistência da Sensibilidade: a análise de sensibilidade é feita diretamente

nas mucosas nasais, onde há testes e estímulos químicos com a presença de

amoníacos, onde se verifica variação na mucosa, ou a estagnação de estímulos.

3. Imobilidade ou Abolição da motilidade: é um estágio de imobilidade total do

corpo, em função do relaxamento dos músculos. O termo máscara da morte é usado

(36)

[...] fronte enrugada, olhos cavos, nariz pontiagudo, com orla anegrada, têmporas

deprimidas, enrugadas; orelhas retraídas para cima; lábios pendentes; maçãs do

rosto côncavas; queixo enrugado e encarquilhado; pele seca e lívida ou plúmbea;

pêlos das narinas ou dos cílios polvilhados de poeira esbranquiçada. (ALMEIDA

JR e COSTA JR, 1987, p.242)

Há o relaxamento do maxilar e a abertura da boca, este fenômeno se apresenta

até que haja o fenômeno rigor mortis. Com a descompressão esfinctérica há saída de

matérias fecais, e no cadáver masculino vazamento de esperma na uretra. No instante

da morte as pupilas se dilatam, formando o chamado midríase (relaxamento dos

músculos da íris) e progressivamente se contraem, o reflexo pupilar é perdido logo que

o tronco cerebral sofre a falência isquêmica (falta de suprimento sanguíneo para um

tecido orgânico). As pálpebras se abrem, é importante ressaltar que este fenômeno não

é simétrico em ambos os olhos, e pode haver variações. Em laboratório o teste dos

movimentos musculares pode ser feito através da seguinte técnica: onde se aplica 1

mililitro de éter na coxa do paciente. Quando há falecimento o líquido vaza pelo orifício

da aplicação, demonstrando que não houve absorção do organismo.16

4. Parada Respiratória: é um fator muito explícito pois pode ser detectada pela

ausculta pulmonar com ausência dos murmúrios vesiculares. A verificação da palpação

do pulso pode ser falível, quando há enfraquecimento da energia cardíaca. Portanto a

forma mais segura de checagem pode ser feita através do eletrocardiograma.

5. Interrupção da Circulação: é uma característica que se pode observar através

de alguns fenômenos como as modificações que surgem no globo ocular. Há o

esvaziamento da artéria central, da retina, os olhos ficam flácidos em função da

desidratação e perdem também o brilho , resultando numa forma viscosa e quebradiça.

Há o descoramento da coróide e a visualização da retina confirma a cessação

circulatória por causa da rede superficial da retina.

16

(37)

mantém a partir da chamada morte encefálica. O paciente portador de doença

estrutural ou metabólica conhecida expressa falência total de todas as funções do

encéfalo, inclusive do tronco encefálico, quadro clínico este que persiste de maneira

invariável por um período mínimo de seis horas17.

Este quadro de sintomas é determinante para que o falecimento seja atestado.

Convém ressaltarmos que pode ocorrer algum dos sintomas isolados dos outros, que

na Medicina não trata com o diagnóstico de morte / falecimento. Como por exemplo,

nos casos de Estado Vegetativo (EV), onde há grandes alternâncias dos ciclos sono /

vigia e ausência aparente de consciência, ou em pacientes que têm a Cessação da

Respiração e vivem com a intervenção de um coração artificial auxiliar. Os sintomas

isolados podem ter outros diagnósticos, recuperações e linhas avançadas de

tratamento. Os critérios avaliados para a detecção de morte são preponderantes para

que a denominação de cadáver tenha nomeação ativa. Oficialmente, apenas pode-se

declarar falecimento após o exame realizado por um médico. Após a detecção do

falecimento nota-se uma total desintegração do sujeito, como ser, o que fica é apenas

uma matéria em seu natural estágio de cadaverização. O cadáver apresenta algumas

reações inusitadas que ao longo dos séculos serviram como forma de alimentação de

narrativas literárias de alta significação. Tendo como base que o cadáver perde

gradativamente sua propriedade vital, por todo o seu corpo, e suas menores partes.

“O epitélio respiratório apresenta movimentos fibrilares até 13 horas após a

morte; os espermatozóides existentes nas vesículas seminais têm mobilidade

até 36 horas no post mortem; a musculatura reage à excitação elétrica ou

mecânica até 6 horas depois de verificada a morte; a antropina dilata a pupila

até 4 horas e a eserina até 2 horas após o falecimento; As glândulas

sudoríparas reagem à excitação elétrica até 30 horas após a morte. Os

leucócitos apresentam mortos em 8% nas cinco primeiras horas, 58% em 30

horas, 95% em 70 horas depois da morte; a córnea tem vitalidade integral até 6

horas após o falecimento”. (FRANÇA: 2004, p. 380)

17

(38)

2.1. Fases da Cadaverização: resíduos de vida e o comportamento da matéria. Fenômenos Abióticos Consecutivos

“A morte por si segue sendo a pior de todas as rupturas, exatamente por nos

deixar um cadáver humilhante e repugnante, símbolo da ausência, e que é um

defunto é um desaparecido, é um anúncio de uma putrificação [...]”18 (THOMAS, 1980, p. 7, tradução nossa)

A morte diagnosticada e o rápido trabalho natural e bioquímico começam a

compor a atmosfera do cadáver. Não diferente de uma peça de carne fora da

refrigeração, o cadáver humano começa a se desintegrar, os fenômenos processados

são conhecidos como Abióticos Consecutivos. O estágio de autodestruição do corpo

humano passa por diversas fases até que o corpo esteja totalmente destruído e

irreconhecível.

Como primeiro sinal de decomposição, sob o regime de leis físicas, inicia-se a

desidratação cadavérica, em que há evaporação de líquidos levando o cadáver à

instantânea perda de peso e ao pergaminhamento da pele, devido à dessecação

cutânea e, respectivamente, ao endurecimento cutâneo que é um estado muito próximo

à textura do couro e do pergaminho. Toma a cor parda e o aparecem estrias decorrente

da arborização vascular. As partes mais úmidas, como as mucosas, costumam ser

mais afetadas, por ficarem mais expostas à ação do meio ambiente.

Há uma grande transformação do globo ocular, a aparência da pupila como uma

tela viscosa, turvação da córnea transparente, mancha de cor enegrecida devido à

transparência do pigmento coroidiano circular ou oval, (FIGURA 5) após 8 horas da

morte a íris se torna negra.

18

(39)

FIGURA 5: Opacificação da córnea e descoramento da coróide. Reprodução: Altas da Medicina Legal – Universidade de Brasília.

Com a falência dos órgãos o corpo perde seu aquecimento próprio e sofre um

esfriamento. Este fenômeno é chamado de esfriamento cadavérico (algor mortis), que

é a adequação do corpo à temperatura ambiente. O esfriamento está relacionado

também a outros fatores como a idade , a causa mortis, e a condição física do

organismo. De acordo com estudos, nas três primeiras horas a queda da temperatura

do corpo é de 1,0º C até haver o equilíbrio com o ambiente, o que leva em média 12

horas após o falecimento. Já os órgãos internos se mantêm aquecidos por um período

de 24 horas em média.

As manchas de hipóstase cutâneas (livor mortis) têm o aparecimento a partir da

2ª ou 3ª hora após a morte, podendo se formar até em 12 horas. Estes fenômenos são

encontrados nas partes de declive do cadáver onde o sangue fica depositado

(FIGURAS 6 e 7), e podem aparecer em outras partes do corpo caso este seja mudado

de posição. Não existe uma determinação exata e cronológica do seu aparecimento,

pois as variantes estão fortemente ligadas à causa mortis.

(40)

FIGURA 7: Livores de Hipóstase no dorso. Reprodução: Ibidem.

A rigidez cadavérica é um estado de contração muscular que aparece a partir

da 1ª e 2ª hora após a morte, chegando a se manifestar até a 8ª hora após morte. Era

considerada como uma reação do organismo contra a falência orgânica, uma forma de

se retomar a vida.

Nysten considerava a rigidez cadavérica (rigor mortis) como o último esforço

da vida contra ação dos fenômenos químicos. A rigidez é um fenômeno

físico-químico num estado de contratura muscular, devido à ação dos produtos

catabólicos do metabolismo, correspondente a uma situação de vida residual

do tecido muscular. Para alguns, é apenas um fenômeno puramente

enzimático. (FRANÇA, 2004, p.367)

Portanto o processo de rigidez do organismo é resultante do catabolismo, ou

seja, parte do metabolismo responsável pela geração de energia através das matérias

adquiridas pelo organismo. No nível molecular as transformações são mais complexas

durante o processo de rigidez:

 Hipóxia Celular: falta de oxigenação nas células;

 Falta de formação de ATP (adenosina trifosfato): compostos de energia

(nucleotídeo) responsáveis pelo armazenamento de energia e por suas

(41)

 Alteração da permeabilidade das membranas celulares: disfunção de entrada e saída dos potenciais elétricos celular, tais como recepção de

nutrientes para regular o comportamento das células e a organização dos

tecidos celulares, como o impedimento e eliminação de substancias

indesejáveis do citoplasma.

 Formação de actomiosina: complexo químico derivado da contração muscular onde as cabeças de miosina, ou seja, proteínas que se extraem

dos músculos por meio de soluções salinas e que são consideradas como

componentes principais do mecanismo contrátil, e que formam pontes

com os filamentos da proteína dos músculos (actina), provocando a

rigidez muscular;

 Ação da glicose anaeróbica: monossacarídeo com fonte baixa de energia que ao ser absorvida para dentro da célula inicia uma série de reações,

em especial enzima PFK (fosfofrutoquinase-1) reguladora da glicose;  Acúmulo de ácido láctico: composto orgânico que mistura ácido

carboxílico – álcool. Resultante da reação da enzima PFK.Quando mais

ácido láctico se acumula num ser vivo, mais fadiga, contração, cansaço e

câimbra se formam;

De acordo com a Lei de Nyston a rigidez surge na mandíbula e na nuca, a partir

da 1ª e 2ª hora depois da morte, da 2ª à 4ª hora o fenômeno atinge os membros

superiores, da 4ª a 6ª hora são os músculos torácicos e abdominais que sofrem a

rigidez, e, por fim, os membros inferiores a partir da 6ª e 8ª hora. A rigidez cadavérica

é interrompida logo no começo da putrefação em torno de 24 horas.

Em alguns casos há o espasmo cadavérico, que é uma rigidez mais violeta, sem

o relaxamento muscular que precede a rigidez comum, logo após a morte. De acordo

com o médico legista Genival Veloso da França19 “ [...] os cadáveres guardam a

posição com que foram surpreendidos pela morte numa atitude especial fixada da vida

as mortes”.

Imagem

FIGURA  1:  Gérard  David,  A  descorticação  de  Sisamnes,  1498,  Bruges,  Groeninge  Museum
FIGURA  2:  William  Hogarth,  A  recompensa  da  crueldade,  quadro  IV,  1799,    Paris,  Musée  d’  Histoire  de  la  Médicine
FIGURA  3:  Gravura  anônima,  Teatro  de  Anatomia.  Universidade  de    Leide,1665.  Biblioteca  Nacional  ,  Paris
FIGURA  4  :  Rembrandt,  A  lição  de  Nicolaes  Tulp,  1632,  Nauritshuis,  Haia.  Reprodução  (ECCO,  2007,  p.252)
+7

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Nesse contexto, a análise numérica via MEF de vibrações sísmicas induzidas por detonações se mostra como uma metodologia que pode contribuir significativamente

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Este trabalho de pesquisa tem por objetivo levar à comunidade escolar uma discussão acerca do tema abordado: “A construção da identidade negra dos alunos da Escola Estadual de

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de