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O TRÁGICO NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM DESTINO DO QUAL NÃO SE PODE ESCAPAR

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Academic year: 2021

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O TRÁGICO NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM DESTINO DO QUAL NÃO SE PODE ESCAPAR

Halanderson Raymisson da Silva Pereira1 Melissa Andrea Vieira de Medeiros2

RESUMO: Este trabalho empreende algumas reflexões e discussões sobre os elementos trágicos constituintes do psiquismo humano, a partir do referencial teórico psicanalítico em interface com as releituras sobre a tragédia grega. O trágico surge no setting clínico como inerente a vida e relações dos pacientes, trazendo paradoxalmente sofrimento e um prazer oculto e enigmático, que convém desvendar. Nas reconstruções de suas histórias é feito um convite para que se posicionem frente ao desejo velado, no entanto, nesse encontro não é pretendido uma cura na acepção médica, eliminando os sintomas ou a causa do sofrimento, mas sim simbolizar e elaborar outro caminho além do que fora traçado como um destino trágico.

O nascimento da tragédia, ou melhor, o período de seu maior florescimento e fecundidade situam-se na Grécia no século V a. C. Contudo, mesmo que o seu período áureo tenha durado apenas um século, ainda continua sendo visitada por inúmeras áreas de conhecimento humano, onde descrevem alguns elementos do trágico como inerentes a certos tipos de experiências da existência humana.

Na busca da essência humana, a psicanálise encontrou na arte grega uma possibilidade de acessar os conteúdos que desvelassem o que há de mais íntimo no homem. Por meio de Édipo, Antígona e outros referenciais trágicos, esse constructo teórico recria uma acepção de homem, agora um homem psicanalítico, como um ser que vive em conflito, na busca da realização de um desejo trágico, impossível de se consumar plenamente.

O trágico do desejo impossível dá ao sujeito uma condição de ser desejante, capaz de realizar inúmeras façanhas bem como de se tornar vítima terrivelmente voluntária de seu próprio desejo. Eis um desafio para clínica psicanalítica, que

1 Psicólogo clínico formado pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR. 2

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diferentemente do modelo médico não objetiva uma cura, mas é “[...] um efeito secundário da análise que o analista pode esperar” (Nasio, 1999, p. 169).

O TRÁGICO E O GOZO NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

A psicanálise em sua essência tem por objetivo buscar, por meio da escuta, a verdade que cada sujeito leva consigo, a verdade inconsciente do desejo, impossível de ser realizado plenamente, mas que sempre está em busca do objeto para sempre perdido e essa busca foi empreendida por Édipo até as últimas consequências. Mezan (2002) aponta para esse herói freudiano como aquele que retirou o véu do enigma da condição humana, desvelando o segredo trágico da sua verdade, mas que ao mesmo passo lhe proporcionou outro caminho.

O constructo psicanalítico, por sua vez, empreende uma busca contínua pela interioridade do sujeito, de sua subjetividade, indicando que toda sua ação está pautada dentro de uma realidade psíquica construída por ele, convidando-o a assumir a responsabilidade pelas produções do seu inconsciente.

Entretanto, para além da trama trágica inerente a história dos heróis trágicos há um gozo que convém desvendar e explorar, pois o “[...] trágico tanto pende para o lado do desejo – fundamenta-se então numa perda, para se desligar - quanto para o lado do gozo - fundamenta-se numa perda para ir além da morte. Há um a tragédia do desejo, mas há também um gozo trágico”. (Guyomard, 1996, p.19-20).

De acordo com Guyomard (1996) o ponto absolutista do desejo é aquele em que o sujeito deixa de demandar: ele deseja. Essa é uma construção trágica vivenciada por Édipo e Antígona, mas é na figura da heroína que Lacan chega a compreensão de uma tragédia do desejo puro, ancorada em uma discussão na década de 60 em torno de uma ética que circunscreve a psicanálise.

O desejo enquanto bem, acarreta uma série de implicações que dirigem para uma revisitação necessária no discernimento entre o bem e o mal. Guyomard (1976) vê na psicanálise uma recusa a aceitar o modelo desses termos na moral civilizada, porém ela não se isenta, e até mesmo sente-se obrigada, a reintroduzi-lo em sua ética sob a penalidade de incorrer em uma “confusão”. Ainda segundo o autor, Lacan segue esse propósito na releitura de Antígona, destacando três teorias a partir do texto de Sófocles: uma teoria do desejo, que é a teoria do sujeito; uma teoria da análise, resumindo a dimensão trágica da experiência analítica; e uma teoria ética – conduzida por esse bem denominado desejo – do fim (e dos fins) da análise, bem como das passagens que ela supõe.

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A questão do desejo na psicanálise, no entanto, demanda uma ética, que está intimamente relacionada a verdade do inconsciente, uma verdade que não corresponde a um simplório balanço entre o bem e o mal. No seminário 7, no texto os Paradoxos da ética, Lacan (1960) ensina que a ética consiste fundamentalmente em um “[...] juízo sobre nossa ação, exceto que ela só tem importância na medida em que a ação nela implicada comporta também ou é reputada comportar, um juízo, mesmo que implícito. A presença do juízo dos dois lados é essencial a estrutura” (p. 373).

O psicanalista francês entende a análise como algo que se coloca como medida da ação do analista, que se propõe a escutar a reconstrução da história do próprio analisando, na tentativa de evocar a responsabilidade deste último sobre o gozo obtido pelo sintoma. E para falar da relação com o desejo que a habita, Lacan tomou o suporte da tragédia, que o dirigiu a ética da análise não como uma mera ordenação em direção ao serviço dos supostos bens. “Ela implica, propriamente falando, a dimensão que se expressa na que se chama de experiência trágica da vida” (Lacan, 1960, p. 376).

A dimensão trágica, na clínica lacaniana, assume um lugar cujas ações se inscrevem, onde somos convidados a nos orientar em relação aos valores. A relação da ação com o desejo que a habita na dimensão trágica, conforme Lacan, é exercida no sentido de um triunfo da morte, como destaca nesse trecho: “Ensinei-lhes a retificar – triunfo do ser para-a-morte, formulando no me phynai de Édipo, onde figura esse me a negação idêntica à entrada do sujeito, no suporte do significante. Esse é o caráter fundamental de toda ação trágica” (Lacan, 1960, p. 376).

Antígona possui esse caráter de triunfo do ser para-a-morte, mesmo, segundo Guyomard (1996) ela tendo suscitado tanto uma “confusão” entre a vida e a morte, quanto entre a lei e o incesto. Ao colocar a questão de quem pertence sua vida e quem pode decidir sobre sua morte, a heroína deixa problematicamente margens para compreensão de uma morte voluntária e para além dessa realidade “[...] coloca-se a do auto-engendramento do sujeito, por ele mesmo numa família incestuosa, e do começo devido ao outro” (Guyomard, 1996, p. 32).

O destino da personagem se vê amarrado ao seu desejo, que não é qualquer desejo, pois existem desejos conscientes e inconscientes, muitos deles irrealizáveis. O nome indestrutível do desejo de Antígona se refere a um corte no significante, uma corte na humanidade da heroína, que como todo ser falante tem o poder de dizer não, como bem destaca Guyomard, porém essa posição não se configura de

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modo tão simples. O desejo indestrutível a corrói, a lança ao mesmo instante a possibilidade de sua castração, a um a afirmação de sua onipotência para além da morte ou ao reconhecimento de suas limitações.

O desejo da personagem Antígona está ligado a uma ritualização e reatualização do desejo de sua mãe Jocasta, mãe e esposa de Édipo. Ora, voltamos para a tragédia dos Labdácias, o trágico do incesto. Contudo, Antígona quebra essa trama incestuosa e proibida, rompendo com a transmissão da vida, apegando-se alienante e libertadoramente a morte de Polinices, não deixando de expressar seu desejo incestuoso. Eis o perigo do materno. “A morte de Antígona marca a impossibilidade na vida de uma saída” (Guyomard, 1996, p 55).

Édipo e Antígona são recorridos para respaldar a formulação da teoria do sujeito, do seu desejo. Como destacado na história dos dois personagens, o desejo é que estrutura o ser humano, manifestando-se de forma voraz, insaciável e incompleta. O desejo se encontra dentro de uma cadeia metonímica que se relaciona com algo para além da demanda. “É na medida em que a demanda está para aquém de si mesma, que ao se articular com o significante, ela demanda sempre outra coisa” (Lacan, 1960, p. 353). É no mais além do princípio do prazer freudiano, no espaço da repetição, que está o germe do desejo trágico do psiquismo humano.

ALGUMAS PONTUAÇÕES

A tragédia grega anuncia a queda de um mundo ilusório de segurança e felicidade, onde o abismo da desgraça é ineludível. (Lesky, 1976). Há nela, porém, além da dimensão trágica, uma tensão entre o apolíneo e o dionisíaco que nos aponta outra concepção de homem, que mesmo diante de um destino inevitável, ainda consegue se insurgir contra o divino, ressignificando, assim, as escolhas que faz.

A psicanálise, por sua vez, alimenta-se da Tragédia. A própria experiência analítica está situada em uma ordem trágica, pois o sujeito falante não conseguirá superar sua castração e mesmo que deseje incessantemente não terá o desejo plenamente realizado, chegando assim ao gozo absoluto, puro e mortífero. Está fadado a buscar ininterruptamente o objeto de gozo para sempre perdido.

A forma como o sujeito se posiciona subjetivamente diante de sua própria castração é que irá nortear as relações e escolhas que estabelecerá ao longo de sua vida. Todavia, o encontro ou mesmo ensaio da aproximação da verdade enigmática

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e oculta do desejo do sujeito, nem sempre significa uma mudança radical do modo como ele estabelece suas relações, pois “quando alguém ama o seu sofrimento, quando não deseja curar-se, é incurável”. (Nasio, 1999, p. 166). Esse paradoxo se presentifica constantemente no ser desejante, cujo sofrimento reside em seus sintomas, mas que também deles consegue auferir um prazer, um refúgio, chegando a apegar-se em alguns casos ciosamente ao mal estar sentido.

A ética psicanalítica, no entanto, propõe o acolhimento do sujeito em sua clínica, porém não objetiva responder às demandas do paciente. A condução da psicoterapia de orientação analítica, nesse sentido, segue os pressupostos da análise, ao tentar proporcionar o encontro do sujeito/paciente com o seu próprio desejo, convidando-o a assumir suas produções inconscientes.

É na condição trágica do desejo irrealizável, que o sujeito se percebe enquanto ser desejante, que sempre está se reconstruindo, buscando relações que preencham suas lacunas. A impossibilidade de acesso ao gozo pleno, para além de algo inatingível, torna-se fecundo, criativo, impulsionando o sujeito psicanalítico a uma ininterrupta construção e redescoberta de si. Desejar é uma forma de proteger o “eu” dos imperativos mortíferos do gozo em sua acepção pura, não intermediada pelo falo, enquanto operador simbólico.

Além de proteção, o desejo também suscita a busca de uma identidade pelo sujeito, de suas origens, cuja psicanálise sinaliza as limitações desse percurso, porém ao mesmo instante pontua a capacidade humana de se reinventar, dando outros destinos ao que estava inscrito com um destino trágico a se cumprir.

REFERÊNCIAS

Guyomard, P. (1996). O gozo do trágico: Antígona, Lacan e o desejo do analista. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan, J. (1997). O seminário, livro 7: A ética da psicanálise, 1959-1960 (A. Menezes, trad.). Rio de Janeiro: Zahar.

Lesky, A. (1976). A tragédia grega. São Paulo: Perspectiva.

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