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O direito e sua relação com a ciência

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO

OTTO ANTONELLO TERRANA DE MELO BEZERRA BRITO

O DIREITO E SUA RELAÇÃO COM A CIÊNCIA

NITERÓI 2018

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O DIREITO E SUA RELAÇÃO COM A CIÊNCIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Processual Civil.

Orientadora:

Profª Drª Bárbara Gomes Lupetti Baptista

NITERÓI 2018

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Biblioteca da Faculdade de Direto

B862 Brito, Otto Antonello Terrana de Melo Bezerra.

O direito e sua relação com a ciência / Otto Antonello Terrana de Melo Bezerra Brito. – Niterói, 2018.

58 f.

Orientadora: Profa. Bárbara Gomes Lupetti Baptista. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2018.

1. Direito. 2. Ciência. 3. Teoria do Direito. 4. Pesquisa científica. 5. Metodologia científica. 6. Ciências sociais. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

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O DIREITO E SUA RELAÇÃO COM A CIÊNCIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Processual Civil.

Aprovado pelos membros da banca em __/__/2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Professora Orientadora

Profª Drª Bárbara Gomes Lupetti Baptista Universidade Federal Fluminense - UFF

_____________________________________________ Profª Drª Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva

Universidade Federal Fluminense - UFF

_____________________________________________ Prof Dr Rafael Mario Iorio Filho

Universidade Federal Fluminense - UFF

NITERÓI 2018

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A elaboração de um trabalho acadêmico, mesmo que de proporções tão modestas, justificaria uma lista de agradecimentos envolvendo todos aqueles que fizeram parte de minha formação, tanto intelectual como pessoal. Agradecer diretamente a todas essas pessoas nestas páginas produziria um calhamaço que causaria estranheza a qualquer um que me avistasse, arqueado, arrastando-o por aí. Por outro lado, mencionar apenas alguns seria uma injustiça, pois nenhuma crítica, comentário, sugestão ou companhia foi pequena demais para ser deixada de lado. Por esta razão, prefiro agradecer, sem nomes, a todos os que de alguma forma fizeram parte da minha caminhada até aqui, e também a você, que reservou alguns momentos para ler este trabalho.

A única exceção a esta regra é minha querida mamãe, pois, esta sim, é uma pessoa melhor que as demais, e não tenho motivos para disfarçar minha preferência.

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Em todos os assuntos, é uma coisa saudável por vezes pendurar uma interrogação nas coisas que de longo tomamos por garantidas. (tradução livre)

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O presente trabalho tem como propósito abordar, de maneira crítica, a noção comumente difundida, no campo jurídico, de que o Direito seria, em si, uma ciência autônoma. Com essa finalidade, o primeiro passo é expor, de forma resumida e cronológica, como se desenvolveu o que hoje se entende por pensamento científico no ocidente, permitindo também compreender como a rotulação e a identificação de um determinado saber como sendo “científico” se tornou um status de prestígio muito almejado por todas as áreas do conhecimento. Em seguida, a abordagem se volta sobre a definição de ciência, e, mais especificamente, sobre como o método científico pode ser utilizado como critério demarcador. A terceira etapa envolve a delimitação do conceito de direito articulado neste trabalho, bem como a análise da compatibilidade de alguns de seus aspectos essenciais com o método científico, a fim de demonstrar que o Direito, conquanto área importantíssima do conhecimento, não pode ser identificado como ciência.

PALAVRAS-CHAVE. Direito. Ciência. Incompatibilidade. Método e investigação

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The present work has as a purpose to approach, in a critical manner, the commonly disseminated notion among Law schools that the study of Law is, in itself, an autonomous Science. To that end, the first step is to expose, in a summarized and chronological manner, how what we know as the western scientifical thinking has evolved, which will also allow the comprehension on how the classification as Science has become a status of prestige very sought after by all fields of knowledge. After that, the approach focus on the definition of Science, and, more specifically, over how the scientific method can be used as a demarcation criteria. The third step involves the delimitation of the concept of Law articulated in this work, as well as analyzing the compatibility of some of it’s core aspects with the scientific method, for the purpose of demonstrating that Law, although a largely important field of knowledge, cannot be identified as an autonomous Science.

KEYWORDS. Law. Science. Incompatibility. Scientific method and research. Field of

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AGRADECIMENTOS... 05 EPÍGRAFE ...………... 06 RESUMO ...……... 07 ABSTRACT...……... INTRODUÇÃO ... 07 10

CAPÍTULO 1 UM BREVE RESUMO SOBRE O

DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO NO OCIDENTE E O

PRESTÍGIO DA CIÊNCIA NESSE

PERCURSO... 12

CAPÍTULO 2. O MÉTODO CIENTÍFICO E A DEFINIÇÃO DE CIÊNCIA... 20

CAPÍTULO 3. DIREITO E CIÊNCIA: INCOMPATIBILIDADES... 29 3.1. O objeto do Direito é convencional... 3.2. O Direito se baseia em princípios abstratos... 3.3. A prática e a investigação jurídica não se sujeitam à impessoalidade, repetibilidade e previsibilidade... 3.4. O argumento de autoridade e a pesquisa em Direito... 3.5. Teoria Jurídica e Teoria Científica...

CONCLUSÃO... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 31 33 36 43 45 52 55

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INTRODUÇÃO

A escolha do presente tema teve sua razão de ser na constatação, ao longo de minha graduação no curso de Direito da Universidade Federal Fluminense, de que, em diversas ocasiões, professores, autores e juristas se referiam ao objeto de nosso estudo como “ciência jurídica”. A expressão causou-me, desde cedo, certo estranhamento, pois, até então, aquilo com que lidávamos na graduação não parecia, ao menos em um nível intuitivo, muito próximo da noção básica que eu dispunha sobre o que se costuma referir como ciência em outros cursos. Eu compreendia, é certo, que o problema poderia ser o fato de minha visão acerca do que era ciência e do que era direito ser ainda muito rudimentar, mas o fato é que, desde então, meu interesse pelo tema foi despertado.

Daí em diante, procurei estudar e me aprofundar um pouco mais no assunto, o que me possibilitou reunir os conhecimentos que espero articular de maneira coerente no presente trabalho. Este nasce, portanto, a partir de uma inquietação que surgiu, para mim, desde o início de minha graduação, e que se agravou com o passar do tempo.

Todavia, mais do que apenas expressar o meu estranhamento, este trabalho tem também a pretensão de problematizar esta aparente necessidade dos juristas de autodeclararem o direito como constitutivo do campo científico – como se essa rotulação de alguma forma o legitimasse ou mesmo hierarquizasse enquanto instrumento do conhecimento –, e, para além disso, de entender o que motiva essa necessidade de enquadrar o conhecimento jurídico no sistema classificatório das “ciências”, como se considerá-lo “apenas” como campo do saber, lhe retirassem status ou relevância social.

Tratando-se o objeto do presente trabalho de discussão de caráter eminentemente teórico, a abordagem metodológica utilizada se dá predominantemente sob a forma de revisão bibliográfica. Todavia, a fim de não se permitir que a discussão aqui travada se torne estritamente metafísica, utilizam-se também – em medida mais restrita – decisões judiciais, dispositivos legislativos e textos doutrinários, a fim de ilustrar alguns dos argumentos desenvolvidos.

Em um primeiro momento, descreve-se, de maneira sintética, a evolução histórica da noção moderna de ciência, a fim de não apenas contextualizar sua concepção, como também de demonstrar a importância que o vocábulo “ciência” assumiu em nossa civilização – a ponto de se tornar, inclusive, verdadeiro legitimador

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dos conhecimentos produzidos, na medida em que tudo aquilo que se formule fora da alçada da ciência, seja prontamente desqualificado.

Em seguida desenvolve-se de maneira mais específica a noção de ciência propriamente dita, esclarecendo que a concepção adotada para os fins deste trabalho caracteriza-a a partir da noção de método científico. Argumenta-se que a possibilidade ou não de sujeição das áreas do conhecimento – dentre as quais o Direito – ao método científico é o critério mais adequado para se determinar se estes se caracterizam, de fato, como ciências, visto que seria no mínimo incoerente querer conceber uma dita “ciência” alheia ao método científico.

Por fim, delimita-se, visando emprestar maior objetividade à investigação, o conceito de Direito utilizado, buscando-se, em particular, demonstrar que a despeito de sua natureza polissêmica, a noção de Direito possui como elemento fundamental indissociável de si, a chamada Dogmática Jurídica. É a partir da análise da possibilidade de sujeição deste elemento nevrálgico do Direito ao método científico que se desenvolvem os argumentos que permitem avaliar sua caracterização, ou não, enquanto área do conhecimento genuinamente científica.

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CAPÍTULO 1 – UM BREVE RESUMO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO OCIDENTAL

Este tópico se destina a contextualizar a temática, a partir de sua dimensão teórica, evitando-se, digressões excessivas que resultem na perda do foco. Parececeu relevante, para tratar da categorização do Direito enquanto ciência (ou não), situar o desenvolvimento do pensamento científico no Ocidente, desde sua origem.

Estima-se que humanos anatomicamente modernos emergiram por volta de 200 mil anos atrás, mas que somente há 70 mil anos nossa espécie pôde contar com as mutações genéticas necessárias para o desenvolvimento de um cérebro com capacidade para pensamento abstrato e linguagem, tal como os concebemos atualmente. A partir daí, nosso cérebro evoluiu e nos tornamos capazes de fazer algo até então inédito dentre os seres vivos: 1. Expandir o conhecimento rapidamente; 2. Preservar o conhecimento adquirido através de gerações; 3. Construir sobre conhecimento passado para desenvolver novas compreensões, ainda mais avançadas sobre algo. Até então, a forma predominante de transmissão de informação entre as gerações era através da genética – daí os instintos –, o que não é um meio eficiente (HARARI, 2015:23-39).

Por volta de 12 mil anos atrás, em diversos lugares, os humanos desenvolveram a agricultura e, com isso, o que conhecemos como civilização teve início. A agricultura nos deu uma fonte confiável e previsível de alimentação, permitindo que armazenássemos alimento em grande escala pela primeira vez. Antes, a sobrevivência como um caçador-coletor necessitava de habilidades físicas e mentais específicas por parte de todos os indivíduos. Quando isso deixou de ser necessário, face à maior disponibilidade de alimento, mais pessoas passaram a poder se especializar ou desenvolver habilidades diferentes, até mesmo inventar coisas novas, bem como dedicar tempo à observação e à compreensão do ambiente em que se inserem (HARARI, 2015:23-39).

Ao ser capaz de pensar, projetar, ordenar, prever e interpretar (COSTA, 2005:13,14), o homem, agora vivendo em grupos maiores, começou a travar com o ambiente ao seu redor uma relação dotada de significado e sentido. O conhecimento do mundo – organizado, comunicado e compartilhado com seus semelhantes e transmitido à descendência – transformou-se em um legado cumulativo fundamental para interpretar a realidade e agir sobre ela, dando origem à cultura humana.

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Essa elaboração simbólica da experiência permitiu que o mundo – tão-somente um conceito humano (DUARTE JÚNIOR, 2005) –, fosse ordenado num esquema significativo, só possível ao homem através de sua consciência simbólica, linguística.

A função do universo simbólico consiste em integrar num corpo único de conhecimentos (numa teoria1) todas as experiências possíveis dentro de uma instituição ou de um conjunto de instituições (uma sociedade).

Através do universo simbólico pode-se explicar quaisquer fatos ocorridos dentro daquela realidade em termos dos significados que este universo provê. Seria, inclusive, possível, segundo DUARTE JÚNIOR, 2005, categorizar os universos simbólicos, ou mecanismos conceituais de integração e explicação da realidade, dentre quatro tipos: mitológicos, teológicos, filosóficos e científicos.

Essa criação simbólica que organiza o mundo e lhe atribui sentido é marcada pelo espaço e tempo que a produz e pelos grupos com os quais dividimos nossas experiências, gerando uma multiplicidade ilimitada de interpretações da realidade que nos cerca. Esta é uma das razões pelas quais encontramos padrões de vida, de crenças e de pensamento tão diversos. Esses padrões não são apenas consequência de uma estrutura genética da espécie, mas do compartilhamento de experiências simbólicas por um determinado grupo humano (COSTA, 2005:16-17).

O que se busca, neste ponto, é lançar as bases para a compreensão de como se possibilitou a criação da ferramenta essencial para o funcionamento da ciência, qual seja, os modelos teóricos. Estes modelos, componentes das chamadas teorias científicas, são construídos para representar determinado aspecto da realidade, dentro de seu campo específico de significação, como se verá mais adiante.

O pensamento simbólico é uma das principais características da humanidade, porém os modelos de conhecimento que o homem desenvolveu não foram sempre idênticos. Os povos, influenciados por outros grupos, pela maior ou menor resistência da cultura, da tradição, etc., desenvolveram formas diferentes de explicação a respeito da vida e da realidade circundante. No Ocidente, durante a Antiguidade, predominou o pensamento mítico e religioso que concebia o mundo com tudo que o rodeia como uma obra divina submetida aos desígnios do criador. Essa mentalidade mítica, que não trata o mundo em suas bases materiais e objetivas, fez com que o desenvolvimento do espírito especulativo fosse preterido em favor de uma reflexão metafísica da natureza.

1

O vocábulo teoria é empregado aqui em sentido genérico, tal como utilizado pelo autor, não devendo ser confundido com a acepção científica de teoria, explorada mais adiante no trabalho.

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Isso não significa, entretanto, que explicações de base científica não fossem possíveis, mas que se lhes dava menor importância (COSTA, 2005:16-17).

Para os egípcios, como para os babilônios, a eficiência do pensar lógico e científico limitava-se ao seu pragmatismo, à necessidade de solucionar problemas particulares que se apresentavam como obstáculos ao transcurso da existência.

O pensar como um exercício voltado para si mesmo, capaz de se desenvolver mesmo sem uma aplicabilidade imediata e independente das crenças religiosas e do pensamento mítico, teve suas raízes históricas na civilização grega.

Menos preocupados com a religião e a vida após a morte, os gregos foram os precursores de uma forma de pensar à qual, posteriormente, se deu o nome de ciência, uma atividade com objetivos próprios, eminentemente cognitivos.

Foram os gregos que, posteriormente, rompendo com o senso comum, com a tradição e com o misticismo, desenvolveram uma reflexão laica e independente, própria do espírito especulativo, que se debruçava sobre o mundo procurando entendê-lo em sua objetividade (COSTA, 2005:16-17).

Como consequência disso, acabaram por criar a filosofia e muitos dos campos do conhecimento até hoje conhecidos, como a geometria e a astronomia. Tratava-se de uma ruptura profunda com o mundo mítico e com as explicações dos fenômenos como produto da intervenção divina ou de outras forças sobrenaturais.

Deu-se, segundo COSTA (2005:17) o nome de “milagre grego” a este salto qualitativo do conhecimento humano sobre si e a natureza, em que se abandonou a explicação mítica e o princípio da interferência das forças sobrenaturais nos destinos do homem para dirigir-se à obtenção do saber por meio da abstração comandada pela razão. A ideia de milagre vem, por um lado, das amplas repercussões causadas por essa revolução na vida da época e de períodos posteriores e, por outro, dada a velocidade com que ocorreu, da falsa impressão de ter sido uma mudança abrupta, vinda do nada. Segundo Costa (2005:17):

A expansão comercial e o desenvolvimento da colonização do período arcaico puseram o homem grego em contato com outras culturas; a escravidão como base da produção de riquezas liberou o a abastada classe comerciante da necessidade do trabalho manual, proporcionando-lhe tempo ocioso; o surgimento da moeda organizou a economia; a criação da escrita e das leis ordenou os direitos da comunidade e do cidadão; a consolidação da pólis (cidade) rompeu o estrito círculo familiar e a rígida e hierárquica estrutura da sociedade agrícola, provocando o conflito de interesses; todos esses fatores foram decisivos para o desenvolvimento da civilização grega.

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Em todos os momentos de transformação social e econômica, o pensamento racional foi cada vez mais exigido como base para a ação humana. A consciência individual emancipou-se à medida que o homem grego constatava ser o destino resultado da ação humana e não da vontade dos deuses e do respeito aos rituais sagrados. Crescia nele a percepção de si mesmo como um indivíduo dotado de razão e capaz de realizar ações inspiradas por ela.

Durante o período em que a sociedade manufatureira e comercial desenvolvida pelos gregos se sujeitou ao Império Romano, prevaleceu a razão como elemento norteador do homem e da sociedade (COSTA, 2005:18-19).

Entretanto, após a queda do Império, quando a Europa voltou a ser uma sociedade predominantemente agrária e teocrática, que submete a razão e a filosofia à teologia, a razão deixa de oferecer a melhor explicação para se entender o mundo.

Foi durante a Idade Média – período de hegemonia da Igreja Católica no Ocidente – que a racionalidade passou a ser considerada como mero instrumento auxiliar da fé e o espírito especulativo deu lugar a uma visão instrumentalista da filosofia pela qual pensadores, como Platão e Aristóteles, só interessavam na medida em que reafirmavam o incontestável poder da Igreja.

A fé e a crença, como nas sociedades agrícolas míticas, voltavam a condicionar o comportamento humano e a sociedade, e a explicá-lo. Somente as ordens religiosas possuíam acesso direto a textos de filosofia, geometria e astronomia, enquanto a população deixou de compartilhar deste saber.

Foi durante o Renascimento que o homem ocidental redescobriu os textos antigos e, com eles, o prazer de investigar o mundo – uma atividade válida por si mesma, livre de suas implicações religiosas e metafísicas.

Como consequência, nos últimos quinhentos anos, e em particular a partir do século XVII, pudemos observar o crescente progresso desse método de conhecimento – agora consolidado sob o nome de ciência – destinado à descoberta das leis que regem a relação dos homens entre si e com a realidade que o rodeia. Aprimoraram-se as técnicas e as ferramentas de medição, desenvolveram-se as universidades e demais instituições científicas, e tanto a imprensa como os outros meios de comunicação passaram a disseminar o conhecimento a um número crescente de pessoas (COSTA, 2005:18-19).

O Renascimento representa uma nova postura do homem ocidental diante da natureza e do conhecimento. Juntamente com a perda de hegemonia da Igreja como instituição e o consequente aparecimento de novas doutrinas e seitas conclamando seus

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seguidores a uma leitura interpretativa dos textos sagrados, o homem renascentista redescobre a importância da dúvida e do pensamento especulativo.

O conhecimento deixa de ser encarado como uma revelação, resultante da contemplação e da fé, para voltar a ser, como o fora para os gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida atividade do pensamento. (COSTA, 2005:42-43) Assim, filosofia, ciência e arte se voltaram para a realidade concreta, para o mundo, numa ânsia por conhecê-lo, descrevê-lo, analisá-lo, medi-lo por meio de instrumentos e técnicas.

É nesse ambiente propício de curiosidade, dúvida e valorização humana que o pensamento científico adquire nova importância.

A ilustração, movimento filosófico que sucedeu o Renascimento, baseava-se na firme convicção da razão como fonte de conhecimento, na crítica a toda adesão obscurantista e a toda crença sem fundamentos racionais, assim como na incessante busca pela realização humana.

Em relação à vida social, os filósofos da ilustração procuraram entender a sociedade como um organismo vivo, ou seja, composto de partes interdependentes, cada uma delas com suas características e necessidades – a agricultura, a indústria, a cidade, o campo.

Desse exercício de discernimento resultou também a compreensão de diferentes instâncias da vida social – as relações políticas, jurídicas e sociais (COSTA, 2005:42-43).

Feita a contextualização da origem do desenvolvimento do conhecimento científico ocidental, mostra-se relevante tratar do debate sobre a preponderância e a hierarquia que o “mundo da ciência” passou a exercer em relação a outros mundos de saberes distintos, que não assumiam esse status, tais como a arte e a filosofia.

O objetivo dessa discussão está relacionado ao fato de que, como hipótese, tenho que o Direito se autorreferencia como constitutivo do campo científico por supor que essa classificação o coloca em um lugar de mais prestígio, circunstância que se compreende melhor quando se entende o desenvolvimento do campo científico e o lugar que a ciência ocupou na hierarquia do conhecimento.

Como demonstrado em DEMO (2003:2-3), com o surgimento da era moderna, a noção de explicação imanente se impõe, em detrimento dos modos ditos transcendentais.

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Ou seja, até então predominava a compreensão da realidade como algo que, no fundo, era manejado por forças divinas ou similares.

A existência da natureza parecia obra divina.

A nova forma de compreensão predominante passou a ditar que o mundo se explica por si mesmo, por leis próprias, inclusive o surgimento do ser humano, sendo, inclusive, um de seus maiores marcos o evolucionismo de Darwin, que dispensava a hipótese divina para explicar o surgimento e a evolução da natureza.

A ideia de que as leis da natureza seriam explicáveis a partir de provas lógico-experimentais, em uma perspectiva linear causal, transitou rapidamente para o positivismo (DEMO, 2003:2-3).

Esta noção recebia apoio decisivo de Descartes com sua noção de “res extensa”, indicando que, “sendo mensurável, poderíamos, pelo menos até certo ponto, dar conta de sua tessitura última” (DAMÁSIO, 1996:140).

Com o desenvolvimento da química e da física, e, portanto, a descoberta da estrutura atômica da realidade natural, nasceu a perspectiva de que, no fundo, a explicação da realidade seria simples.

Consagra-se, com isto, o método analítico, da decomposição lógica e linear das partes, onde se supõe que o todo seja nada mais que o ajuntamento das partes.

O método experimental mensurável se impôs e até hoje é uma das glórias da ciência modernista, possuindo êxito ostensivo, em particular na invenção tecnológica.

Com a industrialização, a ciência aparece pela primeira vez como uma tremenda força produtiva que não deixa de crescer, e que passa a ser assunto do interesse geral, isto é, do Estado, e a cientificidade torna-se critério de verdade: só o que é científico é que é verdadeiro (HAGSTROM, 1974:12).

A consequência disso foi que a ciência se tornou verdadeira autoridade, e, nas palavras de Pedro Demo (2003:5):

Outros saberes foram descartados como atraso, as religiões foram estigmatizadas como excrescência, culturas diferentes foram taxadas de inferiores. Chamamos a isto de “colonialismo” do conhecimento científico eurocêntrico, não só porque pretendeu acabar com o senso comum e as culturas originais, mas principalmente porque se impôs como pensamento único, tipicamente fundamentalista.

KÖCHE (2011:58) esclarece que os êxitos obtidos a partir das aplicações, tanto práticas quanto teóricas, da física newtoniana no decorrer dos séculos, produziu uma

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“confiabilidade cega” nesse tipo de ciência, o que fez com que outras áreas do conhecimento buscassem esse ideal científico e o utilizassem para obter resultados teóricos comprovados experimentalmente.

Todas estas áreas de produção do conhecimento, não apenas as ciências naturais, mas os estudos sobre a sociedade e o homem, almejavam o status de cientificidade que a física atraiu para si. Pensava-se que o homem havia descoberto o caminho da verdade, do conhecimento certo, através da ciência, e, nesta, conhecer significava experimentar, medir e comprovar.

O pensamento predominante era de que a ciência, utilizando-se do método científico experimental indutivo, seria capaz de chegar às verdades exatas (KÖCHE, 2011:58).

Deu-se início ao chamado cientificismo, ou seja, a crença de que o único conhecimento válido era o científico e de que o conhecimento acerca da realidade estaria integralmente ao seu alcance.

Todo esse prestígio conferido à ciência torna fácil imaginar que uma área do saber tão influente – e tão acostumada com reverencialismos e superlativos – quanto o Direito, tenha imediatamente se interessado por ostentar também o título de ciência, ainda que para isso fossem necessárias adaptações conceituais no mínimo duvidosas, como ficará mais claro ao fim deste trabalho.

Cabe, aqui, mencionar, por tremendamente pertinentes ao tema, as palavras de LIMA (2011:123-124):

[...] a questão do Direito como Ciência ou a questão do objeto e do método do Direito, só pode ser propriamente considerada se fizer tábula rasa da concepção prevalecente do Direito e seu modelo normativo, não-democrático e autoritário. A contemplação e a compreensão das diferentes ordens sociais, contextos, modos ou formas de vida, sociedades, grupos sociais, práticas religiosas, estéticas, econômicas, políticas, etc. têm sido tradicionalmente uma atribuição das Ciências Sociais, das quais se aproxima em propósito e finalidade à Antropologia Imaginária de Wittgenstein.

O Direito como Ciência e, evidentemente, como Ciência Social só poderia, portanto, caminhar na direção em que tais reflexões têm sido exercidas, confundindo-se com a tarefa de investigação das ciências empíricas da sociedade – como a Sociologia, a Política, a Economia, a Antropologia – propósito das regras que vigem em diferentes contextos sociais.

A ciência não é signo de superioridade ou infalibilidade intelectual. Não é uma etiqueta que confira, necessariamente, imunidade, segurança ou proteção a quem a usa. É apenas, um modo de vida entre outros. Pois não é, por exemplo, por não serem “científicas”, que devamos desprezar, não admitir ou tentar eliminar práticas sociais e exercícios de pensamento como a Arte, a Filosofia, o Mito, a Religião, etc. Uma forma de vida não tem nem mais nem

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menos dignidade ou legitimidade pelo fato de portar o adesivo de científica. Se, portanto, o Direito não puder ser concebido como uma Ciência Social – e, sim, apenas como uma injustificável “ciência normativa” –, isto é, se não puder tomar como tarefa, tal como as ciências empíricas, a compreensão dos distintos sistemas de normas que vigem em diferentes modos de vida, sociedades, grupos de uma mesma sociedade, etc., nem por isso será menos importante ou digno de ser praticado.

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CAPÍTULO 2 – O MÉTODO CIENTÍFICO E A DEFINIÇÃO DE CIÊNCIA

Como se sabe, conceitos são noções essencialmente arbitrárias, dogmáticas, de modo que, ao se tentar conceituar algo como “ciência” ou como “direito”, acabaremos com tantas definições diferentes quanto permitir a criatividade humana, visto que um determinado autor ou estudioso sempre poderá definir ciência de forma totalmente própria e com sentido distinto daquele proposto por outro autor.

Até mesmo Karl Popper (1975, p.55) admitia que “será sempre questão de decisão ou de convenção saber o que deve ser denominado ciência e quem deve ser chamado cientista”.

Esta é, portanto, uma questão essencial neste trabalho: para se demonstrar a compatibilidade ou não entre as noções de “ciência” e “direito”, é, antes, necessário definir o que se entende por cada um destes termos, trazendo à discussão os consensos e as regularidades conceituais dessas palavras.

Nada se estaria acrescentando neste trabalho, porém, se apenas fosse formulada, arbitrariamente, uma definição própria ou particular, no sentido de “pessoal/singular” de ciência, convenientemente projetada para favorecer o argumento aqui defendido. Isso não procederia.

Por esta razão, o que se busca aqui é utilizar como critério definidor de ciência aquela característica sobre a qual não há relevante dissenso – evitando, assim, um relativismo circular –, qual seja, o método científico. Afinal, seria no mínimo estranho conceber uma “ciência” que se mantivesse alheia ao método científico.

Segundo explica José Carlos Köche, (2011, p.67) a palavra scire significa, em latim, saber, e foi tradicionalmente ligada ao sentido de “saber verdadeiro, saber correto, certo, inquestionável”. O conceito de scientia apenas podia ser atribuível a um determinado tipo de conhecimento: ao que possuía o saber correto, diferente de outros que não poderiam ser scientia.

No entanto, como havia vários conhecimentos, e supondo que apenas um era o correto, fazia-se necessário descobrir algum critério que distinguisse a ciência da não-ciência.

Em sua compreensão moderna (KÖCHE, 2011, p.79), a ciência deixa de lado a pretensão de taxar seus resultados de verdadeiros e infalíveis, mas, consciente de sua falibilidade, busca saber sempre mais. O que alcança é a aproximação da verdade,

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através de métodos que proporcionam um controle, uma sistematização, uma revisão e uma segurança maior do que as formas convencionais não científicas ou pré-científicas. E é esse aspecto que dá à ciência essa nova conotação: a de ser um processo de

investigação, consciente de todas as suas limitações e do esforço crítico de submeter à

renovação teórica constante.

A este respeito, podemos extrair de GALLIANO (1979:10), POPPER (2004:56-57) e LAKATOS (2003:83) as seguintes lições:

De fato, a distinção mais evidente entre conhecimento científico e conhecimento filosófico só aparece mais tarde, com o paulatino desenvolvimento (e a conseqüente autonomia) das ciências particulares. E isso ocorre sobretudo a partir do Renascimento, quando se constitui uma ciência ao mesmo tempo quantitativa e experimental da natureza. Desde essa época o conceito de "ciência" e "científico" passa a exigir a existência de um método que garanta a exatidão dos conhecimentos adquiridos, bem como sua progressividade e sua aplicabilidade

[...]

Durante esse período fecundo, considerado por muitos historiadores como o da constituição da ciência moderna, foram decisivas as contribuições' de homens sábios como Nicolau Copérnico, Johannes Kepler, Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton.

(GALLIANO, 1979:10)

[...] Assim como o xadrez pode ser definido em função das regras que lhe são próprias, a Ciência pode ser definida por meio de regras metodológicas. (...) ‘As definições são dogmas; só as conclusões delas retiradas nos permitem alguma visão nova’, diz Menger. Isto é certamente verdadeiro com referência à definição do conceito de ‘ciência’. Só a partir das consequências de minha definição de ciência empírica e das decisões metodológicas dela dependentes poderá o cientista perceber até que ponto ela se conforma com a ideia intuitiva que tem acerca do objetivo de suas atividades.

(POPPER, 2004:56-57) [...]

Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos. (LAKATOS, 2003:83)

No presente trabalho, utilizo, portanto, o método científico como critério para determinar se uma área do conhecimento é ou não uma ciência.

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Serão, assim, consideradas ciências aquelas áreas do saber em que é possível a efetiva aplicação do referido método2 em sua maneira de proceder.

Cabe a seguir analisar do que se trata, afinal, o chamado método científico, sem o qual não há que se falar em ciência.

Em essência, todos os sentidos atribuídos pelos dicionários à palavra “método” estão intimamente ligados à origem do termo methodos, criado na Grécia Antiga, que significa “caminho para chegar a um fim” (GALLIANO, 1979, p.5).

Eis como vários autores definiram o método científico:

“Método é o caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo refletido e deliberado.” (HEGENBERG,1976:116).

“Método é uma forma de selecionar técnicas, uma forma de avaliar alternativas para ação científica. Métodos são regras de escolha; técnicas são as próprias escolhas.” (ACKOFF apud HEGENBERG, 1976:116).

“Método é a forma de proceder ao longo de um caminho. Na ciência os métodos constituem os instrumentos básicos que ordenam o pensamento em sistemas, traçam de modo ordenado a maneira de proceder do cientista ao longo de um percurso para alcançar um objetivo.” (TRUJILLO, 1974:24). “Método é a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um determinado fim. É o caminho a seguir para chegar à verdade nas ciências.” (JOLIVET, 1979:71).

“Método, em sentido geral, é a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um dado fim ou um resultado desejado. Nas ciências, entende-se por método o conjunto de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade.” (CERVO e BERVIAN, 1978:17).

“Método é o conjunto coerente de procedimentos racionais ou prático – racionais que orienta o pensamento para o alcance de conhecimentos válidos.” (NÉRICI, 1978:15).

“Método é um procedimento regular, explícito e passível de ser repetido para conseguir algo material ou conceitual.” (BUNGE, 1980:19).

Como se pode observar, a rigor, não há divergência entre os diversos conceitos apresentados.

No que diz respeito à ciência, o método compreende (RAZUK, s.d.:4) a execução de operações ordenadas, de natureza mental e material, cuja finalidade é a

2

Um dos objetivos ao se utilizar este critério é tornar claro que a abordagem aqui utiliza para se analisar a “ciência” é essencialmente distinta daquela utilizada por Thomas Khun, que, embora seja autor de grande relevância sobre o tema, se preocupa muito mais em analisar o trabalho científico como um processo histórico, e não o que seria propriamente o método científico e suas justificativas filosóficas (KUHN, Thomas S.; DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS, A. Estrutura. Editora Perspectiva. São Paulo, 2000).

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obtenção da verdade ou da compreensão acerca de um determinado fenômeno ou objeto. Atingir esta finalidade significa propor e testar hipóteses, e o conjunto dessas atividades ordenadas constitui o método científico, que permite, com maior segurança, alcançar o conhecimento científico.

A questão do método científico está, como demonstra José Carlos Köche (2011:68-78), relacionada ao desejo do homem de obter procedimentos seguros para atingir ou produzir um conhecimento verdadeiro e ter referenciais seguros para conseguir discernir entre o conhecimento falso e o verdadeiro.

As perguntas que o método científico tenta responder são: “Como proceder para se alcançar ou produzir um conhecimento?”, “Como proceder para saber se ele é válido ou não?”. Tais perguntas, aponta KÖCHE (2011:68-78), tiveram respostas distintas a depender da época e da teoria da ciência vigente, e a história mostra uma variedade de teorias do método, cada uma estipulando padrões metodológicos, com critérios e cânones próprios para a aceitação das explicações e a validade dos experimentos. No início do século XX, as ideias de Einstein e Popper revolucionaram a concepção de ciência e de método científico, e o dogmatismo até então predominante foi sendo dissipado, cedendo o seu lugar à atitude crítica.

A partir da ciência contemporânea, porém, apresenta-se o processo do conhecer como resultado de um questionamento elaborado pelo sujeito que põe em dúvida o conhecimento já produzido, por percebê-lo, ou como teoricamente inconsistente, ou mesmo incompatível com outras teorias, ou como inadequado para explicar os fatos.

Atualmente, a pesquisa é vista como um processo decorrente da identificação de dúvidas e da necessidade de elaborar e construir respostas para esclarecê-las (KÖCHE, 2011:68-78).

Uma das maneiras de melhor se compreender a forma como se desenha o método científico atualmente é, talvez, através das proposições de Karl Popper (1975:94), que propôs que as hipóteses devem ser submetidas a condições de falseabilidade através de um método crítico, que consiste na elaboração de hipóteses que possam ser submetidas a testes cruciais com a finalidade de oferecer rigorosas condições para a localização de possíveis erros.

Uma vez proposta a hipótese, deve-se dela deduzir logicamente consequências expressas em uma linguagem comum em que predominam termos de observação. Isto, segundo o autor (POPPER, 1975), proporciona a passagem da linguagem de um nível

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mais abstrato da ciência para um nível menos abstrato, que contenha um conteúdo diretamente empírico e que possibilite a observação e a testagem.

Aqui, vale um parêntese apenas para destacar que, desde logo, já se consegue estranhar e perceber que, diante dos consensos sobre o que representa o método científico, o Direito jamais poderia estar classificado como sendo “ciência” (nessa concepção), tendo em vista que lhe faltam tanto as dúvidas e as perguntas (porque se trata de um conhecimento normativo, de natureza prescritiva, e, portanto, impassível de duvidar, eis que vinculado ao plano das certezas), quanto as experimentações, que exigem o direcionamento de um olhar para a realidade (observação) e para as práticas do campo e testagens, que tampouco caracterizam a forma de se construir o conhecimento jurídico, que está bastante afastado da empiria.

Nesse ponto, voltando ao tema propriamente dito, verifica-se que será através desses enunciados, de conteúdo observacional, que se poderá especificar antecipadamente quais são os confirmadores – as evidências – e os falseadores potenciais – as contra evidências – da hipótese e, então, submetê-la à experimentação, tentando falseá-la. A hipótese não será rejeitada se suportar os testes de rejeição e permanecerá provisoriamente como corroborada. Se no confronto com a base empírica, entretanto, não suportar as contra-evidências, será rejeitada.

Trata-se do método da tentativa e erro (KÖCHE, 2011:74), e o seu uso permite identificar os erros da hipótese para posterior correção. Não se trata de imuniza-la contra a rejeição, mas, ao contrário, oferecer todas as condições para que seja refutada, caso não se apresente correta.

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Figura 1. Imagem extraída de KÖCHE (2011, p.43), esquematizando o ciclo do método científico.

Eva Maria Lakatos (2003:83), por sua vez, assim trata do tema, descrevendo-o em etapas interessantes e cronologicamente construídas:

(...) consideramos, como Bunge, que o método científico é a teoria da investigação. Esta alcança seus objetivos, de forma científica, quando cumpre ou se propõe a cumprir as seguintes etapas:

a) descobrimento do problema ou lacuna num conjunto de conhecimentos. Se o problema não estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte; se o estiver, passa-se à subsequente;

b) colocação precisa do problema, ou ainda a recolocação de um velho problema, à luz de novos conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos);

c) procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema (por exemplo, dados empíricos, teorias, aparelhos de medição, técnicas de cálculo ou de medição). Ou seja, exame do conhecido para tentar resolver o problema;

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d) tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados. Se a tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte; em caso contrário, à subsequente;

e) invenção de novas ideias (hipóteses, teorias ou técnicas) ou produção de novos dados empíricos que prometam resolver o problema;

f) obtenção de uma solução (exata ou aproximada) do problema com auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível;

g) investigação das consequências da solução obtida. Em se tratando de uma teoria, é a busca de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, é o exame das consequências que possam ter para as teorias relevantes;

h) prova (comprovação) da solução: confronto da solução com a totalidade das teorias e da informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte;

i) correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta.

Ao final deste processo, ou seja, uma vez verificado que o problema que se analisa é cientificamente válido, propõe-se uma resposta “suposta, provável e provisória”, isto é, uma hipótese.

A utilização do método científico como critério de cientificidade é, inclusive, o que permite afirmar, tal como exposto em BUNGE3 (1974:42), que a discussão envolvendo a distinção entre as chamadas Ciências da Natureza (Naturwissenschaften) das ditas Ciências Sociais (Geisteswissenschaften) está obsoleta. Escreve o autor:

[,,,] devemos enfrentar um novo fato que arruína o princípio segundo o qual não pode haver outra ciência matemática (empírica) exceto a física e a química: de fato, a biologia matemática, a psicologia matemática e a sociologia matemática são hoje empreitadas florescentes. (A história está a ponto de seguir o mesmo caminho.) Em todos estes campos as teorias se expressam em certo número de linguagens matemáticas. E algumas de suas afirmações em nível inferior estão sujeitas a provas empíricas. A biologia, a psicologia e a sociologia cessaram de ser metodologicamente diferentes da física e da química: na verdade, seus objetos são diferentes e como consequência estas disciplinas precisam inventar técnicas (métodos especiais) próprias, mas sua meta é a mesma, isto é, descobrir leis (naturais ou sociais) objetivas e sistematizar tais leis em teorias (sistemas hipotético-dedutivos). Por esta razão nos países anglo-saxônicos, a palavra “ciência” designa agora a família inteira das ciências fatuais, sejam elas naturais ou culturais. Por esta mesma razão, a filosofia geral da ciência – i. é, a filosofia preocupada com tudo o que é comum a todas as ciências especiais – é agora tão respeitável quanto as filosofias regionais da ciência. Os debates para saber se são possíveis empresas tais como a sociologia matemática e a filosofia geral da

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ciência estão agora tão mortos quanto a controvérsia sobre a possibilidade do movimento.

Tanto a sociologia quanto a química, portanto, serão ciências na medida em que se utilizem do método científico, e a distinção entre uma e outra dirá respeito ao objeto estudado e às técnicas4 empregadas (GALLIANO, 1979: 6), e, em todo caso, terão a mesma finalidade: descobrir leis objetivas, algo completamente distinto do que almeja, por definição, o Direito. Este se ocupa em lidar a todo tempo com um objeto convencional, qual seja, as leis e sistemas normativos, que não poderiam ser

descobertos, pois só se descobre aquilo que já está lá (preexiste e independe do

observador), e as leis, como se sabe, surgem depois de um processo legislativo qualquer, particular de cada sociedade ou grupo humano.

Roberto Da Matta, por sua vez, ao refletir sobre o lugar que cabe à antropologia no quadro das ciências, também aborda o assunto tratado (1981:17-22):

[...] as chamadas “ciências naturais” estudam fatos simples, eventos que presumivelmente têm causas simples e são facilmente isoláveis. Tais fenômenos seriam, por isso mesmo, recorrentes e sincrônicos, isto é, eles estariam ocorrendo agora mesmo, enquanto eu escrevo estas linhas e você, leitor, as lê. A matéria-prima da “ciência natural”, portanto, é todo o conjunto de fatos que se repetem e têm uma constância verdadeiramente sistêmica, já que podem ser vistos, isolados e, assim, reproduzidos dentro de condições de controle razoáveis, num laboratório. Por isso se diz repetidamente que o problema da ciência em geral não é o de desenvolver teorias, mas o de testá-las. E o teste que melhor se pode imaginar e realizar é aquele que pode ser repetido indefinidamente, até que todas as condições e exigências dos observadores estejam preenchidas satisfatoriamente. Além disso, a simplicidade, a sincronia e a repetitividade asseguram um outro elemento fundamental das “ciências naturais”, qual seja, o fato de que a prova ou o teste de uma dada teoria possa ser feita por dois observadores diferentes, situados em locais diversos e até mesmo com perspectivas opostas. O laboratório assegura de certo modo tal condição de “objetividade”, um outro elemento crítico na definição da “ciência” e da “ciência natural”. Assim, um cientista natural pode presenciar os modos de reprodução de formigas (já que pode ter um formigueiro no seu laboratório), pode estudar os efeitos de um dado conjunto de anticorpos em ratos e pode, ainda, analisar o quanto quiser a composição de um dado raio luminoso.

Em contraste com isso, as chamadas “ciências sociais” estudam fenômenos complexos, situados em planos de causalidade e determinação complicados. Nos eventos que constituem a matéria-prima do antropólogo, do sociólogo, do historiador, do cientista político, do economista e do psicólogo, não é fácil isolar causas e motivações exclusivas. Mesmo quando o “sujeito” está apenas desejando realizar uma ação aparentemente inocente e basicamente simples, como o ato de comer um bolo. Pois um bolo pode ser comido porque se tem

4 GALLIANO (1979:6) esclarece que “[...] pode-se dizer que método é a estratégia da ação. O método

indica o que fazer, é o orientador geral da atividade. A técnica é a tática da ação. ' Ela resolve o como

fazer a atividade, soluciona o modo específico e mais adequado pelo qual a ação se desenvolve em cada

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fome e pode ser comido por “motivos sociais e psicológicos”: para demonstrar solidariedade a uma pessoa ou grupo, para comemorar uma certa data (como ocorre num aniversário), para revelar que o bolo feito por mamãe é melhor do que o bolo feito por D. Yolanda, para indicar que se conhecem bolos, para justificar uma certa atitude e, ainda, por todos esses motivos juntos.

[...]

Mas, além disso, os eventos que servem de foco ao ‘cientista social’ são fatos que não estão mais ocorrendo entre nós ou que não podem ser reproduzidos em condições controladas. De fato, como poderemos nós reproduzir a festa do aniversário do Serginho? Ou o ritual do Carnaval que ocorreu em 1977 no Rio de Janeiro? Mesmo que possamos reunir os mesmos personagens, músicas, comidas, vestes e mobiliário do passado, ainda assim podemos que está faltando alguma coisa: a atmosfera a época, o clima do momento. Enfim, o conjunto criado pela ocasião social que de certo modo decola dela e, recaindo sobre ela, provoca o que podemos chamar de “sobredeterminações”, como a imagem projetada numa tela ou num espelho. Diferentemente de um rato reagindo a um anticorpo num laboratório, o aniversário (e todas as ocasiões sociais fechadas) cria o seu próprio plano social, podendo ser diferenciado de todos os outros, embora guarde com ele semelhanças estruturais.

O autor, portanto, também aborda os elementos de objetividade, repetibilidade e impessoalidade que caracterizam o pensamento científico, e aponta que uma das principais distinções entre as Ciências da Natureza e as Ciências Sociais reside no seu grau de reprodutibilidade em condições controladas, em razão, justamente, da diferença entre seus objetos específicos, sem que, no entanto, seus objetivos sejam distintos: em ambos os casos busca-se uma lei (natural ou social) que possa ser sistematizada em uma teoria.

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CAPÍTULO 3 – DIREITO E CIÊNCIA: INCOMPATIBILIDADES

Assim como no caso da conceituação de ciência, enfrentamos um problema na definição do que é Direito: a rigor, existem tantas definições quanto autores dispostos a discorrer sobre o tema.

No caso do Direito, o problema se agrava, pois as divergências acerca de quais seriam os seus contornos são, além de muito numerosas, tremendamente divergentes.

Por esta razão, optou-se, aqui, não por tentar dar um conceito “verdadeiro” do que seria o Direito, mas por se buscar analisar a cientificidade de pelo menos um aspecto que nenhuma definição tradicional poderia excluir: a dogmática jurídica.

Ora, por mais nebulosas que sejam as fronteiras entre o que diz respeito ao direito e o que diz respeito a outras áreas do saber, não se poderia negar que, essencialmente, o direito trata de leis.

O estudo dos sistemas legais, das leis e de sua aplicação não poderia, assim, ser excluído da definição de Direito, qualquer que seja o momento histórico em questão.

Outro esclarecimento importante é o de que, para os efeitos deste estudo, considera-se apenas como “Direito” o Direito stricto sensu, em oposição a todo o conteúdo que é abordado em uma graduação. Ou seja, considera-se que o Direito, mais especificamente a dogmática jurídica, é apenas um dos conteúdos que os cursos de Direito (geralmente) oferecem5.

A respeito de dogmática jurídica Maria Helena Diniz (2005:269) traz a seguinte definição:

Estudo das condições do que é juridicamente possível, considerando-se um direito dado. É a parte da ciência do direito que cria condições de decidibilidade de conflitos (Tércio Sampaio Ferraz Jr.). É o estudo sistemático de normas, ordenando-as segundo princípios, tendo em vista a

5

O que se procura dizer aqui é que nos cursos de graduação em Direito são abordadas outras áreas do saber especificamente distintas do Direito strictu sensu, mas que com este se comunicam, como é o caso da sociologia do direito, filosofia do direito e antropologia do direito. Com isso, exclui-se da concepção de Direito aqui articulada aqueles campos do conhecimento perfeitamente autônomos, dentre os quais, algumas ciência propriamente ditas. A sociologia do direito, por exemplo não seria, para os efeitos deste trabalho, parte do Direito em si, e sim da sociologia. A sociologia do direito é uma das ramificações da sociologia que se debruça especificamente sobre o Direito enquanto fenômeno social. A respeito, LIMA (2011:122-123) comenta que “[...] a questão do Direito como Ciência ou a questão do objeto e do

método do Direito, só pode ser propriamente considerada se se fizer tábula rasa da concepção prevalecente do Direito e seu modelo normativo, não-democrático e autoritário. A contemplação e a compreensão das diferentes ordens sociais, contextos, modos ou formas de vida, sociedades, grupos sociais, práticas religiosas, estéticas, econômicas, políticas, etc. têm sido tradicionalmente uma atribuição das Ciências Sociais, das quais se aproxima em propósito e finalidade à Antropologia Imaginária de Wittgenstein.”

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sua aplicação. É a ciência positiva do direito positivo (Miguel Reale). O mesmo que ciência do direito (Kelsen)".

Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2010:45-46), por sua vez, traz uma definição mais extensa:

A mera técnica jurídica que, é verdade, alguns costumam confundir com a Ciência do Direito, e que corresponde à atividade jurisdicional no sentido amplo – o trabalho dos advogados, juízes, promotores, legisladores, pareceristas e outros -, é um dado importante, mas não é a própria ciência. Esta se constitui como uma arquitetônica de modelos, no sentido aristotélico do termo, ou seja, como uma atividade que os subordina entre si tendo em vista o problema da decidibilidade (e não de uma decisão concreta). Como, porém, a decidibilidade é um problema e não uma solução, uma questão aberta e não um critério fechado, dominada que está por aporias como a da justiça, da utilidade, da certeza, da legitimidade, da eficiência, da legalidade etc., a arquitetônica jurídica (combinatória de modelos) depende do modo como colocamos os problemas. Como os problemas se caracterizam como ausência de uma solução, abertura para diversas alternativas possíveis, a ciência jurídica se nos depara como um espectro de teorias, às vezes até mesmo incompatíveis, que guardam sua unidade no ponto problemático de sua partida. Como essas teorias têm uma função social e uma natureza tecnológica, elas não constituem meras explicações dos fenômenos, mas se tornam, na prática, doutrina, isto é, elas ensinam e dizem como deve ser feito, O agrupamento de doutrinas em corpos mais ou menos homogêneos é que transforma, por fim, a Ciência do Direito em Dogmática Jurídica.

Dogmática é, neste sentido, um corpo de doutrinas, de teorias que têm sua função básica em um docere" (ensinar). Ora, é justamente este "docere" que delimita as possibilidades abertas pela questão da decidibilidade, proporcionando certo "fechamento" no critério de combinação os modelos. A arquitetônica jurídica depende, assim, do modo como colocamos os problemas, mas este modo está adstrito ao "docere". A Ciência Jurídica coloca problemas para ensinar. Isto a diferencia de outras formas de abordagem doz fenômeno jurídico, como a Sociologia, a Psicologia, a História, a Antropologia etc., que colocam problemas e constituem modelos cuja intenção é muito mais explicativa. Enquanto o cientista do Direito se sente vinculado, na colocação dos problemas, a uma proposta de solução, possível e viável, os demais podem inclusive -suspender o seu juízo, colocando questões para deixá-las em aberto.

Interessante destacar aqui que Tércio Sampaio Ferraz, na obra destacada, associa diretamente o Direito – que, segundo advoga em sua obra, seria sim uma ciência – à produção doutrinária. Esta relação com dogmatismos, no entanto, é justamente uma das características do Direito que mais flagrantemente o distancia do pensamento científico. Esclarecido o que se está tomando por dogmática jurídica, o que se buscará demonstrar adiante é que, tanto ela, quanto a própria praxe jurídica, enquanto elementos indissociáveis do conceito de direito, não se conciliam com o uso do método científico.

Nos subtópicos a seguir serão explorados com mais especificidade alguns aspectos do direito e da ciência, procurando demonstrar a sua incompatibilidade.

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3.1. O objeto do direito é convencional

O primeiro aspecto do Direito a ser desde logo apontado como comprometedor de sua cientificidade é justamente o seu objeto.

Considerando-se, como exposto na introdução do capítulo, que aspectos como, por exemplo, a tendência dos grupos humanos de se organizarem através de sistemas legislativos (fato verificável) seja objeto da sociologia, e seu desenvolvimento ao longo dos séculos (consecução verificável de fatos) como objeto da história, teremos que ao Direito stricto sensu cabe se debruçar, ao menos predominantemente, sobre os sistemas legais e a norma.

O que se quer dizer é que certos fenômenos sociais, conquanto estejam

relacionados ao direito, constituem objetos de análise de outras áreas do conhecimento.

O Direito irá se ocupar não da análise de fatos, mas dos modelos de conduta e organização. Como explica Maurício Godinho Delgado (2016:190-191):

É que a Ciência Jurídica tem objeto estruturalmente distinto daquele que caracteriza as ciências em geral. Estas, como visto, debruçam-se ao exame dos fatos e atos ocorridos ou potencialmente verificáveis – aquilo que poderia genericamente ser designado como ser. Em contrapartida, a Ciência do Direito debruça-se à análise dos institutos jurídicos e da norma (e dos próprios princípios jurídicos), que se constituem em modelos de conduta ou de organização - e que correspondem a fenômenos que genericamente poderiam ser designados como dever-ser.

A Ciência Jurídica, portanto, tem objeto singular, consistente em realidades essencialmente conceituais, realidades ideais e normativas, que se desdobram em proposições ou modelos de comportamento ou de organização. Seu dado central e basilar consiste no dever-ser (elemento nitidamente ideal, em suma) e não no ser (elemento nitidamente concreto-empírico).

Conquanto o autor em comento se refira ao Direito como ciência, pensamos que as ideias que articula ao longo do capítulo citado permitem, em verdade, concluir pelo contrário6, eis que ele próprio expõe que certos elementos que constituem uma noção tradicional de ciência não se compatibilizariam com o Direito.

6 A razão desta discordância é o fato de que o autor, ao longo do texto, elenca elementos da noção

tradicional de ciência que ele mesmo entende incompatíveis com o Direito, e, ao final, se limita a dizer que o Direito, “apesar disso”, pode ser considerado ciência por se tratar de um campo especial do conhecimento, sem dar explicações suficientes acerca do que o leva a concluir que o Direito é especial enquanto ciência. Em suas palavras “Os principias, realmente, não conseguem se harmonizar a essa

dinâmica de atuação e construção das ciências. Ao contrário, a assunção de posições preestabelecidas acerca do objeto a ser investigado (assunção inerente à ideia de princípios) limitaria o próprio potencial

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No que se refere ao seu objeto, o Direito não satisfaz as condições de cientificidade, pois as questões relativas ao dever-ser, à determinação do certo e errado, da conduta justamente exigível7, são de ordem estritamente metafísica, e, por definição, não interessam à ciência, eis que esta se ocupa, como vimos, da análise sistemática, controlada, empírica e crítica de fenômenos.

As normas e sistemas legais serão invariavelmente fruto de convenções: cada sociedade ou mesmo grupo de pessoas encontra formas – no ocidente se popularizou o sistema democrático – de estabelecer as regras que irão conformar o comportamento de seus membros.

Essas regras, no entanto, não decorrem de nenhuma norma universal de conduta preexistente, e sim da mera escolha daqueles que, em dada sociedade, detinham o poder decisório para estabelecer e alterar as regras vigentes.

A esse respeito, Eva Maria Lakatos (2003:127):

O problema, assim, consiste em um enunciado explicitado de forma clara, compreensível e operacional, cujo melhor modo de solução ou é uma pesquisa ou pode ser resolvido por meio de processos científicos. Kerlinger (ln: Schrader, 1974:18) considera que o problema se constitui em uma pergunta científica quando explicita a relação de dois ou mais fenômenos (fatos, variáveis) entre si, "adequando-se a uma investigação sistemática, controlada, empírica e crítica". Conclui-se disso que perguntas retóricas, especulativas e afirmativas (valorativas) não são perguntas científicas. Exemplos: ‘a harmonia racional depende da compreensão mútua?’; ‘o método de educação religiosa A é melhor que o B para aumentar a fé?’; ‘igualdade é tão importante quanto liberdade?’ Tais enunciados têm pouco ou nenhum significado para o cientista: não há maneira de testar empiricamente

investigativo sobre a realidade, conformando o resultado a ser alcançado ao final do processo de investigação. Desse modo, a submissão a principias (isto é, conceitos preestabelecidos), pelo cientista, no processo de exame da realidade, importaria em iniludível conduta acientifica: é que a resposta buscada, na realidade, pelo investigador, já estaria gravemente condicionada na orientação investigativa, em função do principio utilizado. Contudo, o anátema lançado pelas ciências contra os princípios não pode prevalecer no âmbito dos estudos jurídicos. De fato, na Ciência Jurídica - enquanto estudo sistemático a respeito dos fenômenos jurídicos, com o conjunto de conhecimentos resultantes -, os princípios sempre hão de cumprir papel de suma relevância, sem comprometimento do estatuto científico desse ramo especializado de conhecimento. Essa peculiaridade decorre da posição singular que a Ciência do Direito ocupa perante os demais ramos científicos existentes.” Vide capítulos “Origem e

desenvolvimento do direito do trabalho – proposições metodológicas” in DELGADO (2016:87-97). E “Princípios do Direito do Trabalho” in DELGADO (2016:190-223).

7 “Vamos observar que as diferentes respostas que se dão a essas questões têm um endereço comum, que

possibilita o uso genérico da expressão Ciência do Direito. Este endereço comum está no próprio sentido dogmático da ciência jurídica, que dela faz uma linguagem técnica, ordenada e refinada, dos interesses e conflitos expressos na linguagem comum. Esta ordem e refinamento aparece na forma de enunciados e conjuntos de enunciados válidos, que se organizam em teorias que tornam conceituável aquilo que se realiza como Direito e me diante o Direito. Portanto, a Ciência do Direito não só como teoria dos princípios e regras do comportamento justamente exigível, mas também que consiste em certas figuras de pensamento, as chamadas figuras jurídicas” (FERRAZ JR., 1977:6.). O autor, no entanto, não chega a definir o que seriam as chamadas “figuras jurídicas” a que se refere.

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tais afirmativas ou perguntas, principalmente quando envolvem julgamentos valorativos.

Schrader (1974:20) enumera algumas questões que devem ser formuladas para verificar a validade científica de um problema:

a) Pode o problema ser enunciado em forma de pergunta?

b) Corresponde a interesses pessoais, sociais e científicos, isto é, de conteúdo e metodológicos? Estes interesses estão harmonizados?

c) Constitui-se o problema em questão científica, ou seja, relaciona entre si pelo menos dois fenômenos (fatos, variáveis)?

d) Pode ser objeto de investigação sistemática, controlada e crítica? e) Pode ser empiricamente verificado em suas consequências?

A questão de saber se “a igualdade é tão importante quanto a liberdade”, utilizada pela autora como exemplo de pergunta ostensivamente acientífica, é, inclusive, uma questão particularmente presente no âmbito do Direito Constitucional, visto que igualdade e liberdade constituem dois dos chamados princípios constitucionais, tema abordado no tópico seguir.

3.2. O direito se baseia em princípios abstratos

Os princípios, segundo Maurício Godinho (2016:189), traduzem a noção de “proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.

Tratam-se de enunciados que influenciam, em medida variável, as práticas sociais, e, no direito, a elaboração, interpretação e aplicação da norma.

De maneira semelhante, Miguel Reale (2003:37) aduz que princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”.

Enquanto proposições que direcionam a análise e compreensão da realidade, os princípios jurídicos representam algo inconcebível na abordagem científica.

Isto porque, tendo as ciências seu objeto firmado em torno da observação imparcial – ainda que a imparcialidade pura seja um ideal – de fenômenos concretos e da elaboração de explicações para estes fenômenos, não se poderia admitir que o

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