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Da deflexão de raios cósmicos ultra-energéticos no campo magnético galáctico

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Academic year: 2021

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Da Deflexão de Raios Cósmicos Ultra-Energéticos

no Campo Magnético Galáctico

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do título de Mestre em Física

Aluno:

Rafael Alves Batista

Orientador:

Prof. Dr. Ernesto Kemp

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pelo aluno, e orientada pelo Prof. Dr. Ernesto Kemp.

Assinatura do Orientador

Campinas

2012

(2)

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR

VALKÍRIA SUCCI VICENTE – CRB8/5398 - BIBLIOTECA DO IFGW

UNICAMP

Batista, Rafael Alves, 1987-

B32d Da deflexão de raios cósmicos ultra-energéticos no campo

magnético galáctico / Rafael Alves Batista.-- Campinas, SP :

[s.n.], 2012.

Orientador: Ernesto Kemp.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de

Campinas, Instituto de Física “Gleb Wataghin”.

1. Raios cósmicos ultra-energéticos. 2. Campo magnético

galáctico. 3. Wavelets. 4. Campos magnéticos cósmicos.

I. Kemp, Ernesto, 1965- II. Universidade Estadual de

Campinas. Instituto de Física “Gleb Wataghin”. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em inglês: On the deflection of ultra-high energy cosmic rays in the galactic

magnetic field

Palavras-chave em inglês:

Ultra-high energy cosmic rays

Galactic magnetic field

Wavelets

Cosmic magnetic fields

Titulação: Mestre em Física

Banca Examinadora:

Ernesto Kemp [Orientador]

Rogério Menezes de Almeida

Carola Dobrigkeit Chinellato

Data da Defesa: 03-02-2012

(3)
(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Durante a longa trajetória até aqui, muitas pessoas contribuíram para minha formação não só acadêmica, mas também pessoal. Certamente, neste espaço dedicado a expressar minha gratidão a estes indivíduos, esquecerei de citar alguns nomes, e desde já peço desculpas a estes.

Primeiramente, gostaria de agradecer ao Prof. Ernesto Kemp pelos três anos de orientação durante a ini-ciação científica, e mais dois durante o mestrado. Sua paciência, apoio e amizade foram cruciais para que eu chegasse até aqui. Não poderia deixar de citar aqui o Rogério Menezes de Almeida, dedicado coorientador e amigo que muito me ajudou no início dos trabalhos de iniciação científica, e cujo auxílio foi essencial para meu aprendizado científico.

Gostaria de agradecer muito à minha mãe Helena Maria Alves, que sempre apoiou todas as minhas decisões e forneceu, juntamente com meu pai, Francisco Batista, todo o suporte necessário para trilhar este caminho.

Agradeço também à Luciana, que durante todo o mestrado me apoiou, incentivou e inspirou, que esteve presente nas várias madrugadas em que passei escrevendo esta dissertação e me questionando “será que isto sai?”. Aproveito aqui para agradecer a todos os meus ainda amigos de infância, cujos nomes vou omitir para evitar delongas.

Meus agradecimentos a todos aqueles amigos de Campinas que me ajudaram todos estes anos, que me acompanharam nos fins de semana estudando para as provas. Em especial, agradeço ao meu companheiro de sala, Bruno Daniel, que tem me acompanhado desde o início da graduação, até hoje.

É importante mencionar a contribuição do Marcelo Zimbres, cujo auxílio com o ferramental computacional foi de fundamental importância para o trabalho. Estendo os agradecimentos também ao pessoal responsável pelo cluster de processamento do IFSC/USP, que foi muito útil.

Por fim, agradeço também a todos aqueles que contribuíram de forma direta ou indireta para a realização deste trabalho, e à FAPESP pela bolsa concedida, que permitiu que eu me dedicasse exclusivamente à pes-quisa.

(6)

“ O mistério das cousas, onde está ele?

Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?

Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?

E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?

Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que soa fresco numa pedra.”

(7)

Resumo

Campos magnéticos cósmicos são ubíquos e estão presentes em todas as escalas, desde os planetas até os superaglomerados de galáxias. Sabe-se que o campo magnético da Via Láctea possui uma componente regular, que tem uma estrutura espiral, e uma componente aleatória. Muitas questões acerca do magnetismo galáctico ainda permanecem sem respostas, e o modelo de espiral mais adequado para descrever as observa-ções é incógnito. Uma possibilidade pouco explorada para estudar o campo magnético da Via Láctea é utilização de informações relacionadas à propagação de partículas carregadas através da mesma. Neste contexto estão inseridos os raios cósmicos ultra-energéticos, as partículas mais energéticas do universo, cuja origem, composi-ção química e mecanismos de aceleracomposi-ção e propagacomposi-ção não são bem compreendidos. A deflexão de partículas provenientes da mesma fonte no campo magnético galáctico pode gerar estruturas filamentares com eventos ordenados por energia, os chamados multipletos, sendo esta uma assinatura única deixada pelo campo em ma-pas contendo direções de chegada de raios cósmicos. Neste trabalho é apresentado um método inédito para estudos do campo magnético galáctico, através da identificação e análise da orientação de multipletos nestes mapas. Este método baseia-se na transformada de wavelets na esfera, que permite amplificar a razão sinal-ruído e fazer reconhecimento de padrões, de forma a identificar multipletos imersos em ruído de natureza estocástica. Na primeira parte do trabalho o método foi aplicado a dados simulados visando obter a orientação esperada para multipletos oriundos de fontes em diversas partes da esfera celeste, segundo diferentes modelos de campo magnético galáctico. Na segunda parte do trabalho, aplicou-se o método a eventos detectados pelo Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger. A confrontação dos resultados de dados reais e simulações permite restringir modelos de campo magnético galáctico.

(8)

Abstract

Cosmic magnetic fields are ubiquitous and are present in all size scales, from planets to superclusters of galaxies. The magnetic field of the Milky Way has a regular component, with a spiral structure, and a random component. Many questions concerning galactic magnetism still remain unanswered, and the spiral model which best fits the observations is unknown. An underexplored possibility to probe these fields is to use information related to the propagation of charged particles through them. In this context, an interesting probe are the ultra-high energy cosmic rays, the most energetic particles in the universe, whose origin, chemical composition and mechanisms of acceleration and propagation are not well-understood. The deflection of particles coming from the same source can generate threadlike structures with events ordered by energy, the so-called multiplets, which imprints a unique signature of the galactic magnetic field in maps containing arrival directions of cosmic rays. In the present work it is presented a novel method to probe the galactic magnetic field, by identifying and analysing the orientation of multiplets in these maps. This method relies on the spherical wavelet transform, which is capable of amplifying the signal-to-noise ratio and perform pattern matching, so that it is possible to identify multiplets embedded in a stochastic background. In the first part of this work the method is applied to simulated data, aiming to obtain the expected orientations for multiplets associated to sources in several regions of the celestial sphere, according to different models of galactic magnetic field. In the second part of the work the method was applied to events detected by the Pierre Auger Observatory. A confrontation between the results using real and simulated data allows one to impose constraints to galactic magnetic field models.

(9)

SUMÁRIO

Introdução 2

1 Campos Magnéticos Cósmicos 3

1.1 Métodos de Medição . . . 3

1.1.1 Polarização da Luz Estelar . . . 3

1.1.2 Efeito Zeeman . . . 4

1.1.3 Emissão de Radiação Síncrotron . . . 4

1.1.4 Rotação de Faraday . . . 6

1.2 Campos Magnéticos em Aglomerados de Galáxias . . . 9

1.3 Campos Magnéticos Além dos Aglomerados de Galáxias . . . 10

1.4 Campos Magnéticos em Outras Galáxias . . . 10

1.5 Campo Magnético da Via Láctea . . . 11

1.5.1 Modelos para a Componente Regular do Campo Magnético Galáctico . . . 12

Modelo de Stanev . . . 12

Modelo de Harari, Mollerach, Roulet . . . 12

Modelo de Tinyakov e Tkachev . . . 13

Modelo de Prouza-Šmída . . . 14

Modelo de Kalchelrieß, Serpico e Teshima . . . 14

Modelo de Sun, Reich, Waelkens e Enßlin . . . 14

1.5.2 O Campo Magnético na Região do Centro Galáctico . . . 15

(10)

1.6 Magnetogênese Cosmológica . . . 16

1.6.1 Campos Magnético Primordiais . . . 16

1.6.2 Origem do Campo Magnético Galáctico . . . 18

1.7 Deflexão de Partículas Carregadas nos Campos Magnéticos Galáctico e Extragaláctico . . . 20

2 Raios Cósmicos 21 2.1 Um Breve Panorama Histórico . . . 21

2.2 Espectro de Energia . . . 23

2.2.1 O “Joelho” . . . 24

2.2.2 O “Tornozelo” . . . 25

2.2.3 O Domínio GZK . . . 25

2.3 Interação . . . 26

2.4 Origem e Aceleração dos UHECRs . . . 27

2.4.1 Mecanismo de Fermi de Segunda Ordem . . . 27

2.4.2 Mecanismo de Fermi de Primeira Ordem . . . 29

2.4.3 Diagrama de Hillas . . . 30

2.4.4 Modelos Bottom-Up . . . 30

Estrelas de Nêutrons . . . 30

Magnetares . . . 31

Núcleos Galácticos Ativos . . . 32

Surtos de Raios Gama . . . 32

2.4.5 Modelos Top-Down . . . 33

2.5 Composição . . . 34

3 O Observatório Pierre Auger 37 3.1 Detectores de Superfície . . . 38 3.1.1 Reconstrução . . . 38 3.2 Detectores de Fluorescência . . . 40 3.2.1 Reconstrução . . . 42 3.3 Modo Híbrido . . . 43 3.3.1 Reconstrução . . . 43

(11)

4 Reconhecimento de Padrões com a Transformada de Wavelets na Esfera 47

4.1 Introdução . . . 47

4.2 A Transformada Contínua de Wavelets . . . 48

4.3 Wavelets na Esfera . . . 49

4.4 Noções Básicas da Transformada de Wavelets na Esfera . . . 50

4.5 Reconhecimento de Padrões com a Transformada de Wavelets na Esfera . . . 51

4.6 Aplicações . . . 53

5 Identificação de Multipletos: Uma Nova Abordagem 55 5.1 Multipletos de UHECRs . . . 55

5.2 Método da Árvore Geradora Mínima . . . 56

5.3 Um Novo Método para a Identificação de Multipletos . . . 57

5.4 Reconstrução da Posição da Fonte . . . 58

5.5 Exemplo de Aplicação . . . 60

6 Análise da Influência do Campo Magnético Galáctico sobre a Orientação de Multipletos 63 6.1 Revisitando os Modelos para o Campo Magnético Galáctico . . . 63

6.2 Simulações . . . 65

6.3 Resultados da Análise . . . 68

7 Busca de Multipletos Ordenados por Energia em Dados do Observatório Pierre Auger 73 7.1 Busca de Multipletos em Dados do Observatório Pierre Auger . . . 73

7.1.1 Método de Busca . . . 73

7.1.2 Candidatos a Multipletos . . . 74

7.1.3 Reconstrução da Posição das Fontes . . . 75

7.2 Restringindo Modelos de Campo Magnético Galáctico . . . 78

7.3 Comparação com Resultados Obtidos pela Colaboração Pierre Auger . . . 80

8 Conclusões e Perspectivas 83

Apêndice A: Formalismo da Transformada de Wavelets na Esfera 87

(12)
(13)

INTRODUÇÃO

Campos magnéticos são ubíquos, estando presentes em planetas, estrelas, galáxias, aglomerados de galá-xias e também nas maiores estruturas do universo, as “grandes paredes”. A intensidade destes campos varia

desde 10-9G até 1015G em magnetares, que são os objetos com maior campo magnético conhecido.

A existência de campos magnéticos na Via Láctea1foi verificada inicialmente em 1949 por Hiltner, através da

polarização de grãos de poeira, efeito que só fora explicado posteriormente, em 1951, por Davis e Greenstein, e desde então um panorama global para descrever o campo magnético desta tem sido buscado. Foi verificada a existência de uma componente turbulenta, atuante em pequenas escalas, e de uma componente regular que atua na macroescala galáctica. Diversos modelos tentam descrever esta componente de larga escala, e alguns destes prevêem um padrão espiral que pode ou não ter seu sentido invertido nos dois hemidiscos galácticos, dependendo da paridade da transformação θ → θ + π, e/ou na parte superior e inferior do mesmo, dependendo da paridade da transformação z → −z. Não obstante existam modelos para descrever a componente regular do campo, os métodos observacionais disponíveis não são capazes de apontar qual destes modelos é mais adequado para descrever a realidade.

As primeiras observações do campo magnético galáctico, como as de Hiltner, foram feitas medindo a polari-zação da luz estelar. Outros métodos, utilizando a emissão síncrotron por elétrons relativísticos, foram desenvol-vidos posteriormente, o que permitiu medir o campo de forma indireta. Desde 1957, quando a aplicação do efeito Zeeman para determinação de campos magnéticos cósmicos foi proposta, medidas in situ, i. e., diretamente na fonte, tornaram-se possíveis. A grande dificuldade deste método é sua forma de medição, que só é propiciada em densas nuvens de hidrogênio molecular. A medida da rotação de Faraday foi, sem dúvida, o que permitiu estudos sistemáticos e detalhados dos campos magnéticos cósmicos, fornecendo informações não só sobre a direção do campo, mas também sobre sua intensidade integrada ao longo da linha de visada. Foram as medidas de rotação de Faraday que verificaram que a componente regular do campo magnético galáctico tem um padrão espiral e intensidade tipicamente da ordem de 1-10 µG (exceto nos filamentos presentes próximos ao centro galáctico, cuja intensidade é três ordens de magnitude maior). Uma possibilidade interessante e pouco explo-rada para estudar o campo magnético da Via Láctea é utilizar a propagação de partículas carregadas através deste. A propagação de raios cósmicos, especificamente os carregados, através da galáxia, pode contribuir para compreender não somente a componente regular do campo, mas também a turbulenta.

1Ainda hoje há discussões acerca da nomenclatura utilizada para descrever esta galáxia. Via Láctea refere-se à densa região estrelada do céu observada desde a Antiguidade. O que hoje é chamado de Via Láctea, para alguns historiadores da ciência, deveria ser chamado de “Galáxia” (com ‘G ’ maiúsculo). No entanto, por razões históricas o termo “Via Láctea” evoluiu de modo a designar toda a galáxia, e é esta assunção que será utilizada neste trabalho.

(14)

Raios cósmicos são partículas provenientes do espaço, com diversas energias, que atingem a Terra2. Dentre

todas as partículas extraterrestres que atingem a Terra, destacam-se as que possuem energia muito alta, os

raios cósmicos ultra-energéticos3(UHECRs).

Hoje, quase um século após a descoberta dos raios cósmicos, pouco se sabe sobre a origem, composição química e mecanismos de aceleração e propagação dos UHECRs. No entanto, a deflexão destas partículas nos campos magnéticos intervenientes é compreendida se a estrutura destes campos for conhecida. Sendo assim, é notória a existência de uma relação bidirecional: a propagação de UHECRs na galáxia pode trazer informações sobre o campo magnético galáctico e o conhecimento do campo magnético galáctico pode contribuir para a compreensão dos mecanismos de propagação dos UHECRs.

A deflexão de UHECRs no campo magnético galáctico é proporcional ao inverso da energia da partícula, de forma que para uma mesma fonte emitindo UHECRs com diversas energias, formar-se-ão estruturas filamentares

contendo partículas ordenadas por energia, os chamados multipletos4.

Neste trabalho é apresentado um método inédito para estudos do campo magnético galáctico, através da identificação e análise da orientação de multipletos em mapas contendo direções de chegada de UHECRs. Este método está fundamentado na transformada de wavelets na esfera, que permite amplificar a razão sinal-ruído e fazer reconhecimento de padrões, de forma a identificar multipletos imersos em ruído. Na primeira parte do trabalho o método foi aplicado a dados simulados, e na segunda parte a eventos detectados pelo Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger. Com isto, espera-se poder fazer restrições de modelos de campo magnético galáctico.

O presente trabalho está organizado da seguinte forma:

• no capítulo 1 é feita uma introdução aos principais métodos de estudo de campos magnéticos cósmicos, e apresentado um breve panorama geral sobre o conhecimento atual sobre estes campos, particularmente o galáctico;

• no capítulo 2 é apresentado o estado-da-arte da física e astrofísica de UHECRs; • no capítulo 3 é descrito o Observatório Pierre Auger e seus métodos de detecção;

• no capítulo 4 descreve-se o método utilizado para identificação de multipletos, com a transformada de wavelets na esfera, com o cuidado de manter todas as elucubrações matemáticas inerentes ao formalismo

apresentado noapêndice A;

• no capítulo 5 é descrito o método de identificação de multipletos;

• no capítulo 6 são realizadas simulações utilizando o programa descrito no apêndice B com a finalidade de testar o método e parametrizar a orientação do multipleto em cada setor, a fim de confrontá-las posteri-ormente com dados reais;

• no capítulo 7 são apresentados os resultados da análise de dados obtidos pelo Observatório Pierre Auger, e estes são confrotados com as simulações, a fim de restringir modelos de campo magnético galáctico; • por fim, no capítulo 8, são apresentadas as conclusões e possíveis desdobramentos do trabalho.

2Um tema que suscita celeuma é a definição de raios cósmicos. Alguns consideram raios cósmicos apenas como partículas carregadas de origem extraterrestre que atingem a Terra, excluindo assim os nêutrons, radiação gama, neutrinos, etc. No presente trabalho a definição será ampliada, de modo a abarcar qualquer partícula com energia acima de 108eV que atinja a Terra, incluindo as eletricamente neutras.

3Não há um definição precisa para designar raios cósmicos de energias ultra-altas. Considerar-se-á raio cósmico ultra-energético aquele com energia superior a 1018eV.

4Define-se multipleto como um conjunto de eventos provenientes de uma mesma fonte. Neste trabalho, por simplicidade, o termo multi-pletos refere-se a eventos ordenados por energia provenientes de uma mesma fonte.

(15)

CAPÍTULO 1

CAMPOS MAGNÉTICOS CÓSMICOS

1.1

Métodos de Medição

1.1.1

Polarização da Luz Estelar

A estrutura em larga escala da Via Láctea e de galáxias próximas é evidenciada através da observação da polarização da luz emitida por estrelas. A primeira evidência observacional desta polarização foi feita por Hiltner [1, 2] e Hall e Mikesell [3]. O primeiro modelo para descrever esta polarização, conectando-a ao campo magnético da galáxia, foi desenvolvido por Davis e Greenstein [4], que sugeriram que grãos de poeira não-esféricos teriam seu momento angular alinhado com o campo magnético externo, causando uma absorção da luz estelar incidente e espalhamento dependente da direção [5, 6].

No modelo de Davis e Greenstein, grãos de poeira em rotação alinham-se ao longo das linhas de campo

magnético e absorvem preferencialmente a componente da luz com campo elétrico ~E paralelo ao eixo maior

deste grão, de forma que a luz tende a polarizar-se na mesma direção do campo [4, 6]. A conclusão do trabalho dos supracitados autores prevê a existência de uma campo magnético interestelar na Via Láctea, que está orientado ao longo do plano galáctico [4, 7].

Estudos realizados por Mathewson e Ford [8] corroboram as conclusões advindas do modelo de Davis e Gre-enstein. Através da observação de 1800 estrelas na Via Láctea, concluiu-se que o campo magnético é alinhado com o plano da galáxia, conforme mostrado na figura 1.1. Observações mais recentes de outras galáxias espirais demonstram a estrutura magnética espiral das mesmas através da medida da polarização da luz estelar [6].

Apesar de ser um poderoso método para testar a direção do campo magnético galáctico, a polarização da luz estelar não fornece o valor do módulo do campo [7]. Outra limitação do método está relacionada à observação

de campos extragalácticos. O espalhamento anisotrópico1no meio interestelar pode ocasionar uma polarização

e afetar a medida esperada [6]. Além disto, o mecanismo preciso pelo qual grãos de poeira se alinham com o campo não é bem compreendido [6].

1O espalhamento anisotrópico é caracterizado pela dependência direcional da fase, de forma que a onda espalhada tem intensidade diferente em cada direção.

(16)

Campos Magnéticos Cósmicos

Figura 1.1: Resultados da observação da polarização da luz de 1800 estrelas, localizadas no centro de cada linha cujo comprimento é proporcional à polarização; figura extraída de [8].

1.1.2

Efeito Zeeman

O efeito Zeeman é o desdobramento dos níveis de energia atômicos ou moleculares na presença de um campo magnético externo. No contexto deste trabalho, o efeito Zeeman pode ser compreendido como o desdo-bramento das linhas espectrais devido à existência de dois modos (circulares) de polarização [7].

Um meio direto para medição do campo magnético na galáxia é medir o desdobramento Zeeman de uma transição no gás que compõe o meio interestelar. Matematicamente [5]:

ω = ωmn±

eB

4πmec

Hz, (1.1)

onde meé a massa do elétron, ωmné uma transição entre os níveis m e n, e ν = ω/2π é a frequência observada.

A vantagem deste método é que o desdobramento Zeeman fornece o campo magnético in situ, isto é, direta-mente na fonte, diferentedireta-mente de outros métodos tais como a rotação de Faraday, que fornece uma componente do campo integrada ao longo da linha de visada.

A medida de ~Batravés do efeito Zeeman é extremamente difícil, uma vez que o desvio de frequência causado

pelo campo é baixo em comparação à largura térmica das linhas, de forma que é necessário que hajam regiões de baixa temperatura e altamente magnetizadas para que a medida seja bem-sucedida [9]. Dada a dificuldade da medida, campos magnéticos extragalácticos nunca foram medidos por este método, devido à deformação das linhas de rádio causada por efeitos dinâmicos e à baixa intensidade dos campos [5].

Bolton e Wild [10] foram os primeiros a propor, em 1957, que seria possível estimar o campo magnético através do desdrobramento Zeeman. Devido às dificuldades intrínsecas à medida, a primeira medida bem-sucedida só foi efetuada em 1968 por Davies et al. [11] e Verschuur [12].

1.1.3

Emissão de Radiação Síncrotron

Os campos magnéticos em galáxias e outros objetos celestes podem ser medidos através da emissão de radiação síncrotron [6, 13, 14], produzida por elétrons relativísticos espiralando em linhas de campos magnético [6].

(17)

Campos Magnéticos Cósmicos

Para um elétron de energia E em um campo magnético ~B, a emissividade pode ser expressa como

J(ν, E) ∝ B⊥  ν νc 13 f  ν νc  , (1.2)

onde B⊥é a componente do campo magnético perpendicular à linha de visada, νcé a frequência crítica e f (x) é

uma função que tende a 1 para x →0 e decresce rapidamente para x 1 [6]. A frequência crítica em termos do

campo magnético, da massa eletrônica mee da frequência de Larmor νLé

νc= νL  E mc2 2 , (1.3)

com νLdado por

νL=

eB⊥

2πmc. (1.4)

Seja ne(E) a densidade de elétrons de uma determinada fonte. Pode-se assumir que esta distribuição tem

um espectro que segue uma lei de potência da forma

ne(E)dE = ne(E0)

 E

E0

−γ

dE, (1.5)

com γ sendo o índice espectral, cujo valor é aproximadamente 3 para galáxias espirais [6]. Então pode-se obter a emissividade total a partir da seguinte relação:

jν=

Z

J(ν, E)ne(E)dE. (1.6)

Como a emissão síncrotron é dominada por elétrons relativísticos de energia mec2(ν/νc)1/2, se ν ≈ νc, então

J(ν, E) ∝ B⊥νcδ (ν − νc), de forma que com a equação 1.5 pode-se obter

jν∝ ne(E0)ν 1−γ 2 B 1+γ 2 ⊥ . (1.7)

Para obter a intensidade do campo, também é necessária a densidade total de energia, que é dada por

εtot= (1 + k)εre+ εB, (1.8)

onde k é a energia total de núcleos pesados e elétrons [15, 16], εBé a densidade de energia magnética [6, 15] e

εreé

εre=

Z

ne(E)EdE. (1.9)

Neste ponto deve-se assumir alguma hipótese para estimar a intensidade do campo: (i) a energia é igualmente dividida entre energia magnética e energia cinética dos elétrons [15, 17], ou (ii) a densidade de energia total é minimizada com relação ao campo magnético [15, 16]. Neste trabalho será adotado o desenvolvimento de Widrow [6], utilizando a fórmula revisada de equipartição de energia apresentada por Beck & Krause [18].

Integrando a expressão 1.9 no intervalo de frequências νL≤ ν ≤ νU:

εre= Z νU νL En(νc)dνc∝ B− 3 2Θ2S ν(ν0), (1.10)

(18)

Campos Magnéticos Cósmicos

onde Θ é o tamanho angular da fonte, Sν é a densidade de fluxo e ν0é a frequência característica entre νL e

νU. Integrando sobre um intervalo de energias fixo e assumindo a hipótese de equipartição de energia, obtém-se

que εre∝ Θ2SνB −γ +1 2 , (1.11) o que resulta em B⊥∝ ((1 + k) jν) 2 γ +5. (1.12)

1.1.4

Rotação de Faraday

A rotação de Faraday é um efeito optomagnético que surge da interação entre uma onda eletromagnética e o campo magnético em um meio. Uma onda linearmente polarizada pode ser descrita como a combinação linear de duas ondas circularmente polarizadas com helicidades opostas. Durante a propagação no meio, as componentes circularmente polarizadas têm diferentes velocidades de fase e esta defasagem gera uma rotação no plano de polarização, como mostrado na figura 1.2.

Figura 1.2: Representação pictórica da rotação do plano de polarização de uma onda eletromagnética ao atravessar um meio (efeito Faraday).

No meio interestelar, elétrons livres causam uma diferença no índice de refração visto por estes dois diferentes modos de propagação. No caso de pulsares, a dispersão causada pela existência de elétrons livres na linha de visada resulta em um atraso entre pulsos de diferentes comprimentos de onda. Esta dispersão é conhecida como dispersion measure (DM).

A expressão da força de Lorentz é

~f = q~v × ~B+ ~E, (1.13)

onde ~v é a velocidade, q é a carga da partícula em questão (para o elétron, q = −e), ~Eé o campo elétrico e ~Bé

o campo magnético da onda eletromagnética incidente.

A equação de movimento para a ação de um campo externo é dada por

(19)

Campos Magnéticos Cósmicos

onde ~s é o deslocamento e me é a massa do elétron. Por simplicidade, adotar-se-á ~B= B0ˆz, ~s ⊥ ˆz e ~E⊥ ˆz.

Ademais, assume-se que o campo elétrico pode ser escrito como ~

E= ~E0e−iωt. (1.15)

Será utilizado o ansatz

~s = ~s0e−iωt. (1.16)

Após alguns cálculos, pode-se escrever a equação de movimento em termos de cada componente:

ms¨x+ f sx= −eEx− eB0s˙y (1.17)

ms¨y+ f sy= −eEy+ eB0s˙x (1.18)

Sendo ωx= eB0/m a frequência cíclotron e ω02= f /m, então:

ω02− ω2 sx= − e me Ex+ e me B0syiω (1.19) ω02− ω2 sy= − e me Ey− e me B0sxiω (1.20)

Para desacoplar as equações introduziremos s±= sx± isye E±= Ex± iEy. Portanto

ω02− ω2− ωcω s+= − e me E+ (1.21) ω02− ω2+ ωcω s−= − e me E− (1.22) Portanto s±= −e mE± ω02− ω2∓ ωcω . (1.23)

O vetor deslocamento elétrico é dado por

D±= ε0E±+ P±= ε±ε0E±, (1.24)

onde ε0é a constante de permissividade elétrica do vácuo, ε é a constante de permissividade elétrica do meio.

O vetor polarização pode ser expresso como:

P±= −enes±, (1.25)

onde neé a densidade eletrônica do meio. Das equações 1.24 e 1.25, é possível obter ε±através da substituição

de s±, fornecido pela equação 1.23. Assim, tem-se que:

ε±= 1 + e2ne ε0me 1 ω02− ω2∓ ωcω ≡ n2 ±(ω), (1.26)

onde n±(ω) é o índice de refração do meio, para cada um dos dois modos de polarização. Podemos definir o

índice de refração médio como

n=1

(20)

Campos Magnéticos Cósmicos

Assumindo que ωc ω e que ω não está próximo da frequência de ressonância ω0, pode-se demonstrar que

n≈ e 2n e ε0me 1 ω02− ω2 . (1.28)

De maneira análoga, pode-se calcular a diferença entre os índices de refração correspondentes a cada polariza-ção n+− n−≈ e2ne ε0me ω ωc ω02− ω22 . (1.29)

Para calcular a medida de dispersão será utilizada a relação c

c0dz=

ε±ε0dz, (1.30)

onde c0é a velocidade da luz no meio. Se o meio em questão é um plasma tênue, pode-se fazer a aproximação

n≈ 1 e ω0=0. Assim c c0 = Z 0 R dz  1 − e 2n e meε0ω2  . (1.31) Portanto ct(ω) = R − e 2 2ε0meω2 Z R 0 ne(z)dz, (1.32)

onde pode-se identificar a medida de dispersão como

DM=

Z R

0

ne(z)dz, (1.33)

com R representando a distância até a fonte. O ângulo de polarização ϕ é dado por

ϕ = arctan Ey Ex  , (1.34) com Ex= E0cos ω c(n±z− ct)  (1.35) Ey= E0sin ω c(n±z− ct)  . (1.36) Portanto ϕ = ω 2c(n++ n−) z. (1.37)

Diferenciando com relação a z, tem-se que dϕ dz = ω 2c nee2 meε0 eB0 meω2 . (1.38)

Assim, obtém-se a seguinte expressão

∆ϕ ≈ nee 3 2ε0m2ecω2 Z R 0 Bk(z)ne(z)dz. (1.39)

(21)

Campos Magnéticos Cósmicos

A medida de rotação (RM) está relacionada a ∆ϕ da seguinte forma:

RM=∆ϕ

λ2, (1.40)

onde λ é o comprimento de onda da fonte emissora.

A componente paralela do campo magnético é Bk= RM/DM. Portanto o campo é [16, 19]

Bk

µ G= 1, 232

RM

DM. (1.41)

É importante notar que os objetos que possibilitam a medição do campo via rotação de Faraday são tipica-mente pulsares, no caso da galáxia, e fontes de rádio, para campos extragalácticos. Os pulsos emitidos por pulsares com comprimentos de onda mais longos se propagam mais lentamente no meio interestelar, sendo medidos com um atraso em relação aos pulsos de comprimentos de onda menores.

1.2

Campos Magnéticos em Aglomerados de Galáxias

As galáxias tendem a agrupar-se em estruturas maiores, os aglomerados de galáxias, cujas dimensões

são tipicamente da ordem de 102 Mpc [20]. Há fortes evidências experimentais para a existência de campos

magnéticos em tais aglomerados. Observa-se nestes aglomerados os rádio-halos, que são produzidos por emis-são de radiação síncrotron por elétrons relativísticos. Tais rádio-halos estão distribuídos de forma semelhante ao gás observado em raios X numa região conhecida como ICM (Intra Cluster Medium, do inglês meio intra-aglomerado) [21]. Outra evidência experimental a favor da existência de tais campos em aglomerados de galá-xias são medidas de rotação de Faraday do ICM [21, 22]. Há também observações de radiorrelíquias, que são estruturas com dimensões tipicamente ∼ Mpc com propriedades semelhantes aos rádio-halos, diferindo na pola-rização e morfologia [23,24]. Tais radiorrelíquias localizam-se nas regiões externas do aglomerado, normalmente nas extremidades das regiões emissoras de raios X [23].

A primeira evidência experimental para campos magnéticos em aglomerados ocorreu com a detecção de um halo de radiação síncrotron nos aglomerados de Coma [25]. Medidas posteriores neste mesmo aglomerado [26–28] e em outros tais como Abell 754 [29], Abell 2256 [30] e Abell 2319 [31] forneceram estimativas para os campos magnéticos em aglomerados, uma vez que a medida precisa requer conhecimento da densidade eletrônica no plasma [5]. Medidas recentes do campo no aglomerado de Coma, baseadas em modelos de campo magnético, apontaram um campo total médio de 4,7 µG [23]. O campo magnético total em rádio-halos é tipicamente ∼0,1-1,0 µG [32], sendo 0,4 µG para este aglomerado [33]. Kim et al. [28] determinaram RM para

18 objetos atrás do aglomerado de Coma e obtiveram um campo magnético B '2, 5(L/10 kpc)−1/2µG, onde L

é a escala na qual há reversão do sentido do campo [6].

Dolag et al. [34] mostraram que existe uma correlação entre a emissão de raios X por aglomerados de galáxias e o rms (root mean square, do inglês valor quadrático médio) da RM do aglomerado, indicando que o valor do campo decresce com a distância ao centro. As regiões centrais podem alcançar campos de até 40 µG

com comprimento de coerência2de 50 kpc [35].

Estudos detalhados contendo medições de RM em núcleos de aglomerados de galáxias indicam campos magnéticos ∼ 10 µG [36]. Medições de RM em outras regiões de aglomerados, não apenas em seus núcleos,

2O comprimento de coerência de uma onda está associado à distância na qual esta mantém um determinado grau de coerência, isto é, a distância a partir da qual ela passa a interferir com si mesma. No caso específico de campos magnéticos, pode ser pensada como a distância típica de células unitárias dentro das quais o campo é coerente.

(22)

Campos Magnéticos Cósmicos

apontam campos magnéticos ∼ µG [37–40]. Medições de RM dos aglomerados de Abell indicam que os campos magnéticos são da ordem de 2 µG com comprimento de coerência ∼ 10 kpc [20]. Em aglomerados irregulares, o valor do campo nas regiões centrais é 5 µG, e 10-30 µG em aglomerados regulares [20, 41].

1.3

Campos Magnéticos Além dos Aglomerados de Galáxias

Kim et al. [42] encontraram indícios da existência de campos magnéticos em uma escala ainda maior, a dos superaglomerados. Foi detectada uma fraca emissão de rádio na frequência de 327 MHz em uma região entre os aglomerados de Coma e Abell 1367, que distam 40 Mpc entre si. A intensidade de tal campo seria ∼ 0,2-0,6 µG [6]. Outras medições em diferentes frequências indicam um campo magnético entre aglomerados de galáxias ∼ 0,01 µG em regiões onde choques em grande escala podem estar ocorrendo [43].

Outras evidências para campos magnéticos além de aglomerados de galáxias foram apontadas por Enßlin et al. [44]. A rádio-galáxia NGC 315 apresenta peculiaridades que poderiam ser explicadas por um movimento através de uma onda de choque cosmológica duas ordens de grandeza maior que a dimensão típica de um aglomerado. As medidas indicam um campo magnético de larga escala que estaria associado às emissões polarizadas de rádio [43].

Apesar de diversas medidas indicarem a existência de campos magnéticos além de aglomerados de galáxias,

tais campos ainda não foram detectados na região conhecida como vazio3de Boieiro. O limite superior para o

campo magnético nesta região é 0,1 µG, para a componente regular [45, 46].

1.4

Campos Magnéticos em Outras Galáxias

O campo magnético nas galáxias espirais segue aproximadamente a distribuição de matéria de seus braços. Padrões espirais de campo magnético são observados na estrutura em larga escala de galáxias de diversos tipos, incluindo irregulares [20]. Neininger et al. através de medidas de rotação de Faraday mostraram que o campo magnético da galáxia espiral M83 segue a orientação do mesmo, com um grande comprimento de coerência [47]. Medidas polarimétricas da galáxia espiral NGC 1068 indicam um alinhamento entre as linhas de campo magnético e a distribuição de matéria nesta galáxia [48]. Apesar desta relação entre a distribuição de matéria nos braços espirais e o campo magnético, em algumas galáxias as linhas de campo da componente regular do campo magnético localizam-se na região entre os braços espirais, demonstrando que tais campos não estão necessariamente associados à distribuição de matéria [49]. Os campos regulares nestas regiões são normalmente ' 15 µG [49]. Nas galáxias espirais NGC 6946 e M51 tais campos também são intensos, sendo respectivamente 13 µG e 15 µG. Medidas do campo magnético na galáxia espiral NGC 2276 revelam que a componente regular do campo é ' 10 µG [50]. O campo deste objeto é mais intenso que o campo das demais galáxias do mesmo tipo, provavelmente devido à sua localização dentro de um aglomerado de galáxias, fator que pode contribuir para o aumento da intensidade do campo [51]. Pesquisas recentes com diversas galáxias

espirais revelam que o campo magnético médio destas galáxias éB ' 9 µG [17, 52].

Em galáxias elípticas os campos magnéticos medidos via rotação de Faraday são ∼ µG. No entanto, não são detectadas emissões de radiação síncrotron polarizada e nenhuma outra manifestação de um campo magnético regular [6]. Apesar de os campos terem a mesma intensidade que os campos de galáxias espirais, o comprimento de coerência neste tipo de galáxia é menor, podendo ser menor que a própria galáxia [6].

3Superaglomerados agrupam-se em estruturas filamentares conhecidas como ‘filamentos’ ou ‘paredes’. Vazios (comumente designados pelo termo em inglês voids) são as regiões pouco populadas entre os filamentos.

(23)

Campos Magnéticos Cósmicos

Em galáxias irregulares tais como a galáxia anã NGC 4449, campos magnéticos foram observados através de medidas de rotação de Faraday. A componente regular do campo nesta galáxia é 6-8 µG, valor próximo ao encontrado nas galáxias espirais [6, 53]. Neste objeto o campo possui duas componentes: um anel magnetizado de raio 2,2 kpc que indica a existência de uma componente regular espiral para o campo magnético e uma componente de estruturas magnéticas que se afastam da região de formação estelar oscilatoriamente [6, 45, 53]. Na Grande Nuvem de Magalhães, galáxia irregular pertencente ao Grupo Local de galáxias, o campo

mag-nético médio medido através de RM foiB ' 6 µG [45]. Vallée et al. mostraram que o RM no norte e no sul

da Grande Nuvem de Magalhães são opostos, assim como no leste e no oeste [54], sugerindo uma estrutura de campo magnético espiral bissimétrica. Na Pequena Nuvem de Magalhães, foi encontrado apenas uma pequena polarização linear que indica um campo magnético desorientado [45, 55] com intensidade média ' 6 µG.

Outras galáxias irregulares apresentam campos magnéticos variados. Na galáxia 0020+59 há um campo médio ' 14 µG, possivelmente associada a uma alta taxa de formação estelar [45, 56]. A galáxia NGC 6822 apresenta um campo magnético com intensidade ' 2 µG [45, 56].

Em galáxias do tipo starburst4os campos magnéticos médios são ' 30-50 µG e nas regiões centrais podem

atingir até 100 µG [20]. A galáxia NGC 5128 (Centaurus A), conhecida por possuir um núcleo ativo, foi estudada

por Sarma et al. [57] e o campo encontrado tem intensidadeBrms ≈ 7 µG na região circular de 100 pc ao redor

do núcleo [45].

1.5

Campo Magnético da Via Láctea

A Via Láctea é uma galáxia espiral de raio aproximadamente 15 kpc, que faz parte do Grupo Local de galáxias. Seu campo magnético pode ser decomposto em duas componentes [19, 58]:

• componente regular: permeia toda a galáxia e tem comprimento de coerência da ordem de dezenas de kpc;

• componente turbulenta: campos aleatórios de pequenos comprimentos de coerência distribuídos nos bra-ços espirais.

O campo magnético em galáxias espirais pode ser descrito por duas grandes classes de modelos: axissimé-trico (ASS, do inglês AxisSymmetric Spiral) e bissiméaxissimé-trico (BSS, do inglês BisSymmetric Spiral). Com relação à transformação do ângulo azimutal θ → θ + π, os modelos ASS são pares e os BSS são ímpares [59].

Pode-se dividir os modelos ASS e BSS em duas subclasses de modelos: o simétrico (S) e o antissimétrico (A). Estas subclasses estão associadas à transformação z → −z em relação ao plano da galáxia [59, 60].

Em geral, modelos espirais para o campo magnético podem ser descritos por espirais logarítmicas da forma

r= r0exp (θ tan p) , (1.42)

onde r0é um parâmetro dependente da galáxia, e p é um ângulo característico de espirais logarítmicas, chamado

ângulo de pitch5.

4Galáxias starburst são caracterizadas por uma alta taxa de formação de estrelas.

5Define-se o ângulo de pitch em um determinado ponto situado a uma distância r de uma espiral logarítimica, como o ângulo formado pela intersecção da reta tangente à circunferência de raio r de mesmo centro que a espiral, e a reta tangente à espiral neste mesmo ponto.

(24)

Campos Magnéticos Cósmicos

1.5.1

Modelos para a Componente Regular do Campo Magnético Galáctico

Modelo de Stanev

Visando estudar a deflexão de prótons ultra-energéticos em diferentes modelos de campo magnético

ga-láctico, Stanev [61] introduziu dois modelos, um do tipo ASS-A e outro BSS-S6. Estes modelos abarcam as

observações experimentais disponíveis [5, 60].

Nos dois modelos propostos por Stanev, assim como nos demais modelos espirais de campo aqui utilizados, pode-se decompor o campo magnético na região do disco na direção radial e azimutal:

~

B(r, θ ) = B(r, θ ) cos p ˆθ + B(r, θ ) sin p ˆr. (1.43)

Note que não há dependência na direção z na descrição do campo na região do disco. Adota-se o valor de p

como 10◦e r

0=10,55 kpc.

A componente do campo na direção z pode ser descrita como

Bz(z) = exp  −|z| z0  , (1.44)

onde z0é 1 kpc se −0, 5 kpc < z < 0, 5 kpc e 4 kpc caso contrário.

No modelo ASS-A, semelhante ao proposto por Han & Qiao [62] tem-se que a intensidade do campo magné-tico num dado ponto do disco galácmagné-tico com coordenadas polares (r,θ ) é

B(r, θ ) = B0(r) cos  θ − 1 tan pln r r0  . (1.45)

Assumindo o modelo BSS-S, tem-se a seguinte expressão para o campo magnético do disco galáctico:

B(r, θ ) = B0(r, θ ) cos  θ − 1 tan pln r r0  . (1.46)

No trabalho de Stanev foi adotado:

B0(r) =

3R

r µG, (1.47)

com a distância do sistema solar ao centro galáctico sendo R =8,5 kpc, conforme sugerido por Sofue & Fujimoto [63], o que é consistente com medidas de RM de pulsares [64].

Modelo de Harari, Mollerach, Roulet

Harari, Mollerach e Roulet [59] (HMR) propuseram quatro classes de modelos para o campo magnético galáctico, sendo estas: ASS-S, ASS-A, BSS-S e BSS-A. Para modelos BSS o campo na região do disco é dado por: B(r, θ ) = B0(r) cos  θ − 1 tan pln r r0  , (1.48)

e, no caso de modelos ASS,

B(r, θ ) = B0(r) cos2  θ − 1 tan pln r r0  . (1.49)

(25)

Campos Magnéticos Cósmicos

No trabalho de Harari, Mollerach e Roulet, adota-se

B0(r) = 3r0 r tanh 3 r r1  µG, (1.50) onde r0=10,55 kpc e r1=2 kpc.

A contribuição do halo depende da simetria (A ou S) do modelo adotado. Para modelos simétricos, tem-se que Bz(z) =   1 2 cosh  z z0  + 1 2 cosh  z z1   , (1.51)

e para modelos antissimétricos

Bz(z) =   1 2 coshzz 0  + 1 2 coshzz 1   tanh z z2  , (1.52) onde z0=4 kpc, z1=0,3 kpc e z2= 20 pc.

A classe de modelos HMR é interessante pois adota uma abordagem semelhante à apresentada por Stanev [61], que está de acordo com algumas observações, e evita efeitos das descontinuidades no campo e suas derivadas, que existem nos modelos de Stanev.

Modelo de Tinyakov e Tkachev

Tinyakov e Tkachev [65] modelaram o campo magnético do disco galáctico através da seguinte expressão:

B(r, θ ) = B0(r) cos  θ − 1 tan pln r r0  . (1.53)

Neste caso, diferentemente dos modelos de Stanev e Harari, Mollerach e Roulet, o ângulo p vale -8◦. A

dependência radial do campo é

B(r) = B0

R

rcoshtan p1 ln 1 +dR −π 2

i , (1.54)

com B0=1,4 µG, d=-0,5 kpc e r0=10,55 kpc. Nota-se que a magnitude do campo decresce com r−1. Assume-se

também que o campo na região do centro galáctico (r <4 kpc) é constante. Para o campo no halo em modelo simétrico, tem-se que:

Bz(z) = exp  −|z| z0  , (1.55)

onde adota-se z0=1,5 kpc. Para um modelo antissimétrico tem-se a expressão

Bz(z) = sign(z) exp  −|z| z0  , (1.56)

(26)

Campos Magnéticos Cósmicos

Modelo de Prouza-Šmída

No trabalho de Prouza e Šmida [66] o campo no disco é: ~ B(r, θ ) = B0(r) cos  θ − 1 tan pln r r0  cos p ˆθ + cos  θ − 1 tan pln r r0  sin p ˆr, (1.57) onde B0(r) = 3 R r. (1.58)

Considerando a coordenada z, tem-se que

Bz(z) = exp  −|z| z0  . (1.59)

Ao campo inicial são adicionados campos toroidais e dipolares. O campo toroidal consiste em discos cir-culares acima e abaixo do plano galáctico, com um perfil lorentziano na direção z. Pode-se descrevê-lo como:

~Btor= −BTsin φ ˆx+ BTcos φ ˆy, (1.60)

onde BT=        Bmax 1 1+(z−H P ) 2 x2+ y2< R2g Bmax 1 1+(z−H P ) 2exp  − √ x2+y2 R  x2+ y2> R2 g , (1.61)

onde H=1,5 kpc, P=0,3 kpc, Rg=15 kpc e o máximo valor do campo, Bmax=1 µG. Nesta representação, x e y são

as coordenadas no plano galáctico. O campo poloidal é da forma:

~

Bpol=

−3K

2R3 Kcos ζ sin ζ sin θ ˆx+

−3K

2 R

3cos ζ sin ζ cos θ ˆy+−K

R3 (1 − 3 cos

2

ζ ) ˆz, (1.62)

onde K é uma constante, θ é o ângulo azimutal e ζ o ângulo zenital.

Modelo de Kalchelrieß, Serpico e Teshima

O modelo de Kalcherieß, Serpico e Teshima (KST) [67] é uma modificação do modelo BSS-A de Prouza e Šmída. A principal diferença entre este modelos é a dependência radial do campo, que neste caso é

BT,max(r) = 1, 5

h

Θ(R − r) + Θ(r − R)e

R−ri

µG, (1.63)

onde Θ é a função degrau de Heaviside, que torna a contribuição do halo desprezível para r  R.

Modelo de Sun, Reich, Waelkens e Enßlin

Sun, Reich, Waelkens e Enßlin [68] (SRWE) propuseram alguns modelos para explicar as observações de rádio realizadas. Um destes é um modelo modelo ASS-S com reversões do campo em anéis concêntricos

(27)

Campos Magnéticos Cósmicos

centrados no centro galáctico. Assim, o campo no disco é dado por:

~ B(r, θ ) =    B0Ξ(r) exp  −r−r0 r0  sin p ˆr − r0Ξ(r) exp  −r−r0 r0  cos p ˆθ r> Rc B0 r≤ Rc (1.64) onde Ξ(r) =                +1 r> 7, 5 kpc −1 6 < r ≤ 7, 5 kpc +1 5 < r ≤ 6 kpc −1 r≤ 5 kpc (1.65)

Para o correto ajuste das medidas experimentais, os parâmetros r0 e B0 devem assumir os seguintes valores:

r0=10 kpc B0=2 µG.

O segundo modelo é um BSS-S, com campo na região do disco dado por:

~B(r, θ ) = B0cos  θ + 1 tan pln r r0  . (1.66)

O campo tem intensidade B0=2 µG, r0=9 kpc e p=-10◦para r<6 kpc, e r0=6 kpc e p=-15◦para r ≥6 kpc.

A dependência em z é da forma Bz(z) = exp  −|z| z0  , (1.67) onde z0=1 kpc.

1.5.2

O Campo Magnético na Região do Centro Galáctico

Próximo ao centro galáctico há um sistema de estruturas filamentares polarizadas, designadas generica-mente por NTFs (filamentos não-térmicos, do inglês Non-Thermal Filaments), mostrados na figura 1.3. Dentre estes NTFs, destaca-se o GCRA (Rádio-Arco do Centro Galáctico, do inglês Galactic Center Radio Arc), ou

sim-plesmente o “Arco", localizado em 0,2◦de longitude galáctica e estendendo-se por 3◦na direção perpendicular

ao plano [69–71]. Medidas de polarização indicam que os NTFs consistem em elétrons relativísticos espiralando ao longo das linhas de campo magnético [72]. É interessante notar que quase todos os NTFs estão alinhados perpendicularmente ao plano galáctico [69], indicando a possível existência de um dipolo magnético no centro galáctico. Ademais, a não distorção dos filamentos permite impor limites inferiores para a intensidade do campo magnético na região. Segundo Morris e Serabyn [73], B ' mG.

Medidas de efeito Zeeman em nuvens de gás próximas ao centro galáctico revelam que a intensidade do campo nesta região é da ordem de mG [75, 76]. No entanto, outras medidas indicam que o campo médio na

região de SgrA7é < 0,4 mG [77].

1.5.3

Reversões no Sentido do Campo

O modelo ASS é um dos modelos mais simples para descrever o campo magnético da galáxia. Ele é com-patível com uma origem através de uma mecanismo de dínamo [78, 79]. Este modelo é suportado por diversas evidências obtidas através de medidas de rotação de Faraday, e seus diferentes modos podem acomodar até

(28)

Campos Magnéticos Cósmicos

Figura 1.3: Região em torno do centro galáctico, na faixa do rádio (90 cm), mostrando o GCRA. Note os NTFs são aproximadamente alinhados entre si, perpendicularmente ao plano galáctico. Figura extraída de [74].

três reversões de campo [46]. Por outro lado, o modelo BSS acomoda diversas reversões de campo, mas tem dificuldades para explicar algumas medidas de rotação [46].

Quanto à existência de reversões no sentido do campo, sabe-se que à distância de 10 kpc do centro

ga-láctico, no braço espiral de Perseu, o campo magnético está orientado no sentido horário8 e tem intensidade

de aproximadamente 2 µG [80]. À distância de 8 kpc, no braço de Órion, estima-se que o campo magnético também esteja orientado no sentido horário e tenha módulo 3 µG. No entanto, no braço de Sagitário, localizado a 6,5 kpc do centro galáctico, estima-se que o campo seja aproximadamente 6 µG e esteja orientado no sentido anti-horário [80, 81]. No braço de Escudo (distante 5,5 kpc do centro galáctico) tem-se um campo orientado no sentido anti-horário [82] e possui um módulo de aproximadamente 2 µG [83]. Uma compilação destes dados é apresentada na figura 1.4.

1.6

Magnetogênese Cosmológica

1.6.1

Campos Magnético Primordiais

Os modelos de magnetogênese cosmológica podem ser divididos em dois grupos: origem primordial e ori-gem associada à formação de galáxias [5]. Os mecanismos de oriori-gem primordial prevêem a criação dos campos magnéticos que compõem o universo a grandes redshifts. Os campos magnéticos primordiais podem ter in-tensidades muito baixas, pois o mecanismo de dínamo pode amplificá-los muitas ordens de magnitude [84]. Diversos modelos descrevem como estes campos poderiam surgir, e sua evolução é dada pelas conhecidas leis da magnetohidrodinâmica (MHD) [9]. Os principais modelos deste tipo para a origem dos campos magnéticos nos primórdios do universo são [85]:

(29)

Campos Magnéticos Cósmicos

Figura 1.4: Visão esquemática, conforme visto a partir do polo norte galáctico, do sentido do campo magnético nos braços e entre eles. Figura extraída de [82].

• vórtice primordial [86, 87];

• transição de fase quark-hádron [88]; • transição de fase eletrofraca [89];

• helicidade magnética e bariogênese eletrofraca [90]; • origem inflacionária [91];

• cordas cósmicas [92, 93].

Nenhum destes modelos é suficiente para explicar os campos magnéticos observados hoje. Sendo assim, ainda restam muitas questões, conforme apontado por Widrow [6]:

• Quando surgiram os primeiros campos magnéticos cósmicos?

• Eles estavam presentes durante a nucleossíntese/formação das galáxias/recombinação?

• Qual era o espectro (intensidade e comprimento de coerência) dos primeiros campos magnéticos? • O dínamo galáctico foi semeado por campos subgaláctico, galácticos ou supergalácticos? (Seriam os

campos gerados conforme modelos bottom up ou top-down de geração de campos magnéticos) • Existe uma conexão entre os primeiros campos e a formação das estruturas de larga escala? • A ação de dínamos é necessária para amplificar o campo magnético primordial?

(30)

Campos Magnéticos Cósmicos

Zel’Dovich [94] notou que o modelo cosmológico de Friedmann permite a existência de um campo magnético

uniforme como uma condição inicial, no Big Bang. Tal campo nunca foi detectado e seu limite superior é ∼ 10−7

G [60], de forma que este afetaria a nucleossíntese primordial e a expansão do universo de forma anisotrópica

[85, 95]. Segundo resultados de Ruzmaikin e Sokoloff [96], tal limite superior seria 10−9- 10−10G. A existência

deste campo leva a processos de spin-flip (transição entre quiralidades) em neutrinos. É possível estimar um limite superior para o campo através da abundância de neutrinos de mão-direita na nucleossíntese, o que resulta

em um campo ∼ 10−13G [60].

Depois da geração dos campos primordiais, apesar dos processos difusivos serem quase insignificantes, em certos momentos da história do universo a energia dos campos magnéticos foi convertida em calor através de processos de amortecimento magnetohidrodinâmicos [97]. No entanto, esta dissipação de energia dificulta a formação de campos magnéticos galácticos, a menos que haja um mecanismo de dínamo capaz de amplificar tais campos. Assumindo a existência de um dínamo galáctico capaz de amplificar o campo magnético cosmológico

primordial em até 30 ordens de magnitude, este pode ter o valor de ∼ 10−23G [98]. Rejeitando o mecanismo de

dínamo, os campos primordiais devem ter intensidades ∼ 109−12G.

1.6.2

Origem do Campo Magnético Galáctico

Apesar de campos magnéticos serem essenciais para regular a dinâmica de formação estelar e do meio interestelar nas galáxias, acredita-se que estes tenham sido apenas coadjuvantes no processo de formação das galáxias [98]. No entanto, se campos de intensidade ∼ nG-pG forem observados em nuvens protogalácticas, talvez o papel destes tenha sido mais importante na formação galáctica, podendo até mesmo ter participado de seu processo de formação [99, 100]. Sabe-se hoje que campos magnéticos cósmicos são capazes de gerar estruturas em pequena escala após o período da recombinação. Sendo assim, eles são capazes de afetar a distribuição de matéria bariônica no universo [98].

As duas principais correntes para explicar a origem e manutenção do campo magnético em galáxias são as teorias de dínamo e teorias de origem primordial. Em uma teoria de origem primordial, os campos magnéticos presentes hoje seriam relíquias de um campo coerente existente anteriormente à formação das galáxias. Tal campo magnético teria suas linhas de campo deformadas e curvadas ao redor de seu centro devido a movimen-tos de gás associados ao colapso de protogaláxias. Em teorias de dínamo, como a MFD (Mean Field Dynamo, dínamo de campo médio), a difusividade magnética das galáxias é alta e o campo rapidamente decairia caso não fosse realimentado pelo movimento de fluidos. Em teorias primordiais, a difusividade das galáxias é baixa e o fluxo magnético é aproximadamente constante nas galáxias, de forma que o campo deve ter sido criado no passado.

Em uma teoria de dínamo, a evolução do campo magnético galáctico, em larga escala, é governada pela seguinte equação: ∂ D ~BE ∂ t = ~∇ ×  h~vi ×D~BE+~∇ ×~ε, (1.68)

onde ~ε =δ~v× δ ~B é a força eletromotriz devido a movimentos turbulentos. Pode-se expressar a força

eletro-motriz como

εi= αi jBj + βi jk

∂Bj

∂ xk

, (1.69)

onde α é um tensor que descreve a advecção do campo magnético devido à turbulência, e β é o tensor que descreve a difusão magnética [101]. É através deste processo que um campo magnético existente no início do universo pode ser amplificado, em um efeito conhecido como efeito alfa. Um exemplo do processo de evolução

(31)

Campos Magnéticos Cósmicos

Figura 1.5: Modelo mostrando a visualização frontal da evolução do campo magnético da galáxia espiral M83 (quadro acima); visualização lateral do campo magnético a galáxia para t=8,1 Gyr. Imagem extraída de [60].

pode ser visto na figura 1.5, para a galáxia espiral M83.

Todos os modelos de dínamo (clássicos) prevêem uma estrutura em larga escala para o disco com uma simetria de quadrupolo na parte externa do disco de galáxias espirais, o que implica que as componentes radial

(Br) e azimutal (Bϕ) do campo são pares com respeito à reflexão sobre o eixo central, enquanto a componente

vertical (Bz) é ímpar. Nas regiões mais internas, próximas ao eixo de rotação do disco, as componentes Bϕ e

Brpodem ter paridades ímpares com relação à reflexão sobre o eixo z, enquanto Bzpode ter paridade par. No

entanto, estes modos são dominantes para um disco, mas não para uma esfera [60].

A MFD e as teorias de campo primordial prevêem paridades opostas para a componente vertical do campo, com relação ao plano galáctico, sugerindo um importante teste observacional. No entanto, como a componente vertical do campo é pequena na maioria das galáxias espirais, faz-se necessário um outro método de verificação. A observação da paridade do campo com respeito a rotações de π pode contribuir para a compreensão da origem do campo magnético galáctico. Teorias de campo primordial sugerem uma simetria do tipo BSS com reversão do campo entre os braços espirais, enquanto a maioria dos modelos de dínamo, incluindo o modelo MFT prevêem uma simetria ASS [102].

No caso da Via Láctea, sabe-se da existência de duas regiões com reversão do campo, entre os braços espirais. Vallée [103] argumenta que o modelo BSS não é totalmente compatível com estas observações, uma vez que se espera diversas reversões do campo. O modelo ASS produzido com uma teoria de dínamo prevê a existência de algumas (poucas) reversões do campo entre os braços espirais, conforme observados na Via Láctea [104] e parece compatível com as medidas de rotação de pulsares.

(32)

Campos Magnéticos Cósmicos

1.7

Deflexão de Partículas Carregadas nos Campos Magnéticos

Galác-tico e ExtragalácGalác-tico

O campo magnético galáctico possui duas componentes: a regular e a turbulenta. A deflexão sofrida por um núcleo carregado de energia E e número atômico Z em sua trajetória até a Terra, devido à componente regular do campo é [105] δreg≈ 8, 1◦40Z EeV E L Z 0 d~r 3 kpc× ~ B 2 µG , (1.70)

onde ~Bé o campo magnético. Pode-se assim definir o poder de deflexãoD, como

D = 8,1◦ 40Z L Z 0 d~r 3 kpc× ~B 2 µG EeV. (1.71) Desta forma: δreg≈D E. (1.72)

Sendo assim, espera-se que a deflexão angular das partículas seja inversamente proporcional à sua energia. Para a componente turbulenta do campo magnético galáctico, pode-se avaliar o valor RMS, que é dado pela seguinte expressão [105]: δrms= 1 √ 2 ZeBrms E √ LLc≈ 5, 8◦  1019eV E/Z   Brms 4 µG s L 3 kpc s Lc 50 pc, (1.73)

onde Brmsé o RMS da componente turbulenta do campo magnético galáctico, Lcé o comprimento de correlação

(L  Lc), tipicamente da ordem de 50 pc [105].

Partículas carregadas se propagando através do campo magnético extragaláctico (EGMF) por uma distância

Dsofrerão uma deflexão devido à componente de larga escala do campo extragaláctico, dada por [106]

δEGMF≈ 0, 53◦Z  D 100 Mpc   100 EeV E   hBi 10−2nG  . (1.74)

A deflexão esperada para o campo extragaláctico turbulento, modelado de acordo com uma distribuição gaussi-ana de média zero, é [107]:

δrms= 0, 01◦Z Lc L  EeV E   Brms 5 µG   L 2 kpc 32r 50 pc Lc , (1.75)

(33)

CAPÍTULO 2

RAIOS CÓSMICOS

2.1

Um Breve Panorama Histórico

Em 1900 Elster e Geitel [108], e independentemente Wilson [109], notaram que mesmo sem a existência de uma fonte de radiação ionizante, corpos eletrizados (no caso, eletroscópios) descarregavam-se ao entrar em contato com o ar, indicando a presença de íons livres neste meio. Isto motivou investigações subsequentes, e em 1909 a possível origem extraterrestre desses íons era calorosamente debatida no meio científico. Foi proposto que a origem destes íons poderia ser o Sol, ou até mesmo o manto da Terra. Para verificar esta proposta, foram conduzidos experimentos subaquáticos e em balões [110].

Em 1911 o físico austríaco Victor Hess realizou uma série de experimentos com eletroscópios a bordo de um balão. Hess esperava que devido ao aumento da distância entre o eletroscópio e as fontes naturais de raios gama existentes na Terra, o efeito da radiação ionizante observada seria minimizado. Experimentos semelhantes já haviam sido realizados por Wulf e Gockel [110, 111], mas os resultados não foram conclusivos. Em 1912, após diversas medidas, Hess verificou que o poder de ionização aumentava com a altitude, levando-o a concluir que a radiação ionizante detectada teria origem extraterrestre [110, 112], resultado que viria a ser confirmado em 1913-1914 por W. Kolhörster [110, 113]. Apesar desta confirmação, dúvidas acerca da origem extraterrestre da radiação ionizante ainda persistiam. Millikan realizou um estudo semelhante em ambiente subaquático e verificou que o poder desta radiação decrescia com a profundidade, reforçando a hipótese de uma origem extraterrestre. Em 1925 ele sentiu-se confiante para afirmar que existe “uma evidência indubitábel da existência destes raios etéreos duros de origem cósmica penetrando na atmosfera uniformemente em todas as direções.” [114]. Foi neste mesmo ano que Millikan cunhou o termo “raios cósmicos”. Por fim, em 1926, Skobeltzyn [115] obteve um registro fotográfico da trajetória da radiação cósmica enquanto realizava um experimento com trajetórias de raios

gama em uma câmara de nuvens1.

Em 1933, Arthur Compton demonstrou que os raios cósmicos eram influenciados pela latitude magnética da Terra, demonstrando a possível natureza elétrica destes raios. Em 1938, os físicos Pierre Auger e Roland Maze observaram que partículas de raios cósmicos separadas por até 20 metros chegavam em coincidência em

1A câmara de nuvens, inventada por Wilson em 1900, permite visualizar trajetórias de partículas, que deixam um rastro ao atravessar vapor de água condensado.

(34)

Raios Cósmicos

contadores Geiger-Müller2, indicando que estas eram partículas secundárias de uma fonte comum. Segundo

relatos de Nagano e Watson [116] tal fenômeno fora observado anteriormente em 1934 por Bruno Rossi. Este foi o marco da descoberta dos chuveiros atmosféricos extensos, ou EAS (do inglês extensive air showers), ilustrados na figura 2.1.

Figura 2.1: Ilustração de um chuveiro atmosférico extenso, formado a partir da interação de um raio cósmico primário com moléculas presentes na atmosfera.

Em 1965, Penzias e Wilson verificaram a existência da radiação cósmica de fundo em microondas [117]. No ano seguinte Greisen e independentemente Zatsepin e Kuz’min estudaram o possível efeito da radiação cósmica de fundo na propagação de raios cósmicos ultra-energéticos [118, 119].

(35)

Raios Cósmicos

2.2

Espectro de Energia

A Figura 2.2 mostra o espectro de energia da radiação cósmica, a partir de uma compilação de resultados de diversos experimentos, dentre eles: Akeno [120], AGASA [121], Haverah Park [122], Fly’s Eye [123], Yakutsk [124], Auger [125], HiRes [126], KASCADE [127], CASA-BLANCA [128], H.E.S.S [129], DICE [130], CAPRICE [131], experimentos com balões [132] e dados dos satélites LEAP [133] e Proton [134].

E [eV]

8

10

10

9

10

10

10

11

10

12

10

13

10

14

10

15

10

16

10

17

10

18

10

19

10

20

10

21

]

-1

s

-1

GeV

-1

sr

-2

[m

dE

dN

-29

10

-26

10

-23

10

-20

10

-17

10

-14

10

-11

10

-8

10

-5

10

-2

10

10

4

10

Balloon Akeno AGASA LEAP satellite Haverah Park Fly’s Eye Proton satellite Yakutsk Auger HiRes KASCADE CASA-BLANCA H.E.S.S DICE CAPRICE

Figura 2.2: Espectro de energia dos raios cósmicos.

Tal fluxo, em função da energia, segue uma lei de potência, dada por: dN

dE ∝ E

−α (2.1)

onde N é o número de partículas, E é a energia e α é uma quantidade conhecida como índice espectral. O espectro de energia dos raios cósmicos apresenta algumas características notáveis, conhecidas como

“joelho” (ou knee), entre 1015e 1016 eV, e o “tornozelo” (ou ankle), entre 1018e 1019 eV. Estas regiões são

caracterizadas pela mudança do índice espectral α. Em aproximadamente 3×1015eV, na região do “joelho”, α

muda de -2,7 para -3,1. Na região do tornozelo, à energia de aproximadamente 3×1018eV, o índice espectral

retorna ao valor inicial de -2,7 [112] .

(36)

Raios Cósmicos

visualizadas em gráficos em que o fluxo é ponderado por E3, como o mostrado na figura 2.3. Nesta figura as

barras de erro maiores a energias mais altas devem-se à baixa estatística de eventos nesta região.

E [eV]

16 10 1017 1018 1019 1020

]

-1

s

-1

sr

-2

m

2

[eV

dE

dN

3

E

23 10 24 10 Akeno AGASA Haverah Park Fly’s Eye Yakutsk Auger HiRes KASCADE

Figura 2.3: Fluxo de raios cósmicos ponderado por E3, em função da energia, conforme medidas de diversos

experimentos.

2.2.1

O “Joelho”

Existem diversos modelos para explicar a origem do “joelho”. Um deles explica a mudança do índice espectral dos raios cósmicos na região em questão como sendo devido a uma mudança no regime de difusão das partícu-las no campo magnético galáctico. Outros modelos explicam o “joelho” através de características intrínsecas ao próprio mecanismo de aceleração [135]. Neste modelo, quando o raio de Larmor descrito por um raio cósmico torna-se comparável ao tamanho do sítio acelerador, o mecanismo de aceleração torna-se ineficiente. Outros atribuem esta característica a uma mudança no desenvolvimento do chuveiro na atmosfera [136].

Apesar dos diversos modelos existentes, é possível notar alguma relação entre partículas aceleradas por

supernovas e o “joelho”. O raio de Larmor3 para um próton, assumindo um campo magnético galáctico de

3 µG, é aproximadamente 0,5 parsec à energia de aproximadamente 1015 eV. O tamanho de estruturas no

meio interestelar induzidas por supernovas é da ordem de parsec. Assim, a difusão no meio interestelar é menos eficiente para partículas mais energéticas com maiores raios de Larmor. Segundo estimativas, a energia máxima de partículas aceleradas por ondas de choque de supernovas é desta mesma ordem, indicando uma possível correlação entre o “joelho” do espectro total de raios cósmicos, e o fim do espectro de raios cósmicos galácticos [137, 138].

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