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O Gozo da Carne e a Falência Orgânica

No documento O CADÁVER COMO SIGNO (páginas 71-80)

3. CADÁVER: UM PRODUTO DAS MANIFESTAÇÕES DE GOZO –

3.4. O Gozo da Carne e a Falência Orgânica

“O gozo é o estado máximo em que o corpo é posto à prova. O exemplo mais sensível de o corpo ser posto à prova talvez seja o da dor inconsciente, amiúde manifestada através dos atos impulsivos.” (NÁSIO, 1992 , p. 40)

Falar de morte e do esvaziamento energético nos mostra e comprova, a partir da teoria psicanalítica, uma manifestação muito peculiar de gozo que envolve os órgãos físicos em sua propulsão final de vida. É certo que as dosagens de cargas pulsionais causam algum efeito sobre a carne, e isto, é analisado mais profundamente.

As energias, no esvaziamento vital, e se espalham abundantemente pelo corpo, sem qualquer determinação ou ordem, e produzem em os chamados Fenômenos Cadavéricos, os gestos e reflexos que são nossos produtos a serem analisados e ressignificados. É muito importante ressaltar que este estudo se baseia em metáforas elucidativas a partir da visão de um outro sujeito, sobre um cadáver sem vida e nem consciência. “Se a vida é a interação de estrutura com energia, segue-se que a morte no nível de uma só célula deve representar a perda de estrutura ou de energia”. (CLARK, 1996, p. 161).

A concepção dos restos vitais supre um conceito fundamental para aplicação dos conceitos psicanalíticos, já que o processo degenerativo está em pedaços e a parcela das sensações orgânicas é parcial.

O processo de esvaziamento somático das cargas sígnicas e unidades do aparato psíquico não devem, de forma nenhuma, ser entendido apenas como mera causalidade, já que o conceito de gozo implica o desequilíbrio do aparato psíquico, com a sobre-determinação da pulsão de morte.

O desconforto, antes recalcado, é agora substituído por uma projeção e por propulsão de cargas energéticas de proporções avassaladoras dentro do corpo físico, que o recebe como forma e cumprimento de esvaziamento energético-pulsional. Para ilustrar essa idéia, entendemos que a partir do morrer, o desequilíbrio é alcançado, já que a automação dos sentidos é interrompida, levando ao corpo somente o escoamento da pulsão e as energias vitais e, sendo assim, a sensação das tensões ganhariam grande destaque somático nas sensações e nos sentidos póstumos, já que todo e qualquer manifestação do corpo tem estritamente ligações com as demais regiões cervicais , até mesmo, cerebrais.

Quando não há vida, não há gozo. Para que um corpo goze, também é preciso que esteja vivo 33, é importante parafrasear nesta citação que não podemos imaginar o corpo sem vida, em situação de prazer, ou mesmo do gozo. É notoriamente impossível a concepção desta idéia, já que não teríamos uma estrutura orgânica, nem psicológica, que pudesse fazer de um cadáver autônomo.

aparecimento de diversos fenômenos, podemos entender que há um processo de esvaziamento energético, onde os restos vitais, a energia abandonam o organismo, através de reações próprias. Neste caso podemos conceber uma gama de idéias que irão com toda certeza trazer mais fomentação de reflexões e idéias a respeito da finalidade da vida.

“O corpo, em princípio um reservatório ilimitado do gozo, vai

progressivamente sendo esvaziado dessa substância (mítico fluido libidinal) que passava por seus poros, inundava seus meandros e se

agrupava em bordas orificiais”. ( BRAUNSTEIN, 2007, p. 57, grifo meu)

As células humanas são os últimos elementos do organismo a morrer, elas podem viver minutos após serem decepadas do próprio corpo e, mesmo diante a morte, notamos que o processo de inconsciência é sempre anterior ao processo da morte celular ou o citocídio. As células obedecem a uma demanda no envio e repasse de informações moleculares.

A morte é, na verdade , o estado padrão de cada um destes neurônios. A partir do momento em que um neurônio é mandado do sistema nervoso central para as possíveis células-alvo, seu destino é morrer...Cada célula nervosa que não consegue fazer uma conexão com outra célula do corpo, e portanto tem de cometer suicídio, foi de produção muito cara do ponto de vista da energia biológica. (CLARK, 1996, p. 48)

Aqui se pode perceber que a reação da morte é uma reação em que a cadeia, as células são notoriamente notificadas e avisadas sobre o momento do próprio citocídio, elas funcionam em perfeita harmonia com as reações psíquicas, uma vez que já consideramos que o somático é um processo conseqüente a uma demanda psíquica. O destino de morrer é algo que não surpreende as descobertas da medicina, visto que o desejo decorre exatamente do próprio sistema e funciona como um artefato natural e de origem interna de cada ser biológico.

“A morte não é senão aquilo que restringe todo gozo possível do falante, pois não há gozo senão do corpo vivente. Daí a consubstancialidade entre a pulsão de morte e a ordem simbólica situada por Lacan a partir do seu segundo seminário, dedicado ao eu. Se a vida fica definida para nós a partir do ingresso nas estruturas da subjetividade que são as da transação com o Outro, ou seja, a partir de que a carne se faça corpo pela intromissão do significante processo vital, o movimento pulsional pode ser visto como esta força que tende à

recuperação do estado anterior à palavra, ou seja, no que viemos trabalhando, à recuperação da Coisa como objeto absoluto do desejo, à recuperação desse gozo do ser a partir do qual o sujeito chega a ex- sistir”. (BRAUNSTEIN, 2007, pág. 64, grifo meu)

A pulsão de morte vence sua etapa por diversas tentativas e luta para se colocar como força potente e manipuladora ela rege o organismo humano e destrói-se na certeza da própria recuperação e reintegração da matéria a um estágio antes da vida, ou seja, a própria morte. Pensar na morte simplesmente, faz se necessário para entender como são feitos e compostos os processos do morrer. Esta afirmação está sendo baseada na questão do funcionamento do inconsciente, pois se tratando do senso comum, a morte se veste como um grande vilão potente, capaz de destruir a todos, da sua forma e do seu jeito.

“O gozo é a energia do inconsciente quando o inconsciente trabalha, isto é, quando o inconsciente está ativo, assegurado a repetição e se externalizando sem parar em produções psíquicas (S1), como o sintoma ou qualquer outro acontecimento significante.” (NÁSIO, 1992 , p. 32)

Voltando à questão do esvaziamento, ou seja, a parte que mais nos interessa analisar, todo movimento pulsional tem apenas um caminho a ser percorrido, sendo este a utilização final, progressiva e excessiva dos órgãos físicos o que gera, a nosso entendimento, como um elemento usurpador de toda estrutura humana e de sua demanda orgânica e psicológica.

para o entendimento esmiuçado sobre o morrer e tornar-se cadáver. Aqui entram diversas observações já coletadas das questões fenomenológicas, apontadas no cadáver e sua desintegração, segundo os estudos de medicina legal.

Pensar no esvaziamento líquido do corpo não deixa de ser uma forma final de usurpar todas as tensões orgânicas e elevar para plena satisfação física. Remeto as observações clínicas do cadáver masculino que tem ejaculações internas (esvaziamento de esperma) ao redor da uretra, relaxamento dos esfíncteres, as pressões excrementícias que ganham autonomia sobre o corpo e são fontes de grande estímulo ao corpo do cadáver, daí a falta de explicações para os fenômenos cadavéricos. Não nos podemos nos esquecer que o cadáver contém parte da mesma substância, a cadaverina, é encontrada nos elementos químicos do sêmen e do material ginecológico, responsável pelo odor nauseabundo.

Esses fenômenos percorrem o mesmo caminho de uma relação sexual:

“A ação da massagem com movimentos deslizante do coito sobre a

glande estimula os órgãos terminais e sensoriais, e os sinais sexuais, por sua vez, seguem pelo nervo podendo, ao seguirem pelo plexo sacral na porção sacra da medula espinhal, e por fim, até a medula, para áreas indefinidas do cérebro. Há também impulsos que podem alcançar a medula espinhal, provenientes de áreas adjacentes ao pênis para ajudar o ato sexual. Por exemplo, a estimulação do epitélio anal, da bolsa escrotal e das estruturas perineais, em geral, pode enviar sinais para a medula espinhal, que se somam à sensação sexual. Sensações sexuais podem, até mesmo, originar-se em estruturas internas, como áreas da uretra, bexiga, próstata, vesículas seminais, testículos e canal deferente. Na verdade, uma das causas do “impulso sexual” é o enchimento do órgãos sexuais com secreções. A infecção leve e a inflamação desses órgãos sexuais, algumas vezes, produzem desejo sexual quase contínuo ...” ( GUYTON e HALL, 2002 , p. 861).

De acordo com a Sexologia, o princípio do orgasmo é muito similar ao princípio cadavérico, os sintomas físicos derivam dos mesmos rumos, com proporções de

Traçamos um paralelo entre o registro da ordem do prazer, e suas sutis semelhanças com o gozo psicanalítico, no entanto, é importante deixar bem distanciado a ordem de Eros, que rege o mundo dos vivos, para Thânatos, que está para a função dos mortos. Segue a descrição do processo ejaculório que apresenta:

“A ereção é causada por impulsos parassimpáticos que passam pela porção sacra da medula espinhal, através dos nervos pélvicos, até o pênis. Acredita-se que essas fibras nervosas parassimpáticas, em contrastes com a maioria das outras fribras parassimpáticas, secretem óxido nítrico e / ou peptídio intestinal vasoativo, além da acetilcolina. O óxido nítrico relaxa, especialmente, as artérias do pênis, bem como a rede trabecular de fribras musculares lisas do tecido erétil dos corpos cavernosos e do corpo esponjoso no corpo do pênis. Este tecido erétil é constituído por grandes sinusóides cavernosos, que , em condições normais, estão relativamente vazios, mas que ficam enormemente dilatados quando o sangue arterial flui rapidamente para o seu interior, sob pressão, enquanto ocorre oclusão parcial do efluxo venoso. Além disso, os corpos eréteis, particularmente os dois corpos cavernosos, são circundados por fortes túnicas fibrosas; por conseguinte, a pressão elevada no interior erétil em grau tão acentuado que o pênis fica rígido e alongado, constituindo o fenômeno da ereção [...] quando o estímulo sexual fica extremamente intenso, os centros reflexos da medula espinhal começam a emitir impulsos simpáticos que partem da medula em T-12 a L-2 e dirigem-se para os órgãos genitais pelos plexos simpáticos hipogástricos e pélvicos, para iniciar a emissão, o precursor da ejaculação [...] finalmente, pela contração das vesículas seminais, expelem o líquido prostático e seminal também para a uretra, forçando os espermatozóides para a frente. Todos esses líquidos misturam-se, na uretra interna, com o muco já secretado pelas glândulas bulbouretrais, formando o sêmen [...] O enchimento da uretra interna com sêmen desencadeia sinais sensoriais que são transmitidos pelos nervos pudendos até as regiões sacras da medula, dando a sensação de súbita plenitude nos órgãos genitais internos. Além disso, esses sinais sensoriais excitam ainda mais a contração rítmica dos órgãos genitais internos e produzem a contração dos músculos isquiocavernoso e bulbocavernoso que comprimem as bases do tecido erétil peniano...A excitação sexual masculina desaparece quase por completo de 1 a 2 minutos, e a ereção cessa, processo esse denominado de resolução.” (GUYTON e HALL, 2002 , p. 861)

ênfase na parte somática das funções vitais e como elemento preponderante do esvaziamento do esperma e o possível prazer na ejaculação. Cadáveres ejaculam, internamente e exatamente por se desprenderem de qualquer tipo de resistência ou mesmo censura. Eles atravessam as possibilidades de gozo na carne, com a última leva do esvaziamento vital pelo organismo em plena perda de resistência.

“Durante o orgasmo, os músculos do períneo da mulher têm contrações rítmicas, que resultam de reflexos da medula espinhal semelhantes ao que causam a ejaculação masculina [...] todavia, após a culminação do ato sexual, essa tensão é substituída, durante os minutos que se seguem, por uma sensação de satisfação, caracterizada por paz relaxante, efeito denominado resolução.” (GUYTON e HALL, 2002 , p. 881)

A exemplificação do clímax na relação sexual determina o que tange a manifestação de estímulos fisiológicos no organismo, em proporção reduzida ao fenômeno provocado pelo efeito da morte. A questão tensional é um ponto chave para a explicação do orgasmo, bem como pela forma do gozo, o momento de grande e extrema concentração de energia, que aos poucos vai descarregando e entra numa profunda e leve calmaria.

“Quando foi atingido o acme da carga dos nervos, da tensão muscular e da repleção das glândulas, o sistema nervoso carregado (provavelmente de eletricidade), junto com o aparelho genital por ele governado, descarrega-se mediante o orgasmo, que tem o caráter de uma descarga elétrica...O esvaziamento das glândulas distendidas, o relaxamento da contração muscular e o fim da atividade corporal em parte voluntária, em parte automática e, sobretudo, a descarga da energia chegada ao máximo de tensão nos nervos e no cérebro – todo esse conjunto é sentido como uma sensação voluptuosa final... Uma vez expelido o esperma, o homem passa do estado máximo de excitação, movimento e produtividade para um estado nítido de esgotamento...Chegado o acme do orgasmo, o útero contrai-se até o máximo ... ao contrair-se expulsa o ar nele contido”. (KAHN, 63: 1960)

Podemos atribuir toda essa energia como o próprio gozo, conforme referido por Násio (1992, p. 33) “... o trabalho do inconsciente implica o gozo; e o gozo é a energia que se desprende quando o inconsciente trabalha”. Sendo assim, o inconsciente de manifesta de forma completa e totalmente desregrada a partir do fenômeno do gozo. Trazer o conceito de gozo para mais próximo do senso comum é uma função muito delicada que precisa de maiores explanações sobre o conceito psicanalítico.

“E dizer que o corpo goza significa ainda que, à parte qualquer sensação de dor ou prazer conscientemente sentida pelo sujeito, produz-se – no momento da manifestação do inconsciente – um duplo fenômeno energético: de um lado, a energia é descarregada (gozo fálico), e do outro simultaneamente, a tensão psíquica interna é reativada (mais-gozar)”. (Ibidem , p. 37)

Para esta análise, estamos apenas considerando a questão da descarga como algo de grande ímpeto e sem retorno ao rumo somático, que aponta ao gozo carnal e todas as suas particularidades sistêmicas e biológicas. E o que estaria diferenciado entre o prazer e o gozo? “O prazer passa e desaparece, enquanto o gozo é uma tensão colada à própria vida. Enquanto houver gozo, haverá vida, pois o gozo não é outra coisa senão a força que assegura a repetição, a sucessão inelutável dos acontecimentos vitais.” (Ibidem, p 43). Desta forma concebemos que a sensação corpórea vai além do que a condição simples da consciência. O corpo retoma a um estado de gozo próprio onde ele se torna senhor de sua própria excelência.

“...um dos melhores exemplos do corpo que goza seria o corpo exposto à experiência máxima de uma dor intensa... o gozo não é o prazer, mas o estado que fica além do prazer; ou para, retomarmos os termos de Freud, ele é uma tensão, uma tensão excessiva, um máximo de tensão, ao passo que, inversamente, o prazer é um rebaixamento das tensões. Se o prazer consiste em não perder, o gozo, ao contrário, alinha-se do lado da perda e do dispêndio, do esgotamento do corpo levado ao paroxismo de seu esforço. É precisamente nesse estado de um corpo que se consome que a teoria analítica concebe o gozar do corpo”. (Ibidem, p. 134)

advento da morte e o esvaziamento pulsional. Ilustro com as imagens de um cadáver que aparentemente nos mostra o final de uma dor que se aliviou, em contraste com um prazer sarcástico pelas expressões faciais. A pose sem dúvidas nenhuma, é algo bastante instigante que nos ajuda a compreender toda relação que o signo do cadáver produz em nível inconsciente àqueles que estão vivos e tendem a reprimir toda permissividade que o corpo em fase final de vida, lhe autopermite, o próprio gozo: em definição!

FIGURA 34 e 35: Um cadáver de frente, aparentemente com expressões muito especiais em sua face.

4. UM CADÁVER ENTRE OS VIVOS: IMPLICAÇÕES SIMBÓLICAS, SIMULACROS,

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