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Fases da Cadaverização: Resíduos de Vida e o Comportamento da Matéria

No documento O CADÁVER COMO SIGNO (páginas 38-42)

“A morte por si segue sendo a pior de todas as rupturas, exatamente por nos deixar um cadáver humilhante e repugnante, símbolo da ausência, e que é um

defunto é um desaparecido, é um anúncio de uma putrificação [...]”18

(THOMAS, 1980, p. 7, tradução nossa)

A morte diagnosticada e o rápido trabalho natural e bioquímico começam a compor a atmosfera do cadáver. Não diferente de uma peça de carne fora da refrigeração, o cadáver humano começa a se desintegrar, os fenômenos processados são conhecidos como Abióticos Consecutivos. O estágio de autodestruição do corpo humano passa por diversas fases até que o corpo esteja totalmente destruído e irreconhecível.

Como primeiro sinal de decomposição, sob o regime de leis físicas, inicia-se a desidratação cadavérica, em que há evaporação de líquidos levando o cadáver à instantânea perda de peso e ao pergaminhamento da pele, devido à dessecação cutânea e, respectivamente, ao endurecimento cutâneo que é um estado muito próximo à textura do couro e do pergaminho. Toma a cor parda e o aparecem estrias decorrente da arborização vascular. As partes mais úmidas, como as mucosas, costumam ser mais afetadas, por ficarem mais expostas à ação do meio ambiente.

Há uma grande transformação do globo ocular, a aparência da pupila como uma tela viscosa, turvação da córnea transparente, mancha de cor enegrecida devido à transparência do pigmento coroidiano circular ou oval, (FIGURA 5) após 8 horas da morte a íris se torna negra.

18

“Pero si la muerte sigue siendo la peor de todas las rupturas, es precisamente porque nos deja un cadáver humillante y repugnante, símbolo a la vez de ausencia, ya que el difunto es un desaparecido, y el anuncio de una putrefacción [...] ”

FIGURA 5: Opacificação da córnea e descoramento da coróide. Reprodução: Altas da Medicina Legal – Universidade de Brasília.

Com a falência dos órgãos o corpo perde seu aquecimento próprio e sofre um esfriamento. Este fenômeno é chamado de esfriamento cadavérico (algor mortis), que é a adequação do corpo à temperatura ambiente. O esfriamento está relacionado também a outros fatores como a idade , a causa mortis, e a condição física do organismo. De acordo com estudos, nas três primeiras horas a queda da temperatura do corpo é de 1,0º C até haver o equilíbrio com o ambiente, o que leva em média 12 horas após o falecimento. Já os órgãos internos se mantêm aquecidos por um período de 24 horas em média.

As manchas de hipóstase cutâneas (livor mortis) têm o aparecimento a partir da 2ª ou 3ª hora após a morte, podendo se formar até em 12 horas. Estes fenômenos são encontrados nas partes de declive do cadáver onde o sangue fica depositado (FIGURAS 6 e 7), e podem aparecer em outras partes do corpo caso este seja mudado de posição. Não existe uma determinação exata e cronológica do seu aparecimento, pois as variantes estão fortemente ligadas à causa mortis.

FIGURA 7: Livores de Hipóstase no dorso. Reprodução: Ibidem.

A rigidez cadavérica é um estado de contração muscular que aparece a partir da 1ª e 2ª hora após a morte, chegando a se manifestar até a 8ª hora após morte. Era considerada como uma reação do organismo contra a falência orgânica, uma forma de se retomar a vida.

Nysten considerava a rigidez cadavérica (rigor mortis) como o último esforço da vida contra ação dos fenômenos químicos. A rigidez é um fenômeno físico- químico num estado de contratura muscular, devido à ação dos produtos catabólicos do metabolismo, correspondente a uma situação de vida residual do tecido muscular. Para alguns, é apenas um fenômeno puramente enzimático. (FRANÇA, 2004, p.367)

Portanto o processo de rigidez do organismo é resultante do catabolismo, ou seja, parte do metabolismo responsável pela geração de energia através das matérias adquiridas pelo organismo. No nível molecular as transformações são mais complexas durante o processo de rigidez:

 Hipóxia Celular: falta de oxigenação nas células;

 Falta de formação de ATP (adenosina trifosfato): compostos de energia (nucleotídeo) responsáveis pelo armazenamento de energia e por suas ligações químicas;

 Alteração da permeabilidade das membranas celulares: disfunção de entrada e saída dos potenciais elétricos celular, tais como recepção de nutrientes para regular o comportamento das células e a organização dos tecidos celulares, como o impedimento e eliminação de substancias indesejáveis do citoplasma.

 Formação de actomiosina: complexo químico derivado da contração muscular onde as cabeças de miosina, ou seja, proteínas que se extraem dos músculos por meio de soluções salinas e que são consideradas como componentes principais do mecanismo contrátil, e que formam pontes com os filamentos da proteína dos músculos (actina), provocando a rigidez muscular;

 Ação da glicose anaeróbica: monossacarídeo com fonte baixa de energia que ao ser absorvida para dentro da célula inicia uma série de reações, em especial enzima PFK (fosfofrutoquinase-1) reguladora da glicose;  Acúmulo de ácido láctico: composto orgânico que mistura ácido

carboxílico – álcool. Resultante da reação da enzima PFK.Quando mais ácido láctico se acumula num ser vivo, mais fadiga, contração, cansaço e câimbra se formam;

De acordo com a Lei de Nyston a rigidez surge na mandíbula e na nuca, a partir da 1ª e 2ª hora depois da morte, da 2ª à 4ª hora o fenômeno atinge os membros superiores, da 4ª a 6ª hora são os músculos torácicos e abdominais que sofrem a rigidez, e, por fim, os membros inferiores a partir da 6ª e 8ª hora. A rigidez cadavérica é interrompida logo no começo da putrefação em torno de 24 horas.

Em alguns casos há o espasmo cadavérico, que é uma rigidez mais violeta, sem o relaxamento muscular que precede a rigidez comum, logo após a morte. De acordo com o médico legista Genival Veloso da França19 “ [...] os cadáveres guardam a posição com que foram surpreendidos pela morte numa atitude especial fixada da vida as mortes”.

Essas situações são diferentes em função da causa mortis. O cadáver permanece na posição que foi surpreendido pela morte (FIGURA 8). Sendo assim o cadáver está intacto à suas histórias e formas significantes do morrer, é como houvesse um registro signo da causa da morte e o cadáver pudesse contar sobre o seu próprio desfecho. Este fenômeno é considerado controverso por alimentar diversas teorias e sua casualidade é considerada rara. O Espasmo se mantém a partir do falecimento até o total progresso de rigidez muscular.

FIGURA 8 : Espasmo cadavérico violento Reprodução: Internet Anônima.

Ao fim da rigidez, a flacidez muscular aparece progressivamente na mesma ordem em que a rigidez. De acordo com a Lei de Nyston, esta fase aparece em torno de 36 a 48 horas após a morte. Em recém-nascidos a flacidez ocorre de forma precoce.

2.2. O cadáver Permanente: Fenômenos Abióticos Transformativos

No documento O CADÁVER COMO SIGNO (páginas 38-42)

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