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A filosofia tem que servir para algo?

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Academic year: 2021

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A filosofia tem que servir para algo? 

 

Abraão Carvalho[1]        Resumo   

O breve artigo procura um diálogo com o texto do filósofo Abraão Costa Andrade de        nome “Para que serve a Filosofia?” e procurar demarcar a noção e sentido de        filosofia como problema. Neste percurso recorre também a filósofos como Hegel, em        passagens do filósofo ao livro “Introdução à História da Filosofia”, mais        especificamente ao tópico       O início na história da exigência filosófica          , demarcando a      esfera do pensar como um privilegiado exercício de autonomia. Bem como recorre a        algumas breves noções de Kant em sua célebre obra “Crítica da Razão Pura”, mais        precisamente em diálogo com trechos da       Primeira parte da doutrina transcendental          dos elementos – Estética transcendental.       Palavras chave: Introdução à filosofia, Utilidade da Filosofia, Hegel, Kant, Problema      *** 

A tentativa (o movimento) de Abraão Costa Andrade [2] em seu breve artigo com o        nome­problema “Para que serve a filosofia?”, consiste em problematizar sobre o        sentido histórico de nosso hábito em atribuir dignidade hierárquica às coisas        somente em função de sua utilidade prática imediata. Ora, mas qual o sentido de        atribuirmos um valor mais elevado somente àquelas coisas às quais podemos        utilizar na vida prática imediatamente? Dito de outro modo: as coisas só têm valor        se puderem ser utilizadas imediatamente na vida prática? 

Ora, indicar um valor, trata­se aqui de ordenar, por estes ou aqueles outros motivos,        uma certa hierarquia. A que hierarquia estamos nos referindo? A uma hierarquia de        valores. Ora, o que nos leva a tomar estas ou aquelas decisões? Decidir é separar,       

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separar ordenando desde uma certa hierarquia. O que nos leva a indagar: porque        então, à utilidade imediata das coisas na vida prática atribuímos um mais elevado        valor? De todo, por lançarmos a uma posição inferior tudo aquilo que não remete a        uma utilidade prática imediata, como o campo dos afetos ou dos valores éticos, ou        até mesmo a filosofia, e lançando em uma posição superior todo o universo dos        objetos materiais ou saberes práticos, dada a sua necessidade prática e concreta,        como um copo, um martelo, um “curso técnico”, etc. 

Nesta perspetiva, nos parece que quando nos voltamos para a filosofia, o que nos        frustra, nos perturba e nos atormenta, é justo o espanto em não encontrarmos uma        tal utilidade prática imediata à bendita ou maldita da filosofia! Nesta medida, a        viciada pergunta: para que serve isto? Para que serve aquilo? Quando nos        indagamos sobre a utilidade dos objetos e dos saberes técnicos, encontra sua        incongruência [3] ou deslocamento quando nos perguntamos desesperadamente        para que serve a filosofia! 

Ora, quando dissemos que a filosofia serve para isto ou aquilo, este “isto” não dá        conta de determinar o horizonte da filosofia, ou mais precisamente, do filosofar, ao        passo que o “isto” próprio ao olhar filosófico desdobra­se em uma infinidade de        determinações que se sobrepõem umas às outras, posto que no movimento de        determinar o “isto” para o qual a filosofia “serve” imediatamente, já nos escapa        aquele determinar unívoco ao qual estamos habituados quando nos referimos ao        mundo dos objetos sensíveis e às finalidades dos diferentes modos de saber        técnico. 

Contudo, do mesmo modo que nos indagamos para que serve a filosofia,        poderíamos, antes, nos perguntar se em nosso raio histórico, em nossa época, dita        moderna, atribuímos valor e dignidade hierárquica às coisas que não têm utilidade        prática imediata. Dito de um modo mais preciso, algo que não tem utilidade prática        imediata tem algum valor? 

Por mediação do embotar que é o hábito, aquilo que nos habituamos sem nos        darmos conta como aconteceu às nossas vidas, somos conduzidos, sorrateiramente        ou materialmente, a nos seduzirmos pela ideia de que as coisas realmente só têm       

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algum valor se tiverem realmente uma utilidade prática! Ora, quem seria o        baratinado a dar algum valor, de quebra mais digno, a algo que não tem utilidade na        vida prática imediata e cotidiana? Seria este um desvairado, uma aberração do        resultado das mais populares das normas sociais e culturais vigentes? De todo,        interessa­nos agora, demarcar outro problema correlato ao problema em identificar        uma tal utilidade à filosofia, a saber, o que significa algo ter sua utilidade prática?  Retomemos o exemplo dos objetos do mundo sensível, aqueles que na ótica de        Kant nos afetam por mediação dos sentidos, da sensibilidade, alto, baixo, maior,        menor, quente, frio, ruído dissonante ou límpido, etc. Esta capacidade de        determinação da consciência através dos sentidos, enquanto saber, segundo Kant,        consiste sobretudo em um afetar que nos direciona desde uma reação à        manifestação dos objetos, de modo que nos faça tomar esta ou aquela atitude, que        é levada a cabo desde nossa habilidade em diferenciar, relacionar e separar as        coisas, umas das outras. Aproximar ou se distanciar do quente ou do fogo de        acordo com as circunstâncias, por exemplo. Ora, com isto queremos demarcar que        existem objetos do mundo material e sensível que encontram no pensamento uma        certa “correspondência” entre nome e coisa. Isto, a coisa, encontra­se com seu        nome, certo objeto de forma retangular no qual se serve a comida, encontra­se com        o seu nome, maturado no percurso da tradição, a saber, mesa. 

Todavia, existem aquelas ideias e noções que não encontram um objeto no mundo        material e sensível. Ora, a estas ideias, por não encontrarem repouso na realidade        material percebida pelos sentidos, pela sensibilidade, podemos desde já, apenas        por esta constatação, tratar como inúteis, sem utilidade prática? Já que seus        princípios e definições não encontram lugar na transformação material e objetiva da        realidade? Ora, mas de que distinção estamos tratando? Da distinção entre aquilo        que tem utilidade prática imediata e o seu oposto, o que não tem utilidade prática        corriqueira, e o nosso problema inicial, situar daquele ou daquele outro lado, a        posição da filosofia. Afinal de contas, a filosofia tem ou não tem utilidade prática?  Para nos situarmos diante de tamanho problema, nos aproximemos de algumas de        nossas noções em relação ao desdobramento para o pensar o vínculo e distinção       

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entre pensamento e prática, ou em outros termos, pensamento e ação. Ora,        estamos habituados a ligar de um modo fundado na tensão entre opostos quando        nos referimos ao sentido de pensamento e ao sentido de ação. Pensar, de acordo        com nosso hábito, é o oposto de agir. A ação preserva um campo totalmente distinto        em relação ao pensamento, que por vezes tomamos como a negação do agir.        Pensar não é agir! Podemos desesperadamente afirmar afoitos por convulsões que        alteram a realidade existente. 

Todavia, se permanecemos nesta perspectiva, a saber, a de que pensar não é agir,        quando nos referimos à filosofia, podemos afirmar desajustadamente que ela não        sirva para nada!! Pois não encontra seu objeto correspondente na realidade como o        encontra a determinação e ligação entre o nome mesa com o seu objeto sensível        correspondente. A filosofia, na extensão dos objetos do mundo sensível ou material        não encontra justo a sua correspondência, na medida em que não serve        imediatamente para isto ou aquilo. No que se refere àquele modo de vida entregue        ao suprir as demandas das necessidades materiais mais imediatas, a filosofia        aparece como carente de utilidade prática, ao passo que no movimento dos        negócios o fim último trata­se da utilidade prática das atividades de permuta e        negociação. 

Ora, mas se nos rebelarmos em relação à ideia de que pensar não é agir,        procurando situar a interligação ou reciprocidade entre pensar e agir, indicando        deste modo que o pensar, por orientar os rumos da ação, consiste justo em um        modo de agir, chegamos à constatação de que pensar é também um agir. À        indicação de que pensar é agir, deixamos de lado o desprezo em relação àquelas        coisas que não têm utilidade prática imediata, pois na medida em que lançamos o        pensamento ao campo da ação humana, o pensamento pode ganhar contornos de        utilidade prática, ao passo que o pensamento demarca o seu percurso por mediação        de problemas. O aparecimento de problemas lança o pensamento às suas        convulsões, que se inscrevem na tentativa de dar soluções a estes problemas.  Ora, viver significa ser afetado por problemas, aquecimento global, AIDS, clonagem,        desemprego, cultura de massa, necessidades imediatas da vida, violência, diante de       

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tais problemas, o pensamento não pode pedir licença sorrateiramente e sair de        fininho como quem diz: “isso não é comigo.” Sermos afetados por problemas no        percurso da vida indica­nos a necessidade histórica de agir por mediação do        pensar, que é agir. 

Se percorrermos esta perspectiva, a de que pensar é agir, que tem sua dinâmica no        sobrevir de problemas que nos afetam, filosofia ganha sua “utilidade”, ao passo que        o movimento de ser afetado ou provocado por problemas que brotam do processo        histórico da realidade, desertificação, trabalho, violência policial, nos remete ao        decidir diante destes mesmos problemas, ao passo que decidir é separar desde        uma hierarquia, separar que se abre desde um relacionar por mediação de uma        distinção. 

Um contorno mais preciso acerca da relação histórica entre pensar e agir indica­nos        o filósofo Hegel: “O pensamento é um produto não menos que vida e atividade de        se produzir a si próprio”[4]. Esta atividade de se produzir a si próprio em sua tensão        com a realidade, dito em outros termos, problemas que nos afetam, aquecimento        global, reconhecimento, alternativas energéticas, cultura, ciência, convenções        políticas e morais, indica­nos do mesmo modo o seu oposto, a saber, a negação do        existente, ao passo que produzir na ótica de Hegel remete­nos ao seu oposto,        destruir. Esta atividade de se produzir a si próprio, segundo Hegel: 

“... contém o momento essencial duma negação, já que produzir é também um destruir. A        filosofia, ao produzir­se a si própria, toma o natural como o seu ponto de partida para o superar.        (...) O espírito apenas ultrapassa a forma natural, passa da moralidade imediata e do impulso        da vida ao refletir e ao conceber. Deste modo, fere e derruba esta forma real e substancial de        existência, esta moralidade e esta fé, e inicia o período da destruição.”[5] 

Nesta direção, a filosofia aparece como uma exigência histórica, como uma        necessidade histórica, ao passo que realiza sua dinâmica desde aquela tensão        entre o produzir a si próprio e os problemas que nos afetam, de modo que as formas        de organização da cultura, da política, da natureza, da religião, da família, da        província, não mais satisfazem. A filosofia aparece então quando determinados        valores culturais encontram­se com sua crise, sua decadência, sua ruína, sua corda        bamba, seu abismo. Segundo o filósofo Hegel, a filosofia aparece na história “em       

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tempos infortunados[6] para o mundo e de decadência na vida política”, quando os        antigos sistemas religiosos e formas de cultura, começam a ser minados “por um        processo de dissolução e renovação.” [7] 

De todo, é preciso demarcar que este produzir a si próprio a partir da tensão com o        real, com os problemas que nos afetam, que é também destruir – “produzir é        também destruir” ­, indica­nos um pensar por si próprio até as suas últimas        conseqüências, ao passo que segundo Hegel, “a ninguém é dado pensar por        outrem”[8]. E é justo neste sentido que Abraão C. Andrade encontra uma mediação        para a tensão entre o produzir a si próprio por mediação do real, dos problemas que        nos afetam no percurso da história. A saber, segundo este outro filósofo, a filosofia        aparece como um “desconfiômetro” [9], como um instrumento de ação, ao passo        que pensar é agir, do mesmo modo que é produzir que é também destruir, exorcizar        fantasmas, arcaísmos. 

Deste modo, a filosofia aparece como aquele “desconfiômetro” ativado “para não        engolirmos a primeira certeza que nos oferecem como sendo uma verdade        indiscutível”[10]. Neste sentido, a filosofia serve, por exemplo, para desconfiarmos        de que a importância ou dignidade hierárquica de algo está em sua utilidade prática        imediata. Ora, feito este percurso meus caros, pensar por si próprio não tem        utilidade prática?               

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Notas: 

[1] Especialista em Informática na Educação (Instituto Federal do Espírito Santo). Licenciado em        Filosofia (Universidade Federal do Espírito Santo). Professor de Filosofia (Secretaria de Educação do        Estado do Espírito Santo). Tutor à Distância da Licenciatura em Filosofia (Núcleo de Ensino à Distância        da Universidade Federal do Espírito Santo). Email: delasoulbeat@gmail.com 

[2] Poeta, ensaísta, atualmente é professor de Filosofia da UFRN. 

[3] Incongruente – adj. m. e f. Que não é congruente, que não condiz, que não convém; incompatível,        impróprio. (Dic – Michaelis – UOL – digital) 

[4] b) O início na história da exigência filosófica (p. 416) ­ In: Introdução à história da filosofia, Capítulo        B) Relação da filosofia com as outras partes do que se pode saber. F. Hegel. Tradução de Orlando        Vitorino. Os pensadores. Círculo do Livro. Editora Nova Cultural. 1996.  [5] Hegel, Introdução à história da filosofia, p. 416.  [6] Infortunado: adj. Desventurado, infeliz, desgraçado. – Dicionário Michaelis – UOL (digital)  [7] Hegel, Introdução à história da filosofia, p. 417.  [8] Idem, p. 422.  [9] Abraão Costa Andrade. Para que serve a filosofia? – Revista Discutindo Filosofia – p. 12.  [10] Idem.    Referências: 

COSTA ANDRADE, Abraão.     Para que serve a filosofia? In: Revista Discutindo                filosofia. Editora Escala Educacional. Edição 01. São Paulo/SP, 2005. 

HEGEL, G. W. F.       Introdução à história da filosofia. Tradução de Orlando Vitorino. Os              pensadores. Círculo do livro. Editora Nova Cultural, 1996. 

KANT, I.    Primeira parte da doutrina transcendental dos elementos – Estética                  transcendental. In: Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo        Moosburguer. Os pensadores. Editora Nova Cultural. São Paulo, 1996. 

 

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