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METODOLOGIA DA GEOPOLÍTICA:

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Metodologia da Geopolítica: O Amor aos Seus e a

Importância do Lugar de Origem

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George Friedman

Professor Doutor, fundador e diretor da instituição de pesquisa estratégica “Strategic Forcasting” – STRATFOR

Resumo

Neste artigo, o autor assinala que, para fazer previsões acerca do comportamento político das nações, há que ter em mente a importância de fatores como, por exemplo, o de pertencer a uma comunidade localizada num espaço determinado, o que, certamente, vai dar origem a valores afetivos e modos de encarar a vida que se sobrepõem a ideologias e a situações econômicas internas dos grupos. A defesa desses valores e modos de vida se contrapõe ao de outros grupos, e com respeito a estes, há sempre que ter desconfiança: se as intenções de um grupo são benévolas, nunca se pode presumir que as do outro também o sejam. Segundo o autor, o temor em relação ao “outro” é o principal motor das guerras, muito mais que a cobiça dos bens daquele “outro”.

Palavras-chave: Geopolítica. Polemologia. Antropologia Social. Abstract

In this article, the author points out that, in order to make predictions about the political behavior of nations, we must bear in mind the importance of factors such as belonging to a community, located in a particular place. These factors give rise to affective values and ways of looking at life overlapping ideologies and economic situations within groups. The defense of those values and ways of life are opposed to those of other groups, and with respect to these, there always have suspicion, whether the intentions of a group are benevolent, you can never assume that the other is too. According to the author, fear regarding the “other” is the main engine of war, far more than the greed of the assets of that “other”.

Keywords: Geopolitics. Polemologia. Social Anthropology.

1 Este artigo foi publicado originalmente na Revista Stratfor, de 15 de setembro de 2009 e foi expressamente

autorizado pelo autor para ser publicado nesta Revista. A tradução foi realizada pelo Embaixador Christiano Whitaker, Assistente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil junto à Escola Superior de Guerra.

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O estudo da Geopolítica procura identificar os fatores considerados permanentes, ou seja, os de longo prazo, e aqueles que são transitórios. Essa diferenciação se faz pelo prisma da geografia e do poder. Os resultados desse estudo comumente se chocam com o sentido comum. Mais precisamente: a inquirição geopolítica busca não apenas descrever, mas prognosticar o que vai acontecer, e tais prognósticos frequentemente – melhor dito, quase sempre – vão de encontro ao sentido comum. A Geopolítica é o sentido comum das gerações futuras.

William Shakespeare, nascido em 1564 – no século em que se deu a conquista do mundo pela Europa – disse, pela boca de Macbeth, que a História é uma fábula contada por um louco, cheia de sons e de fúria, e sem nenhum sentido. Se Macbeth estiver certo, então a História se reduz apenas a sons e fúria, sem sentido e sem ordem. Toda tentativa de predizer o futuro deve começar por negar a afirmação do Príncipe dinamarquês, pois se a História for aleatória, ela será, por definição, não revisível.

Traçar prognósticos é inerente à condição humana: cada ação que um ser humano realiza busca um resultado. Essa expectativa de resultado decorre de um conhecimento de como os fatos se dão. É certo que, algumas vezes, uma ação tem consequências inesperadas, não intencionais; mas há um enorme abismo entre a incerteza de um prognóstico e a impossibilidade de fazer um prognóstico. De manhã, quando me levanto e vou tomar banho, abro a torneira de água quente sempre com a expectativa de que a água vá correr. No entanto, em alguma circunstância, ela não aparece e, embora não tenha conhecimento do motivo dessa falta de água, em geral posso contar com isso. A vida é feita dessas expectativas e prognósticos. Não há ação que se faça sem a expectativa – certa ou errada – de algum resultado previsível.

A busca de previsibilidade perpassa a condição humana. Estudantes escolhem uma carreira tentando prever o que lhes será de seu gosto, dentro de trinta anos, ou o que lhes será útil, ou o que lhes proporcionará bons rendimentos etc. As empresas fazem prognósticos acerca do que vender, e para quem vender. Fazemos prognósticos acerca do tempo, de quem vai vencer as eleições, das consequências de uma guerra, e por aí vai. Não existe hipótese dos seres humanos não atuarem como se o mundo não fosse, em alguma medida, previsível.

Há profissões baseadas inteiramente em prognósticos. Os tipos mais simples são aqueles relativos à natureza: esta é mais previsível que tudo, uma vez que não dispõe de vontade e não pode fazer escolhas. Os cientistas, que gostam de falar sobre “ciências duras” (N.T.: hard sciences), na verdade, estão numa posição confortável: por exemplo, Saturno não vai mudar de órbita por puro capricho seu. Os prognósticos mais difíceis são aqueles que dizem respeito a seres humanos. Em primeiro lugar, porque, enquanto indivíduos, eles fazem escolhas. Em segundo lugar – e isto é o mais importante – porque nós somos seres humanos, e nossos desejos e preconceitos, inevitavelmente, tingem nossa

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visão sobre o desenrolar dos eventos.

Mesmo assim, existem ciências totalmente dedicadas a prognosticar. A Econometria, por exemplo, é um campo que se dedica, com maior ou menor êxito, a prever como será o comportamento de uma economia nacional. Ou no caso dos Jogos de Guerra e Modelos Militares, como ocorrerão as guerras. Os analistas de mercado buscam prognosticar as oscilações do mercado de ações, os analistas laborais tentam prever o futuro dos mercados de trabalho etc. Os prognósticos permeiam a sociedade.

Todos esses sistemas de prognósticos sociais atuam da mesma forma: ao contrário de predizer a atuação isolada dos indivíduos, buscam gerar um modelo estatístico formado por vários indivíduos, com o objetivo de predizer qual o padrão geral de comportamento. A Economia e a Guerra compartem o fato de que lidam com vários atores individuais interagindo com a tecnologia e a natureza, com o objetivo de prever, de forma geral, a direção e o resultado dos eventos.

AMOR E NASCIMENTO, AFETO E ORIGEM

Para ter êxito, todo prognóstico deve começar sendo simplório. Por “ser simplório”, quero dizer que, em vez de buscar conceitos e princípios altamente sofisticados, deve começar com aquilo que é óbvio. As pessoas inteligentes tendem a não dar importância ao óbvio e a buscar detalhes que as pessoas comuns não veem – por isso, seus prognósticos tendem a flutuar no ar, no lugar de estarem firmemente ancorados na realidade. Assim, vamos começar do começo.

Uma vez que é sobre a história humana que se está tentando fazer prognósticos, deve-se atentar para aquilo que é certo nos seres humanos. Vários poderiam ser os pontos de partida, mas, talvez, o que há de mais certo quanto aos seres humanos, assim como quanto aos animais, é o fato de que nascemos e morremos. Nascemos totalmente incapazes de cuidar de nós mesmos. No plano físico, precisamos de cuidados, de alimentos e proteção pelo menos até os quatro ou cinco anos de idade; caso contrário, morremos. No plano social, em alguns países industrializados, essa proteção pode se estender até os trinta anos.

Os seres humanos protegem a si mesmos e a suas proles através da constituição de grupos familiares, mas uma família pequena é inerentemente vulnerável. Isto porque é mais fácil roubar daqueles que são fracos que produzir para si mesmo; assim, um grupo familiar isolado será sempre vulnerável a ataques de predadores humanos, gente que rouba, mata, escraviza. Para proteger grupos pequenos, faz todo sentido formar comunidades maiores, nas quais uns cuidam dos mais débeis, outros caçam, outros lavram a terra e outros cuidam da defesa. Essa divisão do trabalho é um resultado mais lógico da natureza humana física. Então, torna-se fácil de compreender a pergunta concernente à divisão do trabalho: com quem se deve fazer aliança, onde encontrar aliados? Tal pergunta só é complexa

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quando feita num plano abstrato. Na prática, a resposta é óbvia: pais, irmãos, tios, primos e afins constituem o grupo natural da divisão de trabalho.

Daí deriva outra pergunta relevante: por que confiar mais em um parente que em um estranho? Esse é o cerne do problema: a questão do amor pelos seus, endógeno. Trata-se de um ponto central para a compreensão do comportamento humano, e como tal comportamento pode ser previsto. Esse tema está em violento contraste com outra visão do amor: aquela em que o objeto é exógeno, adquirido – uma tensão que, nos últimos quinhentos anos, vem definindo a história da Europa e do mundo.

A ideia de que o amor romântico deve impor-se àquele destinado aos seus introduz na História uma dinâmica nova e radical, na qual indivíduo e escolha estão acima de comunidade e obrigação. Comecemos com um exemplo muito especial:

Romeu e Julieta, de Shakespeare, peça que tem como motivo principal a relação

entre dois tipos de amor. Romeu e Julieta pertencem a famílias diferentes, clãs distintos, que se encontram em guerra entre si. Eles se apaixonam. A questão que a peça propõe é a seguinte: qual dos dois contextos amorosos tem prioridade? Aquele em que se nasceu: a família, a religião, a tradição, o amor pelos seus? Ou o contexto do amor adquirido, o que se escolhe porque gratifica individualmente?

Durante a maior parte da história e na maioria das sociedades humanas, casamentos eram arranjados: casava-se por amor, mas não pelo cônjuge, mas por amor aos pais e pelo senso de dever advindo desse amor. No Decálogo, o Quinto Mandamento proclama: “Amarás teu Pai e tua Mãe”; contudo, não é apenas ternura familiar o que prescreve o mandamento, mas, sim, algo mais fundamental: o Deus de teus pais é teu Deus, seus amigos são teus amigos, suas dívidas são tuas dívidas, seus inimigos são teus inimigos, seu destino é teu destino.

A esse tipo de amor, Shakespeare justapõe o amor romântico. Este é exógeno, adquirido. A concepção de que o amor romântico, exógeno, deve sobrepor-se ao amor aos seus, endógeno, introduz uma dinâmica nova e radical à História, e, nessa dinâmica, o fator individual e a escolha se impõem à comunidade e às obrigações: eleva valores adquiridos através da escolha a uma posição superior àqueles com os quais se nasce.

Essa noção é central à Declaração de Independência dos Estados Unidos, a qual sobrepõe à obrigação, a Vida, a Liberdade e a Busca da Felicidade. E mais: a Europa moderna, de modo geral, com a ascensão revolucionária do Protestantismo e com a mutação deste no Iluminismo europeu, introduziu uma ideia extraordinária, paralela à do amor romântico: a noção de ideologia. Ideologia é um valor adquirido, exógeno. Uma criança não pode ser jefersoniana ou stalinista: essa escolha, bem como a escolha romântica de uma esposa, só acontece quando se atinge a idade da razão.

O Protestantismo eleva a consciência ao mais alto grau das faculdades humanas: ela passa a ditar as escolhas a serem feitas. Por sua vez, o Iluminismo,

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ao somar as escolhas à razão, criou a noção de que em todas as áreas, particularmente na vida política, o indivíduo está obrigado acreditar não naquilo que lhe foi ensinado, mas no que sua própria razão diz ser justo e adequado. A Tradição é superada pela Razão, e o “Ancien Régime”, por sistemas construídos artificialmente, forjados na revolução.

Para ter-se uma noção mais clara sobre a questão, consideremos o seguinte: eu sou um americano. Sou também um cidadão dos Estados Unidos. A América é uma entidade natural, um lugar e um povo. Você é americano desde que nasce: é o modo como se identifica perante o resto do mundo. Em inglês, é impossível, em termos linguísticos, classificar-se como “estadunidense”: a expressão não tem sentido. Pode-se simplesmente dizer que se é um cidadão dos Estados Unidos e, como tal, se relaciona a uma construção artificial, a Constituição, a qual jura lealdade. É uma relação racional e, em última análise, eletiva. Por mais que tente, você nunca deixa de ser um americano; é possível, por uma questão de escolha, deixar de ser cidadão dos Estados Unidos. Paralelamente, tem o direito de tornar-se um cidadão dos Estados Unidos – mas isso não faz de você, no tornar-sentido mais amplo da palavra, um americano. Cidadania e condição de alienígena estão inseridas no sistema.

É muito fácil ser americano, pois nasce sendo. Pela língua, pela cultura, por todos aqueles fatores quase imperceptíveis que te fazem um americano, você é um americano. Para tornar-se um cidadão dos Estados Unidos, no sentido mais amplo da palavra, é preciso compreender e aceitar livremente os direitos e obrigações da cidadania. É simples e natural amar a América; amar os Estados Unidos é complexo e artificial. Isso não se aplica somente aos Estados Unidos: considerem-se os casos da União Soviética e dos países que a constituíam; ou da França, em oposição à República Francesa. Isso, sem levar em conta, ainda, a questão da língua.

Com o Iluminismo, passou-se a dar valor ao amor adquirido, exógeno, e a desvalorizar aquele dedicado aos seus, endógeno. Com efeito, a modernidade é, em geral, inimiga do nascimento. Os regimes revolucionários modernos derrubaram os antigos regimes exatamente porque estes conferiam direitos com base no nascimento. Para os sistemas políticos modernos, ele é apenas um acidente que não confere autoridade a ninguém - esta resulta dos méritos e conquistas de cada um e baseia-se em virtude concretamente demonstrada, e não presumida por nascimento.

O embate entre esses dois tipos de amor tem sido o traço dominante dos últimos quinhentos anos. Nas sociedades tradicionais, as obrigações advêm das circunstâncias de nascimento e se impõem por meio de um amor simples, acrítico, pelos seus e por sua coletividade; já nas sociedades modernas, as obrigações são o resultado de escolhas e de um amor complexo e autocentrado por objetos adquiridos – sejam estes amantes ou regimes políticos.

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Nas sociedades tradicionais, você sabe quem é e, consequentemente, quem será pelo resto de vida. Nas sociedades modernas, iluministas e pós-revolucionárias, você pode saber quem é, mas isso de modo algum determina em quem necessariamente se tornará: essa é sua escolha, sua tarefa e sua obrigação. As sociedades tradicionais são infinitamente mais limitadas, porém muito mais naturais. O amor a seus pais e a seu meio familiar e social é a forma primeira e mais simples de afeição. Nessas sociedades, fica fácil amar ou odiar aquilo que se ama ou odeia; já nas sociedades modernas, há o problema de sair no mundo e escolher o objeto do amor ou do ódio.

Essa dicotomia nos leva à questão do Nacionalismo, ou, em termos mais amplos, do amor e da obrigação para com a comunidade de origem – seja ela um bando de nômades, ou um Estado-Nação. A tendência a amar aquilo que é nosso, os valores coletivos comuns, é quase irresistível. Quase, mas não totalmente irresistível, visto que, nas sociedades modernas, o amor a si mesmo e a valores adquiridos tem preeminência sobre o amor aos valores coletivos comuns, uma vez que este resulta do acidente de termos nascido numa determinada comunidade, enquanto que aquele é uma expressão da individualidade e, portanto, mais autêntico.

O Liberalismo e o Socialismo modernos não sabem muito bem o que fazer com o Nacionalismo: este parece ser, em princípio, um impulso atávico, irracional e injustificado. Os economistas, esses pensadores essencialmente modernos, seguem a opinião de seu mestre Adam Smith, para quem o objetivo primeiro dos seres humanos é maximizar, no plano material, seu interesse próprio; ou, dizendo de modo mais simples, adquirir riqueza. Argumentam os economistas que os indivíduos não só devem se dedicar a essa busca, como também o farão naturalmente, se deixados agir livremente, por conta própria

Para os economistas, o autointeresse é um impulso natural; mas se o é, também pode ser considerado um impulso estranho, pois são inúmeros os exemplos de pessoas que não o seguem. Consideremos a tensão que existe entre a ideia de que os Estados Unidos foram criados para alcançar os objetivos de “Vida, Liberdade e Busca da Felicidade”, e a decisão de um soldado de ir à guerra e, mesmo, sacrificar voluntariamente sua vida. Como conciliar a constante presença do autossacrifício em prol da comunidade – e a exigência da comunidade para que tal sacrifício seja feito – com a afirmação empírica de que os homens buscam alcançar mais e mais felicidade? Atualmente, considera-se a guerra um evento corriqueiro, e soldados constantemente vão aos campos de batalha. Como um regime voltado à Vida, à Liberdade e à Busca da Felicidade pode exigir que seus cidadãos se anteponham voluntariamente entre seus lares e a desolação da guerra? Isso é, na verdade, o que se passa.

Considera-se o Nacionalismo, hoje em dia, um impulso crucial – ou seja: o amor aos valores coletivos continua a ser um impulso crucial. Morrer por um regime dedicado à busca da felicidade não tem sentido; mas, morrer por amor

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aos seus faz todo sentido. Contudo, a moderna visão do homem tem dificuldade em lidar com essa ideia, e tenta superar tal dificuldade procurando abolir a guerra, bani-la como sendo um atavismo, classificando-a como algo primitivo e antinatural. Talvez, ela seja tudo isso, mas o fato é que não desaparecerá, e nem o amor aos seus e aos valores coletivos, com tudo que daí deriva.

Há um paradoxo importante nisso tudo. Os regimes liberais modernos proclamam a doutrina da autodeterminação nacional, o direito de um “povo” escolher seu próprio caminho. Deixando de lado a enorme confusão a respeito de como lidar com uma nação que venha a escolher um caminho não liberal, existe a dificuldade de definir o conceito de nação e o seu direito de escolher algo.

Historicamente, a emergência da doutrina da autodeterminação nacional está ligada à dinâmica das revoluções europeia e americana. A Europa era regida por dinastias que governavam nações por direito de nascimento; romper esses regimes foi o objetivo dos revolucionários europeus. O impulso motor das massas europeias não foi uma teoria qualquer de direito natural, mas, sim, o amor a suas comunidades e nações, e o ódio ao domínio estrangeiro. A combinação de princípios revolucionários morais com o conceito de nação deu origem à doutrina da autodeterminação nacional como princípio coincidente com os direitos humanos. O fato de o direito individual e o direito da nação – não obstante quão democrática este seja – se confrontarem diretamente não entrou em cogitação pelos revolucionários. No caso dos próceres fundadores americanos, tendo agido em prol da autodeterminação nacional, criaram uma Declaração de Direitos e esperaram que a história resolvesse a contradição entre nação, Estado e indivíduo.

Na raiz da sociedade liberal moderna, continua pulsando o coração excêntrico da condição humana: o amor aos seus e aos valores coletivos. Percebe-se agora claramente essa excentricidade. Por que amamos as coisas e os valores de nosso contexto de origem? Simplesmente porque nascemos nele? Por que os americanos amam a América, os iranianos, o Irã e os chineses, a China? Apesar de existirem opções, e do fato de muitas pessoas estruturarem suas vidas pelo amor a valores adquiridos, por que o amor aos seus continua a impulsionar os seres humanos?

André Malraux escreveu certa vez que as pessoas se expatriam “muito nacionalmente”: um expatriado americano continua a ser americano e é muito diferente, por exemplo, de um expatriado mongol. Não importa para onde você queira emigrar, ou que nova identidade queira adotar: no fim das contas, não poderá fugir de ser quem é. Você pode ter os amores adquiridos que quiser; no fim das contas, amando ou não seus valores originais, você é aquilo que nasceu sendo. Sua capacidade de manobra é muito menor que pensava: embora tenha abandonado seu mundo, seu mundo não te abandonou; você pode renegar seus deveres e obrigações – deixar de amá-los - mas os seus valores e seu contexto original permanecem.

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Para a grande maioria das pessoas, essa não é apenas a condição humana, mas também a que não existe sofrimento. Nascer americano, ou ucraniano, ou japonês, não requer esforço; mais que isso, é reconfortante: diz quem você é, qual o seu lugar no mundo, o que deve fazer. Dispensa de fazer escolhas e, ao mesmo tempo, confere liberdade para agir. No entanto, para algumas pessoas essa situação é um fardo – as mesmas que contribuíram para nos dar consciência sobre nós mesmos. Ernest Hemingway, por exemplo, por mais que odiasse sua cidade natal, continuou sendo, até sua morte, um americano proveniente de uma cidadezinha do interior. A única diferença entre Hemingway e o balconista da farmácia de sua cidade natal é que este se contentava com quem era, enquanto que Hemingway morreu tentando, desesperadamente, escapar dele mesmo. No fim, não conseguiu. Não há como escapar de amar aos seus, incluindo-se, nesta condição, a grande maioria da humanidade. O Quinto Mandamento é o mais humano e o mais fácil de compreender do Decálogo.

Nietzsche falava de horizontes. Um horizonte é uma ilusão de ótica, mas uma ilusão que conforta, pois proporciona uma sensação de que o mundo é controlável, ao invés de ser tremendamente maior que nós. O horizonte nos dá uma sensação de um espaço que nos delimita, e à nossa comunidade. Livra-nos de pensar sobre a vastidão de tudo, nos proporciona um lugar que podemos controlar – e esse lugar, depois do amor, é o que mais define nossa identidade.

Em termos práticos, isso quer dizer que o nacionalismo, a moderna forma de amor ao que é nosso e a nossos valores, continua sendo a força motora da humanidade. Muito se disse que a interdependência representaria o declínio do Estado-Nação, da exclusão religiosa, da guerra. Para que essa afirmação fosse correta, seria preciso que o amor aos seus, ao que temos e somos desde o nascimento, fosse superado. O autointeresse econômico é certamente uma força poderosa; mas não há evidência empírica de que faça diminuir a intensidade do nacionalismo – muito pelo contrário. Durante o século XX, ao mesmo tempo em que crescia a interdependência, o nacionalismo se tornava mais e mais intenso. Com efeito, ficou mais refinado, na medida em que agrupamentos cada vez menores reivindicavam identidade e direitos nacionais. A história do século XX foi de simultânea intensificação do racionalismo econômico e do nacionalismo. Nada se poderá saber acerca do futuro sem compreender a necessidade essencial do nacionalismo e sua a permanência como um compromisso que, frequentemente, transcende interesses econômicos individuais.

LOCALIZAçãO E TEMOR

Sejam elas cidades, estados ou mesmo bandos de nômades, comunidades existem em lugares específicos; se as tirarmos de seus respectivos lugares, sua natureza mudará. É claro que a cultura – língua, religião, maneiras à mesa etc. –

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não pode ser precisada exclusivamente pela localização geográfica. Contudo, há características que são determinadas pelo lugar, este entendido no sentido mais amplo. Se afirmarmos que somos produtos do contexto cultural e familiar em que nascemos, podemos também afirmar que a Geopolítica nos ensina que aonde nascemos também tem importância relevante.

Comecemos com os exemplos mais simples. Um esquimó vivencia o mundo de forma completamente diferente de um nova-iorquino. Um esquimó, sobretudo no seu modo tradicional de vida, antes do contato com os europeus, interage diretamente com a natureza. Ele se alimenta daquilo que consegue capturar ou encontrar; e o que captura ou encontra é determinado por onde está e pelos instrumentos de que dispõe – os quais, mais uma vez, são estabelecidos pela região em que se encontra. É claro que a cultura não se limita a esse tipo de atividade: os seres humanos são complexos demais para se reduzirem a isso. De todos os modos, alguém nascido naquele ambiente geográfico e social enfrenta a vida de um modo particular.

Vejamos agora o nova-iorquino: ele estaria tão perdido nas costas do Oceano Ártico quanto um esquimó em Manhattan. Um nova-iorquino obtém seu sustento de modo extraordinariamente diferente ao de um esquimó. Não pretendo aqui demorar-me nos minúcias arcanas do modo de viver urbano dos americanos, mas apenas assinalar o óbvio: o modo de vida de um nova-iorquino é tão idiossincrático quanto o de um esquimó.

Não quero adentrar-me num exame sobre as maneiras como a geografia forma a cultura de uma nação. Tucídides notou as diferenças existentes entre uma cidade costeira e uma do interior; ou de uma considerada grande e outra pequena; ou daquelas que dispunham de recursos suficientes para construir muralhas e as pequenas vilas sem tais recursos – e que, consequentemente, nunca chegaram a ser verdadeiras cidades. É fácil perceber a diferença entre ter nascido em Cingapura ou em Ulan Bator.

Mas há um conceito de importância fundamental que deve ser levado em conta, no que concerne ao lugar: o de temor. Seja lá onde vivemos, existe constantemente o temor em relação à outra nação, ou comunidade. Próximas uma da outra, duas comunidades sempre se temem. A origem desse medo mútuo é o desconhecimento sobre as intenções de cada uma. Ninguém pode saber com certeza quais os propósitos de outra pessoa. Nos relacionamentos casuais, em que os resultados de um erro de avaliação são triviais, podemos esperar o melhor das pessoas: quando apenas nossa vida e nossa liberdade estão em perigo, podemos assumir os riscos de um juízo equivocado. Mas quando se trata das vidas e da liberdade de nossos filhos, nosso(a) cônjuge, nossos pais e parentes, e tudo o mais a que atribuímos valor, então nosso direito de correr riscos decresce exponencialmente: nessas circunstâncias, temos de presumir o pior.

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Thomas Hobbes estuda essa questão em profundidade. O mútuo desconhecimento acerca das intenções e da capacidade de atuação é que faz com que vizinhos não confiem um no outro. Saber que nossos propósitos são benévolos de nada vale em relação a nosso vizinho: seu apetite por conquistas é o grande fator de dúvida. Essa desconfiança leva uma comunidade a algo mais que a simples defesa, como, por exemplo, agir por antecipação: se o inimigo deseja o pior, melhor será atacar primeiro. Num universo de espelhos, onde a alma do outro está permanentemente oculta, a lógica leva-nos a proceder com vigor, sempre esperando o pior.

A localização determina a natureza da comunidade, o modo de vida dos seus membros, a maneira de educar seus filhos, e como enfrentar a velhice. Determina quem fará guerra, contra quem, e quem sairá vencedor. A localização determina inimigos, temores, ações e, sobretudo, limites. O maior dos estadistas da Islândia terá menos impacto que o mais medíocre político nascido nos Estados Unidos. A Islândia é um país pequeno e isolado, com poucos recursos e opções. Já os Estados Unidos são um país vasto, com amplo acesso ao mundo; embora não ilimitado, seu poderio é grande. A localização comanda a vida tanto de camponeses como de presidentes.

A localização proporciona vantagens, mas também impõe vulnerabilidades. Consideremos o caso da Polônia, uma nação imprensada entre dois países muito maiores - a Alemanha e a Rússia, que não dispõe de barreiras defensivas naturais – rios, montanhas, desertos. Ao longo de sua história, a Polônia comportou-se sempre de duas formas: ou extremamente agressiva (raramente, em vista dos recursos de que dispunha), ou era a vítima de agressão (sua condição usual). O espaço ocupado pelo povo polonês explica, em grande parte, a história da Polônia. A localização determina também a vida econômica. Para tocar suas economias, a Alemanha dependia fortemente do minério de ferro da França, e o Japão, dos Estados Unidos, em aço e petróleo. Nem a Alemanha e nem o Japão tinham meios de controlar o comportamento da França e dos Estados Unidos, enquanto que os Estados Unidos e a França buscaram controlar os comportamentos do Japão e da Alemanha através da dependência econômica. Os governos da Alemanha e do Japão ficavam extremamente receosos diante perspectiva de um estrangulamento nesses setores. Como poderiam conhecer as intenções daqueles dois países? Como apostar seus futuros na boa vontade de países com os quais tinham outras áreas de desavença?

Se o aço francês estivesse a umas cem milhas para leste, e se o Japão possuísse petróleo e outros minerais a seu alcance e sob seu controle, o curso da história poderia ter sido diferente – mas a localização é a que se conhece, as minas de ferro estavam a oeste da Alemanha, e o petróleo a milhares de milhas do Japão. Dois fatores foram determinantes: o primeiro, a interdependência, o fato de que, não sendo autossuficientes, achavam-se vulneráveis; e o segundo,

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o receio de que os países dos quais eram dependentes viessem a aproveitar-se dessa vulnerabilidade para esmagá-los. O resultado foi a guerra.

Com Bismarck, com o Kaiser e com Hitler, os alemães tentaram reverter a situação impondo sua vontade à França. Os russos, aterrorizados pela possibilidade de uma Alemanha poderosa e segura em seu flanco ocidental, não queriam que a França fosse derrotada. Conhecedora dos temores russos, a Alemanha compreendeu que seria derrotada, caso a Rússia e a França atacassem simultaneamente, no momento e no lugar de sua escolha. Temendo essa possibilidade, a Alemanha buscou em três ocasiões resolver a situação, tomando a iniciativa de atacar primeiro. Falhou nas três2.

O importante aqui é ressaltar que nações e outras comunidades agem muito mais por temor, que por ambição ou amor. O medo à catástrofe impulsiona as relações externas tanto de tribos nômades como de estados modernos. Esse temor, por sua vez, é determinado pela localização. O medo da dependência e da destruição move as nações, que, em última análise, está radicado na localização. TEMPO E RESISTÊNCIA

Todo modelo de comportamento de comunidades, que parta do pressuposto que estas atuam como organismos individuais, está obviamente errado. Uma comunidade se compõe de numerosas subdivisões. Ela pode incluir uma vasta gama de grupos étnicos, de diversidades religiosas ou de castas socialmente delimitadas. Mas é claro que a principal característica é aquela que separa ricos de pobres, que, mais que qualquer outra, determina como uma pessoa vive. Excetuando-se o fato de que ambos nascem e morrem, a diferença de vida entre um camponês pobre e sem terras e um homem rico é, sob todos os aspectos, imensa. Os modos distintos de vida e de trabalho definem categorias diversas de seres humanos.

Nenhum dos estudiosos da vida política jamais deixou de ter em conta a importância das classes econômicas e sociais. Nos séculos XIX e XX, pensadores, como Karl Marx, atribuíram tal importância ao fator classe social que o consideraram mais relevante que qualquer outro: nação, família, religião – tudo isso não só deixou de ser menos importante que classe, como também foi reduzido a manifestações de classe, a qual se tornou o motor de todas as realidades. Assim como o liberalismo econômico elegeu o indivíduo como o elemento essencial, os socialistas elegeram a classe.

É interessante notar que, aparentemente inimigos irreconciliáveis, tanto os economistas liberais como os marxistas compartilhavam da opinião de que a nação, considerada como a comunidade unitária que possibilita todas as

2 O tradutor assinala que Bismarck conseguiu impor sua vontade sobre a França, e pensa que, em apenas duas

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realidades, seria, na melhor das hipóteses, uma mera conveniência e, na pior, uma prisão. Os membros de ambas as correntes esperam que a nação e outras comunidades se definhem: os liberais, por efeito do transnacionalismo do capital, e os marxistas, por ação do transnacionalismo da classe operária.

Uma ilusão de ótica sempre aparece para os ricos e para os intelectuais: a de que o nacionalismo, na verdade, não tem importância. Isolados da natureza por camadas de tecnologia e de servidores, os ricos do mundo vivem de modos muito mais semelhantes entre eles que entre os seus demais concidadãos. A localização, para eles, importa muito menos. Tome-se, como exemplo, as famílias reais dos primórdios da globalização: quanto mais se fortificavam, menos se distinguiam entre elas mesmas, e mais se diferenciavam de seus respectivos súditos.

É da essência da tecnologia não só dominar a natureza, como também inserir camadas separando a condição humana da natureza. Assim, de muitos modos, quanto mais avançada a tecnologia de uma comunidade, tanto menos importância a localidade passa a ter – ou aparenta ter. Um banqueiro americano, por exemplo, tem muito mais em comum com suas contrapartes, alemão ou chinês, que com muitos de seus concidadãos: a riqueza, parece, dissolve o fator localidade. O mesmo sacontece com os intelectuais, que têm muito mais em comum entre si que com o pessoal que serve na cantina da universidade.

Poder-se-ia pensar que essa universalização de interesses ocorreria também entre os que não são ricos: Marx afirmava que os trabalhadores não têm pátria, e que sentiam uma solidariedade transnacional com outros trabalhadores. Os banqueiros podem não ter pátria, e os intelectuais podem acreditar que os trabalhadores não têm pátria; mas não há nenhuma evidência empírica de que trabalhadores e camponeses tenham jamais sentido que não têm uma pátria, ou, pelo menos, que não pertençam a uma comunidade.

O século XX foi, na verdade, o cemitério das fantasias intelectuais de que as classes inferiores são indiferentes a interesses nacionais: em duas conflagrações mundiais, foram as classes médias e inferiores que se digladiaram; nos Estados Unidos, a classe média é que apoiou à Guerra do Vietnam. Todo estudo sobre a geopolítica deve partir dessa constatação, pois a usual, a de que os ricos manipulam os pobres para ser belicosos, simplesmente não tem sentido: em primeiro lugar, os ricos não gostam de guerras, pois estas prejudicam os negócios, e, em segundo lugar, os pobres são muito menos estúpidos – e, portanto, muito menos manipuláveis – que os intelectuais julgam que eles são.

Vejamos, inicialmente, o princípio do destino compartido. Pensemos em dois planos: o da extensão territorial e o da classe. Quanto ao primeiro plano, tomemos o caso de Israel, um país territorialmente pequeno: se algo lhe acontecer, acontecerá a todos os que nele habitam; se não conseguir opor-se a uma invasão, nenhum israelense estará imune às consequências, que poderão ser profundas –

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catastróficas mesmo. No que diz respeito a países de maior extensão territorial, em particular aqueles que são menos vulneráveis, podemos considerar – ou imaginar – circunstâncias em que os efeitos que recaem sobre a comunidade não venham a afetar certos indivíduos. Os cidadãos dos Estados Unidos talvez imaginem que segurança nacional não é assunto que lhes diga respeito; entretanto, para países pequenos, sob risco direto, essa atitude é impensável.

Examinemos agora o segundo plano, o da classe. Para os membros da categoria social mais abastada é mais fácil se proteger de um evento que recaia sobre a comunidade, do que o é para os membros dos estratos sociais médios e baixos. Os ricos podem dispor de depósitos no exterior, ou de aviões privados que os transportem para longe do perigo; ou mandar seus filhos para escolas em outros países, e por aí vai. Tais opções não existem para os que não são ricos: o destino destes está mais atado àquilo que venha a ocorrer à sua nação. Os ricos, portanto, têm como se proteger das consequências – ou até lucrar com elas; já os que não são ricos não contam com os mesmos privilégios.

Por isso, as classes inferiores são muito mais conservadoras em relação aos riscos que, no plano internacional, seu país venha a assumir. O cidadão comum, como tem menor espaço de manobra, é contrário a qualquer possibilidade de perigo, mais desconfiado no que diz respeito às intenções de outros países, como também a ideias extravagantes dos ricos e dos intelectuais sobre as vantagens de transcender o nacionalismo.

Se a primeira emoção que o ser humano sente é o amor, a segunda é o medo. Ao amor àquilo que é seu, rapidamente, segue-se o medo ao outro. Quanto mais desprotegido o indivíduo, menores são os recursos de que dispõe e maior sua dependência da comunidade em que vive. Quanto mais dependente, mais tende a desconfiar de riscos. Quanto mais desconfia dos riscos assumidos por seus conterrâneos abastados, mais desconfia de tudo que coloque a perigo sua comunidade e, portanto, sua vida. Os ricos e poderosos têm a liberdade de serem ambiciosos, de querer sempre mais, de correr riscos e de perseguir aventuras. Já o cidadão comum vive em estado de medo – e não há nada de irracional nisso.

Nesta era democrática, a luta de classes não acontece da maneira como Marx a imaginou: o que ocorre é uma luta entre o internacionalista rico e o cidadão comum nacionalista. Uma vez que dispõe de área de manobra, o internacionalista argumenta que, no longo prazo, as instituições transnacionais – Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI), União Europeia, Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) – acabarão por beneficiar a sociedade como um todo. Seu compatriota pobre pode até concordar com aquele argumento, no entanto, ele não participa desse processo de longo prazo. Se perder seu emprego, é até possível que seu neto venha a prosperar, mas sua própria vida estará arruinada. O longo prazo, embora verdadeiro, torna-se uma perspectiva que só os ricos vão ter a oportunidade de desfrutar.

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Ainda que exista o indivíduo exclusivamente centrado em seus próprios interesses, certamente, será um caso excepcional. Igualmente difícil é encontrar uma nação apenas voltada para o desenvolvimento econômico. Isso, por uma razão óbvia: buscar o desenvolvimento econômico sem considerar o perigo do seu puro crescimento é um suicídio, pois quanto maior for a riqueza de uma nação, maior será a tentação de outras em cobiçar essa riqueza. Defender a riqueza torna-se tão importante quanto fazê-la crescer. Mas defendê-la vai de encontro a produzi-la, tanto em termos de custos como em termos culturais. No fim das contas, uma sociedade é muito mais complexa que um mero motor de crescimento econômico e que uma simples arena da luta de classes.

Há outro lado: o crescimento econômico, do tipo que levou os Estados Unidos a transformar-se de uma nação agrária escassamente povoada num gigante industrial e tecnológico, demanda gerações para acontecer. Tais gerações devem ter austeridade, suportar sacrifícios, para atingir seus objetivos. É imprescindível também submeter-se a uma disciplina social que obrigue imigrantes a restrições financeiras maiores que as realmente necessárias, a fim de poderem propiciar um nível social melhor para seus descendentes. A aceitação em sacrificar não só sua vida, mas também seu conforto, suas esperanças e aspirações, para que as gerações futuras possam triunfar, não é apenas o fundamento do desenvolvimento econômico, mas também a refutação de toda visão do indivíduo como o instrumento autocentrado da história. Não é dessa maneira que a história caminha.

No entanto, cenários, como o acima descrito, não ocorrem no vazio e devem ser exemplificados. Suponhamos que fosse comprovado que os Estados Unidos se beneficiariam muito, caso a China passasse a produzir a totalidade dos equipamentos eletrônicos, e que, num prazo de 30 anos, isso representaria uma duplicação do Produto Nacional Bruto (PNB) e do padrão de vida dos americanos. Do ponto de vista da sociedade como um todo, pareceria uma boa ideia.

Contudo, examinemos a questão sob a ótica de um engenheiro americano de computadores, de 30 anos de idade, com um filho. Aqueles 30 anos compreenderiam toda sua vida produtiva; nosso hipotético engenheiro não poderia exercer a carreira que havia escolhido, e o enorme investimento feito em sua educação seria desperdiçado. Entre seus 30 e seus 60 anos de idade, quando o esperado lucro para a sociedade deveria materializar-se, o engenheiro teria levado uma vida muito diferente daquela que esperava e, provavelmente, em condições econômicas mais difíceis.

Em relação à sociedade e aos indivíduos, o tempo se mede por relógios diferentes: para ela, em gerações e séculos, enquanto que para eles, em anos e décadas. Aquilo que é apenas uma fase passageira na história dos Estados Unidos, num pequeno segmento da sociedade americana, para um indivíduo, é a maior parte de sua vida. Esta é a tensão fundamental entre uma nação e um indivíduo:

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funcionam por relógios diferentes. Na maioria dos casos, quando as pessoas afetadas são poucas e se encontram desorganizadas, é fácil para a sociedade descartar seus interesses. Nos casos em que o indivíduo compreende que seus descendentes poderão realizar um salto qualitativo, ele poderá aquiescer. Mas quando os indivíduos afetados formam um conjunto considerável, e quando mesmo a duplicação da economia não trouxer mudanças substanciais para a felicidade dos descendentes, haverá resistência. Aqui, o que importa é focalizar os diferentes relógios, as escalas de tempo, e as mudanças que provocam.

Referências

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